AD SENSE

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Eu sou judeu e você nem sabia

Maria Elisa Dias Cardoso, minha avó

Pois é. Embora a lei judaica diz que para ser reconhecido como judeu, é necessário que seja filho de mãe judia. Pois então tou lascado, porque minha mãe tem nome persa: Ester! Ninguém em minha casa tem nomes parecidos com nomes comuns às famílias judia, pois meus tios chamam-se Esaú, a quem minha tia Lina, chamava de "Izáu" (Izav é a grafia hebraica de Esaú), e Samuel Isaac, todos nomes, acho que italianos, me parece assim. Minha avó materna, chamava-se "Maria Elisa Dias (e não "Tia Ilizia", como era conhecida), mas curiosamente suas irmãs chamavam-se assim: Maria Lucinda Dias, Leonor Pereira Dias, Maria José Dias, Margarida Pereira Dias, Lina Pereira Dias, e seu irmão de cuecas chamava-se João Vitor Pereira Dias. Perceberam algo estranho aqui? Vou ajudar: Quem tinha Pereira no nome, não tinha Maria, e quem era Maria, não se chamava Pereira. Curioso, não? Eu explico.


Por demanda de sobrevivência desde os tempos da inquisição, vulgo "Santo Ofício", que de santo não tinha nada, mas demoníaca mancha da humanidade, assim como o Holocausto,  os judeus e seus descendentes precisavam defender-se de qualquer modo, e defender-se significava sobreviver dia a dia com medo e desconfiança, tomando precauções e se esgueirando aqui e ali para manter a cabeça em cima do pescoço. Inclusive trocar os nomes de família. E por que tinham estes nomes?Simples: Para que, caso um fosse apanhado pelos dedos-duros do Papa, poderiam dizer que não tinham parentesco, e com isso, ao menos parte da família estaria a salvo da perseguição,  e quiçá do martírio e morte cruel.


É um golpe duro, nestes tempos de antissemitismo explícito, alguém declarar-se "Judeu", ainda que tendo uma religião proveniente do cristianismo, ou por acreditar que O Messias prometido seja Jesus de Nazaré. Então, vale salientar que sim, eu não sou reconhecido como judeu aos moldes formais do judaísmo, que tem suas regras e devem ser respeitadas, e tampouco estou preocupado em quebrar alguma lei e infiltrar-me a golpes de malho em uma comunidade à qual eu não pertenço de fato. Então o que? Então nada. Tenho dito aos meus amados amigos judeus de fato e direito, que não estou preocupado em buscar reconhecimento, mas quero sim, adquirir conhecimento. Quero enriquecer minha história e mergulhar na sabedoria deste povo que gerou meus antepassados, eles sim, judeus de fato e de direito, e que se estou aqui é porque em algum momento alguns deles entenderam que deveria preservar a vida, sua e de seus descendentes,e aderirem à religião cristã (católica, e mais tarde,luterana), porque sabiam que ainda que houvesse um mar à frente, o braço forte do mesmo D-s (judeus não escrevem as vogais, para que não seja profanado O Nome Sagrado do Criador e rei do Universo, como O chamam) que tirou nossos pais do Egito, com incontáveis milagres e maravilhas, também varreria o mar do preconceito que varre a humanidade de quem deveria manter-se à Imagem e semelhança de seu Criador.


Assim, minha avó e meu tio-avô João, ainda jovens, católicos fervorosos, desde priscas eras, ao descobrirem uma denominação religiosa que tinha a guarda do Sábado (Shabat) como um dos preceitos principais, adotou esta modalidade de fé para preservarem sua preciosa herança genética. Tornaram-se Adventistas do Sétimo Dia (O Sétimo Dia é o Sábado). Minha avó conversava muito comigo, e tinha uma memória prodigiosa. Era capaz de nominar pessoas, casamentos, origens, até a quinta ou sexta geração de nossos ancestrais, e sempre terminava dizendo assim: "..o fulano que era casado com a fulana, filhos do beltrano, vieram de Lages, que vieram de Laguna, que vieram de Portugal, que vieram da França, e por fim, todos eles eram "Arábios". Para bom entendimento, neste tempo não havia ainda o Estado de Israel,e a região conhecida como Palestina, nome dado pelos Romanos, ao dominarem todo o território dos Filisteus (Hoje Tel Aviv e adjacências), deram o nome de toda a região aos "Falastinvs",  Os filisteus não eram árabes nem ao menos semitas. Sua origem era grega. Eles não falavam árabe, nem nunca tiveram qualquer conexão étnica, lingüística ou histórica com a Arábia ou com os Árabes. O nome “Falastin” que os árabes usam atualmente para “Palestina”, nem sequer é uma palavra árabe mas sim hebraica – Peleshet (raiz Pelesh), que significa divisor, invasor. O uso do termo “Palestino” para se referir a um grupo étnico árabe é uma criação política moderna, sem qualquer credibilidade acadêmica histórica. Assim então, eram chamados de "Arábios", todos aqueles que eram provenientes do Oriente Médio, ainda que fossem eles cristãos, muçulmanos ou judeus.



Fui criado mediantes muitos costumes que , embora adventistas, tem grande proximidade com o judaísmo,como a alimentação "Casher" (recomendada), indicada no Livro de Levítico; a guarda do Sábado, e muitos outros, mas o pitoresco disso são os costumes de minha avó e da própria família, que se consultarem a literatura bastante abrangente sobre os costumes dos "Cristãos-Novos, como eram chamados estes descendentes de judeus cristianizados pela força, verão por exemplo, a grande quantidade de casamentos entre parentes próximos, para fugirem à assimilação, o que fatalmente destruiria completamente a cultura judaica. Evidentemente desconheciam leis da Genética, e isso explica certas coisas da minha doideira também. Para não me alongar demais, vou dizer que meus bisavós maternos, eram primos-irmãos. Muitas tias eram casadas com primos-irmãos ou primos em segundo grau. Minha avó orava duas vezes ao dia, trançando seus logos cabelos (nunca cortou, e batia na cintura), recitando um por um dos nomes dos filhos e parentes, balbuciando ou cochichando ao orar. Assim como fazem os judeus religiosos. E depois disso, seguia, cantarolando canções religiosas (cristãs) o resto do dia.



Minha bisavó, Maria Francisca foi cuidada por minha avó, que era a filha mais nova, e ao morrer, foi sepultada ao lado da casa, para não ser sepultada em cemitério gentio. Coincidência? muita pra ser desprezada.



Outra particularidade da família são os nomes bíblicos do Antigo Testamento, repetidos: Davi e Daniel são os mais comuns (por coincidência, dois netos da penca que tenho, se chamam...Davi e Daniel! Outros dois são Sarah Elise, e Lucas. Elisa então, além da minha Sarinhah, tem mais duas: minha avó e sua tia, ambas se chamavam "Maria Elisa". Elisa é  um nome judeu, proveniente de Elisabeth, que por sua vez, na Bíblia recebe o nome de Elisha, a esposa de Aarão, irmão de Moisés. No catolicismo foi chamada de Isabel. Aliás, Moisés também tem na familia, assim como uma penca de irmãos que se chamavam: Elias, Geremias (a grafia errada é culpa do escrivão analfabeto), Izaías (o escrivão de novo), Ananías (o escrivão era terrível,pois meu querido primo sempre foi chamado de Ananias, o que deveria ter sido), Malaquias, Saulo (Sha-Ul), assim como Ezequiel, Joel, Manuel, e por aí segue a caravana.


