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sábado, 25 de novembro de 2017

O milagre da multiplicação dos Queijos e convites - Lembrança dos Festivais de Cinema de Gramado



Essa aconteceu com dois grandes amigos meus, cujos nomes declinarei em beneficio da honra das pessoas,  mas os fatos são fiéis ao acontecido.

Pois o caso deu-se durante uma edição do Festival de Cinema de Gramado, num tempo onde a tietagem ainda não conhecia Instagram, facebook ou zap-zap. Era no bico que a coisa funcionava mesmo. O fato deu-se numa Noite de Queijos e Vinhos da Galeteria Mamma Mia, cujo evento era o mais concorrido dentre os não menos famosos coquetéis e desfiles do Festival de Cinema.

Artistas, políticos, autoridades, empresários, socialites, imprensa, cineastas, e até pessoas normais eram convidadas a participar e refestelar-se nestes eventos memoráveis. Noutra ocasião, contarei outros, de outros tempos. Mas por ora, serve esse que vos passo a relatar (adoro essa linguagem narrativa medieval), porquanto verdadeiro, como descrevi.

Eram cerca de onze ou onze e meia da noite, e havia uma fila quilométrica de pessoas que acreditavam no destino e que o tal destino iria providenciar um convite de acesso ao paraíso dos glutões, onde vinhos, queijos e guloseimas à farta, jorravam pelas mesas, e quem quisesse poderia devorar de tudo e o tanto que desejasse e pudesse comer.

Meu amigo era o coordenador técnico do Festival, e estava no hall de entrada do restaurante, pelo lado de dentro, observando o movimento do lado de fora. Assustador. Gente de todo lado, desejando entrar. Mas para entrar, só com convite, e convites não eram vendidos e som entregues pela coordenação, pelos patrocinadores e pelo Gabinete do Prefeito. E quem meu amigo vê naquele instante, do lado de fora, cercado por populares, cumprimentando  abraçando um por um? O Prefeito (o qual recuso-me a citar o nome para não difamar a pessoa, ainda que por uma boa ação)! 

De chofre, meu amigo não pensou duas vezes! Passou a mão numa pilha de convites já recebidos, mas não inutilizados, enfiou no bolso do casacão, saiu lá fora, passou pelo prefeito, enfiou a pilha de convites no bolso dele, se piscaram, e ele saiu de fininho. Em poucos instantes, a felicidade de certo tanto de gente mais sortuda pela  proximidade fez brilhar a noite estrelada, pelos sorrisos e abraços, seguidos pela lepidez com que adentravam no lugar e escorregavam rapidamente para as mesas adornadas de refestelos.

Sim senhor. Naquele dia e em outros tantos desta natureza, perceberam o tamanho do carisma que o tal Prefeito tinha com seu povo. Fizeram uma coisa errada naquele dia, mas nunca foi tão legal errar como daquela vez, disse meu amigo. A bem da verdade, o Prefeito não perguntou de onde saíram os convites, e meu amigo considerou que se não havia pergunta, então também não tinha que contar de onde os recolhera.

Coisas de Gramado.Coisas de Gramado, sim senhor, senhora ou senhorita.

Imagem ilustrativa de internet

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

A cobrança do Apolônio Lacerda



Parafuso solto é um eufemismo para destrambelhado, sem noção ou amalucado. Não que Apolônio Lacerda fosse isso tudo,mas ele tinha métodos, digamos, pouco convencionais para cobrar um devedor, e quando o fazia, era em público mesmo para constranger a pessoa, e como deram a ele um emprego de cobrador, tinha que se virar feito bolacha em boca de véia pra cobrar os cabortêro.

O grande problema é que Apolônio tinha uma péssima memória visual e confundia as pessoas, levando ambos a constrangimento desnecessário, mas que saía-se muito bem, tenho que admitir. o Matuto era ligeiro no tirocínio.

Certa ocasião, conta ele próprio, que entrou num restaurante da cidade grande, e caminhou em direção a um casal muito elegante, sentado próximo ao balcão, e de longe, erguendo o dedão, berra:

- Mãs chê! Tu me morre tão cedo (acentuando o "tão", viu? Tou te percurando!(Acentuando também o "viu?")! Tava memo te percurando, veiáco cachorro! Jaguara desmamado!


Todos param, arregalam os olhos assustados, olhando aquela figura com os cabelos lambidos de banha e bigodes imensos caídos pelo queixo, e faz-se silêncio total á espera de uma reação do ofendido. Não houve. Ficou tão pasmo e inerte quanto assustado e desinformado.

-Mas e continua me oiando a plasta, como se não tivesse nada pra me dizêri, animáli (acetuando o "animáli")! Tu é um animáli, jaguara!
- Desculpe, senhor, mas está falando comigo?
- Não, veiáco! Tou falando co garrão da bota que vou te enfiá nas venta! Mas a vontade que me dá d te metê o relho e um soco nos beiço, que é pra tu aprendê a não sê veiáco!
- Agora o senhor já está passando dos limites! O que tem contra mim? Nem lhe conheço!
- Pous não conhece memo, mãs, chê! A minha ermã tu conhece bem, e fais seis meis que tu não paga a pensão do guri, nem a prestaçã da  geladêra dela, coitada! E o guri, que sente tanto a falta do pai (aqui Apolônio chega às lágrimas de tanta ternura). Ele prigunta: Cadêle meu páaaai? Mas cadêle meu paaai? Taí! Se escondendo das conta, se escondendo do mundo, trocô até de cara. Era cabiludo e agora tá careca! Era barbudo e tá aí com essa cara de bunda de piazote! Andava de bombacha e guaiaca e agora anda só de cola fina, gravata!
- Senhor, penso estar me confundindo, eu nunca....(nem terminou a frase e de canto de olho olhou pra esposa, que já ajeitava a mão num sapato pra meter nas fuças do adúltero). Eu nunca usei barba comprida, nunca usei bombacha, pois nem gaúcho eu sou...
- Mâns chê(falou de modo mais paternal agora)! Tu pensa! Quantas veis tu chegô lá e ele mandava simbora os outro só pra te fazê bilu? Quantas vêis tu saiu de lá borracho cas cerôla dela na cabeça no lugári do chapéu, e ela foi atrais ajeitá, pra módi tu não passá verguenza em casa ?  Tu devia honrá o nome do teu pai, o teu nome, Guajarino! 
- Guajarino? Mas que guajarino? Meu nome é Leopoldo!!!!
- Ah la fresca! Mãns chê! Inté de nome tu trocô também, patife? NUNCA MAIS dirija a palavra à mim, maleva!
 (Dito isso, tal como entrou, misteriosamente, virou as costas e se retirou do lugar, deixando o pobre Leopoldo procurando um lugarzinho pra se enfiar, uma toca de rato, um buraco qualquer, enquanto todos o olhavam com olhar B-52 carregado até o bico).

