AD SENSE

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Dr Apolônio Lacerda - Terapeuta Quântico Bagual



Terapia quântica abagualada não é qualquer terapia, aliás, nem terapia é, porque, no conceito de Apolônio, terapia é "côsa de lôco". e não há melhor terapia do que uma enxada de três libras, pra usar o cabo como agente libertador de neuroses existenciais, complementado pelo relho de três pontas, agregado ao talo de coqueiro, e rabo de tatu, de hora em hora. Daí o termo: "Quântico"! Assim é chamado, porque quando o paciente toma umas lambada de relho, pra parar de frescura, ele pula tão ligeiro, que não se sabe em que lugar está, para cumprir o desafio de acertar as anca e o lombo.

Terapia Quântica Abagualada, segue diretrizes de outra terapeuta afamada nas bandas do Bassorão, Carsulina Arrancatoco, cujo método era mais manso, condimentado com prosas ao pé de ouvido, e para os casos mais graves, um purgante de folhas de Umbú no mate da noite. Já Doutor Apolônio Lacerda é contra o uso do Umbú, por achar agressivo demais. Acredita que o relho em si tem dado respostas bastante satisfatórias, quando o assunto é frescurite, adjetivo que ele dá aos surtos psicóticos forçados, por raiva adquirida, como por exemplo: alguém que mexe na bomba de mate, ou passar a cuia com a mão esquerda, sem explicar que é a mão do coração. Coisas desse tipo. Estes hábitos podem ser considerados nocivos à sanidade mental, e sobretudo, à sanidade social. Relatarei aqui e a posteriori, alguns casos e causos segundo este tema, pois não? O que Doutor Apolônio sabe é que alhures e algures, respostas inaverão (neologismo de sua lavra para dizer que não haverá), se buscas não se fizerem. Vamos ao primeiro caso.

Malapenas - O Taura que fumava cebola

Não parecia uma coisa comum, fumar cebola picada numa palha de milho, como se faz com fumo de rolo, mas cada um tem sua tara, e a tara do taura "Malapenas", era picar uma cebola bem fininha, esbrugar com a mão, em movimentos circulares repetidos, e depois de lamber duas ou tres vezes a beirinha da palha, espalhar a cebola dentro, enrolar, lamber de novo, e acender o paiêro continuamente, dando tragadas e soltando fumaça com bafo de cebola nas fuças do Doutor.

- Dr. Apolônio:  Mãns chê! Te acépa aí no toco, esse aí que tá com um pelego, e me conte as tuas mágoa, animáli! Os sêus pobrema é a nossa devertição", é o meu lema.
Depois de dar umas baforadas no paiêro, e escarrando num penico velho, que ficava ali do ladinho do toco, Malapenas começa.
- Malapenas: Carcule o senhor, Doutor Apolônio, que sou de uma família de tauras cuiudos. Todos na família. Papai era cuiudo, vovô foi um grande cuiudo maragato, meus tios, todos cuiudos véios de tropa. Não escapou ninguém, nem meus irmãos, mamãe, vovó, minhas tias, tudo cuiudo. Assim, eu também precisei ser cuiudo "deusdicando" era miudinho. Como eu nasci muito esfomeado, e na "ocasiã", mamãe dava de mamá pra mais treis piazote lá, contando com um entregador de pão, e o dono da venda, quando chegava a minha vez de me atracar nas goloseima, só tinha treis pingo lá. Mas como mamãe era muito boa, pra não me deixar passando fome, espremia uma cebola, e aquele leite de cebola, enfiava numa garrafinha com uma chupeta, me dava um naco de charque pra ir me intertendo, enquanto tomava meu tetê. Quando o tempo passou, ficava mal pra mim andar agarrado numa garrafa de cerveja com chupeta, tomando tetê, enquanto jogava truco ou numa partida de bocha. Então, pensei que tava na hora de trocar o bico, pra desfarçar, e foi até ideia do falecido meu pai, que preparou pra mim um paiêro recheado com cebola, e "deusdilá" que eu tenho esse "víuço". Tem cura, Doutor?

Dr Apolônio: Cura tem, mãns curá pra quê? Pensa comigo: Fróide fumava e cheirava umas subestância que dá medo só de alembrá. O ato de fumar, de lamber a páia, espicaçá o fumo, e no teu causo, a cebola. Mãs chê, a côsa não para aqui. Bamos estudar a cuestã. A cebola é redonda, umas são parecida com ovo. Pois bão! A cebola é formada pos camadas cebolais, uma dentro da outra, até que chegue no miolinho, no pititico da côsa. Na cebola, nenhuma camada é mais importante que a ôtra, e nenhuma camada sozinha forma uma cebola, se defino como cebola. A cebola não sabe que é cebola, mãns mesmo sem saber que é uma cebola, ela continua sendo cebola, e também, fede igual uma cebola.

A vida é uma cebola. Casca depois de casca, camada por camada, a vida espáia seu cheiro, e tempera a bóia, tempera o fejão mexido, o arrois carrtêro, tempera a salada, e só não tempera o pudim, porque ninguém pensô nisso ainda.  Então, a cebola é um ingrediente da cozinha, assim como a relação cas peçôa é um ingrediente da vida. Vancê foi enjeitadinho, mãns teve uma compensação, e essa compensação é como uma prestação que não termina nunca: fartou a teta, e no seu lugar,entrou a páia acebolada. No causo, a cebola na páia é o teu tetê.

