AD SENSE

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Maria Elisa - A velhinha hospitaleira






Nome: Maria Elisa Dias Cardoso
Data de Nascimento: 28 de Julho de 1911
Descanso: 18.01.2007

Local de Nascimento: Gramado,Rio Grande do Sul, Brasil
Última morada: Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil
Profissão: Agricultora
Religião: Adventista do Sétimo Dia
Ascendência familiar: Judia (B'Nei Anussim)
Passatempo: Ler a Bíblia; Especular a vida alheia
Virtude: Hospitalidade
Defeito : Especular a vida alheia
Humor: Bom, exceto quando sonhava com merda. Aí era o "tinhoso montado numa macaca com dor de dente".

Ela era conhecida por quase todos no seu perímetro e na rota de vai e vem pela cidade. Seu roteiro era quase único: de casa à igreja, ou de casa ao centro, passando pela loja do "Biriba", onde comprava um corte de tecido, ou então pagava as prestações das calças "Topeka", que comprava para presentar filho, neto ou algum sobrinho.

Ninguém pronunciava seu nome correto, "Maria Elisa". Era chamada pelo coloquial "Tia Ilizia". Vivia rodeada de pessoas. Pobres, na maioria, onde sentia-se mais à vontade. Se fossem muito pobres, então, "Tia Ilizia" estava feliz feito pinto na quirera.

Sua principal virtude e defeito eram o mesmo: adorava especular sobre a vida alheia. Fazia uma CPI quando conhecia alguém na rua, e sua lábia era suficiente para que, em poucos minutos a pessoa estivesse confortavelmente sentada à sua mesa, saboreando uma caneca de chá de mate e devorando uma pratada cheia de bolinhos fritos. Enquanto isso, imperceptivelmente, já havia contado à ela tudo o que era preciso para que Maria Elisa elaborasse sua própria versão dos fatos.

Preto, branco, rico, pobre, feio, bonito, quem quer que fosse, não tinha a menor possibilidade de escapar de sua rede de pescar pessoas. Todos que passassem perto de sua porta, eram obrigados a pegar o pedágio de entrar e contar sua história de família. Onde viviam, quanto ganhavam, do que viviam, enfim, ela conhecia todas as histórias de todas as pessoas, e o melhor de tudo: contava a mim estas histórias. Tornei-me então, uma espécie de "backup" vivo de suas memórias. Eram tantas e contadas tantas vezes, que passaram a ser as minhas próprias memórias. 

Por vezes quase me confundo com as minhas próprias lembranças, e as conto, ora falando dela, ora falando de mim. Tínhamos esta cumplicidade, ela e eu. Éramos confidentes, amigos, e ríamos muito. às vezes de alguém. Outras vezes, de alguma coisa, mas a grande parte do tempo, ríamos de nós mesmos. De nossas trapalhadas. às vezes, isso me irritava. Outras vezes, quem ficava irritada era ela. Mas tudo ficava esquecido no primeiro prato de bolinhos que ela fritava, acompanhados de uma caneca virtuosa de chá de mate com leite. Naquele tempo, eu achava que fosse apenas comida. Não era. Era uma poção misteriosa que ela preparava para enfeitiçar as pessoas e extrair-lhes as dores. Um linimento para as feridas da alma. Era assim que eu via aqueles bolinhos fritos, sem açúcar, que ela chamava de "bolinhos-chimarrão".

Nasceu numa casa sem pintura num povoadinho recém estabelecido, chamado de "Gramado do Mundo Novo", o Quinto Distrito, vulgarmente conhecido como "O Gramado". Aos oito meses de idade, acalentada ao colo de seu pai, é de súbito, jogada ao chão, onde sai engatinhando sobre uma poça de sangue do pai, que acabara de ser abatido por um tiro certeiro de pistola, no meio da cabeça, vindo de cima do telhado de tabuinhas do rancho de chão batido.

Seu pai fora morto por um cunhado, por conta do envolvimento deste com a esposa do sujeito, um tal de Zé Tristão. E assim, sendo a filha mais nova de um cortejo de mais cinco irmãs e um irmão, Maria Elisa teve que assumir a responsabilidade de cuidar da mãe viúva. E o fez, até o últimos dos dias da anciã, que foi sepultada ao lado da casa onde perdeu também o marido, lá nos cafundós do mundo. Ironia.

Na segunda tragédia de sua vida, perde o marido, que, em uma briga  com o genro, é ferido mortalmente, e a deixa agora, órfã de pai, mãe, e viúva.

Junta os trapos, os filhos, o neto de colo ainda, embarcam em uma carreta puxada por mulas, e seguem o caminho de volta à Gramado. Silenciosamente, ao coro do lamento das rodas da carroça, e como todos os vitoriosos que conheci, recomeça das cinzas a sua história de vida.

Lavava pratos em restaurante. Limpava casas. Colhia frutas no mato. Mas às sextas feiras, fazia-se milagre para perfumar o casebre onde foi morar, com cheiro de pães assados em forno à lenha. Acordava cantando hinos. Para cada humor, havia um hino. Um deles tinha uma letra que dizia assim:

Brilhando, brilhando
Quero brilhar como a luz
Brilhando, brilhando
Sempre brilhar por Jesus.


Sábado pela manhã, cheirando à sabonete, levava a família toda para a igreja. À tarde, visitava ou era visitada por algum parente. Bolinhos fritos, cuscuz com leite, chá de mate, conversa fiada, ou a CPI da vida alheia.

