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sábado, 23 de dezembro de 2017

Mas neeem te mete, bocaberta! - Um passeio pelos sotaques do Rio Grande




O Serrano
Pois falar do sotaque gaúcho, ou dos gaúchos, melhor dizendo, é muito mais que a miséria caricata da fonética carioquês-agauchada e imbecil que os personagens teatrais teimam em acreditam que sejam capazes de imitar. Não conseguem. O único humorista que conseguiu chegar próximo do caricato original (porque até pra fazer caricatura de si próprio, tem que ser gaúcho e bom de ouvido), foi Chico Anísio, onde imitava uma fazendeira de Bagé, a Salomé, que por sinal, nem foi criação dele e sim de um dos maiores humoristas brasileiros, amoitado no Rio Grande, o Renato Pereira. Todos os demais humoristas, por mais engraçados que sejam, ao seu modo, imitam os gaúchos, e acabam com isso, por seus estilos próprios, tornando-os engraçados também. Mas não seriam capazes de passear com uma cuia de mate por um rodeio, ou num fandango, sem que discretamente passassem um lencinho umedecido na bomba antes de tomar um mate servido, e aí tava morta a cobra. 

Pra começo de conversa, o rio Grande não tem um sotaque uniforme, e mudar a sílaba tônica quando diz "Barbaridade, tchê!", é o primeiro grande deslize fonético regionalista que cometem. Só um gaudério bem bagual (uma prenda lindaça é classificada aqui como gaudéria bem bagual também, pois discriminação não faz parte do jeito gaúcho de ser. Macho é macho, prenda é prenda e o pingo véio leva os dois no mesmo trote) é capaz de florear a entonação da palavra "Barbaridade!". Vejamos então estas particularidades.


O taura de cima da Serra, espicha o beiço pra salientar o bigodinho demodê, bem aparado, cheirando a loção de "Água Vérva", e diz: 
-"Mâns isso é uma baaar...baridade!". 
Percebem? A primeira sílaba, "bar", é separada por reticências, um leve hiato dançando no vazio, que termina rapidamente, para não perder o fio da meada, chegando no "baridade", porque prosa de serrano não tem hora pra terminar, quando tem mate e costela na prosa. E se você quer ter mesmo certeza de que o vivente é serrano, vai perceber que sempre no meio da conversa ele deixa escapar a expressão: 
-"Mãns isso é côza dos antxíiiigooo, de fal-cída minha vó, côza ainda do tempo da rivulução de vintxitrêis...".
 Dito isso, fica olhando no vazio, buscando um restinho de lembranças da saudosa Revolução de vinte e três, e chega até a escutar os gritos de "bâmo mula!"; "carca fogo nos veiáco!"; "te meto um soco nos beiço!", e outros impropérios de exaltação da valentia, e ainda o retinir das adagas na peleia. E se olhar com cuidado, irá perceber uma lágrima escorrendo no cantinho do zóio do maleva... Eis então que Barbaridade dita por um serrano, é de fato uma barrr...baridade mesmo.

Barbaridade é uma palavra que carrega uma carga muito grande de responsabilidade, pois quando começa a dizer "bar", meneia a cabeça e gira os olhos numa espiral cósmica, em busca de respostas para o infinito entre o bar e o baridade. Creio que até deveria haver um tratado para a pronúncia da barbaridade, o que em si seria já uma grande barbaridade também.

O Portoalegrense
Gracinhas à parte e discórdias por disputas de ego, o porto-alegrense é disparado o mais original de todos. É um cantor de ópera e um contorcionista por excelência, pois ao pronunciar a palavra "barbaridade", é um espetáculo imperdível, um show de mímicas, caretas, sons etéreos e volteios que se entrelaçam e voltam, entre sons que são modulados de acordo com o espaço disponível para a extensão fonética, e após se encurvarem em diagonal, com os braços estendidos em direção contrária, rodopiando a mão enquanto coça o redemoinho do cacuruto, exclama, começando com com o preâmbulo : 
-"Mãééééssss bêeeeeeeim capássssss!" Béãééérrrrr-báridáaaadjeeeee...! E aí começa a prosa, entremeada de adjetivos como: 
-"Me caíu os butxiãnnnsss, né guríêmm? Ou então:
- "Páu-lô Felí-pêee! Dêu pra txi, guríêeimm! Não quero mais que me chupes picolé antes do churrass, porque djepôis tu néaoo comee ná-damm , viuuu?"

Gentilíssimo e barraqueiro, o porto-alegrense é capaz de andar dez quadras fora de seu roteiro para levá-lo ao seu destino, quando descobre que você está perdido no trânsito. E nem será difícil de localizá-lo na serpetina do trânsito, porque ele te localiza. E berra de janela aberta: 
- Óooonhmmm! Daqui agora tu segue reto que vai dar béeeem onde tu queres irrrr!
Nem espera pelo agradecimento, e já some no meio dos carros que voam rasgando a buzina por qualquer dá-cá-essa palha.

O Missioneiro
O taura das missões fala de um modo mais malemolente, meio que mastigando água, quase adengosado, e suavizando o "C" pelo "X".:
- "Nhãoum! Não me gripo com faxilidjádje. Xó quando me dão xerveja muinto gelhádja pra beber!"
Mas aqui tem umas particularidades que convém salientar.Por exemplo: "Quando ME dão..." O Me é acentuado com vigor: Mê! As sílabas são bem separadas e cada palavra é tratada com a devida vênia. Não se engolem palavras. Muito menos sílabas. Pode dizer-se que o misssioneiro, que soaria como "Mixionêirô!, seja um bibliotecário e arquivista do vernáculo, porque cada palavra tem que ser minuciosamente elaborada ao ser dita.