Eu recomendo que primeiro, pegue uma enxada, e vá carpir um lote. E plante cebolas.  E na próxima consulta, não me apareça aqui sem um saco de cebolas, de regalo. Despois, largue o paiêro, que faz mal pros pormão. Troque pelo mate, que faz bem pra pleura, além de dar mijadeira. E se botar cebola, não me sirva.

Dito isso, Doutor Apolônio puxou do relho e estalou um lambaço nas porpa do vivente, que saiu aos pulo. Estava encerrada a consulta daquele dia da Terapia Quântica Bagual.




terça-feira, 21 de abril de 2020

Ênio, Topo e eu.



Ênio, Topo e eu.
By Pacard
Éramos três. Ênio, Topo e eu. Ênio era cerca de uns oito a dez anos mais velho que eu, que era uns dois ou três mais velho que Topo. Este apelido era a forma econômica de “Topo Gigio”, um personagem que era um ratinho muito esperto, criado por uma professora italiana, e que fazia muito sucesso com a criançada por suas maneiras dengosas de falar, além de ser muito engraçado também. Então, como meu amigo não era de muito elevada estatura, ou sei lá por que razão, deram-lhe, entre outros apelidos, o de “Topo”. Pegou.
Ênio, o mais velho, era um sujeito soturno, sinistro, misterioso, mas não era má pessoa. Ao contrário, tinha um coração generoso. Certa ocasião fomos caçar passarinhos (naquele tempo caçar passarinho era uma ocupação de afirmação de virilidade aos meninos, e também próprio da cultura italiana que colonizou a região. Então, sem nenhum constrangimento, caçávamos passarinhos. E sem nenhum constrangimento, eu tinha uma espingardinha de pressão, que atirava chumbinhos. Ênio foi comigo caçar os passarinhos. Teria caçados muitos passarinhos, se meu parceiro não tivesse sido justamente o Ênio. Ele prestava atenção em mim e via quando eu mirava num passarinho. Ele fazia o mesmo, mas atirava antes, e a uns dois metros do bichinho, espantando-o. Espantou todos, e voltamos pra casa “sapateiros”, expressão usada para definir alguém que não logrou resultado em alguma coisa, zerou. Assim era então Ênio.
O que tinha de exótico eram seus estudos. Mexia com assuntos que não permitia que perguntássemos nada. Coisa de guri bobo. Estudava assuntos esotéricos, deixava meio que transparecer que fazia isso, para garantir o respeito por si, mas não permitia que ninguém mais soubesse do que se tratava. Não era proselitista. Fora isso, Ênio era um “bon vivant”. Gostava duma cerveja, uísque e duma farra. Era parceiro em tudo. Menos em matar passarinho. Jogava futebol, era, parece, goleiro. Tocava guitarra (e como tocava mal), e bateria (um pouco menos pior). Fez parte de uma banda na cidade, que durou pouco.
Ênio era um notável desenhista projetista. Numa época em que não havia arquitetos na cidade, apenas engenheiros (e engenheiro treme ao ver um lápis, segundo os arquitetos, e estes, segundo definição dos engenheiros, é um sujeito que não foi bicha o suficiente para ser decorador, nem macho o bastante para se tornar engenheiro), Ênio, que não era bicha, engenheiro, arquiteto e nem decorador, tornou-se o melhor desenhista do gênero da cidade.
Tinha ainda uma virtude, que ninguém jamais decifrou o método: era capaz de entrar se pagar em qualquer lugar, principalmente bailes de interior, bailes da colônia. o homem era dotado de uma habilidade de convicção tão grande, que chegávamos ao baile, um grupinho, duros, só tínhamos uns trocadinhos para um refrigerante ou uma cerveja, mas se pagássemos o ingresso, passaríamos a noite à base de água da torneira do banheiro fedorento. De olho arregalado, em silêncio, observávamos com atenção os movimentos dignos de um malandro junto aos porteiros. Ele gesticulava, ria, fazia movimentos, e logo já ganhava um cigarro de um, fogo de outro, dava umas três ou quatro tragadas, virava-se para onde estávamos e fazia um geste de chamamento com a mão. Íamos em fila, cabeça baixa e olho arregalado, reverente e respeitoso com os porteiros que nos apressavam para disfarçar a desobediência aos patrões da festa. Uma vez lá dentro, em pouco tempo, Ênio aparecia com cerveja e refrigerante para todos. Sem dinheiro.
Topo era o amigo sério do grupo. Moderado, ponderado e exageradamente honesto. Ético até o fígado e um pedaço da pleura. Não admitia um passo em falso de ninguém. A pobre alma vivia como coração na mão em nossa companhia, pois tudo o que não se pode encontrar num grupo de guris metendo os pés pelas mãos é ética. Honestidade até sim, mas ética, assim ética mesmo, deixava-se a desejar. Seria pior, se não fosse o “grilo falante” ao nosso lado. Ríamos muito. De tudo e também de nada. Ríamos de tão bobo que éramos. Aí quando não havia do que rir, ríamos disso. Só pra ter do que rir.
Topo trabalhava em um Banco. Era o queridinho dos colegas por esta seriedade. na idade, tinha lá os seus dezesseis anos. No juízo, uns cinquenta. Na sabedoria, oitenta e cinco ou oitenta e seis. Isso o tornava o chato do grupo. Adorável xarope. Mas era o nosso xarope. onde íamos, ia junto. Se fosse para subtrair frutas em algum quintal, ia junto, mas não sem antes nos prevenir de possíveis consequências, do pecado do roubo e especialmente do que fazer se fossemos mordidos pelos cachorros da casa. E depois o fruto da façanha era dividido igualmente, tudo com ética, sob a observação dele, que já era versado em contabilidade na época.
Um dia, Ênio tomou um tiro bem no meio da cara. Lógico que foi pra sacanear os amigos. Morreu poucas horas depois, por gozação. E a cena que lembro é de nós dois, Topo e eu, sentados num banco da praça, os dois, onde antes sentávamos três, olhando o vazio da noite, os carros que cruzavam indiferentes, e a noite que desfez o trio.