Ao  longo dos  últimos dez anos,ou mais, tenho aprofundado meus estudos e minha reverência à cultura judaica e buscado sua sabedoria, não apenas religiosa e ética, política e humanitária, e tenho assumido publicamente minha paixão pelas coisas que tenho encontrado. Estudo hoje a Torá e o talmude com o mesmo afinco que durante décadas estudei a Bíblia integral cristã, e pude compreender ao modo judaico o que era dito ao modo cristão. Juntei meus preconceitos e os lancei no mar antes que suas águas se fechassem novamente, e se me perguntarem ( e me perguntam) o que eu sou, se judeu ou cristão, eu digo: Sou um Dati, um estudioso das Escrituras, filho de HaShem (D-s), amigo de meus amigos e irmão de quem souber me respeitar por aqui que escolhi seguir. Fui a Israel conhecer um pouco mais desta história, e também tomei um choque de realidade, ao deparar-me diante do Kotel (Muro das lamentações, coberto por uma quipá (aquele chapeuzinho engraçado), e ao ser abordado por um Rabino Chassídico que me oferecia um Tefilim, perguntei a mim mesmo:"O que estou fazeno aqui? Quem sou eu? Qual  o sentido disso tudo?


Sou membro de uma comunidade religiosa, mas não frequento nenhuma congregação,porque não me identifico mais com o modo ocidental de culto e pregações,  porém guardo na essência aquilo que determina os pilares de uma crença: Creio no Messias Yeshua (Jesus), creio na Sua volta muito em breve, mas creio que o povo judeu é sim o povo escolhido e amado por D-s, e que tem grande responsabilidade sobre o conhecimento das coisas da fé no D-s Único e que fará grande diferença diante do Eterno no breve dia da reconciliação da humanidade caída com o Libertador dos Homens e Mulheres de boa vontade.
Shalom!

sábado, 10 de fevereiro de 2018

Annelies Helena Rosenfelt - Pioneira e hospitaleira

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Foto Reprodução Facebook:Jorge,Rose,Fábio e Annelies

O ano era 1977. Mês de setembro, se não me falha a memória. Eu presidia a entidade dos estudantes secundaristas de Gramado, GEMA - Grêmio Estudantil Machado de Assis,e estávamos às voltas com o III FET - Festival Estudantil de Teatro, promovido pela UGES - União Gaúcha de Estudantes, e anfitrionado por nós. Era um evento interessante,com grande peso político, pois reunia cerca de setecentos estudantes, vindos de todo o estado, para se apresentarem e competirem e uma mostra de teatro amador, mas com ares profissionais.

Além das apresentações teatrais, haviam oficinas e palestras,e também rodadas de debates com os autores e diretores, como também com renomados artistas convidados para o evento. O ápice foi um monólogo encenado pelo ator Dilmar Messias (hoje Diretor do Theatro São Pedro, em Porto Alegre).

Tínhamos que prover alimentação e hospedagem gratuita para toda essa gente, e mais, tínhamos que organizar eventos sociais para entretê-los também. Tudo de graça, às custas do GEMA. E fizemos. Tudo foi feito na base do mutirão, começando pela alimentação e hospedagem. A comida era preparada por nossa equipe, maravilhosa, devo salientar, que era quase onipresente, ora na cozinha do pavilhão da comunidade católica, onde eram feitas as refeições, ora no palco do Cine Embaixador (hoje Palácio dos Festivais), ora pelas ruas e em suas próprias casas, acomodando visitantes para o evento. 

É destas acomodações que quero manifestar meu reconhecimento pela primeira pessoa da comunidade, em cuja porta batemos,pedindo hospedagem para os estudantes, que disse com um largo sorriso, que era próprio de sua elegância pessoal, que aceitava dois hóspedes, e além de dormirem em sua casa, poderiam ainda tomar as refeições com a família. Esta pessoa era Dona Annelies Rosenfeldt, a quem conheço desde minha infância, onde também fui escoteiro por certo tempo, e portanto colega de seus filhos Jorge, Fábio e Ronaldo* (In Memorian), que também me acolhiam na mesma condição de amigo, sem nenhum tipo de discriminação ou diferença. Uma família que exala simpatia e generosidade desde sua matriz. Assim era Annelies! Simpática, generosa, cortês e elegante. Sempre tinha um sorriso ao receber quem quer que fosse em sua loja. Sempre tinha uma forma de dizer sim e dizer não com tempero no olhar.
Annelies foi uma pioneira na sua arte, que por acaso era também um negócio, uma empresa, que gerou por muitos anos parte da economia de Gramado, direta ou indiretamente, pelo fato de ter gerado um mote desta economia, ainda que efêmera, e ouso dizer que Annelies lançou a semente e colheu bons frutos por muitos anos, e o tempo que faz das pessoas seguidoras daquilo que dá certo, encarregou-se de disseminar sua arte por outras malharias, e descendo a serra, estacionou em Nova Petrópolis, que aprimorou-se e disparou à frente com mais tecnologia e ímpeto empreendedor. Passado esse tempo, as malhas de Gramado arrefeceram, e Annelies recolheu-se ao descanso merecido. Não a via fazia muito tempo, mas de que importa a distância, quando as grandes atitudes de uma pessoa são gravadas em ouro em nossas lembranças?

Minhas condolências, e ao mesmo tempo meus cumprimentos aos filhos de Annelies, meus queridos amigos Jorge, Fábio e Rose, assim como aos filhos de meu também querido e saudoso amigo Ronaldo, pela oportunidade que D-s, o Eterno, lhes deu, de serem escolhidos pelo destino para serem chamados de filhos de Annelies Helena Rosenfeld.

Shalom!

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Os amigos, o mar e eu



Férias sempre foram terríveis para mim,  desde os tempos em que ainda mijava na cama e andava de tamancos e meia, em dia de geada grossa. Quando chegava janeiro, todos viajavam, saíam para visitar parentes, passarem o verão na praia e coisas do gênero, e eu ficava sozinho. Não tínhamos casa na praia, e não éramos convidados para passar o verão com os parentes que as possuíam. E eu ficava lá sozinho, jogando bola comigo mesmo, escavando barrancos e imaginando estar construindo um refugio para defender o mundo de invasões alienígenas ou dos russos, pois eu fazia parte de um importante comando interestelar de super heróis, que tinha como missão defender o planeta. Ou a vila onde morava. Isso eu fazia muito bem, era confiável aos meus superiores, fossem eles quem fossem. Anoitecia, e eu estava lá vestido a caráter: toalha de saco de açúcar nas costas, máscara do zorro, espada de madeira, funda municiada com grande estoque que pedrinhas selecionadas a dedo, e um lanche para suportar a longa noite de ronda, que começava ao anoitecer e encerrava tarde da noite, algo como vinte e uma horas.  Eu não usava relógio, mas tinha um sistema de alarme instalado na voz poderosa da Maria Elisa, que berrava aos fortes pulmões, invocando pelo meu nome. Eu ficava incomodado, pois todo o quarteirão ficava sabendo que eu estava de plantão atrás das pedras, guarnecendo as galáxias. Tudo isso com uma funda, uma espada de madeira, pão com chimia de cana, o doce dos pobres, e a máscara do zorro, porque era fácil e barata de fazer. Sozinho, porque meus amigos tinham que acompanhar a família rumo às praias.