Dez anos se passaram. Já tinha uma nova casa. Modesta, mas melhor que a anterior. Os filhos estudavam. Menos o filho do meio. Este apenas trabalhava, arrumava umas brigas, coisa de rapaz. às vezes ia preso, mas ela sempre achava um modo de tirá-lo da prisão. E a vida corria bem. Até que uma nova tragédia a abraça. Cada tragédia vem mais e mais forte. Esta esgota suas forças. O filho do meio não será preso nunca mais. Caba de receber notícia de que morreu num acidente, trabalhando.  Maria Elisa não pôde sepultá-lo nem dizer-lhe adeus. Não pode desejar-lhe um sono em paz. Não foi permitido á ela abraçá-lo e chorar a sua dor. Ele morreu longe. Foi chorado por estranhos. Choro de estranhos não é doce como o choro da mãe.

Maria Elisa respirou fundo e avançou na dura tarefa de encaminhar dois filhos restantes à vida, com dignidade. Dois não. Éramos três. Minha mãe, meu tio, e eu, que preenchi seu tempo vago para que pudéssemos rir em lugar de chorar. Maria Elisa chorava rindo. Ria das bobices que eu fazia. Chorava às gargalhadas. Procurava em cada pessoa que fazia sentar-se à mesa uma resposta. Não vira seu filho ser enterrado, então talvez a história que ouvira ser contada talvez fosse apenas um trote das pessoas, da vida de Deus. Quem sabe uma destas pessoas não fosse um anjo que soubesse dar-lhe as respostas, ou quem sabe se não fosse uma delas mesma, o seu filho perdido, pregando uma peça.

Sou velho e já fui moço, mas jamais vi o justo a mendigar o pão. Maria Elisa, bem o sei, uma velha debochada e contadora de causos, "espiculenta" da vida alheia, viveu até os noventa e cinco anos, e descansou sorrindo, tomando pela mão seu filho mais novo, seu bebê, Samuel. Depois de ter lido mais de cem vezes as Escrituras sagradas, Maria Elisa adormeceu na certeza que abraçará muito em breve seu pai, mãe, esposo e filhos. Enquanto isso não acontece, ainda posso rir das lorotas que ela me contou, uma por uma, ao pé do velho fogão de lenha, nas frias noites de inverno, enquanto apenas nós dois comíamos bolinho frito e tomávamos chá de mate, e armazenando causos para contar aos meus netos, e talvez, à vocês, algum dia, quem sabe. Se houver uma boa fritada de bolinhos e uma grande caneca de chá de mate com leite quentinho, nas silentes noites das lembranças que guardei.






terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Coisas que nunca te contaram quando era criança



Gosto da verdade, sempre, doa a quem doer, e aqui quero fazer justiça à minha infância, cujas noites escuras eram povoadas de visões assustadoras. Não, não eram alucinações. Eram informações mal resolvidas, passadas pelos adultos, ou mesmo por outras crianças, que as ouviam de adultos, e graciosamente dividiam o conhecimento com outras crianças, fosse por sadismo, ou por companheirismo, só importa saber que pelo menos tínhamos conhecimento das coisas. Torto, mas era conhecimento, e isso nos bastava. Procurei reunir alguns destes conhecimentos aqui e desmistificá-los, para o bem das novas crianças, que, tenho que ser sincero, mas elas próprias contam coisas que ainda me metem medo.

Velho do Saco
Ah, este sim, era um verdadeiro motivo para chegarmos em casa antes que anoitecesse. O Velho do Saco era, segundo nossa imaginação, uma espécie de ogro, que vivia escondido atrás de coisas, andando encurvado, balançando um enorme saco às costas, e recolhendo gurizada arteira, para fazer, sabe-se lá o quê com elas. Há casos verídicos de guris malevas que foram levados e eram obrigados a descascar cebolas e comer sopa de jiló todos os dias, até que aprendessem a ter modos com os mais velhos. Metia medo de verdade.

Comer sementes de melancia
Exatamente o que você leu. Comer sementes de melancia, sim, faz nascer um pé de melancia na barriga. Numa aldeia mexicana, foi descoberta uma família que traficava melancias na barriga, comendo sementes e atravessando a fronteira com a Alemanha, e voltava para o México para abastecer-se a cada trinta dias. O excessivo número de carimbos no passaporte despertou a atenção das autoridades da imigração alemãs, que entraram no Google, e localizaram uma plantação de melancias escondida embaixo de uma plantação de maconha. Quando foram presos, revelaram o esquema, que consistia em declarar apenas a maconha ao governo, e esconder as melancias, que produziam sementes para contrabando. Então, quando você encontrar alguém muito pançudo, fique de olho aberto, porque pode ser um traficante de melancias.

Pé de couve no ouvido
Demerval era um sujeito bonachão, que levantava cedo e ia trabalhar todos os dias. Um dia, Demerval começou a perceber que as pessoas não diziam coisas compreensíveis, e começou a se preocupar, quando via todos falando baixinho e não conseguia entender o que diziam. Queixou-se então a um amigo, que o encaminhou a um especialista em tratamento de ouvidos, pois talvez o problema estivesse com ele e não com o modo de falar das pessoas. E era! Nos ouvidos de Demerval, britava um belíssimo canteiro de Couve-Mineira. Ele achou aquilo estranho, pois nunca plantara Couve-Mineira nos ouvidos! Como poderia estar acontecendo aquilo com Demerval?

Já no pronto-atendimento, Demerval ficou sabendo que aquela variedade de couve nasce espontaneamente em ouvidos mal lavados. É um fenômeno, que pode ser explicado pela ciência. Trata-se de uma espécie de bactéria, que está presente na cera dos ouvidos, e que se prolifera na ausência de água com sabão. E não são apenas couves que nascem ali, mas há também casos que relatam pés de jaca, abacateiro, goiabeiras, bananeiras e cebolinha. Esse tipo de profilaxia é mais frequente em pessoas que tem alergia à água com sabão, e a bactéria se prolifera, dando origem ao arvoredo.