No dia em que senti saudade de mim


Me perdoem meus leitores que estão acostumados ao meu otimismo, mesmo quando sou crítico. me perdoem, mas nestes tempos em que quiser ser diferente dos mortais, descobri-me ainda mais igual que todos os iguais que já encontrei. Descobri que não há como beber água suja e e manter a digestão em ordem, pois tenho bebido da mesma fonte , de águas iguais às águas de Meribá, sem encontrar ervas amargas que possam torná-las doces. Não pra mim, não pra muitos, não agora, talvez amanhã.

De minha janela, contemplo a manhã na mata, isso é diante de minha janela, e até os pássaros não são mais tão graciosos. Não hoje. Não pra mim. Não pra muitos. Hoje não. Talvez amanhã. De minha janela deixo que o sol me abrace, mas seu calor não derrete o gelo da alma que deixei exposta à noite. Este sol não aquece mais alma nenhuma. Talvez alguma, Talvez a sua. Talvez aqueça até o mundo, mas não todo o mundo. Também apenas a parte de fora do meu mundo. talvez amanhã seja melhor para este mundo. talvez fique bom pra todo mundo. Talvez até pra mim. Talvez sim.

Tudo o que posso dizer é que, ouvindo velhas melodias de minha infância, desliguei a vida e atravessei o tempo, para qualquer lugar no passado, no meu passado. E em meu passado, via as pequenas borbulhantes cachoeiras geladas onde ia pescar, nadar, atirar pedras no rio, respirar o orvalho e abraçar o vento. Deixar-me ser tocado pela primavera, e me embriagar pelo perfume das matas por onde brincava sem compromisso com o tempo, com o mundo, com o  medo, e com a vida. Aquilo era uma vida. Aquela era a minha vida.

Meus pés pisavam nas rosetas da grama, e só o que incomodava era o tempo perdido para catar os espinhos, tempo que poderia estar correndo atrás da bola, atrás das borboletas e à noite, dos pirilampos. tempo que poderia estar subindo os morros para colher araçás , para colher amoras, para colher guabirobas, para colher quaresmas, para colher o mundo, um pouquinho de cada vez, na conchinha da mão quando bebia a água cristalina dos córregos que brotavam das matas, dos caminhos cheios de mistérios, onde fadas e duendes, ainda que não existissem, pululavam serelepes pela minha imaginação de menino que nunca tinha ouvido falar de compromissos, outros, que somente no amanhã, o hoje de meus sonhos, vieram abraçar minhas manhãs, as manhãs em que olho, pensativo e saudoso pela janela, onde o sol e o vento se juntam para chamar-me às doces memórias  de minha infância querida.

Meus heróis eram os valentes em preto e branco, que lutavam pela justiça e pela paz, combatendo vilões com suas canções, e são estas canções que me devolvem um pouquinho das lembranças.

Deixo algumas destas canções. Deixo algumas das minhas lembranças. Agora é a hora e aqui é o lugar para lembrar. Podem nos tomar a liberdade, podem nos tomar o sorriso, podem nos tomar a voz, mas nossa saudade ninguém é capaz de tomar. Minha saudade é só minha. Assim como o raio de sol que aquece o vento. Assim como o vento que sopra para longe o tempo que foi tomado de mim.









sábado, 11 de abril de 2020

O aprendiz e a vaca do camponês - Conto popular(adaptado)



Vou contar-lhes um relato, contado pela tradição judaica, que não tenho certeza se de fato tenha acontecido, ou seja apenas uma parábola, uma Mishná, para enriquecer a sabedoria dos aprendizes. Isso não tem importância, se ocorrido de fato ou não, pois a lição do fato é genuína, e tomando-a por empréstimo para ilustrar minhas próprias considerações ao momento de crise humanitária pelo valor da adequação tão próximo do que desejo ilustrar ao meu leitor. Eis o caso:

Caminhavam por uma campina verde e farta de belezas, dois eruditos, sendo um deles um jovem varão, ainda na fase de elevação sapiencial, e o outro, seu mestre, um notável sábio da universidade próxima do lugar por onde caminhavam.  Caminharam por muitas horas em profundo silêncio, apenas contemplando o lugar, até que ao sol mais elevado no zênite, verificaram que seus cantis de água estavam vazios. Olharam em direção ao horizonte, e avistaram, junto ao pé de um penhasco, um choupo bastante humilde. Aproximaram-se e observaram que havia uma pequenina e mal cuidada horta com legumes, cercada por uma paliçada de bambus, e do lado de fora do cercado, uma vaquinha, que pastava com a solenidade com que pastam as vacas tranquilas.