Hoje eu não uso mais máscara do Zorro. Depois que George Hamilton fez aquele Zorro que usava chapéu lilás cheio de franjas, e costurava vestidos para matronas da sociedade mexicana, reavaliei melhor meus personagens.  Meus heróis atuais tem olhinhos que fazem com que meus velhos olhos cansados voltem a brilhar e aceleram meu coração quando ouço seus gritinhos marotos e seus pezinhos lépidos correndo pelo apartamento fazendo traquinagens. Hoje eu não fico mais sozinho pelo fato dos meus amigos passarem o verão na praia. Dei a volta e vinguei-me deste abandono. Então, se era a praia quem me afastava de meus amigos, passei uma rasteira na vida (ou tomei uma rasteira dela, ainda não decidi isso), e revesti-me de mar e areia: vim morar em uma ilha, com quarenta e duas praias. A ironia disso é que, pelo trauma de não ter amigos por perto por culpa do mar na minha infância, hoje eu não gosto de praia. Não vivo na praia, apesar de ver o mar todos os dias, pois moro pertinho de uma avenida à beira do mar. Mas estranho. Muito estranho, pois quanto mais eu vejo o mar, mais saudade eu sinto dos meus amigos que ficaram nas minhas lembranças. Eu vim morar perto do mar, busco então ser feliz por isso, enquanto eles se tornam mais felizes quando conseguem dez dias por ano para salgarem o couro no primeiro braço de mar que encontram. E depois, voltam para o cotidiano e o repetitivo do qual fogem para o lugar onde verdadeiramente são felizes (muitos nem sabem disso), porque tem um cotidiano por seguir, uma história por construir, um livro de lembranças por escrever. 

O mesmo acontece com as sextas feiras, as segundas feiras, as férias e o retorno ao trabalho ou às aulas. Sextas feiras são péssimas, quando a semana foi improdutiva, mas pior que o domingo à noite, não tem. Ainda bem que depois do domingo à noite, amanhece uma promissora segunda feira, para reparar os fracassos da semana anterior e nem lembrar que cada semana tem os seus próprios fracassos a nos esperarem na próxima curva. O lazer entedia mais que o trabalho, pois o trabalho proporciona o prazer do sucesso, ou a frustração pelas falhas. Já o lazer não tem nada a oferecer senão o prazer do lazer. Não há conquistas. Não há sucesso, senão as contas que restaram. Então, sentir saudades dos amigos abduzidos pelas férias nas praias, foi o meu jeito de intuitivamente, instintivamente sem planos estabelecidos, um dia morar perto do mar, e como vingança, passar em frente e não pisar na água nem na areia. 

Talvez o faça também pelo prazer em escandalizar àqueles que imaginam que quem vive numa ilha, passe o tempo todo num barquinho balançando ao sabor das ondas em busca de um peixinho para assar à beira da praia numa fogueira, cercada por gente romântica cantando odes ao luar, ou então entregando-se ao ócio tresloucado da gula incontinenti nos pequenos botequins do casario centenário da ilha, e ainda mais, imaginam que quem, quando menino, ficava sozinho no verão, certamente vingar-se-ia dos verões consumindo todo o mar que pudesse conter em tais lembranças, para resgatar a infância perdida. Mas não. Não é isso  que acontece. Não foi o que aconteceu. De fato, os anos nos afloram sabores, mas em mim afloraram os bons sabores que tive e não os que me frustraram, o que me leva a concluir que meu livre arbítrio me fez pisar no lugar que nunca pude ir quando menino, e ainda assim, escolher não desfrutá-lo, tornando-se este o meu desfrute. De outro lado, aquilo que me leva pela mão às mais remotas lembranças, tais como o cuscuz com leite, o feijão mexido, o chá de mate com leite, a batata cozida fria que sobrou do almoço para comer com café, o café com mistura, o feijão com arroz e couve, a uva pretinha e o refresco gelado de boteco, são aquelas lembranças que não exigem esforço para  que nos chamem no entardecer. Assim, ficam as lembranças e os amigos. E fica também o mar. Ali pertinho. Mas o mar deve continuar sem mim.




domingo, 21 de janeiro de 2018

Progressistas de Gramado buscam sua identidade (Da serie: Pronto, falei, II)



Fiz recente análise sobre o PP de Gramado, agora chamado de "Progressistas", assim como fiz de outros partidos ao longo do ano, e cada dia mais percebo que a falta de objetivo, que não seja o de voltar ao poder, natural até, ou desmerecer o adversário que os tirou do poder, faz com que alguns partidários desta agremiação política se desviem da análise madura de seus próprios erros, e com isso perdem a oportunidade de não voltar a repeti-los.

Em um desabafo muito sincero numa rede social, comentando uma postagem minha, o velho escudeiro de Pedro Bertolucci e do PP, Sergio Moschem, um velho e querido amigo dos tempos de antanho, faz em público aquilo que outros fazem pelos cantos entre cochichos: Deu nomes àqueles a quem entende creditar os erros do apagão do partido, e com isso, naturalmente colheu a resposta direta e defensiva de uma das citadas em seu amargo desabafo, a ex-Primeira Dama, e atual Vice Presidente dos Progressistas, Jandira Tissot, que expôs, em breves palavras um resumo de sua biografia partidária.

Um e outro militam no mesmo partido.Um e outro se não tem amizade pessoal (não estou afirmando,porque não sei), possuem elos  em comum pelos demais companheiros que os acompanham na militância. Foi portanto um desabafo direto em público, que entendem alguns, poderia ter sido privado. Penso que não. Penso que este desabafo direto demonstra e comprova que o velho PP tem sim duas correntes fortes que caminham em sentido contrário, ainda que esta observação não seja compartilhada por um jovem apaixonado pelo brilho do poder, a tal ponto, que vê apenas o brilho dos fogos no alto em uma noite escura, esquecendo que o combustível que proporciona tal espetáculo está no chão, e em vias de extinção, caso não sejam renovados os rojões para um novo espetáculo.

Não reconhecer os erros ou os sinais de enfraquecimento  durante uma batalha é impróprio para o comando de um partido ou um general, e claramente está demonstrado que se o PP esteve sob o comando de grandes generais em algum momento, o segundo escalão que os sucedeu não frequentou nenhuma academia política e tornou-se pífio na última batalha. Tão pífio, que errou em tudo o que projetou e perdeu todas suas apostas, ainda que tenha colocado maioria na Câmara, não soube conduzir-se como um herói vencido, antes caminhou a passos trôpegos como um cambaleante fugitivo. Isso foi demonstrado quando não soube respeitar suas próprias escolhas no comando do partido, pois ao escolherem o jovem e brilhante Bruno Colletto como seu Presidente, nada mais fizeram do que jogarem nas suas costas a tarefa que não quiseram cumprir. Abandonaram-no entre duas facções que quase se odeiam, e tem ele, Bruno, que fazer um esforço titânico para manter-se no elevado nível de educação que recebeu, e em certo momento terá que virar a mesa, ou então chutar o balde. Há quem aposte na segunda opção, para ufanar-se no prazer de demonstrar que só ele, ou eles, são capazes de dar voz de comando ao partido que foi traído por si mesmo, por sua prepotência em julgar-se invencível, por confiar em pesquisas mal feitas, por comandar uma campanha em 2016 como se comandava campanhas em 1970, com a diferença que em 1970 haviam ideais a serem buscados, tanto governo quanto oposição. Buscava-se liberdade, democracia, direitos civis e liberdade política. Em 2016 o PP buscava apenas manter-se no poder, e nada mais que isso teve a oferecer ao militante ou ao eleitor. Errou feio. Errou nos cálculos. Errou no método, e errou em não avaliar, em subestimar a força do adversário.

Pouco depois da campanha, conversando com um militante peemedebista, usei a expressão: "A UPG perdeu a eleição", ao que fui corrigido: "Não! Nós (PMDB, PDT, Fedoca e Evandro) vencemos a eleição!". Uma análise completamente diferente do espírito revanchista, derrotista, vingativo, magoado, que começa a instaurar-se entre os Progressistas de hoje.