Gravidez por selinho
Eu não acreditava que isso pudesse acontecer, até que vi uma vizinha aparecer barriguda, mas enorme mesmo a pança da pessoa,  após retornar das férias na praia, onde, segundo ela própria testemunha, ganhou um selinho de uns oito ou nove amigos, que saíam com ela pelos matos para colher frutinhas silvestres. Existe a suspeita que não tenha sido os selinhos, e sim alguma frutinha desconhecida que tivesse comido durante os passeios. Talvez Banana-da-terra, ou algo assim, sem ter bebido água em cima.

A "Chave"
Só de lembrar, começo a tremer, tamanho era o pavor da tal "chave". Os meninos eram prevenidos pelos mais velhos sobre os perigos de encontrar a "Dama da chave", geralmente uma mulher mais fortona, de coxas largas e fartas embalagens de aleitamento, que espreitava meninos impúberes e os atacava com a tal "Chave".  Certa ocasião, fomos apresentados a um homem todo retorcido, que jurava ter ficado assim depois de ganhar uma "Chave". Era uma cena horrível, dantesca, assombrosa. Depois disso, sempre procurei me relacionar com senhoritas do tipo "Minhon". Não que eu acreditasse naquelas bobagens que nos contavam, mas não custa prevenir-se para chegar à idade adulta com menores riscos colaterais.

Pegar pomba com sal no rabo
Este truque é perfeito. Nunca vi nada mais eficiente. Você pega um pombo e põe sal no rabo (dele). Ele fica inteiramente à sua mercê. Só não pode soltá-lo, senão ele escapa.

Manga com leite
Sempre arregacei as mangas antes de beber leite. Nunca entendi porque usar camisa ou casaco com manga comprida ou curta poderia trazer prejuízos à saúde. Só depois de adulto pude entender que manga não era nem uma parte da vestimenta, nem o afro goleiro do colorado, que jogava na minha época. De todo modo, só fui conhecer a fruta, manga, depois de adulto. E comi com leite. Funciona mesmo, pois eu morri na hora.

Palma da mão coçando é dinheiro na certa
Verdade! Um conhecido meu teve uma coceira enorme na mão, ocasionada por picada de muitas mutucas em simultâneo. O farmacêutico ganhou uma dinheirama vendendo antialérgicos ao moço.

Maus tratos a passarinhos causa crescimento de cabelos na palma da mão
Mentira! Mentira!

Orelha quente é presságio de fofocas
Sim! Definitivamente isso é verdade verdadeira mesmo. Quando era gurizote, fui escutar as gurias falando de mim, observando respeitosamente através de um pequeno furículo na parede do vestiário feminino da escola. Alguém viu isso e não foi compreensivo com minha curiosidade juvenil, e minha orelha parecia pegar fogo, alguns minutos depois. Acho que eu era uma espécie de profeta. Fiquei orgulhoso por este talento. Acho que é um "dom".

Bater três vezes na madeira da azar
É batata! Dá azar pra valer. Num galpão na casa de minha tia havia uma caixa de madeira, e de dentro dela se ouvia um zumbido estranho. Talvez fosse algum ser interplanetário, algo assim, tentando se conectar com o espaço sideral. Pegamos uns pedaços de pau e batemos com vontade na caixa. Ô falta de sorte a nossa. Não era ET, e sim marimbondos. Como deu azar. E doeu.

Bem, tem muitos outros mistérios de nossa infância, mas o texto está muito longo e tou com sono. (Aquela "chave" não me sai da cabeça).

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O carrinho do supermercado e a ética de todos nós



Não é meu interesse comentar assuntos de relevância nacional ou global. Já tem gente demais fazendo isso. Mas também não posso me furtar de fazer uma reflexão, no momento em que estes fatos atingem a porta da minha casa. E também da sua.

Não vou falar deste ou daquele corrupto notório e notável, ou ainda dos que pela corrupção tornam-se notícias. Saem da obscuridade para a notoriedade pelas notas policiais que abarrotam nossas manhãs, azedando nosso desjejum e despejando vinagre no nosso cafezinho. Não precisamos julgá-los, porque já estão condenados. Até pode ser que muitos não cheguem a usar algemas, tornozeleiras, ou aquele uniforme verde, laranja ou seja de que cor a direção penitenciária determine. Estão condenados pela sociedade, pela historia, pelos tribunais dos botecos, e por você ou por mim. Somos suficientes juízes, promotores e carcereiros para encerrá-los definitivamente no livro dos culpados. Assunto encerrado!

Só que não. Tem mais culpados pela frente. Culpados pela ética, culpados pela má educação, que pela nova chamada cartilha do politicamente correto,   criou o politicamente injusto. Ainda estão no nosso caminho os culpados por cuspirem na calçada, por não devolverem o carrinho do supermercado ou da feira ao depósito de carrinhos, pois é mais cômodo deixá-lo na vaga livre ao nosso lado, afinal, não precisamos mais dele e o supermercado que se vire em mandar recolher. 

Tem mais culpados, quando a caneta que tomamos emprestada não foi devolvida, pois afinal é só uma canetinha barata. Ainda existem culpados quando encontramos um amigo desavisado, e também desavergonhado, que por estar em posição privilegiada na fila, aceita nosso calhamaço de contas para pagar em nosso lugar, passando a frente de outros que chegaram antes e tem mais paciência e educação do que nós.

Tem mais culpados, quando votamos nos candidatos a quem devemos favor, porque sabem eles que mais favor ainda podem cometer estando no poder. Tem mais culpados quando estamos no poder e valendo-nos da caneta julgadora, sentenciamos aqueles que opinaram diferentes de nós, e os defenestramos como mostra de nossa autoridade, como hálito de nosso poder.

Tem mais culpados quando colhemos as frutas da árvore do vizinho, porque estão ao alcance de nossa mão, mas também tem mais culpados quando passamos a tesoura na nossa árvore, para que o vizinho não possa comer as frutas que estiverem do seu lado do terreno.