Batendo palmas para chamar à atenção dos moradores, logo vieram à porta, um casal de camponeses, acompanhados dos filhos, e gentilmente, ao ouvirem a solicitação pela água, trataram de encher os cantis, e oferecer-lhes como regalo, uma caneca com delicioso leite para que saciassem a sede e revigorassem as forças. Tendo bebido o leite, e recebido a água, o jovem, dotado da curiosidade própria dos jovens aprendizes em sua ânsia pelo conhecimento da natureza das coisas, dirigindo-se ao anfitrião, perguntou sobre sua condição de sustento.

- Temos uma vaquinha, que nos abastece com seu leite abençoado, e uma pequenina horta, que complementa com algumas verduras e legumes, às nossas refeições, e assim vivemos, com as bênçãos do Altíssimo - respondeu o hortelão.

Despedindo-se, e agradecendo pelas dádivas, e bendizendo O Nome do Criador, partiram dali. Pensativo, e com ar decididamente preocupado, o aprendiz dirigiu-se ao mestre com esta questão:
- Sapientíssimo mestre! Sou de uma família abastada, e penso em retribuir tão gentil hospitalidade, promovendo o bem estar desta família. Dize-me como posso contribuir tão louvável gesto?
- Louvável atitude, meu filho, respondeu o mestre. Vá então, sem que ninguém o veja, e leve a vaca até o penhasco, e empurre-a pelo perau.

O aprendiz ficou horrorizado, mas cumpriu a ordem do mestre. Feito isso, seguiram sua jornada de volta à universidade.

Alguns anos se passaram. O Aprendiz cresceu na sua carreira acadêmica, e um dia foi chamado para tornar-se professor naquela mesma universidade. A lembrança do que fizera à família, a ingratidão pelo que fizera como paga de ter sido bem tratado, corroía-lhe a consciência, e tão logo chegou à universidade, decidiu procurar novamente aquele lugar, para ressarcir a família, e aliviar seu desassossego de tantos anos.

Eis que lá chegando (e conto este relato com tremor e lágrimas nos olhos), não encontrou mais a velha choupana, e em seu lugar, uma bela e majestosa casa de fazenda, com uma lavoura à perder de vista, um pomar majestoso, e centenas de bois e vacas espalhados pelo campo, ao lado da lavoura. Haviam casas menores para os agregados da fazenda, e um belo parque de diversões, onde brincavam crianças sorridentes, uma escola, um templo de oração, ruas pavimentadas, e uma aldeia rica e próspera.

Pensamentos de remorso afloraram ao professor, imaginando que após perceberam o sumiço de sua única fonte de recursos e subsistência haver desaparecido, teriam entrado em desespero, e vendido por preço irrisório suas terras, caindo possivelmente, em desgraça, perambulando pelo mundo, e vivendo à custa de esmolas de almas mais caridosas que a sua própria, que em lugar de prestar auxílio em gratidão, optou por obedecer uma ordem absurda de seu mestre, sem nada dizer em contrário à sua atitude naquele dia.

Retomando a realidade, bate à porta, e é recebido por um casal de idosos, com seus dois filhos, e netos, felizes, e o acolhem com alegria, oferecendo-lhe um lugar à mesa, posto que era já hora do desjejum. Ele aceita, e é levado à uma farta mesa com frutas, ovos, carnes, pães, bolos, sobremesas, variedades tais, que sugeriam um verdadeiro banquete.

Seus pensamentos, no entanto, já tomado de ainda mais remorsos, direcionam-se à família miserável à qual lançara ele, aprendiz, ao infortúnio, destruindo a única vaquinha que os alimentava. Seus pensamentos são logo quebrados pela bela jovem que pede que ele estenda a xícara para servir-lhe café com leite. Sorridente, ele agradece, e enquanto mexe o açúcar do café, pergunta:

- Não havia neste lugar uma família, que vivia em uma choupana bastante humilde?
- Sim! - Reponderam.  Somos nós! A vida era boa e pacata. Tínhamos uma vaquinha e uma pequenina horta, de onde alimentávamos nossos filhos. Porém, um dia, por vontade de Nosso Senhor, a vaca caiu em um penhasco, aqui atrás, e ficamos sem o leite. Então decidimos plantar uma lavoura....

Acho que a vaca do mundo foi jugada em um penhasco, e acho que teremos que plantar uma lavoura, quando isso tudo passar.


domingo, 22 de março de 2020

Tendências no Design - O que vem depois da crise?



Durante muitos anos, percorri o Brasil prestando serviços de consultoria à empresas, sindicatos, associações, e universidades, falando sobre Design, mais especificamente sobre Design para o setor moveleiro, no que diz respeito às tendências do Design para o setor.