Podemos dizer que o sotaque do missioneiro norteia também o planaltino e o fronteiriço, este um pouco acastelhanado pela influência com os países que divisam  com sua pátria, o Rio Grande. O "leitê quentê" faz parte tanto do cardápio quanto da fonética das palavras desta parte do Rio Grande.
- Nhão se apoquentê donha Mariaãm,  porque o pôrco foi capado e carece dê muintô tratô!"

O gramadense
Gramado é uma mini cidade cosmopolita sem sotaque próprio, que ora, pende para o serrano, ora para o porto-alegrense, e ainda sofre forte influência do tedesco (alemão primitivo) e dos seus dialetos, e também do italiano, ambos dialetos de seus colonizadores. Mas os mais antigos tinham certos maneirismos e expressões interessantes, ainda cultivada por alguns habitantes do interior, com:
- "Bamo pro Gramado, na venda do sêu Abeli, mãns antes bamo jogá uma partida de bótia na vendo do sêu Istrapassóla"!
Os sotaques italianos são bastante característicos em Gramado, de onde colhemos expressãos como:
- "Má crrrrrameintooou! Pórrrca mijéria! Xe eu non me xegurrro, tinha me ixcuiambado todoo o fordeco!"

-  Má óia, é, que te dou um tapo na retcha xe tu me incomoda ôze! Má io te díxe quantas veix que nom me incomoda, porque io xó vou lavá ox pé, e deu!"
- "Má me ixcuita, é! perrchê tu num vai mizá do ôtrrro lado da cája, xêu pôrrrcooo! Má dèssa a nona tê vêe aí que ela te cápa!"

Os alemães também deram sua contribuição pro rico balaio fonético dos gramadenses:

- "Das ist fumets, uma feiss lá, xácuára! Fem lá uma fêis e come ein stick kuhen, nêne! Côome, nêne, que tepôiss tu cânha uma piscôitinho brá facê tunga, ssim, no gafé"
- "Máaaaaim! O brimo Hans me tuca ti nôvooo! (Tuca,, brimo, tuca, fêm lá e tuca..!)"
"Bóte xecá, frequêsss! O cuca é arecém saíto ta fôrrno!"
- Ficínhaa..fí-cinhaaa! eu tá ton prreocupata com minha filho, Heinz! Ele xá dá rapaisss, e taí arumô um chenemetz pêemm mais félha gue ele, e ficáron no tomíinco te dárrte, facendo popaxáda nos capuêrra, e ela, que é peeeem maiss vélha te gue ele, tevía te ter xuíço no cabeça, mas nom tem, e fez mál pra ele. Acórra fái der que cassar, ele tois, né, uma fez!"

Enfim, isso tudo e muito mais é só um pouquinho do que se fala no Rio Grande, que é muito maior que o nome diz.

Assistir no Youtube (Entra lá e dá um LIKE)



segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Reunindo as mais belas vozes femininas de Israel, Quinteto Carmel Acapella, lança seu álbum de 20 anos




O Quinteto vocal feminino CARMEL ACAPELLA reúne as mais belas vozes de Israel em clássicos, e comemora seus 20 anos de carreira lançando um álbum por Crowfunding, e convida o Brasil a participar deste projeto.
Minha querida amiga, Maestrina Shula Erez envia e eu compartilho esta oportunidade.
Confesso que sonho em vê-las cantando aqui no Brasil.
Pacard


Resultado de imagem para carmel acapella

 Visite o site e conheça mais clicando aqui


Nós temos um sonho

Carmel A-Cappella está comemorando 20 anos de criação musical conjunta. Para esta ocasião especial, decidimos gravar nosso 3º álbum e gostaríamos de convidá-lo a participar deste presente de aniversário.



Quem somos e o que fazemos

Há 20 anos, Shula Erez fundou o primeiro grupo feminino A-Cappella
em Israel, e desde então, Carmel A-Cappella é uma parte vital na cena musical israelense. Ao longo dos anos, nos apresentamos em pequenos estágios e enormes, ganhamos alguns prêmios de prestígio e participamos de uma variedade de festivais, cerimônias oficiais, programas de TV e rádio, além de colaborar com vários artistas líderes em Israel e no exterior. Nosso repertório é muito versátil e contém uma variedade de arranjos vocais frescos de peças clássicas instrumentais, musicais, música contemporânea e música de jazz. Durante os últimos anos, estávamos em uma turnê mundial que incluiu China, Equador, Alemanha, Espanha, Suíça, México, Itália, França e muito mais.

Nossa paixão

Nossa paixão e amor pela música A-Cappella nos leva a encontrar, criar, gravar, executar e evoluir ao longo dos anos. Mas, o amor não é sempre o suficiente e aqui gostaríamos de pedir-lhe amantes de A-Cappella para intervir e nos ajudar a perseguir nosso sonho.

Nosso sonho

Ao longo dos últimos anos, trabalhamos em vários arranjos frescos e diversos de A-Cappella que gostaríamos muito de gravar. Os novos arranjos são originalmente escritos por nossa muito talentosa Shula Erez e, como de costume, são extremamente versáteis e incluem uma grande variedade de peças musicais. Se você tiver o amor A-Cappella ardendo em seu coração, tudo que você precisa fazer é apoiar este projeto e participar dessa criação. Nós, naturalmente, devolvemos e agradecemos seu apoio. Todo apoio, pequeno ou grande, nos aproximará para tornar nossos sonhos realidade. Um olhar muito rápido do que o nosso novo álbum incluirá é o pequeno vídeo anexado.

Agradecemos antecipadamente a todos vocês que participarão para tornar nossos sonhos realidade.