Lá fora, apolônio olha para o lugar que entrou e observa o número do prédio: 69!

- Mãns chê! O bietinho dizia 96! Ah la fresca! Nunca mais eu boto as fuça aqui por perto.....

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

O lado bom de ser velho



O lado bom de envelhecer é que pode-se dizer coisas que não dizemos na juventude. Falar da velhice, por exemplo! Quem pode falar daquilo que não conhece, exceto por teorias? Pois bem, eu agora posso, por duas razões: Primeiro, porque estou entrando hoje na Terceira Idade, a qual o politicamente correto é chamar de "Melhor Idade". Melhor idade, pra quem fatura em cima de velhos, isso sim. Quem inventou esse termo foram os empresários do ramo de entretenimento pra velhos, aos quais teimam em chamar de idosos, e eu mesmo, poderia ter sido duramente cirticado se usasse o termo "Velho" para definir um macróbio. Velho sim senhor! Eu sou velho portanto, esta é a primeira razão, então.

A segunda razão é que, como diz meu amigo Sebastião Fonseca de Oliveira, é que eu sou velho desde que nasci. A frase é dele, mas eu tomo emprestada para passar uma carraspana em quem tem vergonha de ser velho, ter um velho por perto, ou ter que tratar com velhos, não sendo esta a sua atividade de ganho, e ser velho desde que nasceu significa antecipar trejeitos próprios dos velhos, tais como ralhar por qualquer motivo, e agora descobri que não é por mau humor, não. É por diversão mesmo! Velho ralha pelo prazeroso sabor de ver a cara de quem está à sua frente, sem reação, segurando a mão para não descer um tabefe no debochado azedo que faz de propósito o que faz, só pra se divertir depois. Então eu nasci velho para aprimorar a técnica desde cedo na vida.

Mas pra quem acha que ser velho é esperar a morte, não senhor, ser velho é recordar da vida que passou e gastar todas as horas do dia planejando a vida que ainda tem. Mas sim, velho pensa na morte, e a tem como boa amiga, uma vez que já que é com ela que vai passar boa parte do tempo, é bom que se tratem como parceiros então. E assim, falar mal da morte é coisa de quem não sabe bem o que é viver. Então, não, não tenho nenhum medo da morte. Só tenho medo que chegue sem que eu esteja arrumado pra ocasião. Daí, descobri que o melhor traje para encontrá-la, é nu. Sim senhor, peladaço, com os aparatos balouçando, isso  porque a morte é muito seria, e imaginar ter que passar um tempo da eternidade ao lado de quem não dá umas gargalhadas de vez em quando, isso sim me preocupa. Assim, o melhor negócio para garantir uma boa velhice, é rir, assim como, o pior negócio é esquecer como se ri. 

Rir à toa deve ser tão importante quanto comer mingau de boca aberta, e se rir enquanto come mingau de boca aberta, e soltar um peidinho enquanto isso tudo acontece, é risada garantida, especialmente vendo a pobre pessoa que nos serve o mingau ter que sair fugida e tropeçando em tudo, com um prato de mingau quente numa mão, e com a outra tapando o nariz, equilibrando o prato e voando aos pulos pelos móveis (que misteriosamente foram parar no meio do caminho), para poder escapar do fedor.

Há muitas formas de rir na velhice, mas rir à toa, sim senhor, que coisa boa. Daí que é sempre bom ter netos pequenos por perto,pois eles possuem um dispositivo com sensor automático de tristeza, que liga sempre que detectar uma lágrima a caminho, e nos fazem rir, e rir muito, porque netos são equipados com muitos dispositivos que acionam os músculos de nossa face capacitando-nos à dar boas gargalhadas das barbaridades ingênuas que fazem e dizem na nossa frente. Fazem de propósito, eu sei, pois estão mancomunados com os anjos que tem esta missão na nossa reta final para a eternidade: Nos levar sorrindo para o repouso.

Ainda vou escrever muito sobre envelhecer, se lembrar. Se não lembrar, escrevo outra coisa qualquer, uma vez que uma coisa que velho pode fazer é escrever.  pense em quantas lembranças temos e quantos sonhos não realizados podemos contar. Pense num compêndio de memórias que aconteceram e que nunca aconteceram, as quais contamos como causos, lorotas,  bobajadas... Enfim, ainda quero escrever muito, mas hoje vou encerrar por aqui, porque acabei de chegar aos sessenta anos, e tenho muito que descobrir nessa nova idade de velho. Além disso, preciso soltar um peido, por isso vou localizar alguém para estar ao meu lado neste momento solene. Só uma coisa não eu acho que não vou acostumar a ouvir: ser chamado de "Senhorzinho!" Senhorzinho é a vó!

*Foto: Internet
PS* Nenhum velho rabugento foi maltratado mais que o necessário para escrever este texto.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Causos de Gramado que sua vó nunca te contou - O matuto que trocou a esposa por uma bicicleta e duzentos contos



Sua vó talvez não tenha lhe contado, mas como sou mais precavido que ela (véio tem que guardar tudo, começando com as lembranças), me encarreguei de "ispicular" com os meus velhinhos enquanto ainda tinham boa memória e disposição para contar causos, até porque, engana-se quem acha que velho só serve pra ralhar com os jovens, e enriquecer a indústria de fraldas. Não senhor! Velho tem excelente memória, especialmente das coisas antigas. É como se você tivesse uma pilha de pratos de vidro, empilhados, e embaixo do primeiro, lá no fundo, tenha um bilhete. Você não consegue ler o que diz o bilhete,pois os demais pratos são as lembranças mais recentes. Porém, à medida em que o tempo passa, os pratos vão sendo retirados, e você passa a lembrar das coisas mais antigas, dos tempos de antanho, das priscas eras de sua infância. E ainda feliz por lembrar disso, conta a todo momento destas lembranças para alguém, que não tem o mesmo entusiasmo de ouvi-las, quanto tem você de contar o que lembra. Mas sempre que aparece um Pacard com paciência para ouvir seus relatos, eles brotam como água de uma fonte inesgotável. E foi assim que construí minhas lembranças, ora próprias, ora emprestadas dos meus queridos, que já descansam, mas nem por isso foram esquecidos, até porque suas memórias aqui guardadas podem ser tudo, menos esquecimento.