Embora minha linguagem sempre fosse adaptada para ouvintes que produziam móveis e trabalhavam com interiores, não era possível dissociar as tendências por setores, apesar de que o setor de móveis apresentasse certas peculiaridades que o distanciava dos demais, em termos de tempo de resposta, isto é: em qual momento os fabricantes deveriam ou poderiam apresentar novos modelos de produtos, e mais especificamente, novas coleções que demonstrassem que aquelas empresas estariam em sintonia com o avanço da linguagem comum ao mercado, de acordo com os nichos em que atuavam.

Meus clientes variavam, desde fabricantes de móveis de luxo, área onde atuei por mais tempo, à móveis de natureza popular (os que pagavam melhor), que eram mais calcificados e resistentes a qualquer tipo de mudança, e com razões técnicas, operacionais, comerciais, logísticas, e econômicas, que favoreciam este comportamento.

A grande pergunta, em todas as palestras e seminários, ou reuniões de ajustamento com equipes de trabalho e empresários, era: "O que é Tendência, e o que define uma Tendência?". E esta era a melhor oportunidade para levantar as colunas do conhecimento e informação a respeito do tema, o que faço aqui, brevemente, para justificar esta análise, e seguir com a construção da reflexão.

Se tomarmos um arqueiro, com arco e flecha como referência, teremos a seguinte leitura e comparação: O arqueiro é a inteligência coletiva que direciona os acontecimentos, os quais formatarão os caminhos a serem percorridos pelo mercado. O arco, é o aparato de informações, a energia contida que determina a pressão e velocidade com que os fatos acontecem, e a forma e intensidade com que as informações e produtos serão oferecidos ao mercado. A corda é o tensor de direcionamento que impulsionará os produtos e serviços para este mercado. A flecha são as decisões que permitirão que uma adaptação entre desejo e necessidades do mercado sejam compreendidas e ajustadas à capacidade de produção e alinhamento com este mercado. E por fim, o alvo, é o mercado, que tanto pode ser fixo quanto variável. Assim, o conjunto formado pelo arqueiro, arco, corda e flecha se movimentarão para acertarem este mercado.

O que ocorre quando há uma movimentação linear, ou em um vetor perceptível, previsível, é que o marketing se torna obeso, e praticamente "desnecessário", a partir de um mercado comprador, e de um produto de grande aceitação, que "se vende sozinho". É neste cenário que trabalha, de modo geral, o setor moveleiro, onde a troca de mercadorias e produtos não ocorre com tanta frequência quanto, por exemplo, no vestuário, no calçado feminino, ou nos cosméticos. Não há flexibilidade visível do target (público alvo), senão em razão de alterações de cunho sócio-econômico (mudança de status financeiro), ou migração territorial (mudança por trabalho ou outras razões). Um ditado bastante comum na movelaria é que "as pessoas trocam de carro, de casa, e até de cônjuge, mas não trocam de móveis, se estes forem de boa qualidade. O mobiliário propõe certo valor afetivo, e sua troca é cercada com certa dramaticidade, ainda que haja mudança de status financeiro da família. Assim, o mobiliário pode ser enquadrado no target fixo, que exige pouco esforço de marketing das empresas, e geralmente seu tempo de permanência no mercado, ponto comercial, e aparência da loja, além da qualidade dos produtos e serviços, são o marketing em si. Exigem pouco esforço de profissionais e a criatividade fica restrita à modelagem, de modo geral.

Já o alvo móvel, flutuante, é aquele mercado que está sujeito às alterações de eventos geopolíticos, que determinam a obsolescência dos produtos com tal velocidade, que não se pode fazer previsão de largo espectro, isto é, para longo prazo e território. São voláteis os acontecimentos, assim como são voláteis as razões que levam uma pessoa a decidir mudar algum tipo de rotina ou preferência pessoal, em razão das motivações do grupo de influência à que esteja conectado. Por exemplo: Entre os adolescentes, há uma contínua mudança de consumo, com base na natural mudança de comportamento e humor próprios de sua faixa etária e mental. Neste mercado, predominam os modismo, seja uma cor de cabelo, um conjunto de adornos faciais ou corporais, um tipo de comida, contanto que seja breve, ou um gênero musical, seja local, nacional, internacional, ou ainda extremamente exótico, excêntrico, ou bizarro. Desta forma, o pessoal do marketing está em contínua fermentação de ideias  e propostas que possam satisfazer este nicho de mercado, que não é fiel, posto que efêmero. Este nicho, no entanto, não é um consumidor confiável, uma vez que a família, ainda que disponha de recursos, não investe muito em modismos para seus filhos, porque sabe que em dois anos, ou menos, terá que trocar tudo novamente. A sua transição entre o infantil, cheio de adornos, e o adulto, talvez mais minimalista, tenha que sofrer essa metamorfose heterogênea, louca, espalhafatosa, birrenta, agressiva, revoltada, mas ainda assim, gentil, ansiosa, inquieta, sonhadora, sem saber com que, expectante olhando para o vazio das incertezas, delicada, chorona, desbocada, sonora, sincera, angustiada, sinistra, mas ainda assim, consumidora. Potencialmente consumidora.