Com Amor,
Carmel A-Cappella


Beethoven the 5th

 














What a Wonderful World by Bob Thiele and George David Weiss



Uma canção especial para a Páscoa 
Vivaldi - As quatro estações - A primavera

 

Recordando as visitas nos tempos da infância (Se você se identificar, sim, estamos velhos)



Quando eu era menino, muito pobre, minha família praticava certas coisas, das quais sinto muita saudade, e que não vejo mais acontecer hoje. Não, não digam que é  porque todo velho tem saudade, não senhor, senhora ou senhorita. O segredo não é sentir saudade, mas sentir saudade das coisas certas. Por exemplo: Dormir na casa de um parente! Isso era um acontecimento. Tanto no nosso ranchinho se vidraça, com janelas de madeira, quanto nas casas das tias e tios,estar com a família era o que importava. Era um milagre da multiplicação, inexplicável. 

Uma pobreza que dava gosto, mas assim que chegasse um parente de longe, primeiro, não chegava de mãos vazias. Sempre trazia consigo algum mimo da lavoura ou mesmo do armazém. Embrulhados em panos de prato, pães perfumados ainda quentinhos, da casca crocante, um pote de geleia ou marmelada, caramelos para as crianças, ou até mesmo um quilo ou dois de bananas, que eram devoradas no tempo de um suspiro, coisas desse tipo

Para a dona da casa, um paninho de prato ou um lencinho bordado, ou uma bela moranga, ou um saco de milho verde, feijão ou aipim. Qualquer coisa da própria horta. Ou do pomar, como um saco de peras ou pêssegos, talvez umas uvas. Sim senhor, senhora ou senhorita! eram tempos felizes aqueles.

A mãe corria a matar uma galinha gorda para preparar um sopão, enquanto um café cheiroso espalhava perfume pela casa, e do armário milagrosamente saltavam coisas que o mistério da multiplicação não explicava.Por exemplo: De onde saiu aquele queijo: E os biscoitos enfeitados, que apareceram milagrosamente para dividir com os primos? Não sei. Só sei que comíamos com gosto tudo, e ainda sobrava espaço para subir nas árvores e colher frutas verdes para embotar os dentes.

Visitar ou ser visitado na infância era dormir no chão, cinco ou seis crianças, tagarelando e rindo, até  que algum adulto nos mandasse calar a boca e dormir. Mas dormir pra que? Dormir era tempo perdido, quando tínhamos visita em casa. E na manhã seguinte, ainda madrugada, acordar ouvindo os adultos tagarelando na cozinha, o café quentinho, os bolinhos fritos e o cuscuz fumegando para ser comigo com coalhada ou leite gordo. Não senhor, senhora ou senhorita! Não tem como esquecer coisas assim. Não tem como esquecer as longas horas de prosa onde as novidades eram o zap-zap de então. Um retratinho guardado dentro de um envelope bem cuidado que passava de mão e mão valia mais que mil páginas de facebook, e um livro velho com gravuras em preto e branco garantia entretenimento por muitas horas entre olhares curiosos sobre as ilustrações antigas.

Voltar no tempo para visitar as velhas malas guardadas em cima dos armários, amarradas com cordinhas, e que guardavam lembranças, são a chave da eternidade das lembranças que temos, especialmente quando dentro destas velhas malas ou caixas encontrávamos tesouros, como óculos antigos, traquitanas que nem sabíamos para que servia, caixas com fotografias cor sépia serrilhadas, e rostos enigmáticos de parentes falecidos e vaporizados na história, gente de quem nunca ouvíramos falar até aquele momento. 

Voltar naqueles dias pelas lembranças é lembrar da despedida, onde novo banquete era servido, a mesa farta, cucas, pães, doces, manteiga, leite quentinho, café coado, queijo serrano, e muitas recomendações de lembranças. E para esticar um pouquinho a boa companhia,  acompanhando as visitas com suas trouxas e embrulhos, porque também milagrosamente levavam o dobro daquilo que traziam, e lá na cancela do potreiro, limite da casa com a saudade, os últimos abraços e recomendações.

Eles se iam e nós voltávamos.  Ou quando éramos nós as visitas, nós íamos, e eles voltavam. Assim eram os dias nas gavetinhas de nossas lembranças. Nos visitávamos. Nos visitavam. Passávamos dias e dias felizes, armazenando alegria para a espera da próxima visita.Nossa ou deles.