O causo do Jardineiro que negociou a esposa por uma bicicleta e Duzentos contos

Pois havia um velho político,muito generoso com os pobres, que certa ocasião, para ajudar um matuto, associou-se a ele, e adquiriram um cortador de grama, para que o matuto pudesse trabalhar, ao que o matuto contava aos quatro ventos que era sócio do "Sêo Fulano", e alargava um belo sorriso com a boca escancarada e os quatro dentes à mostra (eram cinco, mas um deles ficava lá no fundo da boca e não aparecia ao sorrir).

Certa ocasião, o matuto, cujo nome não vou revelar, mas o causo foi contado como verdadeiro e assim o relato, era casado com uma moça de pequeno porte físico, uma anãzinha, muito jeitosinha, coisa e tal, e que vestia sempre um longo vestido cheio de babados, e usava um chapéu que a deixava muito formosa, chamada Penélope (óbvio que o nome era outro). 

Onde o matuto ia, Penélope ia junto,mas sempre uns dois passos atrás, em clara mostra de submissão ao esposo e senhor. Moravam no interior, e uma vez ao mês iam "pro Gramado", (O Gramado era como chamavam o centro do município) fazer negócios e comprar mantimentos para o ranchinho onde moravam.

Passado certo tempo, o matuto passou a ir acompanhado de outra senhora, e não se viu mais Penélope, a moça formosa de pequena estatura, com seu vestido de babados e chapéu com flores. E curioso pela situação, um amigo do matuto perguntou por Penélope.

- Vendi!
- Largou dela, você quer dizer?
- Também,mas também apareceu um bom negócio e eu vendi ela.

O amigo ficou horrorizado com tal declaração. Que mundo era esse onde um homem vende a própria esposa? E quis saber mais.

- O fulano de tal andava interessado nela e ela também arrastava uma asa pra ele. Arrastava o rabo também. Daí em vez de virar corno, eu resolvi lucrar com a sem-vergonhice   deles, e ofereci ela por quinhentos conto.

O amigo já havia mudado de cor umas tres vezes. Mas segurou a fúria e perguntou:

- Tu ofereceu tua esposa por quinhentos contos? Como teve coragem?
- Também pensei nisso, e não quis explorar o comprador, daí baixei pra duzentos contos e uma bicicréta! Fechemo negócio.
- Mas e esta moça que está com você, sabe disso?
- Lógico que sabe, e mesmo mandou eu falar contigo. Tenho aqui um retrato dela, óia!Quer comprar por oitocentos conto?

Não sei como terminou o causo.Mas quem me contou, jura que aconteceu de fato.


*Imagem de internet

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Não alimente os macacos, nem o ego dos maus políticos



Aqui ao lado de onde moro, tem um pequeno bosque que mescla árvores nativas, frutíferas, com plantas exóticas, por ter sido, em algum passado já esquecido, uma bela chácara. A cidade cresceu e veio tomando conta das pequenas chácaras da ilha, que ainda resistem pela bravura e teimosia de seus antigos moradores, que por estarem satisfeitos com o suprimento das necessidades mínimas, próprias para a manutenção da dignidade, que a vida lhes ofereceu.

São, na grande maioria, pescadores ou funcionários públicos aposentados, que desmembraram seus estreitos lotes recebidos por herança, e cedidos aos filhos e netos, que foram construindo uma casa atrás da outras, mantendo entre uma e outra, uma pequena horta, um pomar, e até alguma criação de animais, como porcos, vacas, galinhas ou cabras. Nem parece ser uma capital, mas é. Isso sem contar ainda que estamos a menos de duzentos metros do maior mangue urbano do mundo, cujos vizinhos, para deleite de meus netos, são as aves estranhas e com eventual sorte de encontrá-los, alguns jacarés, que confiadamente posam com a bocarra aberta abastecendo seu couro espesso e craquento do causticante sol que não falta neste lugar.

Nossa diversão diária é observar um bando de macaquinhos, da espécie "Mico", ou eventualmente um "Macaco Prego" maior, que vem abastecer seus bandulhinhos com as frutinhas, ou sejamos honestos, com as bananas que os pacientes de um hospital deixam para refestelo dos rabudos.

Na realidade a ilha inteira é  formada por pequenos núcleos urbanos abraçados por morros polvilhados de animais de todo tipo, protegidos e fiscalizados, para que continuem vivos e preservando o ambiente onde vivem, e trazendo alegria para quem gosta de escrever e matear de janelas abertas para saudar o amanhecer.

Existem, no entanto, algumas regras que devem ser seguidas, determinadas por Lei, acrescidas por instruções e campanhas das autoridades ambientais e sanitárias, para que jamais se alimentem os animais selvagens, especialmente os macacos, sejam eles pequeninos e fofinhos, ou grandes e rabugentos e isso, por uma razão muito simples: Porque quando recebem comida fácil, tornam-se em pouco tempo acostumados, preguiçosos, obesos, e desocupados, e tanto lá como cá, no território humano, gente desocupada que ganha as coisas de mão beijada, às custas do esforço alheio, ainda que dados de boa vontade, tem muito tempo livre para fazer coisas imprestáveis, como por exemplo, mentir, roubar, trair, derrubar, desmerecer, e toda sorte de inutilidades desnecessárias à existência humana, isso simplesmente porque alguém teve a boa vontade de servir-lhes por bondade, e em troca deveriam tais beneficiários devolver estes serviços à sociedade, o que chamamos de boa política.

Mas tanto na Natureza quanto na política, há os que descobriram que a boa fé do povo pode tornar mais prazerosa a vida, porque não necessitam mais lutar pela sobrevivência, e ocupam seu tempo em descobrir novos benfeitores, entre a nada difícil tarefa doméstica de se proliferarem pendurados nas árvores e nas cercas com cara de bonachões, posando para fotos, e esticando as mãos pequenas (de quem nada produz nem as caleja) para receberem a paga pelo nada que contribuem.

Isso acontece com macacos, quatis, lagartos e qualquer animal que se acostuma com a proximidade das pessoas. Até mesmo as abelhas que recebem melado de açúcar na caixa da colmeia, tornam-se preguiçosas para pesquisar néctar pelos campos distantes. A esperteza, portanto, é o mal tanto dos bichos quanto das pessoas, uma vez que os animais que se entregam ao ócio das facilidades põem em risco sua liberdade, assim como os maus políticos que se entregam ao ócio do ego inflado põem em risco a sociedade à qual fingem representar.