Na linha média, dedicada ao mercado nervoso, consumidor de Rivotril e Escytalopram, de carros tipo SUV ou populares, ainda assim, devastadores de promoções em potencial, usuários nervosos, irrequietos, e atentos às flutuações das tendências, assíduos religiosamente nas academias, conhecedores profundos de biotipos, para adequação dos energéticos, que conhecem tudo e de tudo sobre medicina védica, biomolecular e quântica, tudo por meio do Google, entendedores de confluências astrológicas, e capazes de mobilizar multidões em apoio ou objeção política à este ou àquele líder, à esta ou àquela causa, são estes a alegria e o pavor dos que pensam a linha de produção das indústrias, à que atendam o "Fast-Food" das exigências do design, onde o que hoje brilha, amanhã deva ser acetinado. Onde hoje predominam as cores quentes e sanguíneas, amanhecem em tons pálidos e neons, e tons sobre tons, onde até a nomenclatura, antes afrancesada de "Ton sur ton", se transforma em "over color", ou facilitam para sobreposição de tons. As indústrias químicas voltadas às cores, investem milhões de dinheiros para produzirem uma cartela volumosa, onde confundem os consumidores, tamanha a variedade ofertada, e assim todos os demais materiais, revestimentos de superfícies, pisos, acabamentos, que deixam-nos ainda mais confusos, ansiosos pelo tempo que urge, e contratam profissionais com expertise em adivinhar o gosto de quem não sabe do que gosta, e promover arranjos e combinações sem protocolos, senão apenas no gosto pessoal dos próprios designers. Esta é, no entanto, a grande propulsora de todo o sistema econômico mundial. A Classe Media emprega os pobres para tirar-lhes um caldinho, enquanto os verdadeiramente ricos, olham para uma e outra categoria com o mesmo olhar de quem estica o pescoço num açougue para escolher o melhor pedaço de carne para grelhar à noite.

A linha popular, dentro da movelaria, é a que agrega as maiores indústrias, pois produzir para pobre é muito caro. Exige um investimento com muitos zeros, e as indústrias que abarrotam o mercado deste padrão, são as últimas a aderirem às tendências do traço e acabamento, e quando o fazem, é por acomodação daquilo que retiram do que foi largamente vendido á Classe Media. Isso tem um tempo de vida útil de dez a quinze anos, ou ainda mais. E quando muda, quando este consumidor passa a comprar aquilo que viu na loja de Classe Media, é o momento em que o objeto já foi popularizado, e há muito tempo já migrou para outra categoria. Assim funciona o setor moveleiro no Brasil e no Mundo, resguardadas as características de cada país.

Os ricos não seguem, nem fazem as  tendências, não aderem à moda, e são cautelosos em aderirem às mudanças, e quando o fazem, não há uma percepção disso no mercado, mas ainda assim, representam um nicho, ao qual os analistas devem atentar, porque também há um setor dedicado à este padrão de consumo, porém não é destes que trato aqui nesta análise. Os excepcionalmente ricos, que estão acima dos bilionários,  ricos irão participar nesta movimentação de ondas de choque, como os círculos concêntricos de uma pedra jogada no lago de água parada, mas não no movimento das ondas e sim na contenção da água. Não molham os pés, mas são os donos do lago.

Foram as mudanças no comportamento político e religioso que tiveram vantagens com a invenção da imprensa, por Guttenberg. Se o primeiro livro impresso em serie foi uma Bíblia, naquele momento era a falta de acesso ao Livro sagrado que escravizava a sociedade, através do privilégio privativo ao conhecimento de poucos religiosos, e esta tecnologia revolucionária democratizou acesso aos textos sagrados, permitindo que a liberdade de consciência tivesse vez na história. A mesma tecnologia a partir disso só foi substituída pela era digital, seguida pela revolução cibernética, que democratizou (e poluiu) o pensamento. Onde antes havia falta de informação, agora há excesso dela, e novamente são necessários os eruditos e os livres pensadores para interpretarem tais excesso, traduzindo ao povo aquilo que precisa compreender, de um modo que não precise ser erudito.

Mas e como podemos entender as variações das tendências?
São os movimentos mundiais, de natureza geopolítica, que determinam o rumo dos acontecimentos e das tendências, e dou exemplo de guerras, que mudam fronteiras, ou as catástrofes, que mudam o modo com que as autoridades planejam a segurança, com que as populações conduzem-se em comportamento, como a economia sofre abalos, e como a população passa a comportar-se diante destes acontecimentos. O grande paradoxo é que em teoria, todos querem a paz, mas são as reviravoltas sociais quem impulsionam as mudanças.  Foi a necessidade de adaptar os equipamentos que um soldado deveria carregam em campanha, que fez nascer a ciência (ou o conjunto de ciências) que forma a Ergonomia. Foram os bombardeios absurdamente inusitados às Torres Gêmeas em Nova Iorque, quem modificam completamente o comportamento de segurança nos aeroportos. Novas e cuidadosas regras de seguranças foram criadas, e hoje é inimaginável entrar em uma aeronave sem ter passado por um detector de metais, seguido de um equipamento de Raio X que vasculha até um alfinete que possa estar escondido nas malas. Foram ainda os acidentes aéreos que causaram comoção em tantas pessoas, quem determinaram severas proibições, antes consideradas sociais, como fumar à bordo, ou beber álcool á vontade, em viagens de curta distância. Foram ainda as grandes epidemias, que motivaram, ou melhor dizendo, forçaram as autoridades sanitárias, com suporte dos governos e suas articulações políticas, grandes descobertas científicas, como a Penicilina, as campanhas de higiene (que ainda não são bem compreendidas até hoje), os avanços da medicina. Foi a dor nas cirurgias, nos tratamentos dentários, que motivaram a descoberta das anestesias, enfim, "a dor ensina a gemer", diz o ditado, e de todo movimento social, de todo o abalo da normalidade, há o sofrimento, muito sofrimento, e tais vítimas tornam-se mártires involuntários, para que sejam aceleradas as soluções preventivas, e desta forma, cada tempo tem seus demônios, e cada demônio encontra, ao fim, seu oponente iluminado. Assim, cada abalo na zona de conforto de um tempo, um grupo, ou um sistema, faz agitar as águas, e as águas removem lama do fundo do lago da existência, e esta água barrenta diz que algo mudou.