sábado, 2 de dezembro de 2017

Apolônio Lacerda e a Carteira de Bandido




A Carteira de Bandido

Torresmo era bandido. Não era qualquer bandido. Era bandido concursado. Bandido federal. Tinha carteira de bandido válida em 32 países. Mafioso. De Palermo. Por isso era chamado de palerma. Talve fosse. nunca se sabe. pouco se sabe dos mafiosos. Foi morar no Cêrro do Bassorão por uns tempos para sair de circulação. Levou pouca coisa consigo. Apenas a roupa, um chapéu e sua carteira de bandido. 
Valia muito uma carteira de bandido válida em 32 países. Era um salvo conduto em certos lugares. Na capital federal, uns figurões enlouqueceram quando viram uma destas. Ofereceram muito a ele. Dinheiro grosso. Mas nada o tentava. Era uma carteira conseguida na raça. Por mérito. Só uma vez balançou com uma oferta. Um Monza 83, mas motor 84 retificado. Parachoque original. Era demais. Mas ele resistiu e caiu fora.  Teve medo de ser roubado e saiu de lá. Era um lugar cheio de gente mal intencionada. Não. Ele era bandido, mas tinha principios. Não se misturava com esse tipo de gente. perigosa demais. Até mesmo pra bandido. Com carteirinha da bandido. Válida em 32 países.
Chegou no cêrro à noitinha e ficou na hospedaria atrás do bolicho do Tuiuco. Não deu seu nome verdadeiro. Nem sabia mesmo. E se soubese, nem a pau contava. Era bandido confiável. Tinha carteira de bandido. Válida em 32 países. Carimbada em 76. Pagou adiantado. Seis meses. Em dinheiro.  E se instalou ali. Fez amizades com o populacho. Em pouco tempo era do populacho.
Conheceu o Frei Uomo numa noite de carteado. Não jogava truco. Teve que aprender. Aprendeu. Se tornou campeão de truco e amigo do Frei.
Um dia apareceu no confessionário e desabafou com o padre:
- Sou pecador, padre. Me perdoe senão te arrebento. Chamo meus bandidos e mando passar fogo na tua batina contigo dentro. Eu pequei. E estou arrependido. 
O frei matutou e perguntou:
- Conte o que fez, meu filho!
Torresmo deu um pulo e sacou a arma. Arregalou o olho e sentenciou:
- Não vim aqui me gabar, padre. Vim me humilhar. Não conto nem tapado de mutuca!
O padre arregalou o olho e perguntou:
-E foram muitas vezes?
- Isso também não conto. Nem a pau!
- Alguém mais sabe?
-Ninguém.
O padre insistiu:
-Se não me contar, não tenho como saber.
-Pois bem. Vou contar! Tenho uma tara. Gosto de ir visitar as percantas e dou a elas duzentos contos, enquanto a tabela delas é de apenas cinquenta contos. E despois eu desato a xingar.
- E xinga muito?
- Não. Só até que me devolvam os duzentos.  Aí mostro minha carteira de bandido válida em 32 países.
O padre arregalou os olhos e bebericou uns goles para segurar o riso.
Dito isso, Torresmo se deu conta que confessara um segredo capital. Pegou a mala e sumiu mundo a fora. Levou consigo apenas seu chapéu e sua carteira de bandido. Válida em 32 países. Inclusive em Brasília.

A feiura segundo Apolônio Lacerda - A honra e a glória



Mãns chê - dizia Apolônio, com ar de desdém, misto com compaixão e um certo tanto de deboche: " Não te apoquentes, porque feiura não é mistério! É só defeito no carburadôri da encrenca!

Não  poupava nada.Perdia amigos, mas de jeito nenhum deixava guardado um elogio invertido sobre as qualidades da fealdade humana, vegetal, animal ou de desafetos, os quais não classificava em nenhum dos reinos conhecidos, mas algo entre o reino Fungii (dos fungos) e do traseiro das baratas, que também não era um lugar muito louvável.

A questão era que Apolônio tinha um transtorno bastante comum em pessoas tacanhas, de inverter valores e subverter virtudes, daí, dizia que tal pessoa era "imbizugada", quando o conceito geral era de que tal pessoa fosse linda. Chamar de linda perto dele era pedir briga, pois ele acreditava que o lindo era ser feio e e quanto mais feio mais lindo, pois pregava um ensinamento de que vivemos em um circulo virtuoso e ao mesmo tempo defeituoso, onde a lindozura estaria em um ponto desconhecido e que se ao mesmo tempo nos distanciássemos deste ponto indo na direção oposta na tangente deste círculo, estaríamos ao  de igual modo nos aproximando da belezidade que buscávamos, ou seja, quanto mais feio, mais lindo. Então, dizia ele que para um encontro pleno com a buniteza, era preciso que fugíssemos dela.

Apolônio era meio doido e meio certo. Isso ele não definia direito, pois dependendo da conveniência, ser doido era vantagem, Mas a lógica de Apolônio era interessante, e poderia ser aplicada a outras virtudes em contrastes com seus defeitos seja no Bassorão ou alhures, dando à lógica apolônica um sentido especial. Por exemplo, diz a sabedoria judaica que a honra é assim que se apresenta aos que a buscam, e quanto mais se busca a honra ( glória, reconhecimento, louvor próprio), mais ela foge de nós, porém no inverso disso, quanto mais fugimos da honra (modéstia, equilíbrio, temperança moral), mais ela (reconhecimento)  nos persegue.

Apolônio nunca fala em honra, pois isso  comprometeria a não dizer mais asneira. Mas não deixa escapar uma oportunidade para ofuscar a prepotência alheia com suas pérolas mordazes. Assim foi no dia em que foi apresentado ao recém nascido filho varão de Gualhaba, causo ocorrido com a Emerenciana, neta do...bem, isso não tem importância no relato. Pois Apolônio olha para o rebentinho ainda de olhinho fechado e lasca de chofre:
- Mãns chê! Como é feio! mas que bá! Parece um juêio de rezadêra!
- APOLÔNIO! - Vocifera o Frei Uomo, cuspindo o gole de vinho que amolecia o bocado de torresmo que mascava, escandalizado encolerizado com o disparete do atarantado.
- Mãns chê! Foi um inlojíu. Eu não ia falá pra mãe do cuéra que a cara do bicho é mais parecida com uma capivara desmamada, ia?
Frei Uomo estava em duvida se enforcava Apolônio com o rosário, ou dava nele com a bengala, quando vê Apolônio  fazendo um carinho no infante, que por estes inexplicáveis mistérios, fez com que a criancinha olhasse para Apolônio e desse um largo sorriso, desconcertando Apolônio:
- Eu vou bater nele, Frei! Não tava no combinado que o piá ficasse de gracinha comigo!
E quanto mais falava e gesticulava,mais ria o piá, derretendo Apolônio de lembranças...e fechando o círculo das virtudes, onde quanto mais se foge da honra, mais ela nos persegue..e quando o Frei olhava para outra direção, lá estava o dedo do Apolônio, emocionado, fazendo bilu na creancinha marota.
- Mãs que parece um juêio, parece! Ih, o piá me cagô no colo....