Estou falando duras palavras aos Progressistas, porque sei que amanhã, segunda feira, irão reunir-se e muitas coisas podem mudar nesta reunião. A primeira, será a inclusão de Luia Barbacovi na Executiva, ocupando o espaço deixado por Dr Ubiratã de Oliveira, hoje, eventual novo gestor do Hospital São Miguel, por convite do Prefeito Fedoca, que tal como eu escrevi há um ano atrás, acerca do desafio que fiz a que ele aproximasse seu governo da oposição para ajudar Gramado, estendeu a mão e ofereceu o cargo a Ubiratã, que, na minha leitura, irá e deverá aceitar. Lógico que tal atitude pode ser vista por aquela facção revanchista como traição e Ubiratã poderá ter que responder a um tribunal e receber uma punição por traição ao partido. Ou, ao contrário, o bom senso poderá prevalecer, a mesa estar já virada, e os progressistas compreenderem que necessitam redesenhar suas ideologias, começando pela própria casa, e que reconquistar o poder é apenas um objetivo estratégico, não final, mas como instrumento de aplicação de suas ideias para que Gramado receba o melhor daquilo que são capazes de fazer, pois já demonstraram isso em algum tempo.


O velho PP não pode parar no tempo, e deve combater com veemência o obscurantismo ideológico que abraça aqueles militantes radicais, e reciclar seus conceitos, a propósito do que diz o próprio nome do partido. Amanhã Bruno e sua equipe terão  um duro embate. Acalorado, direi eu. Certamente, e sem nenhuma arrogância, meu nome deverá ser mencionado,por alguns, como alguém que saiu do senso comum e ofereceu desafios aos partidos, todos, cutucando onças com vara curta, mas obtendo credibilidade dos leitores que pensam da mesma forma, mas não dispunham de um espaço onde pudessem exibir seu desagrado pelos políticos que os lideraram até aqui. O velho PP, deve transformar-se no novo "Progressistas", não apenas como mudança estratégica da sigla,  mas como um objetivo de trabalho. Devem sair desta reunião de braços dados e dispostos a oferecer ao governo de Fedoca um real desafio de tornar-se cada dia melhor, acertar as arestas, lapidar as falhas, e preparar-se para um embate em 2020 fortalecido, abraçado ao PMDB, seu fiel parceiro, a quem tem aberto mais e mais oportunidades e creditando desafios por acreditar que são fiéis enquanto o casamento durar.

O velho PP, agora "Progressistas" deve reconstruir-se pensando em si mesmo e nos seus "milhares de filiados", uma vez que o PMDB está fazendo o mesmo, e creio que também o PDT de Fedoca também não dorme na palha. Mas é com os progressistas que deve preocupar-se, caso Bruno e sua equipe decidam virar a mesa em lugar de chutarem o balde.

Vou dizer aqui ao Bruno o que disse a outro líder certa ocasião: Seu partido creditou a você o desafio de torná-lo grande novamente. Você pode dizer que tem outros planos, e o faz com pleno direito. Mas deve lembrar que é o mar bravio quem prepara o bom marinheiro. É o cavalo mais chucro quem dá fama ao bom ginete. É o Ser Humano o maior de todos os desafios, especialmente se estas pessoas souberem pensar. Não escolha os bajuladores que fazem discursos heroicos e ufanos com a cabeça enterrada na areia e o traseiro contemplando as estrelas. Escolha os que dizem a verdade, ainda que falta de doçura no falar. Escolha os fiéis e não os puxa sacos. Selecione os que olham nos olhos e não os que dão tapinhas nas costas. A gente nunca sabe o que estão colando para que outros riem enquanto não  vemos.

Aos que acham que sou duro demais em apontar os erros do partido, lembrem que muito pior é a dureza da derrota nas eleições. Muito pior é a cara do vizinho gozador soltando rojão para assustar seu cachorrinho na noite da vitória. Ou você mesmo.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Progressistas de Gramado começam a juntar os cacos e resgatar os perdidos



Conversei longamente com meu querido amigo Bruno Irion Coletto, brilhante Advogado e Professor de Direito, e naturalmente, por ser ele o Presidente do PP de Gramado, o assunto não poderia ter sido outro senão a política. Eu que nem gosto disso, reuni neste encontro uma série de conclusões sobre o andar da carroça já esgualepada do PP de Gramado ( do Brassil eu nem falo, senão eu choro), e que agora, recomeçados o ano (em parte), volto à baila, trazendo a primeira análise sobre o PP de 2018. O PP que começa a reconstruir os cacos daquilo que sobrou de 2016. 

2016 foi o ano em que o PP, hoje Progressistas, mas com a mesma raiz, implodiu. A brilhante estrela atingiu o ápice do seu brilho e implodiu, transformando-se em um buraco negro, daqueles que sugam energias, planetas, estrelas, e até a própria luz que passar pelas redondezas. Vai tudo pelo ralo cósmico e o que sai de lá, só O Criador tem conhecimento. O PP de Gramado tomou um rumo quase parecido. Brilhou, ofuscou e obscureceu-se na velocidade da luz de seu próprio brilho se esvaindo em gemidos e grunhidos que enternecem qualquer coração sincero. São as dores do crescimento, pois um partido que anda apenas na horizontal e desconhece os picos e hiatos do relacionamento com duas ideologias e com a própria sociedade, se desvanece como vapor ao vento. o PP de Gramado não é um vapor ao vento, mas uma sólida estrutura ideológica firmada no DNA da própria cidade, no próprio modo de ser e viver do gramadense, e permitir que um partido se esvazie em detrimento da ascensão de outro partido, é jogar por terra o esforço de seus correligionários e simpatizantes, ainda que não filiados ou políticos de carreira. A Democracia só pode sobreviver com partidos fortes, e mesmo que nem todas as lideranças correspondam aos anseios e necessidades daquele momento, é no andar da carroça que se ajustam as melancias.  O velho PP de Gramado está, aos poucos, cedendo lugar ao jovem PP que começa a despontar sob a liderança de Bruno e sua equipe.

Não sou de meias palavras, e disse ao Bruno, ao sabor do ultimo gole do cafezinho que tomamos naquela  prosa, que em 2018, "ou ele virava a mesa ou chutava o balde" com o PP, com os ranços do passado e com os erros do presente. Virar a mesa significa impor-se como líder e saber dizer não às duas correntes que disputam quem pisa mais forte no freio do partido, e chutar o balde significa mandar que vão catar-se, e cuidar ele próprio de sua carreira profissional que é com absoluta certeza, muito mais promissora aos seus interesses pessoais do que ficar trocando fraldões enlameados de velhos políticos que não se atualizaram, e ainda tentam viver as glórias de priscas eras como se ainda fossem seus feudos e currais.O mundo girou, os anos se passaram, e o velho PP passou a chamar-se de "Progressista". Eis o desafio de Bruno, Jandira, Mariana, Coracini e todos os que aceitaram a árdua tarefa de reconduzir o partido, primeiro a si próprio, a buscar a que veio, e em seguida, a resgatar o espaço perdido na administração municipal.

A tarefa é titânica e as vezes tirânica também. Bruno vai precisar falar grosso e impor-se como Presidente do partido quando tiver que dar um "para-te-quieto" nos fogachos do estrelismo deste ou daquele correligionário mais afoito, seja este um parlamentar ou um militante, e para isso terá  que valer-se das Leis, as quais conhece bem, e até  ensina sobre elas. Mas Bruno não faz sozinho o andar dos Progressistas. Precisa de todos, ou pelo menos de muitos, ou no mínimo de alguns que o apoiem, pois em ano de eleição, ufanam-se os cabos eleitorais e inflam-se os egos, dificultando ainda mais a administração política do partido.