As tendências trabalham desta forma. Os movimentos geopolíticos, sociais, sanitários, religiosos, fazem com que as pessoas modifiquem seus hábitos, seja por ação abrupta, por determinações dos governos, ou mesmo voluntariamente, por prevenção ou proteção, por acomodação, e assim, ao repetir-se cada gesto, no terceiro movimento, torna-se contumaz, e os gestos contumazes, tornam-se ventos que sopram as tendências para todas as direções. Assim aconteceu com a tecnologia, que modificou o comportamento das pessoas. Dou exemplo de uma sala de estar, em uma casa de Classe Media, que necessitava de uma estante enorme na sala, quanto maior, melhor, e nesta estante, deveria ter um nicho grande, ao meio, para a TV, que era um cubo imenso, uma geringonça desengonçada, que exigia uma profundidade de até 70 centímetros de espaço, considerando o vão da parede. Ao lado, outro espaço, duplo, para duas imensas caixas acústicas. Outro para equipamento de som e vídeo, além de nicho separador para discos de vinil. Este mesmo móvel, acomodava uma pequena biblioteca, que tinha obrigatoriamente, por uma questão de status, uma enciclopédia tipo "Barsa", ou "Delta Larousse", "Mirador", ou equivalente. Um grande Dicionário "Aurélio", uma Bíblia aberta sobre outro espaço livre no balcão. Havia ainda um nicho para expor porta-retratos, um pequeno bar com tampa levadiça, gavetas, e um pequeno escritório.

Com o advento da internet, do mundo cibernético, a enciclopédia, ou todas elas, foram substituídas pelo Google. Os retratos, pelo Facebook, Instagram. O escritório, pelo Office. A TV aumentou de tamanho, mas reduziu a profundidade, e as caixas de som, quase cabem no bolso, com uma potência dez vezes maior. Por fim, a estante inteira passou para a palma da mão, com todas as vantagens possíveis. E as marcenarias perderam para o silício, sem contar que um armário custa vinte vezes o preço de um Smartphone. O costume gerou a tendência.

Eu poderia gastar muitos bits citando exemplos, o que acho desnecessário, pois penso que me fiz compreender até aqui. Costume gera tendência e tendência gera moda. A moda gora a roda e a roda gira o mundo, mas ainda não disse o que penso que poderá acontecer no "Day After" às quarentenas apocalípticas para o combate de um inimigo covarde, que não mostra a cara, de tão pequeno que é. Pequeno, mas poderosos, disso todos sabem. E o poder deste vírus, vai além de sua capacidade de cortar o fôlego de vida, pois o efeito em cascata do isolamento imposto ao mundo inteiro (excetuam-se aqui países em guerra e em miséria absoluta, quem nem há como serem contabilizados ou mapeados os efeitos desta ou daquela epidemia. Tudo é calamidade, e lá a única tendência pertinente é a morte como alívio. Então, vejo uma serie de costumes sendo modificados a partir deste rescaldo.

Vejamos alguns exemplos: Os Conselhos de Medicina estão liberando seus filiados a prestarem consultas por meio virtual. Na prática isso já acontecia, desde o momento em que você conversa com seu médico e expõe algo, envia fotos, descreve os sintomas, e se ainda dispuser de equipamentos de aferição dos sinais vitais, ele poderá diagnosticar com quase e mesma eficiência . Isso poderá gerar um efeito em cadeia, que permitirá que mais e mais atividades sejam oferecidas via web, e estas mudanças, ampliarão ainda mais o mercado de tecnologia, de inteligência artificial.

Atrás da inteligencia virtual, virá o avanço da robótica, dos drones, da tele entrega por drone, em lugar de motobóis, e cada vez menos o contato e o contágio humanos de darão. cada vez mais a prisão domiciliar, ou seja, o recolhimento, em nome da segurança, serão incentivados. Os apartamentos darão lugar aos espaços vazios, pois pela tecnologia, tudo será minimizado, para que haja mais mobilidade nos espaços, ainda que pequenos. Mesmo os mais pobres, modificarão seus costumes, porque a mesma tecnologia que serve ao rico, serve ao pobre e cada vez mais os objetos e espaços serão funcionais, otimizáveis, ajustáveis, dobráveis, infláveis, e cada vez mais novos materiais permitirão flexibilidade, resistência e leveza. Tecidos inteligentes, com identificação genética serão confeccionados para que sua tecitura se ajuste, tanto à modelagem do corpo, quanto à sensibilidade da pele, que modificarão sua estrutura molecular, de acordo com a temperatura do corpo em resposta ao clima, ou à falta de circulação de uma e outra parte do corpo. Tais tecidos poderão ser baterias solares, e conter micro transmissores e sensores, que enviarão à uma central que está abastecida com todas as informações acerca de seu corpo, e automaticamente esta central irá monitorar todo o seu metabolismo, de forma inteligente, liberando descargas elétricas que potencializem suas células a enviarem informações ao seu cérebro, que também, estará conectado  a uma central de monitoramento, assim como hoje existem centrais que monitoram já alguns sinais vitais, mediante valores bastante acessíveis.