Tem mais culpados quando não reduzimos a velocidade em dia de chuva, e encharcamos os pedestres. Tem mais culpados quando dominamos o controle remoto da tevê, impondo nosso gosto a quem tem menos voz na família. Somos culpados quando tratamos com aspereza o cidadão, estando em nós a possibilidade de sermos gentis, seja na coisa pública ou nas atividades privadas. Tem mais culpados quando bebemos água no bico da garrafa e a devolvemos à geladeira.

Tem mais culpados quando o telefone toca e mandamos dizer que não estamos.
Tem mais culpados quando deixam a palavra solta ao vendo, passível de interpretações, e depois diz: Nada devo, porque nada prometi.
Tem mais culpados quando alimentam esperanças que não tem intenção de cumprir. E depois cobram dos eleitos que cumpram aquilo que deixaram de prometer.

Tem mais culpados quando descobrimos a senha do wifi do vizinho e economizamos nosso pacote de dados, gastando o dele. Tem mais culpados quando temos contas a pagar, e damos chá de banco em que tem que receber. Tem mais culpados quando copiamos modelos de coisas e as produzimos, sem ressarcir os direitos autorais de quem os criou. Tem mais culpados quando baixamos programas piratas, em lugar de buscar software livre, se for caso de não pagar pelos originais. Tem mais culpados quando rimos pelas costas dos defeitos alheios, mas passamos de cara virada diante do espelho para não vermos a nós mesmos.

Há muito mais culpados do que inocentes. Mesmo assim, continuamos a eleger a quem podemos culpar, porque sabemos que são caras de pau mesmo. Há muito mais culpados do que possa imaginar nossa vã consciência.

Ou não?




sábado, 10 de dezembro de 2016

Doralice e Catarina - Cap X Batatinha






CAPÍTULO IX

Batatinha
Batatinha era aquele tipo de figura sinistra que faz seu périplo nas manhãs de domingo à porta da missa para granjear uns trocados. Puxa saco contumaz, não perde um único velório, postando-se feito um dois de paus na rabiola da corriola de politiqueiros que levam um canudinho no bolso em velórios de algum popular para chupar uns dedos de caldinho em benefício de sua imagem política.

Naquele dia, encontrou Abiel na barbearia e não se fez de rogado: fez-lhe os salamaleques corriqueiros, esticou lhe a mão na esperança de ganhar uns trocados. Abiel esticou o braço e apertou-lhe a mão, saudando-o:

- Meu cordial bom dia, caro amigo! Que bem vê-lo com saúde. Mesmo pensava em como encontraria alguém que pudesse me pagar um café a esta hora do dia. E olha quem eu encontro aqui, meu velho e bom amigo Demétrio!

- Não senhor, eu não me chamo Demétrio. Não senhor. Eu me chamo Sebastian, mas sou conhecido como “Batatinha”!

- Mas e não foi o que eu falei? Meu amigo Sebastian! Há quanto tempo, Sebastian. Ainda mexe com negócios de importação e exportação?

Batatinha ficou completamente confuso e desarticulado. As pessoas rias aos frouxos da perspicácia do forasteiro diante da investida do malandro. Deu de ombros e saiu porta afora rogando praga do forasteiro.

- O amigo é de fora, dá pra perceber, pois conhecemos todos daqui. Vem a passeio? – Perguntou o barbeiro, fazendo com que todos parassem as leituras de jornais e revistas velhas, para prestarem atenção à conversa.

- Venho de muitos lugares, amigo. Mas também venho daqui mesmo. Morei aqui na infância por algum tempo, com minha mãe, Professora Ariel Raposo...

- Você é o Abiel? – O barbeiro parou com o que fazia, deu um passo diante do freguês e olhou no rosto de Abiel, com admiração e surpresa.

- Sim, e você é o Matias? Matias Medeiros?
- Sou o Matias Lima, sim senhor! O Matias Medeiros era o filho do Prefeito. Foi-se embora também e seguiu carreira militar.
Você era bom na bolinha de gude, amigo! E na funda também. Não errava uma. Era uma lenda viva no meio da piazada!

Pois eu era mesmo! – Completou o barbeiro, inflando o peito.
- Não me escapava uma pomba. Mas me diga: está a passeio? Veio para ficar?

- Vim rever os amigos e matar saudades, meu amigo.
- Está hospedado na Pensão “Amanhecer”?
- Não, estou na casa de duas velhas amigas, as irmãs Alvarenga de Lacerda. Você as conhece.
- Ah, sim, grandes amigas
- As peidorreiras...

Uma explosão de gargalhadas eclodiu na barbearia.

- Desbocadas também...
- Vai ficar quanto tempo?
- O suficiente, amigo. Apare as costeletas pouco abaixo da orelha, Matias.

Abiel deixou a barbearia e saiu andando pela rua em direção à igreja, onde havia uma pracinha infantil e uma praça ajardinada, com árvores frondosas e canteiros de flores bem cuidados. Sentou-se à sombra de uma paineira coberta de flores e ficou observando as crianças que brincavam no parque.

Uma suave brisa de primavera soprava as folhas e espargia perfume pelo ar que se mesclava ao cheiro de lavanda da loção pós-barba que Matias besuntou sua face magra e bem barbeada. Um menino corre em sua direção e apanha a bola. Seguindo o menino, uma menina apanhava um pequeno galho de árvore e girava a varinha com gestos ritmados, fingindo ser uma fada com sua varinha do condão. Batia aqui e ali “transformando” pedrinhas em barras de ouro e em pérolas preciosas. Tocou com a vara no ombro do menino e o “transformou” em um príncipe.