A política brasileira está em ebulição, e eu sou daqueles crentes iludidos que prega uma mudança de paradigmas nesta política que emana dos Partidos para o poder e do poder para o povo, nesta ordem, mas que pode emanar do povo, a partir do pensamento,e o pensamento nem sempre anda de dieta, pode sim ser alimentado fartamente, este sim, diferente de maus políticos e de bichos preguiçosos, quanto mais bem nutrido, mas capacidade tem de servir à sociedade. Assim nasce a verdadeira política. Por você e por mim. E eu estou fazendo a minha parte, provocando você a pensar, ainda que diferente de mim. Provocando os bons políticos a que reciclem seus conceitos, ainda que opostos aos meus conceitos. E deixando de dar alimento de graça aos maus políticos, para que seu ego se ajuste ao tamanho de sua boca e sua bica se ajuste ao tamanho dos serviços que presta. Mesmo que em silêncio, o que em muitos casos seria a verdadeira forma de fazer política. Não o silêncio do povo, mas o silêncio das estultícias que a gratuidade dos horários políticos e as tribunas costumam enfiam pelos nossos ouvidos, ano após ano. Eleição após eleição. E depois de eleitos, entrevista após entrevista. Até que nossas florestas e nossa democracia cheguem ao fim.

*Quero informar que nenhum Macaco-Prego, Mico, Quati, Raposa, nem político de alcova e oportunista foram maltratados para esta reflexão.

domingo, 19 de novembro de 2017

Entropia ou Utopia - O que define a política de Gramado hoje?


Segundo a Física, Entropia é o que acontece num sistema termodinâmico bem definido e reversível, a função de estado cuja variação infinitesimal é igual à razão entre o calor infinitesimal trocado com meio externo e a temperatura absoluta do sistema, simbolizada por S, ou trocado em miúdos
num sistema físico, é a medida da energia não disponível para a realização de trabalho. Guardem essa definição, pois vamos precisar dela umas algumas linhas logo abaixo.


Utopia é um substantivo feminino que define o lugar ou estado ideal, de completa felicidade e harmonia entre os indivíduos, ou esmiuçando fica sendo a correta  descrição imaginativa de uma sociedade ideal, fundamentada em leis justas e em instituições político-econômicas verdadeiramente comprometidas com o bem-estar da coletividade.

Percebem que uma não combina com a outra? Assim como uma pilha de lanterna que possui dois polos em extremidades inversas, também a entropia e a utopia jamais se encontrarão. Isso também acontece (e muito) na  vida política, e aqui particularmente, na situação política de Gramado. Vamos entender a coisa.

Passado quase o primeiro ano de governo dos partidos alinhados com a Esquerda, em Gramado, e inversamente proporcional ao primeiro ano de esbarrões e tropeços de sua oposição ainda fleumática, a política mais uma vez está comprovando que os políticos e os Partidos não estão preparados para exercê-la, e quando o fazem, aos tropeços, esbarrões, deslizes ou inércia, colocam-se ao sabor da sorte para o que der e vier, do tipo: Vamos ver o que acontece para saber como é que fica. Apenas isso. E enquanto isso, o tempo, que é o chicote das massas, estala suas doloridas chibatadas nas costas de quem postou-se como espectador com o chapéu na mão à espera de algumas sobras dos banquetes das festivas campanhas e dos cargos e das benesses que o poder assegura.

Para saber  que acontece e aconteceu em Gramado desde outubro de 2016 até aqui, basta traçar um gráfico com duas linhas, uma que representa a atuação do novo governo, e outra que representa a atuação da oposição, e verá que ambas caminham devagar e em paralelo plano, onde não há picos virtuosos de um, nem atitudes de confronto ideológico de outro. Duas linhas rasteiras e esguias que temem o manifesto das ideias, antes agem de forma pessoal e individual, quando surgem as oportunidades de exposição de seus feitos.

Se de um lado, no governo, temos os fachos piscantes individualistas feito pirilampos em noite de verão, rebolando seus traseirinhos iluminados pela escuridão, onde as flores e a mata, o verdadeiro cenário de seu bailado deveria figurar como cenário e assim resultante da simbiose destas criaturinhas em seu papel dentro do equilibrio da vida, mas que nenhuma obra que dignifique tantas luzes dentro de suas próprias casacas, por outro lado temos uma oposição que desaprendeu a nadar, muito menos a enfrentar águas turbulentas, e disputa o pouco fôlego entre manter o nariz fora dágua para respirar, e movimentar os pés para manter-se à tona, uma vez que o fundo era mais fundo e barrento do que imaginavam encontrar quando perceberam sua condição de oposição.

O governo está desaparelhado para o sucesso que encontrou e faz malabarismos para manter-se em movimento, uma vez que também caminha sobre uma corda bamba chamada Comunidade, que urge respostas e atitudes de quem deveria iluminar pela cabeça e não pelo traseiro.

A oposição está desassistida como um todo. Nenhum partido até aqui ousou mostrar-se disposto ao confronto verdadeiro e dinâmico, porque quem os representa está ainda tentando ajustar-se a sim mesmo enquanto corporação. Estrelismos irrompem da noite para o dia. Intrigas se amontoam pelas redes sociais. Decisões são proteladas, quando deveriam ser em lugar disso, prolatadas. Falta pulso firme em nome do "Politicamente aceitável", e um empurra-empurra joga nas costas do povo o desespero da incertza, porque em seu nome não há mais quem fale, pois ainda que sejam cobradas nas tribunas e em público atitudes do executivo pela oposição, esta cai em ouvidos moucos, porque sua voz é surda e seu discurso é vazio.

Quem é a oposição em Gramado hoje? A imprensa? Os Sindicatos? Os Partidos? Talvez um pouco de cada, mas nao existe uma integraçao. Não existe um axioma que os conduza a métodos de persuasão, os quais favoreceriam até mesmo o governo, que muitas vezes, de mãos vazias e sem respostas, anseia por pressões da sociedade e das oposições para que tome suas decisões, ainda que contrárias à sua própria vontade, porque governo nenhum tem capacidade de acertar sempre, e faz a oposição o papel de conselheira nestes momentos, mesmo que em lados opostos da mesa, para que estas decisões sejam equilibradas e o mais próximo que sejam daquilo que parece ser o justo, ainda que imperfeito.