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Sobre violência, Sofrimento e Perdão



Tenho um hábito que passei a cultivar há muitos anos atrás, e que aprendi lendo a Bíblia. O texto está em Efésios, 4:26-27 e diz assim:Mesmo em cólera, não pequeis. "Não se ponha o sol sobre o vosso ressentimento.Não deis lugar ao demônio".  Interessante ler o capítulo inteiro, porque não se trata de uma lição de religião apenas, mas um tratado de ética e de moral, e mais que isso, um conselho de psicanálise, onde mais que fazer cessar a discórdia e buscar a paz, o texto propõe uma interrupção daquilo que nos leva ao sofrimento em cadeia, contínuo.

O sofrimento contínuo pode ter uma causa externa (prisão, maus tratos, doença, de muitas maneiras, enfim), ou interno, isto é, aquilo que está dentro de minha alma, de meus pensamentos, de minhas atitudes, e que consequentemente poderia ser mais fácil de ser mudado. Mas não é, infelizmente. Mudar o mundo é  mais fácil do que mudar a nós mesmos, uma uma razão bastante simples: Os outros nós podemos ver, mas a nós é mais difícil, pois ainda que tenhamos  um espelho que mostra nossa aparência exterior, até mesmo ele nós procuramos enganar, maquiando e penteando, porque espelho só mostra a superfície mais insignificante de nós mesmos, mas não é capaz de desnudar o nosso caráter, uma vez que conseguimos mentir até mesmo para o espelho, até mesmo para nós próprios.

Quando Sócrates dizia que devemos conhecer a nós mesmos, estava dando combustível para que Paulo de Tarso propusesse aos Efésios que modificassem suas características sociais, mas além disso, que deixassem de sofrer. E quem é  que sofre? Sofre aquele que remói mágoas, que remexe podridão do passado, e que alimenta contendas. Sofre aquele que pensa estar fazendo justiça incitando vingança, porque enquanto tal "justiça" não  ocorre, ele continua sendo infeliz, e quando a vingança acontece, nunca será suficiente para saciar sua sede por sangue, e assim, aquilo que propõe reparar o erro de um, torna-se adubo para as ervas daninhas do ódio do outro.

Quando estamos diante de um malfeito de alguém e respondemos com incitação um malfeito pior,não é  o agressor quem sofre os danos, mas somos nós que apodrecemos e não percebemos. Quando propusemos que uma atrocidade seja saciada com outra atrocidade ainda maior, não estamos reparando o mal que já foi cometido, este irreparável, senão pelo Justo Juiz que julgará vivos e mortos no Dia do Juízo, e dará a cada um a sua paga, segundo o mal ou o bem de seu coração. Porém, aqui e agora, mal nenhum se repara com mal continuado por outro, ainda que se denomine justiceiro.

Quando disse que aprendi algo e aqui divido este aprendizado com você é que eu sou aquilo com o qual eu me alimento, e em minha vida não há prato que aceite alimento estragado. Não sou bom o suficiente, mas nem mau que não possa reparar meus erros, e nessa escada, de degrau em degrau, procuro subir, um por um, para tropeçar menos, não porque querer dizer que sou bom, mas para que o mal não diga a mim que sou aliado dele.

Resolver suas questões antes que os tribunais precisem interceder é garantia de sono tranquilo. Talvez não se curem os males do mundo,mas ao menos dorme-se em paz.

Perdoar não significa dar razão ao agressor, mas tirar o morto de nossas costas para que não apodreçamos junto. Quem nos fere e não se arrepende disso, é um cadáver espiritual e exala mau cheiro, especialmente enquanto estiver agarrado às nossas costas, por isso, libertá-lo é certeza de que podemos nos banhar no perfume do perdão, que nos deixa dormir em paz e acordar mais leves.


Mesmo em cólera, não pequeis. Não se ponha o sol sobre o vosso ressentimento.
Não deis lugar ao demônio.
Efésios 4:26,27
Mesmo em cólera, não pequeis. Não se ponha o sol sobre o vosso ressentimento.
Não deis lugar ao demônio.
Efésios 4:26,27

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Dpacard - Inteligência Criativa




Dpacard Inteligência Criativa é o nome Fantasia de minha empresa, até porque quem faz blog não vive de brisa. Quando eu anuncio, não é por vaidade nem pra me gabar do que eu faço, mas para dizer:Olha! Estou aqui!! Contratem meus serviços,porque vai ser bom pra sua empresa! Entendeu?  Não? então tá. Eu desenho!
















Porque o povo precisa de heróis - Capítulos da política de Gramado



Estudei vários títulos para a chamada deste comentário, e confesso que estou escrevendo já o artigo e ainda não decidi o que escrever, tamanha a variedade de possibilidades, em se tratando de falar de heróis dentro da política. Mas vou evitar mais atalhos e seguir direto ao ponto: PMDB, PP, PSBD e PDT em Gramado (tive solicitações para lembrar também do PT, então está lembrado, embora eu prefiro falar dos bons nomes deste Partido no município, e esquecer a sigla o mais rápido possível, tantas foras as vezes que fui maltratado pelos seus correligionários na esfera nacional, que prefiro jogá-los no claustro dos esquecidos e sugerir que procurem outra ideologia para trabalharem por sua cidade, embora do PDT de Gramado eu também não guardo boas lembranças, mas vamos caminhar pra frente que fica melhor).