- Você é o valente príncipe do reino do norte. Eu te nomeio “Cavaleiro da ordem dos cavaleiros valentes”, e sua missão é matar o dragão que mantém a princesa Lila prisioneira na torre do castelo (e aponta para a torre da igreja), onde vive o Duque dos Sete Dragões!”
O menino faz um gesto de genuflexão, baixando a cabeça e uma reverência com a mão:

- Ó minha fada poderosa. Eu vos prometo libertar a princesa e me casar com ela e nos tornaremos Rei e Rainha do reino encantado. Irei montado em meu cavalo branco com asas ligeiras e levarei minha espada invencível para destruir o dragão malvado!”

Abiel ria daquilo e lembrava que fazia o mesmo. A princesa era Doralice. Corriam de mãos dadas pela campina colhendo amoras e araçás e apanhando borboletas e gafanhotos. Doralice vez por outra beijava a bochecha de Abiel e disparava a correr. Logo que se refazia da surpresa, ele disparava atrás dela.
- Aí está o sumido! – Exclamou Catarina.

- Dodô e eu já estamos prontas e o procurávamos na barbearia. Vamos almoçar então. A Cantina serve um bife com batatas quase tão gostoso quanto o da Dodô. E uma sobremesa que é de lamber os beiços. Vou comer até o fió fazer bico.

- Ah, Catita. O convite é tentador, mas se não se importam, eu vou comer alguma coisa mais modesta. Estou um pouco desprevenido, sabe. Ainda não recebi a aposentadoria do mês...

- Que é isso, Abi! Somos amigos e você é nosso convidado. Não se faça de rogado, porque isso nos ofende!

- Com a condição que eu possa pagar a gentileza quando receber minha pensão do mês...

Catarina enfiou a mão na boca e ameaçou retirar a dentadura para lhe morder em alguma parte. Ele se esquivou e rindo, consentiu em receber a gentileza das amigas.

O almoço foi agradável. A sobremesa, o cafezinho, a companhia das amigas... A companhia de Dodô... Ele estava feliz. Elas também. Por que o tempo não estaciona na felicidade só de vez em quando?
Cachoeira, em certos dias, é um daqueles lugares onde desemboca o desânimo do mundo. Já em outros tempos, é o contrário disso: a alegria de todas as manhãs de primavera parece fazer morada nas varandas das casinhas brancas ao longo das ruas ajardinadas.

O passeio fez bem a Abiel. Ele estava frágil. Há dias em que gostaríamos de nos esconder em uma caverna e ali ficar até que o mundo passe. Nem sempre o mundo passa, mas também desanima e espera que nós mesmos passemos. Não passamos, nem mesmo mundo passa. O mundo não passa por nós. Abiel caminhava devagar e ensimesmado em sua escuridão.

Os pensamentos foram quebrados pelas irmãs Alvarenga de Lacerda. O convite ao almoço o atinge num momento em que também dinheiro é um dos seus pequenos problemas. Vem o golpe de misericórdia então: aceitar caridade. Caridade não declarada, mas escancarada. Ele fingia que estava quase bem. Elas fingiam que acreditavam. A atitude correta para sua dignidade seria que tivessem deixado para outra hora o tal café, porque uma coisa era receber a cortesia de estar hospedado na casa das irmãs. Outra coisa era já aceitar favores que envolvesse numerário. Era vergonhoso à ele isso. Mas quando há cumplicidade e amizade verdadeira, nem o tempo, nem a distância apaga as marcas do caráter que foram semeadas ao longo da convivência entre eles. Não apaga e não apagou, portanto. E foram-se ao café.

- Conte mais de vocês, reclamou Abiel. Só falei de mim desde que cheguei.

- É que sua vida deve ser mais interessante que a nossa! – Atalhou Catarina. Somos duas senhoras solteironas, que fazemos piada de tudo para nos defender das piadas que fazem contra nós, de nossa situação.

- Às vezes não sei se temos á nossa volta pessoas ou batráquios coaxantes sob forma bípede! – Consolou pensativo, Abiel.

- Pronto! Agora deu pra falar difícil. Foi pra nos puxar o saco? Cagou-se. Nem temos saco. Mas a gente corta o teu e colocamos uma alcinha pra virar bolsa de feira! – Emendou Catarina, já enfiando a mão na boca e puxando a dentadura para aterrorizar Abiel.
Abiel riu e freou a mão de Catarina.

- Guarde isso. Eu disse que estas pessoas maledicentes não passam de sapos de boca grande disfarçadas de pessoas.

As pessoas olhavam e riam junto. Doralice chegou bem perto duma velha que esticava o pescoço para ouvir a conversa, mostrou-lhe a língua e emitiu um sonoro trepidar de língua em direção à macróbia. Abiel passava mal de tanto rir.

- Venha sentar-se Catita. Desta forma vão pensar que sou doido também. Continue, Dodô!

- A Catarina teve um pretendente certa ocasião, mas não foi longe.
- E você, Dodô?
- Eu não tive tempo pra bobagens.
- Mentira! – Atalhou Catarina.
- Ela sempre foi apaixonada por...
Foi interrompida por um safanão na mão de Doralice.
-...por merda. Sempre gostei de merda! Nunca tive tempo nem cabeça pra pensar nessas bobagens.
- Não é bobagem, Dodô! – Interrompeu Abiel.
- Você sempre foi uma menina linda, delicada e espirituosa. Não venho nada anormal que alguém tenha tocado o seu coração e você tenha correspondido.
- E quem disse que não teve?
- Ora! Eu não disse? Me conte então.
- Conto sim – disse, enfiando a colherinha no açucareiro e colocando na taça de Abiel. Uma, duas, quantas são?
- Três, por favor.
- Vejo que o diabetes não te impressiona.
- Não, nem a insônia.
- Ela desconversa tudo. Vejo que deste mato não sai cachorro! – Disse, olhando para Catarina e rindo da situação.
- Mas sai burro! – Emenda a resposta, colocando as mãos atrás da cabeça dele imitando longas orelhas de burro.
- Beba seu café e largue mão destes sentimentalismos bobos.