Um acréscimo importante, o de Luia Barbacovi, à executiva do Partido, traz um alento a Bruno, que soma sua inteligência e juventude, à experiência e traquejo político do velho companheiro de Pedro Bala, Nestor, mas antes disso, do menino que aos vinte anos de idade (ou próximo disso) já era Secretário do Município, e que é capaz de desenhar uma trajetória a largos passos, conhecendo cada militante pelo nome e entendendo as mazelas que o poder,outrora outorgado a quem soube mais aproveitar do que servir, torna-se o esteio fundamental para que os Progressistas sejam mais progressistas e menos pepistas a partir de agora.

Muita água vai rolar, pois se de um lado tinham a esperança que Fedoca fosse um mau governante, o que já provou não ser, apesar das trapalhadas de alguns membros da equipe do caudilho brizolista, de outro, não estavam preparados para reestruturarem-se apenas com pão e água, a dieta dos vencidos. Nem Fedoca desabou, antes pelo contrário, cresceu, e vai crescer ainda mais,pelo que ouvi dele próprio, falando de seus grandes planos, nem o PP era tão inviolável quanto imaginavam seus dirigentes e o próprio eleitor.  Muito debate pela frente. Muita água rolando. Que vença o melhor, e não o menos pior.



sábado, 13 de janeiro de 2018

O infinito poder das mãos


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Michel Eyquem de Montaigne foi um jurista, político, filósofo, escritor, cético e humanista francês, considerado como o inventor do ensaio pessoal, e foi também que escreveu o famoso "Monólogo das Mãos", imortalizado no Brasil pelo comediante Lúcio Mauro.

Longe de mim acrescentar uma única vírgula ao belíssimo ensaio do pensador francês, mas se fôssemos limitados a pensar apenas naquilo que outros já pensaram, seríamos cópias fadadas ao mimetismo estúpido e sem opinião que muitos desejam que sejamos. Então, toca a pensar daí, porque daqui já sai fumaça.

Uma das primeiras preces judaicas matutinas, cujo termo hebraico é "Shacharit" (Lê-se "Xaharit"), chama-se "Modê Ani", e é assim: "
Modê ani lêfanêcha, Mélech chai vecayam, shehechezarta bi nishmati bechemlá, rabá emunatêcha.
Sou grato a ti, Rei vivo e eterno, por ter restaurado minha alma dentro de mim com misericórdia. Tua lealdade é grande.

Esta oração é seguida pelo ato simbólico de lavar as mãos e recitar outra bênção que diz:
BARUCH ATÁ A-DO-NAI E-LO-HÊNU MÊLECH HAOLÁM ASHER KIDESHÁNU BEMITSVOTÁV VETSIVÁNU AL NETILAT YADAYIM.
Bendito és Tu, ó Senhor nosso D'us, Rei do Universo, que nos santificou com os Seus mandamentos e nos ordenou sobre o lavar das mãos.

Os sábios do Talmude explicam que as mãos estão em constante movimento (mesmo durante o sono) e provavelmente quando a pessoa dorme, elas estavam em contato também com as partes cobertas do corpo. Assim sendo, de manhã, antes das orações se faz a lavagem ritual das mãos a fim de purificá-las, antes do serviço a D'us.

Outra razão é que a netilá faz parte dos preparativos para a reza e assim como os cohanim santificavam-se no Templo Sagrado, lavando suas mãos antes das oferendas e sacrifícios, da mesma forma todos nós devemos realizar a netilá antes das orações, pois elas vêm substituir, segundo o judaísmo, por seu simbolismo, os sacrifícios em nossa época. Segundo isto, esta netilá também deve ser feita antes das orações vespertinas (Minchá) e noturnas(Maariv), porém sem a Berachá de Al Netilat Yadayim.

Desta maneira, um judeu piedoso começa seu dia com a noção que em seu estado inconsciente, e não fazendo uso de seu domínio da razão, pode ele ter conspurcado as mãos, desqualificando-as para, por exemplo, tomar o alimento, ou tocar em qualquer objeto nessa condição. Por um sentido prático e de higiene mesmo, mas também como recordação de sua condição de pecado, e que nunca estamos inteiramente libertos dessa condição, senão pelos méritos do Messias que virá. Até lá, água e sabão e revisão diária de valores e princípios para que não caiamos na vala comum da mesmice que nos torna impuros física, mental e espiritualmente.

Uma vez entendida a função das mãos no relacionamento com as coisas divinas, vamos encontrar nas próprias expressões de alento que declaramos ao ver alguém sofrendo e dizemos: "Segure na Mão de D-s!". Incontáveis hinos e orações declaram as mãos como "antenas parabólicas" de captação das bênçãos dos Céus, e não menos importante são as declarações que trabalham com os sentimentos, quando dizemos que "Estendemos as mãos ao necessitado"; ou quando alguém "Estendeu uma mão na nossa necessidade".

Quase todas as religiões e credos erguem as mãos aos céus quando oram, instintivamente dizendo Ao Criador que não temos cestas enormes para armazenar bênçãos, e por esta razão temos que buscá-las todos os dias, muitas vezes ao dia, como alguém que bebe água usando as mãos como concha, e que são nossas mãos tudo o que temos para buscar tais dádivas, assim como são as mesmas mãos que usamos para levar ajuda ao necessitado, à viúva, ao estrangeiro, ao pobre, ao desamparado.

Há países onde o crime de roubo é punido com as mãos decepadas ao infrator, e não é apenas o decepar da mão o castigo, mas uma marca de que ele é um ladrão, e que aquele que for apanhado estendendo ajuda a um ladrão, torna-se seu cúmplice, sendo o seu benfeitor levado a julgamento e açoitado muitas vezes por isso. Desta forma, o ladrão, ainda que arrependido e punido, morre de fome e sede em pouco tempo. É cruel demais, e significativo saber que as mesmas mãos que oferecem bênçãos também promovem a morte e suas consequentes maldições.

Quando recebemos uma pessoa e desejamos que esta sinta-se bemvinda entre nós,um antigo costume ensina-nos a que lhe apertemos a mão direita, porque esta mão é a mão do trabalho e também da luta, e o gesto de apertarmos outra mão está demonstrando que naquele momento cessamos o trabalho e também cessamos a discórdia e nos dedicamos a receber aquela pessoa com inteireza de coração.

São as mãos que dão a última manifestação do adeus, e a primeira da chegada. São as mãos que se entrelaçam nas brincadeiras de criança, e as que se estendem para o abraço. Primeiro as mãos, e o corpo vai onde elas forem. São as mãos que expressam ansiedade e são elas, as mãos quem se mostram frias na decepção. Cuidamos pouco de nossas mãos, posto que são tão ligadas aos nossos sentimentos e nem as percebemos, senão quando estão machucadas. Cuidamos tanto com as palavras, que esquecemos que falar com as mãos foi a primeira e a maior de todas as bênçãos que D´s ensinou aos Seus sacerdotes fazê-lo.

A "Birkat Cohanim" (Bênção dos Sacerdotes, ou Bênção de Aarão"é dada à Congregação, com as mãos erguidas e os dedos abertos de forma específica, formando a Sagrada Letra Shin, e espelhada uma na outra, formam O Sagrado (Bendito Seja) Nome do Altíssimo. Seu Santo Nome não pode ser pronunciado, mas apenas mostrado. Assim está na Bíblia e muitos passam batido e não percebem isso (E falou o Senhor a Moisés, dizendo:

 Fala a Arão, e a seus filhos dizendo: Assim abençoareis os filhos de Israel, dizendo-lhes:

yevarechecha Adonai veyishmerecha
ya'er Adonai panav eleicha vichunecha
yissa Adonai panav eleicha veyasem lecha shalom
   
O Senhor te abençoe e te guarde;
O Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti, e tenha misericórdia de ti;
O Senhor sobre ti levante o seu rosto e te dê a paz.
Assim porão o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei. (Num. 6: 22-27)

Perceba que finaliza a ordem com o verbo POR e não com o verbo FALAR. E o que é posto é O Nome, no formado das mãos humanas. Eis portanto que são as mãos nosso instrumento de relação com os Homens, e por estes, com D-s.