A incerteza da política nacional não deveria sr muro de separação, mas de arrimo para que as oposições de Gramado se unissem e dessem sustentação ao novo projeto da política nacional que se configura e certamente virá. E o que vai encontrar, senão um emaranhado de individualismos procurando tirar vantagem daquele partido que melhor lhes servir?

Não! Não deve ser este o modo de amparar, ainda que do lado oposto de uma mesa pública, um projeto de oposição construtiva em lugar de um grupo de derrotados choramingando pelas vielas e atrapalhando o caminho daqueles que tem a coragem de colocar-se a favor do povo e em benefício de Gramado.


Será utopia acreditar que Gramado possa ser um modelo de conjunto de forças para o Brasil, e que tem bem mais que chocolate, massas e cinema para mostrar ao mundo? 

Sim! É utopia, e sempre será, enquanto a entropia continuar a fazer ninho nas cabeças cujas orelhas deveriam ladear cérebros, mas nem para usar chapéu servem mais,porque chapéu caiu de moda.

Eles estão acomodados, já sabemos. Mas e você?



sábado, 18 de novembro de 2017

AIC - Associação Israelita Catarinense promove em Florianópolis Palestra, Recital e lançamento de livro sobre Músicas do Holocausto





Silvia Lerner, historiadora, pesquisou durante oito anos a produção musical no período do holocausto. São musicas compostas nos campos de concentração, nas florestas, nos guetos, nos movimentos de resistências. Você terá a oportunidade de ouvir algumas destas composições e debater, com a autora, como a arte sobrevive em tempos de absoluta brutalidade. Na data, lançamento do livro.



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 Dachau
Artigo

Música em Dachau

por Reuven Faingold
A música nos campos de concentração nazistas sempre ocupou uma posição ambivalente, ora servindo como estratégia legítima de sobrevivência para as vítimas através do desvio da atenção da desgraçada situação em que se encontravam, ora sendo utilizada pelos perpetradores como uma tentativa perversa de as rebaixar e degradar.  em Dachau, para onde centenas de milhares de judeus foram deportados, essa situação não foi diferente.
Edição 90 - Dezembro de 2015