O Ser Humano precisa de referências desde que nasce. Ainda sem enxergar direito, o bebê precisa ouvir a voz da mãe para saber que está seguro. Isso também ocorre com os animais. Todo ser vivo é gregário, isto é, necessita estar ligado a outro semelhante para sentir-se seguro e uma vez seguro, buscar a felicidade. Assim também ocorre com a política. Precisamos de heróis, de líderes, de referência, de ideologias e quem as abrace como causa para que também as abracemos como objetivo. Assim, só na sociedade anárquica ou utópica (que dá na mesma, pois ambas são intangíveis) é que ninguém é de ninguém e todos fazem o que é preciso de forma sincronizada sem um comando central. Nada mais estúpido achar que um corpo caminha sem pernas, que olhos vejam sem um cérebro para processar as imagens, ou que mãos trabalhem livres sem sincronismo dos braços ou de uma com a outra, ou que uma civilização possa crescer sem seus herois e pensadores. Não pode, assim como também uma comunidade não se posiciona se não souber em que direção deseja ir e não chegará a lugar algum sem que se organize para a jornada.

Quando D-s quis livrar Seu povo da escravidão, poderia ter enviado anjos ( e o fez, mas apenas para punir o Egito), mas escolheu um Homem. Quando o Rei de Portugal quis alargar suas fronteiras, não lhe bastavam navios para transpor os oceanos, porque para comandar estes navios eram necessários Homens. Quando há uma lavoura por plantar e colher, D-s envia a chuva e a luz do sol sobre a terra que também concedeu, mas são os braços de homens e mulheres quem lançam as sementes e segam a safra depois de madura.  Assim também neste modelo quero mostrar que um Partido não se faz sem filiados, que uma eleição não se vence sem candidatos, mas que na linha de frente, partido algum caminha sem ter alguém em que possa se espelhar e a quem seguir. Nenhuma campanha se faz sem um líder por quem se faça até mesmo sacrifícios por segui-lo, se este representar mais que seu próprio ego, mas um projeto de libertação, de desenvolvimento, de orgulho para quem o siga e que ocupe no panteão da história um lugar acima dos outros heróis. Assim é que se fazem os grandes lugares no mundo e é assim que se edificam as civilizações.

O PMDB de Gramado, que nada tem a ver com a mesma sigla no cenário nacional, está avançando com estratégia bem direcionada, e é inegável que é desta legião de devotos pela fidelidade e pela honradez dos compromissos os levaram a trabalhar silenciosamente até alcançarem a vitória nas eleições de 2016, mas que muito mais que isso, crescerão muito nos anos que os separam da próxima oportunidade de ocuparem a cadeira que, deste partido, pertenceu a Nelson Dinnebier, cuja ausência arrefeceu o espírito, mas que começam a resgatar na presença de um novo líder que desponta pacientemente, e fielmente em escudar seu parceiro do PDT, a quem prometeu acompanhar, apoiar e honrar o compromisso e a confiabilidade outorgadas pelo seu Partido. 

Cabe ao jovem Evandro Moschem a tarefa de resgatar o PMDB para o PMDB, assim como cabe a um dos postulantes de seu adversário, o PP, mostrar quem é digno de ocupar a cadeira que foi de Pedro Bertolucci, e aqui menciono Pedro, quando poderia igualar outros prefeitos da mesma bandeira desde que Gramado se fez independente, mas estou falando de carisma pessoal e não de registros eleitorais. Seja Nestor, duas vezes Prefeito, seja Ubiratã, três vezes o mais votado, Seja Luia Barbacovi, que tomou uma rasteira ao ser preterido para a cabeça de chapa, ou no mínimo vice de Pedro na campanha, ou seja ainda Jorge Drumm, que também silenciosamente promove o crescimento intelectual e estratégico do PSDB, todos eles, tem a oportunidade e a dura tarefa de resgatarem os heróis que o povo  busca para que as bandeiras políticas, sejam quais forem, sejam desfraldadas com galhardia e mostrem às novas gerações que política não é algo ruim, e que é a boa política quem motiva o povo a seguir a jornada, pois tal como Canaã, que esperava logo depois de um deserto, assim também Gramado espera por aqueles que queiram ser os líderes do povo, e que assim o sendo, queiram gravar em pedras na história os seus feitos, mas sobretudo gravarem no coração das pessoas as suas marcas de liderança.

Quanto ao PDT, insisto que é um Partido de um nome só, e que não reciclou suas ideias, o que tem uma ótima oportunidade para fazê-lo, dada a crise moral que assola o país. Um Partido que produziu tantos líderes, esvaziou-se nisso. Lideres demais e conexão com o povo de menos. Prova disso é o que venho dizendo há tanto tempo sobre Gramado: PDT tinha o que os outros não estocaram para a crise e soube afinar o passo para ocupar o vazio deixado pelos líderes que gravaram suas marcas na história, mas deixaram de compartilhar seus segredos com as novas gerações, e liderança tem segredos, tem maneirismos, tem estratégias e tem sobretudo paixão. Mas sempre é bom lembrar que paixão é  uma faca de dois gumes se não for transformada em amor. 

Hoje Gramado paga o custo da acefalia política e urge que se faça escola de heróis, pois nunca se sabe quando virá a próxima crise ou oportunidade que sejam revelados.

Para ser um herói não é preciso andar com a cueca sobre o pijama e voar com uma capa vermelha, mas é preciso caminhar entre a multidão e fazer-se notar pela sabedoria e confiabilidade.  Este líder tem um povo à sua espera. Quem se habilita?



domingo, 26 de novembro de 2017

A história das religiões de Gramado até os anos 90 - Católicos que eram judeus e não sabiam, Umbandistas, Luteranos e outros


Quero começar uma serie de histórias dentro da própria historia de Gramado, abrindo alguns parêntesis de certas particularidades que construíram Gramado até o presente momento, embora, por tratar de minha memória pessoal, sem me preocupar com a exatidão das datas ou nomes de todos os envolvidos, tratarei daqueles que conheci de perto e travei algum tipo de relacionamento com seus personagens.