Fontes: Wiki; Chabad

sábado, 23 de dezembro de 2017

Mas neeem te mete, bocaberta! - Um passeio pelos sotaques do Rio Grande




O Serrano
Pois falar do sotaque gaúcho, ou dos gaúchos, melhor dizendo, é muito mais que a miséria caricata da fonética carioquês-agauchada e imbecil que os personagens teatrais teimam em acreditam que sejam capazes de imitar. Não conseguem. O único humorista que conseguiu chegar próximo do caricato original (porque até pra fazer caricatura de si próprio, tem que ser gaúcho e bom de ouvido), foi Chico Anísio, onde imitava uma fazendeira de Bagé, a Salomé, que por sinal, nem foi criação dele e sim de um dos maiores humoristas brasileiros, amoitado no Rio Grande, o Renato Pereira. Todos os demais humoristas, por mais engraçados que sejam, ao seu modo, imitam os gaúchos, e acabam com isso, por seus estilos próprios, tornando-os engraçados também. Mas não seriam capazes de passear com uma cuia de mate por um rodeio, ou num fandango, sem que discretamente passassem um lencinho umedecido na bomba antes de tomar um mate servido, e aí tava morta a cobra. 

Pra começo de conversa, o rio Grande não tem um sotaque uniforme, e mudar a sílaba tônica quando diz "Barbaridade, tchê!", é o primeiro grande deslize fonético regionalista que cometem. Só um gaudério bem bagual (uma prenda lindaça é classificada aqui como gaudéria bem bagual também, pois discriminação não faz parte do jeito gaúcho de ser. Macho é macho, prenda é prenda e o pingo véio leva os dois no mesmo trote) é capaz de florear a entonação da palavra "Barbaridade!". Vejamos então estas particularidades.


O taura de cima da Serra, espicha o beiço pra salientar o bigodinho demodê, bem aparado, cheirando a loção de "Água Vérva", e diz: 
-"Mâns isso é uma baaar...baridade!". 
Percebem? A primeira sílaba, "bar", é separada por reticências, um leve hiato dançando no vazio, que termina rapidamente, para não perder o fio da meada, chegando no "baridade", porque prosa de serrano não tem hora pra terminar, quando tem mate e costela na prosa. E se você quer ter mesmo certeza de que o vivente é serrano, vai perceber que sempre no meio da conversa ele deixa escapar a expressão: 
-"Mãns isso é côza dos antxíiiigooo, de fal-cída minha vó, côza ainda do tempo da rivulução de vintxitrêis...".
 Dito isso, fica olhando no vazio, buscando um restinho de lembranças da saudosa Revolução de vinte e três, e chega até a escutar os gritos de "bâmo mula!"; "carca fogo nos veiáco!"; "te meto um soco nos beiço!", e outros impropérios de exaltação da valentia, e ainda o retinir das adagas na peleia. E se olhar com cuidado, irá perceber uma lágrima escorrendo no cantinho do zóio do maleva... Eis então que Barbaridade dita por um serrano, é de fato uma barrr...baridade mesmo.

Barbaridade é uma palavra que carrega uma carga muito grande de responsabilidade, pois quando começa a dizer "bar", meneia a cabeça e gira os olhos numa espiral cósmica, em busca de respostas para o infinito entre o bar e o baridade. Creio que até deveria haver um tratado para a pronúncia da barbaridade, o que em si seria já uma grande barbaridade também.

O Portoalegrense
Gracinhas à parte e discórdias por disputas de ego, o porto-alegrense é disparado o mais original de todos. É um cantor de ópera e um contorcionista por excelência, pois ao pronunciar a palavra "barbaridade", é um espetáculo imperdível, um show de mímicas, caretas, sons etéreos e volteios que se entrelaçam e voltam, entre sons que são modulados de acordo com o espaço disponível para a extensão fonética, e após se encurvarem em diagonal, com os braços estendidos em direção contrária, rodopiando a mão enquanto coça o redemoinho do cacuruto, exclama, começando com com o preâmbulo : 
-"Mãééééssss bêeeeeeeim capássssss!" Béãééérrrrr-báridáaaadjeeeee...! E aí começa a prosa, entremeada de adjetivos como: 
-"Me caíu os butxiãnnnsss, né guríêmm? Ou então:
- "Páu-lô Felí-pêee! Dêu pra txi, guríêeimm! Não quero mais que me chupes picolé antes do churrass, porque djepôis tu néaoo comee ná-damm , viuuu?"

Gentilíssimo e barraqueiro, o porto-alegrense é capaz de andar dez quadras fora de seu roteiro para levá-lo ao seu destino, quando descobre que você está perdido no trânsito. E nem será difícil de localizá-lo na serpetina do trânsito, porque ele te localiza. E berra de janela aberta: 
- Óooonhmmm! Daqui agora tu segue reto que vai dar béeeem onde tu queres irrrr!
Nem espera pelo agradecimento, e já some no meio dos carros que voam rasgando a buzina por qualquer dá-cá-essa palha.

O Missioneiro
O taura das missões fala de um modo mais malemolente, meio que mastigando água, quase adengosado, e suavizando o "C" pelo "X".:
- "Nhãoum! Não me gripo com faxilidjádje. Xó quando me dão xerveja muinto gelhádja pra beber!"
Mas aqui tem umas particularidades que convém salientar.Por exemplo: "Quando ME dão..." O Me é acentuado com vigor: Mê! As sílabas são bem separadas e cada palavra é tratada com a devida vênia. Não se engolem palavras. Muito menos sílabas. Pode dizer-se que o misssioneiro, que soaria como "Mixionêirô!, seja um bibliotecário e arquivista do vernáculo, porque cada palavra tem que ser minuciosamente elaborada ao ser dita.

Podemos dizer que o sotaque do missioneiro norteia também o planaltino e o fronteiriço, este um pouco acastelhanado pela influência com os países que divisam  com sua pátria, o Rio Grande. O "leitê quentê" faz parte tanto do cardápio quanto da fonética das palavras desta parte do Rio Grande.
- Nhão se apoquentê donha Mariaãm,  porque o pôrco foi capado e carece dê muintô tratô!"

O gramadense
Gramado é uma mini cidade cosmopolita sem sotaque próprio, que ora, pende para o serrano, ora para o porto-alegrense, e ainda sofre forte influência do tedesco (alemão primitivo) e dos seus dialetos, e também do italiano, ambos dialetos de seus colonizadores. Mas os mais antigos tinham certos maneirismos e expressões interessantes, ainda cultivada por alguns habitantes do interior, com:
- "Bamo pro Gramado, na venda do sêu Abeli, mãns antes bamo jogá uma partida de bótia na vendo do sêu Istrapassóla"!
Os sotaques italianos são bastante característicos em Gramado, de onde colhemos expressãos como:
- "Má crrrrrameintooou! Pórrrca mijéria! Xe eu non me xegurrro, tinha me ixcuiambado todoo o fordeco!"

-  Má óia, é, que te dou um tapo na retcha xe tu me incomoda ôze! Má io te díxe quantas veix que nom me incomoda, porque io xó vou lavá ox pé, e deu!"
- "Má me ixcuita, é! perrchê tu num vai mizá do ôtrrro lado da cája, xêu pôrrrcooo! Má dèssa a nona tê vêe aí que ela te cápa!"