Não há dúvida de que tanto em Dachau como nos outros campos de concentração e de extermínio era comum que os mandantes usassem os prisioneiros com habilidades musicais para seus próprios propósitos e como meio de desumanizá-los e de quebrar, ainda mais, a resistência dos internos. Tampouco há dúvida de que para os presos a música funcionava como estratégia legítima de sobrevivência – física e espiritual. Alguns judeus conseguiram sobreviver à Shoá, pois os nazistas “apreciavam” seus dons musicais.
A música tornou-se uma forma de resistência à barbárie nazista, parte da denominada “resistência cultural”. Isto era parte das tentativas dos indivíduos em manter sua humanidade e integridade pessoal face às investidas nazistas para desumanizar e degradar todos os judeus e o judaísmo. O linguista e historiador iídiche, Zelig Kalmanovich (1885-1944), descreveu-a como “uma clara vitória do espírito sobre a matéria”.
Inaugurado o Campo de Dachau
Dachau não era um campo de extermínio como Auschwitz, Treblinka e Sobibor; foi criado como um “campo seletivo”, em 1933, para encarcerar alemães dissidentes do regime nacional-socialista. É importante ressaltar o fato.
É verdade de que o “componente essencial” de todos os campos nazistas era “o mesmo”: a fome, a privação do sono e de todo tipo de necessidade primária, brutal ritmo de trabalho, o sadismo incessantes por parte das SS, e a morte lenta por inanição, ou súbita e aleatória pelas mãos de algum nazista. Contudo, em cada campo os prisioneiros estavam sujeitos às condições específicas daquele local. Em suma, a categoria do campo e sua história individual eram decisivas não apenas para a chance de sobrevivência do prisioneiro, mas também para sua liberdade de participar ou não das “atividades culturais”. Comparado a Mauthausen, na Áustria, e a Auschwitz, na Polônia, Dachau, por não ser um campo de extermínio, oferecia alguma flexibilidade nas atividades cotidianas.
O campo de Dachau foi criado em 20 de março de 1933, após Hitler tomar o poder. Nessa ocasião, Heinrich Himmler anunciou à imprensa oficial:  “Na próxima 4ª feira, 22 de março de 1933, será aberto o primeiro campo de concentração na localidade de Dachau. Com capacidade para 5 mil pessoas, lá serão confinados comunistas e, se necessário for, a Reichsbanner (milícia de esquerda) e os membros do partido socialdemocrata, grupos estes que atentam contra a segurança do Estado. (...) Adotamos esta medida sem dar atenção às críticas insignificantes, tendo plena convicção de que esta ação certamente ajudará a restabelecer a calma em nosso país, realizando-se isto em benefício de nossa população”.
Dachau, cidade localizada a 18 km a noroeste de Munique, ficou famosa, no século 19, por ser um centro cultural e uma colônia de artistas. Ao eclodir a 1ª Guerra, em 1914, foi construída uma fábrica de pólvora na periferia da cidade, fechada ao acabar a guerra. A fábrica abandonada abrigaria as principais moradias do campo, durante os doze anos de seu funcionamento, entre 1933 e 1945.
Desde sua inauguração, os nazistas outorgaram a Dachau um papel central, funcionando primeiramente como base de treinamento das temidas SS (Schutzstaffel), e como modelo de organização para outros campos que foram sendo edificados.
Os prisioneiros reclusos em Dachau nos anos que antecederam a 2ª Guerra, seja para serem “reeducados”, seja para confinamento por “custódia preventiva (schutzhaft), eram principalmente membros de organizações antinazistas, grupos religiosos, movimentos de resistência ou indivíduos que criticavam abertamente Hitler, assim como também milhares de judeus. Depois de 1938, o campo de Dachau foi-se lotando gradualmente com outros prisioneiros austríacos, ciganos, padres e pastores protestantes, e Testemunhas de Jeová, de diferentes nacionalidades.
Submetido às exigências da “Administração Central dos Campos”, Dachau foi mudando consideravelmente ao longo de seu funcionamento, atendendo às loucuras dos comandantes alemães, assim como às necessidade bélicas decorrentes da Guerra que era travada.
Até 1941, ano em que os nazistas passam a autorizar atividades culturais, o “tempo livre” dos presos era limitado. Em 1943, quando o Terceiro Reich começa a explorar o trabalho escravo, as condições dos campos “melhoram” uma vez que o objetivo principal era incrementar a produção. Assim, os presos passam a receber porções adicionais de alimentos, e são permitidas algumas atividades culturais e esportivas. Mas, no outono de 1944, com as sucessivas derrotas sofridas pela Wehrmacht, as condições voltam a piorar, fazendo com que as atividades sociais e culturais passem à clandestinidade, dentre elas a música e a pintura.
O campo foi libertado pelas tropas americanas em 29 de abril de 1945. Pode-se ter uma ideia das terríveis condições de Dachau através do relato da libertação do campo feito pelo rabino-militar norte-americano, Eli Bohnen (1909-1992). Bohnen que participou na libertação de Dachau escreveu em suas memórias: “Eu tinha vontade de pedir desculpas ao nosso cachorro por pertencer à raça humana. Quanto mais adentrávamos o campo de concentração e víamos os esqueletos revestidos de pele e as instalações características do campo de extermínio, tanto mais eu me sentia inferior ao cachorro, porque, como pessoa, eu pertencia à raça responsável por Dachau”...
A música como instrumento de tortura
No campo de Dachau, assim como em outros campos nazistas, a música foi utilizada para degradar e brutalizar os presos. Um sobrevivente relembra que as atividades musicais existiam para enganar não apenas as pessoas que os nazistas para lá deportavam, pois os recém-chegados eram, às vezes, recebidos por uma banda, como também os possíveis visitantes.
Ele relembra que, “ao chegar uma personalidade para visitar o campo, ‘descansava’ após a refeição escutando uma banda musical composta de músicos famintos e esfarrapados, que se colocava em pé, sorridente, à porta do refeitório, tocando alguma marcha de tons suaves e cordiais”. Havia também uma “orquestra de cordas” que tocava aos domingos à tarde para entreter outras autoridades do campo.
Como acontecia em outros campos nazistas, o canto obrigatório era parte indispensável das temidas “chamadas prévias” por listagem e marchas cotidianas rumo ao trabalho forçado. Alguns sobreviventes, como Karl Röder, lembram-se de serem obrigados a cantar por longas horas após um dia extenuante de trabalho: “Nem sei quantas horas cantei no campo. Devem ter sido milhares. Cantávamos quando íamos trabalhar e ao regressar. Cantávamos horas inteiras durante o chamado das listas, para encobrir os gritos de outros prisioneiros brutalmente torturados ou violentamente espancados, mas também cantávamos quando o oficial do campo decidia que tínhamos que cantar... Os nazistas consideravam o ritmo muito importante. Tínhamos que cantar marchando a passo rápido e enérgico, e, acima de tudo, em voz alta. Depois de horas e horas cantando, já não conseguíamos emitir som algum. Os nazistas sabiam que esse canto era um castigo e por isso sempre nos faziam cantar...”. Na maior parte das vezes as autoridades do campo de Dachau exigiam que os prisioneiros cantassem marchas nazistas e canções nostálgicas alemãs.
Os SS obrigavam os prisioneiros a marchar pelas imediações do campo com um cartaz pendurado que dizia: “Estou aqui novamente”. Uma pequena orquestra os acompanhava. Röder recorda: “As canções que entoávamos eram sempre as mesmas. Eu nunca consegui cantá-las sem me engasgar. O ódio e a raiva me asfixiavam, sentindo-me afogado. Teria preferido o abuso físico”.