- Manda quem pode, obedece quem tem juízo! – concluiu Abiel, rindo e se encolhendo para beber aos goles o café que ainda restava na xícara.

...........Continua

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Prosa de fila



Fila de banco. Daquelas enormes como em dia de pagamento dos aposentados. Calorão lá fora, então todos se apinham em serpentear zigue-zague para ocupar os espaços vazios da agência, sob as benesses do ar condicionado temperado de mofo. Não importa, pelo menos é geladinho.

Resolve o calor, mas não resolve o tédio. Apelamos para o celular. Está bem, com isso nos rendemos à geração zumbi. Felizmente nem todos sabem usar um celular, principalmente os da minha geração, que falam com o aparelho deitado em frente à boca, direcionado ao infinito, como uma antena, imaginando que seja um antigo walkie-talkie, e que ao fim da fala tenha que apertar um botãozinho e berrar: "Câmbio e desligo, copiou?". Esta mesma geração (a minha), tecla com o indicardor, um por um. Minuciosamente, delicadamente. Atormenta o interlocutor no cansaço da espera enquanto aqueles tres pontinhos amarram a atenção, porque leem que o macróbio ainda está "digitando uma mensagem".

Esta geração, a do indicador com calo, não consegue imaginar como é que a mocidade é capaz de digitar com os polegares mais velozmente do que eles datilografavam, no tempo da Olivetti Lexicon. Chegam até a ensaiar alguns créditos à teoria da tal "Geração índigo" defenestrada de Alfa Centauro. Ou então é "Côsa do demônho mesmo".

Então, alijados da destreza ao smartphone, só resta puxar um dedo de prosa com outro semelhante, geralmente na mesma fila preferencial. Mas falar do que, com um estranho? Política?} Não, nem pensar. Política, religião e futebol não se discute em fila de banco. Carestia então? É uma alternativa para puxar assunto. Mas olhando a cara das pessoas, nem precisa falar em carestia. Está estampado na cara. 

O tédio continua, e a fila não anda. Ouve-se o "plim-plon" da senha, e de modo mecânico, examinamos o bilhetinho amarelo. Faltam vinte para chegar a nossa vez. Urgente precisamos puxar assunto, porque vinte na frente são pelo menos quarenta minutos.

Contamos já todos os ladrilhos do piso. As janelas, examinamos todas as pessoas, imaginamos o que estariam pensando, já reconstruímos historias de cada um, sem uma única palavra. Mas o tédio continua. Até que milagrosamente somos acordados de nossos devaneios por alguém que está passando pela mesma situação, mas foi mais corajosa e menos tímida. Um vencedor. Ousado, intrépido. Tomou a decisão por nós, e a prosa desata!

- A gente aqui penando e os políticos lá fazendo as coisas que fazem contra o povo. Olha esse Renan, que praga ruim!
- Grunf...

- Minha filha tá tentando uma consulta no ginecologista há mais de seis meses e nada...dá raiva até!
- Coitada..
- Esses bandidão, viu o que estão fazendo? Matando por nada! Outro dia mesmo atropelaram outro bandido na frente do postinho da polícia, e sumiram... ninguém viu nada..o povo nunca vê nada..
- É tá feia a coisa. Em minha rua também não está fácil sair à noite..

Ah, pra quê você foi mexer no assunto! Ah pra quê? Deu corda e aparecem três para dar detalhes..

- Ó..esse negócio aí de "istrupo" em escola". Eu sou contra!
- Tinha que capá" Tinha que tacá fogo!
-Grunf...
Tinha que mandá os "istrupador" pra Sibéria.
- É! Eu também não gosto de argentino. O "Tramp" falou que eles são tudo "istrupador", e que vao mandar construir um muro no México pra prender os istrupador que entram escondidos, vindo da Sibéria.
- O "Tramp" é muido doido. Mas era bom um "Tramp" aqui pra prender o Renan.
- É tinha que capá!
- O preço da passagem tá cada dia mais alto..
- Tinha que prender os donos dos ônibus e mandar pro México, pro "Tramp" prender na Sibéria.
- É tinha que capá!
- Grunf..

O sinal chama a sua vez. Glória! Chegou a sua vez! Você corre com avidez para o caixa, libertador, paga suas contas, verifica o saldo, faz umas contas e corre pro Magazine Luiza. Vai financiar um smartphone de última geração, e contratar um guri pra te ensinar a dedilhar o mistério do aparelhinho.



quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Tenha netos, Joaquim...



Joaquim corre pela delirante vida que escorre,
enquanto lentamente morre
nas atrapalhadas vielas sujas esburacadas
que abraçam paços e tropeçam passos
em incerto caminhar
abraço, cansaço
no andejar manco de Joaquim.
O que fazer Joaquim, para aplanar as ruas
ou alcatifar
estradas nuas de sentimentos, pensamentos, momentos, tormentos,
sofrimentos espalhados ali e aqui
assim e assim,
fazer o que então?
Tenha netos, Joaquim!

Netos, Joaquim, digo por mim
são a juventude correndo
nossas palhaçadas gritando
nossas esperanças pulando
ali e aqui, assim e assim,
são alegria pra mim,
então eu digo,
enfim,
tenha netos, Joaquim. 

E quando, enfim, o fim chegar pra mim
direi que enfim
simplesmente fui assim:
amei, chorei, sorri também,
cheguei além
de onde pensava chegar,
ao lugar no tempo onde tempo não há
mas valeu por saber ao menos por mim,
alguém lembrará,
que tive netos, Joaquim!




quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Eu desafio a UPG...



Desafiei Fedoca. Ele ignorou. Óbvio que o faria. Aceitar desafio de um doido por que? Imagina só, desafiar um vencedor a abraçar seus desafetos, e reconstruir as pontes derrubadas, em lugar de levantar muros. De onde sai tanta bobagem, será? Pacificação, união..Xô misco! Coisa mais piegas.