Os alemães também deram sua contribuição pro rico balaio fonético dos gramadenses:

- "Das ist fumets, uma feiss lá, xácuára! Fem lá uma fêis e come ein stick kuhen, nêne! Côome, nêne, que tepôiss tu cânha uma piscôitinho brá facê tunga, ssim, no gafé"
- "Máaaaaim! O brimo Hans me tuca ti nôvooo! (Tuca,, brimo, tuca, fêm lá e tuca..!)"
"Bóte xecá, frequêsss! O cuca é arecém saíto ta fôrrno!"
- Ficínhaa..fí-cinhaaa! eu tá ton prreocupata com minha filho, Heinz! Ele xá dá rapaisss, e taí arumô um chenemetz pêemm mais félha gue ele, e ficáron no tomíinco te dárrte, facendo popaxáda nos capuêrra, e ela, que é peeeem maiss vélha te gue ele, tevía te ter xuíço no cabeça, mas nom tem, e fez mál pra ele. Acórra fái der que cassar, ele tois, né, uma fez!"

Enfim, isso tudo e muito mais é só um pouquinho do que se fala no Rio Grande, que é muito maior que o nome diz.

Assistir no Youtube (Entra lá e dá um LIKE)



segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Reunindo as mais belas vozes femininas de Israel, Quinteto Carmel Acapella, lança seu álbum de 20 anos




O Quinteto vocal feminino CARMEL ACAPELLA reúne as mais belas vozes de Israel em clássicos, e comemora seus 20 anos de carreira lançando um álbum por Crowfunding, e convida o Brasil a participar deste projeto.
Minha querida amiga, Maestrina Shula Erez envia e eu compartilho esta oportunidade.
Confesso que sonho em vê-las cantando aqui no Brasil.
Pacard


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 Visite o site e conheça mais clicando aqui


Nós temos um sonho

Carmel A-Cappella está comemorando 20 anos de criação musical conjunta. Para esta ocasião especial, decidimos gravar nosso 3º álbum e gostaríamos de convidá-lo a participar deste presente de aniversário.



Quem somos e o que fazemos

Há 20 anos, Shula Erez fundou o primeiro grupo feminino A-Cappella
em Israel, e desde então, Carmel A-Cappella é uma parte vital na cena musical israelense. Ao longo dos anos, nos apresentamos em pequenos estágios e enormes, ganhamos alguns prêmios de prestígio e participamos de uma variedade de festivais, cerimônias oficiais, programas de TV e rádio, além de colaborar com vários artistas líderes em Israel e no exterior. Nosso repertório é muito versátil e contém uma variedade de arranjos vocais frescos de peças clássicas instrumentais, musicais, música contemporânea e música de jazz. Durante os últimos anos, estávamos em uma turnê mundial que incluiu China, Equador, Alemanha, Espanha, Suíça, México, Itália, França e muito mais.

Nossa paixão

Nossa paixão e amor pela música A-Cappella nos leva a encontrar, criar, gravar, executar e evoluir ao longo dos anos. Mas, o amor não é sempre o suficiente e aqui gostaríamos de pedir-lhe amantes de A-Cappella para intervir e nos ajudar a perseguir nosso sonho.

Nosso sonho

Ao longo dos últimos anos, trabalhamos em vários arranjos frescos e diversos de A-Cappella que gostaríamos muito de gravar. Os novos arranjos são originalmente escritos por nossa muito talentosa Shula Erez e, como de costume, são extremamente versáteis e incluem uma grande variedade de peças musicais. Se você tiver o amor A-Cappella ardendo em seu coração, tudo que você precisa fazer é apoiar este projeto e participar dessa criação. Nós, naturalmente, devolvemos e agradecemos seu apoio. Todo apoio, pequeno ou grande, nos aproximará para tornar nossos sonhos realidade. Um olhar muito rápido do que o nosso novo álbum incluirá é o pequeno vídeo anexado.

Agradecemos antecipadamente a todos vocês que participarão para tornar nossos sonhos realidade.

Com Amor,
Carmel A-Cappella


Beethoven the 5th

 














What a Wonderful World by Bob Thiele and George David Weiss



Uma canção especial para a Páscoa 
Vivaldi - As quatro estações - A primavera

 

Recordando as visitas nos tempos da infância (Se você se identificar, sim, estamos velhos)



Quando eu era menino, muito pobre, minha família praticava certas coisas, das quais sinto muita saudade, e que não vejo mais acontecer hoje. Não, não digam que é  porque todo velho tem saudade, não senhor, senhora ou senhorita. O segredo não é sentir saudade, mas sentir saudade das coisas certas. Por exemplo: Dormir na casa de um parente! Isso era um acontecimento. Tanto no nosso ranchinho se vidraça, com janelas de madeira, quanto nas casas das tias e tios,estar com a família era o que importava. Era um milagre da multiplicação, inexplicável. 

Uma pobreza que dava gosto, mas assim que chegasse um parente de longe, primeiro, não chegava de mãos vazias. Sempre trazia consigo algum mimo da lavoura ou mesmo do armazém. Embrulhados em panos de prato, pães perfumados ainda quentinhos, da casca crocante, um pote de geleia ou marmelada, caramelos para as crianças, ou até mesmo um quilo ou dois de bananas, que eram devoradas no tempo de um suspiro, coisas desse tipo

Para a dona da casa, um paninho de prato ou um lencinho bordado, ou uma bela moranga, ou um saco de milho verde, feijão ou aipim. Qualquer coisa da própria horta. Ou do pomar, como um saco de peras ou pêssegos, talvez umas uvas. Sim senhor, senhora ou senhorita! eram tempos felizes aqueles.

A mãe corria a matar uma galinha gorda para preparar um sopão, enquanto um café cheiroso espalhava perfume pela casa, e do armário milagrosamente saltavam coisas que o mistério da multiplicação não explicava.Por exemplo: De onde saiu aquele queijo: E os biscoitos enfeitados, que apareceram milagrosamente para dividir com os primos? Não sei. Só sei que comíamos com gosto tudo, e ainda sobrava espaço para subir nas árvores e colher frutas verdes para embotar os dentes.

Visitar ou ser visitado na infância era dormir no chão, cinco ou seis crianças, tagarelando e rindo, até  que algum adulto nos mandasse calar a boca e dormir. Mas dormir pra que? Dormir era tempo perdido, quando tínhamos visita em casa. E na manhã seguinte, ainda madrugada, acordar ouvindo os adultos tagarelando na cozinha, o café quentinho, os bolinhos fritos e o cuscuz fumegando para ser comigo com coalhada ou leite gordo. Não senhor, senhora ou senhorita! Não tem como esquecer coisas assim. Não tem como esquecer as longas horas de prosa onde as novidades eram o zap-zap de então. Um retratinho guardado dentro de um envelope bem cuidado que passava de mão e mão valia mais que mil páginas de facebook, e um livro velho com gravuras em preto e branco garantia entretenimento por muitas horas entre olhares curiosos sobre as ilustrações antigas.

Voltar no tempo para visitar as velhas malas guardadas em cima dos armários, amarradas com cordinhas, e que guardavam lembranças, são a chave da eternidade das lembranças que temos, especialmente quando dentro destas velhas malas ou caixas encontrávamos tesouros, como óculos antigos, traquitanas que nem sabíamos para que servia, caixas com fotografias cor sépia serrilhadas, e rostos enigmáticos de parentes falecidos e vaporizados na história, gente de quem nunca ouvíramos falar até aquele momento. 

Voltar naqueles dias pelas lembranças é lembrar da despedida, onde novo banquete era servido, a mesa farta, cucas, pães, doces, manteiga, leite quentinho, café coado, queijo serrano, e muitas recomendações de lembranças. E para esticar um pouquinho a boa companhia,  acompanhando as visitas com suas trouxas e embrulhos, porque também milagrosamente levavam o dobro daquilo que traziam, e lá na cancela do potreiro, limite da casa com a saudade, os últimos abraços e recomendações.