Os presos eram também frequentemente obrigados a tocar em concertos privados para os oficiais das SS. Cabia-lhes animar as festas de aniversário e entreter os convidados. O uso da música como forma de tortura em Dachau teve ainda outro aspecto: o “lager”1 foi onde o rádio foi mais utilizado para torturar seus prisioneiros. Durante as noites ou na hora das refeições, o comandante do campo interrompia bruscamente a programação do rádio e, pelos alto-falantes, colocava discursos de Hitler, notícias que falavam da “inevitável vitória” do exército alemão e canções que ironizavam o sistema de valores do comunismo. Era comum os nazistas baterem violentamente nos prisioneiros enquanto eram obrigados a escutar o rádio. A música dos alto-falantes se misturava aos gritos.
A música como “Resistência Cultural”
Além das atividades musicais forçadas, havia em Dachau o que podemos chamar de “música voluntária”. Sendo raramente permitida pelos SS, era em muitos casos informal e secreta. Corais, grupos musicais, quartetos de cordas, espetáculos e orquestras constituíam uma parte fundamental da “resistênciacultural” organizada pelos prisioneiros de Dachau. Diante da destruição física e mental de centenas de milhares de seres humanos, fortalecer o espírito com a música era uma forma de resistência àquela barbárie.
O canto comunitário era uma das atividades mais populares entre as lá praticadas. Prisioneiros políticos, judeus ou não, entoavam melodias comuns a militantes que faziam parte de movimentos revolucionários internacionais, tais como a famosa “Moorsoldatenlied” (Canção do Soldado). De fato, nos primeiros tempos de campo, a maioria das atividades musicais dos judeus incluíam melodias e hinos de movimentos juvenis ou movimentos radicais de ideologia sionista e nacionalista.
As canções de caráter nacionalista serviam não apenas para fortalecer o espírito como para estreitar os laços de solidariedade entre os presos. Todos compartilhavam lembranças do que haviam perdido. Nas barracas era comum cantar à noite, mesmo após um dia exaustivo de trabalho forçado. Um sobrevivente lembra: “Em voz baixa e depois um pouquinho mais forte, um preso entoou um canto eclesiástico. O homem era um cantor litúrgico de uma grande igreja da Polônia e tinha uma voz lírica excelente, de tenor. Ouvimo-lo com atenção. Logo, do cântico eclesiástico continuaram canções em iídiche, que eram bem mais solenes e trágicas”.
Esse sobrevivente lembra que naquela ocasião ninguém foi punido. O encarregado da barraca (prisioneiro, também) falou: “Quem mais quer cantar?’ Desta vez, a nova voz soava mais forte e firme. Cantou Valentine’s Prayer (Oração de Valentine). Um cantor de ópera de Praga acompanhava. Após uma passagem do Fausto (de Goethe) vieram outras árias de ópera. A última canção foi a pungente Mein Shtetele Beltz (Minha pequena cidade de Beltz), que ficou afogada em prantos. Tanto o cantor quanto o prisioneiro responsável pela barraca choraram ao lembrarem seus lares destruídos e seus parentes assassinados”.
Além do repertório existente, havia prisioneiros que compunham novas canções e músicas sobre a terrível realidade, falando do sofrimento, às vezes dando conselhos práticos de como sobreviver àqueles tempos difíceis. Muitas ainda se baseavam em músicas pré-existentes, enquanto havia outras composições com melodias desconhecidas. Paralelamente ao canto informal dos grupos, havia uma variedade de corais, alguns clandestinos e outros oficialmente permitidos.
ORQUESTRAS E BANDAS
Em 1938, com a chegada das primeiras vítimas da Anchlüss (Anexação da Áustria), as apresentações musicais passaram a ser frequentes em Dachau. No início, a ideia de fazer apresentações no campo parecia absurda, mas, gradualmente, tornou-se algo importante para os presos. Em maio naquele ano Herbert Zipper (1904-1997) decidiu organizar uma pequena orquestra para tocar secretamente para os presos de Dachau. Sua “orquestra” fazia performances para os internos aos domingos à noite.
O prisioneiro Bruno Heilig descreve: “Cada domingo, diversos artistas do campo de concentração apresentavam um espetáculo musical... Neles participavam Fritz Grünbaum, Paul Morgan, Hermann Leopoldi e o cantor berlinense Kurt Fuss. Leopoldi teve êxito cantando melodias vienenses. Kurt Fuss compunha baladas sofisticadas... A música From early youth the cunning band has had me on the string (Desde a juventude a banda esperta me prendeu pelas cordas), que nunca teve sucesso, havia ressurgido no campo de Dachau, virando tema favorito. Estas apresentações geravam uma ilusão de liberdade. Durante uma hora ou duas, tínhamos a sensação de estar em casa”.
O historiador Milan Kuna documentou a existência de três conjuntos musicais em Dachau durante a 2ª Guerra Mundial: uma orquestra de músicos checos criada em 1941 e oficialmente autorizada pelas SS, uma banda uniformizada de instrumentos de sopro e uma terceira regida por um prisioneiro de nome Von Hurk. Esta última contava com músicos profissionais e tocava para os oficiais e staff do campo temas clássicos variados, incluindo peças de compositores proibidos por não serem arianos.
A composição e funções das orquestras e bandas de Dachau eram parecidas às dos outros campos. Os músicos tocavam com os instrumentos disponíveis. Eles trabalhavam dentro da rádio do campo e escreviam suas próprias partituras e arranjos musicais, tendo direito assim a receber porções adicionais de comida.
Como mencionamos acima, os espetáculos musicais eram, na sua maioria, apresentados para os comandantes e oficiais das SS ou para visitantes convidados. Geralmente, os repertórios incluíam uma variedade de marchinhas alemãs e melodias populares. Os presos não tinham acesso a essas performances, mas com a devida autorização dos SS era comum fazer sessões especiais para eles.
HERBERT ZIPPER E JURA SOYFER
Herbert Zipper, compositor e diretor de orquestra, teve forte reconhecimento internacional. Nascido em Viena, em 1904, em uma família judia assimilada, seu pai era filho de um cantor litúrgico (chazan) e sua mãe filha de um rabino. Apesar disso, eles o criaram numa atmosfera laica e, como seus amigos, ele se identificava muito mais com austríacos do que com judeus. Os Zipper adoravam a música e por isso seus filhos receberam ótima educação musical.
Estudou na Academia de Música de Viena de 1923 a 1928 e, após graduar-se, batalhou para obter seu primeiro trabalho de tempo integral numa Áustria em crise. Em 1930, foi para a Alemanha e aceitou uma vaga como professor em Düsseldorf, mas na hora em que os nazistas tomaram o poder na Alemanha, a situação mudou drasticamente para os judeus. Amigos e colegas começaram a se afastar dele. Como outros artistas, Zipper decidiu voltar a Viena, com a esperança de escapar do regime nazista. Foi nessa época que ele conheceu o escritor Jura Soyfer.
A Áustria foi anexada ao Reich em 1938. Zipper e família estavam planejando a saída do país, porém era difícil obter os documentos necessários, quando ele foi preso pela polícia austríaca e enviado à prisão junto com seu irmão Walter e outros 20 colegas. Em poucos dias, todos foram enviados a Dachau, aonde chegaram em 31 de maio de 1938. Ele se relembra: “O traslado de trem foi brutal, houve socos, humilhações e escassez de comida e água”.
Durante o tempo que passou no campo, a música era para Zipper uma fonte de inspiração e de resistência. Como vimos acima, como forma de tortura, os prisioneiros eram obrigados a cantar individual ou coletivamente. Nessa circunstância, Zipper escolhia cantar “Ode à Alegria”, numa tentativa de dar força aos demais.
Em Dachau, Zipper era obrigado a transportar uma barra de cimento pelo campo. A vantagem estava no fato de poder falar com os outros. Assim foi que reencontrou Jura Soyfer. Sobre o tempo que passou em Dachau, ele conta: “Poderia suportar ter que carregar sacos de feijão de 100 quilos sobre minhas costas, mas jamais poderia suportar que roubassem minha vida”. O desejo de manter alguma normalidade em sua vida o fez recitar poesias para outros prisioneiros. Dessa forma, conseguiu conhecer músicos judeus e convenceu marceneiros a construírem instrumentos de corda com madeira roubada.