Bem, vou dar alguns créditos à ele e sua equipe: pelo menos leem o que escrevo. Não apenas leem, mas meus mosquitinhos que me contam tudo o que acontece, também me contaram que os fazem pensar e repensar em algumas atitudes, e freiam um passo aqui, outro acolá.  Bom. Abraçar nem pensar, mas pensar então, já ajuda.

Pensando grande agora. UPG. Eu desafio a UPG a montar a mais inteligente frente de oposição ao governo de Fedoca, pelo bem dele, para que não se ufane, não se ensoberbeça, não responda o mal com o mal, mas promova ações que motivem outras boas ações. A formar uma nova frente pensante e atuante, de uma oposição fiel, não apenas à indivíduos, como principalmente à princípios. à uma ideologia. E se não tiver uma, pense em Gramado como motivo desta ideologia.

Ou será que acreditam que agora, com Fedoca e Evandro no palco das luzes, a terra passa a girar ao contrário? Quando falo de uma oposição ideológica, falo em ideológica mesmo. Com metas, projetos, métodos, e sobretudo ética. Estou pedindo demais? Não! Não estou. Quero uma oposição de cabeça erguida, partindo do pressuposto que ser oposição já significa ter sofrido alguma derrota. Todos sofrem.

Quero uma oposição para que venha uma campanha sem loucos. Que cada um guarde seus loucos, e definam na palavra, no verbo, e principalmente no abraço, a sua proposta de governo. Depender dos loucos para tirar votos do adversário é muito feio. Todos temos nossos loucos no armário. Todos somos um pouco loucos para nos embrenharmos na loucura da vida pública. Mas que estes loucos sejam apenas desvairados no gracejo, que apenas façam rir, como os bufões. Mas que ao término, Gramado continue de pé.

Destruir o patrimônio moral do adversário para enaltecer o ego é roubar do erário público. É roubar a viúva e o desamparado. É roubar da saúde, da educação, da segurança, e sobretudo da vida. Então, desafio a UPG a inventar uma oposição que envergonhe apenas os adversários, não à si própria. Envergonhar ao adversário é estender a mão nas adversidades e criticar nos erros. Agora, a UPG não tem mais que se preocupar em administrar. Então que se preocupe em filosofar, isto é, questionar a si mesma: Quem sou, onde estou, e o que Gramado pode esperar de mim?




O que é uma ideologia?




ideologia
substantivo feminino
  1. 1.
    fil ciência proposta pelo filósofo francês Destutt de Tracy 1754-1836, que atribui a origem das ideias humanas às percepções sensoriais do mundo externo.
  2. 2.
    p.ext. fil no marxismo, totalidade das formas de consciência social, o que abrange o sistema de ideias que legitima o poder econômico da classe dominante (ideologia burguesa) e o que expressa os interesses revolucionários da classe dominada (ideologia proletária ou socialista).
  3. (Fonte: wikipedia)

Tenho que confessar que o desabafo rouco de André Bertolucci, como um último guardião de suas crenças, exterioriza sua dor aos ventos, na ânsia que seja ouvido, no desejo que desperte os ouvidos moucos, antes, surdos pelo ébrio rufar das fanfarras acaloradas da campanha, e que agora desnuda a fragilidade política que engessava a UPG, sob um invólucro chamado Poder.

Reinava a infame frase de futebol, que em time que ganha não se mexe. Mexe sim. É preciso despertar as falhas dentro de casa, antes que as ruas o façam. Não fizeram. Nestor não fez. Foi um grande gestor e um péssimo político (estou ficando chato de tão repetitivo). Mas a culpa não é de Nestor. Ele não foi pago por 16 anos para ser político. Foi pago para ser Prefeito (vice é um Prefeito que ainda não fez "Plim". Então honrou os votos que recebeu e não tomou dinheiro público sem oferecer seu melhor em troca. Fez isso. Mas foi abandonado pelos políticos, que os transformou em empregados. Sejamos verdadeiros. Parceiros de campanha são empregados no governo. Isso é com todos. Ninguém escapa. Então não atirem pedras. Fedoca vai levar a companheirada. Pedro levou. Nelson era cercado de companheiros, e isso vem desde que o homem descobriu que sua força ou influência eram capazes de arregimentar os melhores bocados de carne da caça, ter as melhores mulheres para parir seus filhos, e os melhores bajuladores (o termo politicamente correto é "puxa-sacos", "baba-ovos", "terneiros")aos seus pés para catar-lhes piolhos. Então, sim, adular candidato é garantia de adular governante.

Então, envolto e inebriado pelo brilho do poder, e pelas responsabilidades do cargo, Nestor não teve condições de administrar suas próprias ideologias, e ninguém ousou indicar-lhe um gestor político, alguém encarregado de tomar conta deste departamento. Assim, Pedro Perdeu. Assim, Fedoca venceu. Assim,aconteceu.

Tem culpados nisso? Tem! Não vou dar nomes, porque óbvio, é minha opinião sobre fatos e não sobre pessoas. Nem sou doido de apontar dedo para levar processo. Opinião posso ter. Acusar sem provas é crime. Nesse caso, vou apresentar as provas e deixo por conta de sua imaginação que descubra os incapazes desta historia. E os falta de capacidade, a miopia estúpida desta brecha  e na falta de visão política de Nestor e da UPG está no excesso de confiança em seus marqueteiros, seus pensadores políticos, seus ideólogos, seus mentores intelectuais, que deram mostra da sonolência que os fez hibernar na sereníssima confiança de que estavam certos. E ninguém ousava confrontá-los, porque seu pedestal era mui elevado. Seu ego era supremo. Sua presença confundia, e suas observações tornavam-se em sentenças. A UPG pagou o preço por confiar demais na mesma estratégia. Não foi permitido que mudassem. Não foi permitido que ousassem contrariar as eminencias pardas contratadas para apontarem seus caminhos. E estas eminencias trocaram suas funções com a dos marqueteiros. Meteram os pés pelas mãos propondo a estagnação, e a UPG pagou o preço. Custou sessenta e dois votos a menos.