Eles se iam e nós voltávamos.  Ou quando éramos nós as visitas, nós íamos, e eles voltavam. Assim eram os dias nas gavetinhas de nossas lembranças. Nos visitávamos. Nos visitavam. Passávamos dias e dias felizes, armazenando alegria para a espera da próxima visita.Nossa ou deles.

sábado, 2 de dezembro de 2017

Apolônio Lacerda e a Carteira de Bandido




A Carteira de Bandido

Torresmo era bandido. Não era qualquer bandido. Era bandido concursado. Bandido federal. Tinha carteira de bandido válida em 32 países. Mafioso. De Palermo. Por isso era chamado de palerma. Talve fosse. nunca se sabe. pouco se sabe dos mafiosos. Foi morar no Cêrro do Bassorão por uns tempos para sair de circulação. Levou pouca coisa consigo. Apenas a roupa, um chapéu e sua carteira de bandido. 
Valia muito uma carteira de bandido válida em 32 países. Era um salvo conduto em certos lugares. Na capital federal, uns figurões enlouqueceram quando viram uma destas. Ofereceram muito a ele. Dinheiro grosso. Mas nada o tentava. Era uma carteira conseguida na raça. Por mérito. Só uma vez balançou com uma oferta. Um Monza 83, mas motor 84 retificado. Parachoque original. Era demais. Mas ele resistiu e caiu fora.  Teve medo de ser roubado e saiu de lá. Era um lugar cheio de gente mal intencionada. Não. Ele era bandido, mas tinha principios. Não se misturava com esse tipo de gente. perigosa demais. Até mesmo pra bandido. Com carteirinha da bandido. Válida em 32 países.
Chegou no cêrro à noitinha e ficou na hospedaria atrás do bolicho do Tuiuco. Não deu seu nome verdadeiro. Nem sabia mesmo. E se soubese, nem a pau contava. Era bandido confiável. Tinha carteira de bandido. Válida em 32 países. Carimbada em 76. Pagou adiantado. Seis meses. Em dinheiro.  E se instalou ali. Fez amizades com o populacho. Em pouco tempo era do populacho.
Conheceu o Frei Uomo numa noite de carteado. Não jogava truco. Teve que aprender. Aprendeu. Se tornou campeão de truco e amigo do Frei.
Um dia apareceu no confessionário e desabafou com o padre:
- Sou pecador, padre. Me perdoe senão te arrebento. Chamo meus bandidos e mando passar fogo na tua batina contigo dentro. Eu pequei. E estou arrependido. 
O frei matutou e perguntou:
- Conte o que fez, meu filho!
Torresmo deu um pulo e sacou a arma. Arregalou o olho e sentenciou:
- Não vim aqui me gabar, padre. Vim me humilhar. Não conto nem tapado de mutuca!
O padre arregalou o olho e perguntou:
-E foram muitas vezes?
- Isso também não conto. Nem a pau!
- Alguém mais sabe?
-Ninguém.
O padre insistiu:
-Se não me contar, não tenho como saber.
-Pois bem. Vou contar! Tenho uma tara. Gosto de ir visitar as percantas e dou a elas duzentos contos, enquanto a tabela delas é de apenas cinquenta contos. E despois eu desato a xingar.
- E xinga muito?
- Não. Só até que me devolvam os duzentos.  Aí mostro minha carteira de bandido válida em 32 países.
O padre arregalou os olhos e bebericou uns goles para segurar o riso.
Dito isso, Torresmo se deu conta que confessara um segredo capital. Pegou a mala e sumiu mundo a fora. Levou consigo apenas seu chapéu e sua carteira de bandido. Válida em 32 países. Inclusive em Brasília.

A feiura segundo Apolônio Lacerda - A honra e a glória



Mãns chê - dizia Apolônio, com ar de desdém, misto com compaixão e um certo tanto de deboche: " Não te apoquentes, porque feiura não é mistério! É só defeito no carburadôri da encrenca!

Não  poupava nada.Perdia amigos, mas de jeito nenhum deixava guardado um elogio invertido sobre as qualidades da fealdade humana, vegetal, animal ou de desafetos, os quais não classificava em nenhum dos reinos conhecidos, mas algo entre o reino Fungii (dos fungos) e do traseiro das baratas, que também não era um lugar muito louvável.

A questão era que Apolônio tinha um transtorno bastante comum em pessoas tacanhas, de inverter valores e subverter virtudes, daí, dizia que tal pessoa era "imbizugada", quando o conceito geral era de que tal pessoa fosse linda. Chamar de linda perto dele era pedir briga, pois ele acreditava que o lindo era ser feio e e quanto mais feio mais lindo, pois pregava um ensinamento de que vivemos em um circulo virtuoso e ao mesmo tempo defeituoso, onde a lindozura estaria em um ponto desconhecido e que se ao mesmo tempo nos distanciássemos deste ponto indo na direção oposta na tangente deste círculo, estaríamos ao  de igual modo nos aproximando da belezidade que buscávamos, ou seja, quanto mais feio, mais lindo. Então, dizia ele que para um encontro pleno com a buniteza, era preciso que fugíssemos dela.

Apolônio era meio doido e meio certo. Isso ele não definia direito, pois dependendo da conveniência, ser doido era vantagem, Mas a lógica de Apolônio era interessante, e poderia ser aplicada a outras virtudes em contrastes com seus defeitos seja no Bassorão ou alhures, dando à lógica apolônica um sentido especial. Por exemplo, diz a sabedoria judaica que a honra é assim que se apresenta aos que a buscam, e quanto mais se busca a honra ( glória, reconhecimento, louvor próprio), mais ela foge de nós, porém no inverso disso, quanto mais fugimos da honra (modéstia, equilíbrio, temperança moral), mais ela (reconhecimento)  nos persegue.

Apolônio nunca fala em honra, pois isso  comprometeria a não dizer mais asneira. Mas não deixa escapar uma oportunidade para ofuscar a prepotência alheia com suas pérolas mordazes. Assim foi no dia em que foi apresentado ao recém nascido filho varão de Gualhaba, causo ocorrido com a Emerenciana, neta do...bem, isso não tem importância no relato. Pois Apolônio olha para o rebentinho ainda de olhinho fechado e lasca de chofre:
- Mãns chê! Como é feio! mas que bá! Parece um juêio de rezadêra!
- APOLÔNIO! - Vocifera o Frei Uomo, cuspindo o gole de vinho que amolecia o bocado de torresmo que mascava, escandalizado encolerizado com o disparete do atarantado.
- Mãns chê! Foi um inlojíu. Eu não ia falá pra mãe do cuéra que a cara do bicho é mais parecida com uma capivara desmamada, ia?
Frei Uomo estava em duvida se enforcava Apolônio com o rosário, ou dava nele com a bengala, quando vê Apolônio  fazendo um carinho no infante, que por estes inexplicáveis mistérios, fez com que a criancinha olhasse para Apolônio e desse um largo sorriso, desconcertando Apolônio:
- Eu vou bater nele, Frei! Não tava no combinado que o piá ficasse de gracinha comigo!
E quanto mais falava e gesticulava,mais ria o piá, derretendo Apolônio de lembranças...e fechando o círculo das virtudes, onde quanto mais se foge da honra, mais ela nos persegue..e quando o Frei olhava para outra direção, lá estava o dedo do Apolônio, emocionado, fazendo bilu na creancinha marota.
- Mãs que parece um juêio, parece! Ih, o piá me cagô no colo....

Bella Ciao e Modelo Econômico de Crescimento - Táticas e Estratégias que modelam o Pensamento Político

Imagem: Bing IA Pacard - Designer, Escritor, e Artista, que tem nojinho de políticos vaidosos* "E sucedeu que, estando Josué perto de J...