Vou começar pela origem de Gramado, eminentemente católica, trazida pelos seus primeiros moradores, a saber, Tristão José de Oliveira  e sua esposa, Leonor Gabriel de Souza  (Gabriel é sobrenome), ambos descendentes de Cristãos Novos, que eram judeus convertidos ao catolicismo pela truculência da Inquisição, por meio de seus ancestrais, e que vestiram as sandálias do cristianismo católico até o fim da vida. 

Deles foi a doação do terreno onde hoje fica o Cemitério Católico, e seu jazigo é um dos primeiros próximos à entrada.Portanto este ramo da família chega Católico e assim, com a vinda da demais famílias (Benetti, Bertolucci, Corrêa, e outros), a fé católica tem suas raízes firmadas no lugar.

No final da década de 1920, missionários luteranos provenientes de São Sebastião do Caí, levam à Gramado os ensinos da Reforma Protestante, e desta forma obtém a conversão de um filho de Tristão, José Francisco de Oliveira, também conhecido com "Zé Tristão", por causa do pai, que torna-se incentivador da fé luterana, e por meio dele, nasce dentro da família , um grupo de sobrinhos de José Francisco, que são são convertidos à fé protestante, os filhos de Vítor Pereira Dias e Maria Francisca de Oliveira. Entre estes, estão minha avó, Maria Elisa Dias (Cardoso), seu irmão João Vitor Pereira Dias, e as irmãs Maria José Dias (Zezé), Lucinda Pereira Dias, Margarida Pereira Dias, Lina Pereira Dias e Leonor Pereira Dias. Todos eles, juntos, reuniam-se em casa para seus cultos, ainda que a contragosto de Tristão, que mantinha-se devoto ao catolicismo.

Era interessante que Tristão, devoto católico, cultivava, assim como sua família, dos costumes ancestrais do judaísmo. e tais costumes foram preservados pelos filhos. Querem ver? A grande maioria de seus descendentes casaram-se entre a própria família. No caso das netas aqui citadas, as mulheres que tinham "Pereira",não tinham "Maria" no nome, costume judeu de preservação em caso de prisão pelos inquisidores, e ainda que o "Santo Oficio" tenha sido oficialmente extinto em 1823, o medo perdura até hoje, pois perseguir judeus é quase um esporte de tempos em tempos, e todo cuidado era necessário. Mais que isso, a repetição de nomes, hospitalidade familiar, e outros tantos costumes que seguiram sem que as pessoas soubessem a razão.

Assim, João Vitor descobriu uma religião cristã que guardava o Sábado judaico, e junto com Maria Elisa, passaram a seguir este costume, após terem permanecido algum tempo na doutrina luterana.. Outras famílias que  chegaram mais tarde também seguiam esta crença, e assim, nasceu a Igreja Adventista em Gramado.

Mas, o restante das irmãs permanecia na fé luterana, ainda que sem uma igreja para praticarem seus cultos. Porém, neste tempo chegaram missionários metodistas que implantaram sua pequena comunidade e logo construíram um humilde templo para seus cultos, especialmente com as crianças, que necessitavam de uma escola, a qual chamavam de "Escola Dominical", e conquistaram a simpatia também dos luteranos, que enviavam seus filhos para esta escolinha, para que aprendessem o catecismo e as doutrinas bíblicas. Assim foi que na casa da família Moura, filhos de Maria José e Olídio Elias de Moura, os filhos todos tornaram-se metodistas até o presente momento, com algumas exceções, e a mãe, com parte dos filhos, permaneceu na fé luterana, iniciada por José Francisco, o "Zé Tristão".

Ainda na fé metodista havia as famílias Bertolucci, Benetti e Beux, que certamente poderão enriquecer este conteúdo com suas próprias lembranças.

Já que evoquei o velho "Zé Tristão" do passado, lembro que ele foi também o fundador, junto com sua irmã, Maria Virgínia de Oliveira, os precursores dos cultos africanos em Gramado. Maria Virgínia morou até o fim da vida, na mesma casa do pai, Tristão, e no porão desta casa, havia um Terreiro de Umbanda, de onde foi disseminado pelo município desde os anos 60 em diante.

Da mesma família Moura e também Corrêa, nasce a Sociedade Torre de Vigia, conhecidos os seus membros como Testemunhas de Jeová, levada à Gramado por Francisco Vaz Corrêa Filho, e sua prima em segundo grau e esposa (curioso costume judaico) Cândida de Moura, filha de Maria José (Zezé). Originalmente membros da fé metodista, Francisco um dia, segundo seu próprio relato, enre um mate e outro, recebeu um folhetim de alguém, à porta da igreja, e após lê-lo por várias vezes e atentamente, dirigiu-se ao Pastor, em momento de culto, com os livros pertinentes ao seu cargo na igreja, atravessou a nave sob os olhares da congregação, colocou-se em frente ao pastor, depositou os livros sobre o púlpito e disse: "A partir desse momento em diante não professo mais esta religião. Sou Testemunha de Jeová!". Virou as costas e foi-se embora, de braços com a esposa. Hoje, com mais de noventa anos de idade e ainda lúcido e estudioso, Francisco conta esta história, enquanto Cândida ri e faz seu crochê, acompanhada de uma cuida de chimarrão.