Diga-me com quem andas, que digo se quero ir contigo, diz o adágio modificado. O único mofo útil é aquele de onde se extrai a penicilina. O resto pede arejamento, luz do sol, ventilação, e redirecionamento.

Estará definhando a UPG? Ainda não. O grito de André pode fazer eco. Já fez. E mesmo que o eco se propague no vazio, este vazio é uma oportunidade para ser preenchido. A UPG precisa aprender a fazer oposição agora. Fedoca vai precisar desta oposição para manter-se vivo, pois corre também o risco de cometer os mesmos erros que já cometeu, somados aos cometidos pelos que foram derrotados. Governo sem oposição torna-se um governo burro, insensível, inócuo e inoperante. Gramado precisa de uma nova linguagem de oposição desde agora. Mas que seja inteligente. Que seja capaz de fazer-se ouvir quando apontar os próprios erros, e que seja ouvida quando os erros estiverem dentro de sua própria casa.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

O último que sair apague a luz!




Luia é o Presidente da Câmara de Vereadores. Nenhuma novidade aqui. Luia é silencioso. Escorregadio. Vai saborear a vingança por ter sido "traído" (palavras de sua filha há uns meses atrás) pela UPG. Não chorou. Engoliu o choro. Se chorou, chorou quietinho, baixinho, num canto da sala para ninguém perceber. Mas engoliu o choro, trancou um soluço, secou as lágrimas, e fez-se um "bom cabrito", aquele que não berra.

Fez seu périplo a passos finos e firmes, foi eleito vereador (tecnicamente um cargo inferior a vice-prefeito, articulou com Manu Calliari, que já direcionava a vela para outros ventos, e nunca escondeu isso; articulou (Luia) com Fedoca e Evandro (não, eu não estava lá, mas apenas estou somando dois mais dois), e...CATAPIMBA! Presidente da Câmara. Vai dar posse ao Prefeito, seu adversário. Não apenas isso: vai dar posse, sorridente, vitorioso, feliz!

Traidor, Luia? De jeito nenhum! Lei da sobrevivência. Luia perdeu as fraldas dentro da Prefeitura. Foi o mais jovem Secretário de seu tempo. Foi criado entre o sebo dos papéis públicos. Conhece cada cantinho da Prefeitura. Aspirou chegar à ela e ter seu quadrinho na galeria dos Prefeitos. Quase deu. Mas quase. Faltou "isso". 

Fedoca leu com certeza seu "Trilema", que escrevi, e que triplicou o numero de visitas ao blog, e até hoje continua sendo o mais lido. Fedoca deve ter rido um bocado de tantas bobices que eu falei. Não porque fossem engraçadas, mas porque achou mesmo bobice. Mas leu. E se leu, e só agora aparece em público que vai gastar fogo inimigo e abrir as trincheiras, não pode mais dizer que tenha sido ideia sua, que pensou antes, e coisa e tal. Se pensou, pensou quieto. Eu pensei, vim aqui e falei. Portanto: EU DISSE, EU FALEI, EU AVISEI!

Claro, tem a coisa das exonerações. Ah, quanta estupidez rega o canteiro da tal raça humana. Esta é a grande burrice da má política (não estou chamando ninguém de burro,e sim a situação que se faz burra), onde a coisa pública, por ser gerida pelo dinheiro público, não tem escrúpulos em jogar no lixo, escoar pelo ralo, seu grande patrimônio, que é o conhecimento (estou sendo repetitivo, pois já falei disso aqui também.

O grande patrimônio do Google não é sua sede, menor que um shopping de tamanho médio, e sim o conhecimento que ela acumula. Pense então em quanto conhecimento acumula uma equipe com quase trezentas pessoas, acumulado ao longo de dezesseis anos. Pois esta equipe será defenestrada em poucos dias. E como são competentes, não vai faltar lugar para extravasarem seu conhecimento de maneira favorável. Já a Prefeitura, terá que investir longos anos para resgatar o conhecimento que deixa escapar pelos dedos. Isso acontece em todo lugar. A burrice da má política.

Vou profetizar aqui. Luia vai levar a oposição, que deveria fazer, pela lógica, num saudável banho-maria. Jefferson Moschem ainda está com ódio. Não sou eu quem digo isso. Ele mesmo, nas redes sociais, destila seu desconforto pelo mal estar causado pela "fritada" que levou, segundo as características do "Manual da boa fritada", vol. 11, págs. 12 a 15. Leia também na pág. 25. E o PDT vai crescer novamente.

Para concluir, a UPG acaba assim. Resta apenas o PP, que ainda não digeriu a dor, e se esvazia lentamente. A não ser que se levante um novo Caudilho, pois parece que o Ser Humano é movido a brados de guerra, a estalo de relhos, a gemer de dor, ou numa boa metáfora, a suor, trabalho e esperança. Talvez tenha sido esta a dor necessária para despertar um novo PP, uma nova UPG, uma nova oposição? 

Talvez seja este o comprometimento que André Bertolucci conclama em seu desabafo? Quem é este novo caudilho? Então, ou ele aparece logo, este "messias", ou, pelo andar da carroça (leia-se Celso Fioreze, Manu Calliari, Luia), o último que sair, apague a luz, e deixe a chave no preguinho em cima da porta.

André dirigiu-se à uma pessoa (já esclarecido por testemunhas, que foi injustamente), com o grito engasgado que queria dizer à mesma multidão que jurou amor eterno à UPG e ao Pedro, e que esgotou-se em menos sessenta e dois votos, num triste ocaso de um grupamento ideológico de dezesseis anos.

Levará mais dezesseis anos para que se descubra este caudilho?




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