Em início de julho de 1938 já havia reunido 14 músicos para dar concertos aos domingos à tarde. Nesses concertos, os músicos tocavam peças clássicas conhecidas, mas também obras do próprio Zipper ou de Soyfer, compostas por eles após o trabalho.
Certa vez, Zipper pediu a Jura Soyfer que criasse um poema baseado no slogan nazista “Arbeit macht frei” (O trabalho liberta). Ele  guardou de cabeça a letra que Soyfer lhe havia recitado, memorizou a música que havia preparado e, junto com outros, começou a cantarolá-la a músicos prisioneiros. Desta forma surgiu “Dachaulied” (Canção de Dachau). Rapidamente, os músicos judeus difundiram a letra dessa marcha pelo campo, que virou uma canção extremamente popular. A canção teve uma vida dupla, pois agradava tanto os nazistas como os presos. Agradava a oficiais das SS por sua qualidade e ritmo, mas para os prisioneiros do campo a composição encobria uma mensagem de resistência e perseverança. Foi uma das poucas músicas cantadas pelos prisioneiros com o aval das autoridades do campo.
Em setembro de 1938, Zipper e seu amigo Soyfer foram transferidos a Buchenwald. Ao tempo da deportação, os pais de Herbert Zipper haviam fugido para Paris, lutando para libertá-lo e a seu irmão. Em fevereiro de 1939, após uma curta estada em Viena, os pais foram informados que ambos os filhos seriam liberados. Finalmente, em Paris aconteceu o reencontro da família Zipper. Em maio do mesmo ano, Herbert recebeu um convite para fundar e dirigir a Orquestra Sinfônica de Manila. Durante o período que esteve na capital das Filipinas, ele conseguiu visto para residir nos Estados Unidos com sua família.
O Japão invadiu as Filipinas em 8 de dezembro de 1941, destruindo a força aérea norte-americana. Em janeiro de 1942, Zipper se alistou no exército local, mas os filipinos o prenderam por sua amizade com os EUA. Após breve reclusão, foi libertado para organizar uma orquestra que colaboraria com a propaganda japonesa. Mas o projeto da orquestra foi postergado e Herbert se uniu à resistência clandestina, repassando informação militar importante aos americanos. Em março de 1946, Zipper e sua esposa decidiram reunir sua família nos EUA, onde trabalhou como compositor, diretor de orquestra e docente.
GRÜNBAUM E LÖHNER BEDA
Era 31 de dezembro de 1941, o artista Fritz Grünbaum, já muito doente, encerrou seu último espetáculo em Dachau frente a um público de prisioneiros moribundos.
Grünbaum nasceu em 1880, completou seus estudos em Direito, mas rapidamente foi seduzido pela música. Em 1906 fez a primeira apresentação. Até a ascensão de Hitler, em 1933, teve uma carreira ativa em Berlim e Munique. Depois emigrou para Viena, sendo membro do quadro do “Kabarett Simpl”. Em poucos meses, fazia parte do seleto grupo de artistas que despontavam na vida cultural da capital austríaca.
Grünbaum especializou-se em musicais políticos, encenando peças que ironizavam Hitler e seus comparsas, bem como a falta de liberdade sob seu regime, e a impossibilidade de viver dignamente na Alemanha ou na Áustria. Em março de 1938, o artista judeu realizou sua última apresentação no “Kabarett Simpl”. Ao se abrir a cortina, sob um cenário totalmente escuro, apareceu Fritz Grünbaum gritando: “Não enxergo nada, absolutamente nada; com certeza estou navegando pela cultura nacional-socialista”. Um dia depois, foi proibido de se apresentar na Áustria. Após a “Anschlüss”, Grünbaum tentou fugir para Bratislava, mas foi pego, deportado e encarcerado, com sua esposa, em instalações das SS.
Em maio de 1938, ele chegou a Dachau. Lá encontrou Fritz Löhner-Beda, que havia sido deportado ao campo em abril. Um sobrevivente lembra que Grünbaum contava piadas dizendo que “sozinho iria acabar com o Reich”. Para levantar o ânimo dos prisioneiros, costumava dizer que “a privação total e a fome sistemática eram as melhores defesas contra o diabetes”. Certa vez, um oficial das SS negou-lhe um sabão, e ele ironicamente lhe diz: “Quem não tem dinheiro para sabão não poderá arcar com os custos dos campos de concentração”. Rapidamente, foi transportado a Buchenwald, lugar em que também teve participação ativa na vida cultural.
Acabou sendo enviado novamente a Dachau. Lá fez sua última atuação às vésperas do Ano Novo de 1940. Gravemente doente de tuberculose, decidiu fazer um espetáculo para entreter os prisioneiros da enfermaria do campo. A mensagem de Grünbaum aos presentes: “Peço que lembrem que não é Fritz Grünbaum quem está atuando diante de vocês, mas o prisioneiro No.... [ele mencionou seu número], que pretende transmitir um pouco de alegria a vocês neste último dia do ano”.
Depois desse derradeiro espetáculo, Grünbaum tentou o suicídio, mas não teve sucesso e foi “resgatado” pelos oficiais das SS. Duas semanas depois, em 14 de janeiro de 1941, foi encontrada sua certidão de óbito. Para os nazistas, o artista faleceu de um ataque cardíaco.
Löhner Beda nasceu em 1883 e foi um dos maiores roteiristas e cantores líricos de toda Viena. Em parceria com o compositor Franz Léhar, o roterista Ludwig Herzer e o cantor Richard Tauber, ele produziu, entre outros, a opereta Friederike (1928), Das Land des Lächelns (O país do riso, 1929) e Giuditta (1934). Fritz Löhner Beda foi preso em 1 de abril de 1938 e deportado a Dachau. Em 23 de setembro foi enviado ao campo de Buchenwald. Lá compôs com o prisioneiro Hermann Leopoldi o anátema do campo “Das Buchenwaldlied”  (O canto de Buchenwald):
[Oh Buchenwald, eu não posso te esquecer,
porque és o meu destino.
Só aquele que te abandona,
pode apreciar quão maravilhosa é a liberdade!
Oh Buchenwald, não choramos nem reclamamos,
seja qual for o nosso destino,
no entanto vamos dizer “sim” à vida;
pois chegará o dia da nossa liberdade!]
Em 1942, o poeta Löhner-Beda foi enviado ao campo de Monowitz (próximo de Auschwitz-Birkenau), falecendo em dezembro de1942.
Dois anos após sua morte, a música Buchenwaldlied ressoava durante a entrada triunfal do exército americano no campo de Buchenwald. Os prisioneiros entoaram a canção, pela primeira vez em liberdade.
PALAVRAS FINAIS
Esta pesquisa deixa nitidamente claro que a música esteve presente em Dachau com uma conotação positiva, mas também negativa. A música ouvida pelos prisioneiros neste lager teve momentos difíceis, de desespero e torturas, mas serviu também para relembrar vários instantes de heroísmo, resistência, luta e superação.
Os poucos poetas, cantores, compositores e músicos que atuaram em campos como Dachau, preencheram um papel crucial, alentando os demais prisioneiros nas horas mais difíceis de suas vidas.
Durante o Holocausto, a música de Dachau e outros campos nazistas representou uma forma de resistência, a denominada “resistência cultural”, um tema significativo que somente agora começa a ser devidamente pesquisado e revelado ao grande público.

BIBLIOGRAFIA
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Silverman, J., The Undying Flame: Ballads and Songs of the Holocaust, Syracuse University Press 2002.

Stompor, S., Judisches Musik- und Theaterleben unter dem NS-Staat, Hannover: Europaisches Zentrum fur Judische Musik, 2001.
Prof. Reuven Faingold é historiador e educador, PHD em História e História Judaica pela Universidade Hebraica de Jerusalém. É também sócio fundador da Sociedade Genealógica Judaica do Brasil e, desde 1984, membro do Congresso Mundial de Ciências Judaicas de Jerusalém.


 Fonte: Morashá


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Silvia Lerner
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