No alto do lugar chamado de "Morro dos Cabritos", no fim da rua, vivia um casal que não tivera filhos e por esta razão, adotaram um menino, a quem o educaram amorosamente na fé da Igreja Assembleia de Deus. Eram Arquimimo e Manoela , e o menino chamava-se Adão, moço educadíssimo e um virtuose de memória no conhecimento das sagradas Escrituras. Citava de cor capítulos e versículos com extrema naturalidade, ao recitar a Bíblia, e eu tive a honra de ter sido  colega de escola no primário, lá na Vila Moura, e ambos, alunos de minha mãe, Ester Cardoso (Fauth), que além de professora do ensino primário, era também nossa professora de religião na escola pública.

Falei da Igreja Luterana, mas convém que eu defina, pois há em Gramado duas correntes do luteranismo: A primeira, citada, era a IELB - Igreja Evangélica Luterana do Brasil, e mais tarde chegou sua prima, IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, sendo que uma seguia orientações de sua central norte americana em Missouri e a outra em Ohio. A primeira, é a igreja que ficava em frente (ou quase) ao Hospital de Caridade Santa Terezinha, na Avenida Borges de Medeiros, sentido norte, e a segunda, IECLB, é a belíssima igreja do relógio, no alto de um morro que outrora foi alcatifado por hortênsias, mas hoje está espremida entre prédios, hoteis e restaurantes.

A forte atuação da IELB, que é pouco proselitista, está na áera social, onde é a mantenedora do Instituto Santíssima Trindade, na Linha Moreira, um Lar que acolhe crianças e idosos da região.

Embora minha família tenha sua ascendência judaica, nunca praticou judaismo enquanto religião, senão pelos próprios costumes, e disso tenho conhecimento pelas longas (e saudosas) horas de conversa com minha avó, que as repetia e repetia e repetia, para que eu viesse a fazer o que estou fazendo hoje: registrando, para que não se percam e meus filhos e netos as possam um dia contar também. Não tenho nenhum compromisso cartorário coma exatidão dos fatos, uma vez que eu não sou historiador, mas um contador de histórias. Apenas conto o que sei e aquilo que me contaram, do jeito que foi contado. E como dizia o personagem "Chicó", da peça "O Auto da Compadecida", do saudoso Ariano Suassuna, o que eu conto, eu não sei porque é assim, só sei que é.

A partir dos anos 80 começaram a chegar novas congregações em Gramado. Com a construção do CTB  Centro de Treinamento Bíblico de Gramado - Janz Team, onde tive o privilégio de iniciar meus estudos de Grego Bíblico, e frequentar na condição de amigo e colega de alguns alunos, em outras áreas, tornei-me simpatizante do lugar e tenho até hoje, dali, grandes e queridos amigos.

Deste seminário, nasceram congregações como Cristianismo Decido, de uma linha evangélia ou Pentecostal, e outros Ministérios que se espalharam pela região, porque muitos pastores foram formados neste educandário da fé.

Hoje há um belo templo da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, também conhecidos como Mórmons, e também da IURD - Igreja Universal do Reino de Deus, além de muitas filiais dos Adventistas e Assembleanos que se disseminaram pelos bairros e interior(De tudo que relatei, fixei como território apenas a parte urbana do Município).

Um fato bastante curioso e  que o gramadense, de maneira geral, é bastante conservador no tocante às religiões. Não há um grande número de conversões, e o crescimento dá-se por imigração, o por nascimentos. Um caso a ser estudado pela antropologia, ou de uma resposta talvez bastante simples: Todas as religiões e seus representantes são respeitados, e quando as coisas estão indo bem, ninguém muda de religião. As conversões em massa acontecem no campo do sofrimento e da miséria. Então não posso afirmar que haja certa mornidão religiosa em Gramado. Apenas que até o momento,não houve necessidade de migrações.Time que ganha não se muda.

Quando ao judaísmo, Gramado começou a receber as famílias judias, provenientes de Porto Alegre, que passavam temporadas de verão e inverno em suas casas no Bairro Planalto, mas nunca houve uma Sinagoga, nem movimentos de cunho religioso, nem mesmo sionista em Gramado, o que não significa que não haja manifestações desta cultura e religião na cidade. Apenas com discrição, entre encontros familiares e bastante  reservados.

A religião é o que administra o ânimo de uma comunidade, pois esta sempre começa e cresce à volta de uma igreja (ou Sinagoga, Mesquita, etc), e a partir de seus valores, sua comunidade arquiteta sua história. Esta é a minha. Talvez um dia eu conte também a sua.

Religião, fé, religiosidade são sentimentos muito pessoais, onde uns acomodam-se à fé dos pais, e outros buscam seu próprio caminho. Uns aceitam rótulos, e outros preferem enriquecer seu conteúdo. Perguntam-me se eu me "tornei judeu". Não, não me tornei judeu, porque eu sempre fui judeu. O que fez a diferença foi que depois de certo tempo, assumi esta identidade, e fui resgatar as minhas raízes. Isso nada tem a ver como minha crença doutrinária,uma vez que eu nunca busquei reconhecimento formal de judaísmo, pois não preciso de reconhecimento. Quero apenas conhecimento. Mesmo porque, se reconhecimento bastasse, eu deveria ser católico, pois fui batizado nesta religião por causa de meu pai, ao nascer, mas como fui criado na fé Adventista, aos dez anos de idade, fui reconhecido como tal, através do batismo. Porém, casei na Igreja Luterana (IECLB), em 1979. Assim, na visão de uns, tenho uma salada missionária, e na minha própria visão, sou hoje um "Dati", um estudioso das Escrituras, tentando conhecer melhor um pouquinho das maravilhas legadas pelo Criador, o D-s (Deus) de Abraão, Isaac (nome de meu tio e meu filho) e Jacó.


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