Não tenho como imaginar todos os avanços em consequência das necessidades e soluções empíricas encontradas durante a falta de insumos durante uma carestia, seja proporcionada por guerra, epidemia, catástrofe natural, ou movimentações econômicas globais. O certo é que sempre nestas movimentações sísmico-sociais, em ondas de choque também vem as soluções e os avanços. Aquilo que é ruim para muitos, gera conforto posterior para muitos mais. Parece uma lógica terrível, e é terrível, se pensarmos na causa destas criações, mas saudável, se lembrarmos que aquilo que castigou a tantos, proporcionou segurança à muitos mais.

No campo profissional, depois de uma grave crise, aquilo que era aceitável, torna-se supérfluo, e predomina o extraordinariamente necessário no mundo fabril. O trabalho intelectual ligado ás artes, ao Design, poderá sofrer muito no aspecto econômico, porém poderá encontrar nichos escancarados de oportunidades no campo criativo. Porém, é na crise que surgem as oportunidades, e não estou falando de ganância, mas doas oportunidades construtivas, saudáveis, que beneficiam a sociedade. vamos analisar algumas delas.

A higiene pessoal
A primeira coisa que aconteceu depois que se espalharam as primeiras notícias foi que veio a crença de que bastava lavar as mãos com álcool gel, que tudo estaria resolvido. Não estava, mas o produto desapareceu dos mercados, inflacionou, gerou lojas fechadas pelo abuso, grande impérios de bebidas e perfumes, açúcar e álcool combustível, imediatamente passaram a produzir, em larga escala, o danado do álcool gel, e hoje chega a ser blasfêmia encostar no nariz, sem borrifar na mão meio litro do gelatinosa substância. No entanto, com o passar dos dias, e as milhares de informações a cada instante, descobriu-se que basta umas gotinhas de detergente de louça, ou mesmo sabão, e lavar bem as mãos, que dá na mesma. Acreditem: O Ser Humano chegou em marte, faz teleconferências, mas não sabe ainda que precisa, e nem como se lava as mãos. Não sabia, pois agora sabe, apesar de que, assim que passar a crise, vai esquecer tudo de novo.

A Defesa Civil e Diagnósticos
Até há duas semanas atrás, acreditava-se que a Defesa Civil, servia apenas para cuidar de calamidades naturais, enchentes, desabamentos, vendavais, mas desde então, descobriu-se que a Defesa Civil passou a serem os Bombeiros, acompanhados dos Médicos, Enfermeiros, Agentes de Saúde, mas a própria população (ou grande parte dela) deu-se por conta de que é isoladamente um agente comunitário de defesa nacional, mundial até. Houve um despertar de interesse, não por consciência, mas por pavor mesmo. O que sai de produtivo nisso é a tecnologia que está sendo utilizada e será aprimorada. Hoje há dispositivos eletrônicos capazes de detectar muitas coisas: O clima, terremotos, bactérias, e até mesmo vírus, porém cada detecção é muito localizada, no caso de patógenos.  Assim como há novos equipamentos que detectam vários tipos de câncer, com apenas uma gotinha de sangue, onde antes exigiam muitos e muitos exames, invasivos até, sistemas de inteligência poderão ser criados, que detectem patógenos, sejam vírus ou bactérias, no ambiente onde respiram as pessoas. Não sei quem vai criar esta tecnologia, mas certo como a chegada da Primavera, que ela virá.

Convívio Social e Familiar
A quarentena obrigatória é um uma espada de dois gumes. Se de um lado, torna compulsória a permanência em casa, e considerando que nem sempre os idosos convivam no mesmo ambiente, cria´se um sentimento de culpa e dependência, em relação à estes, trazendo a percepção de que não era notada sua ausência no cotidiano, por outro lado, o excessivo tempo de confinamento, em uma sociedade que não convivia mais por tantas horas, acelera o distanciamento, por imposição de estresse pelo aprisionamento social. Hábitos, antes cultivados já mais como reencontro familiar uma vez por semana, torna-se diário, e até uma boa sobremesa acaba se tornando enjoativa, quando comida em excesso. e um excesso imposto, por condições traumáticas.
Neste aspecto, o Design entra como agente criativo de inovação dos objetos, de acordo com as novas necessidades de ajuste dos espaços à mais pessoas em simultâneo por tempo de uso. Aceleram aqui os funcionais, práticos, e descartáveis. cada vez mais descartáveis, recicláveis, reutilizáveis, e com múltiplas funções e utilidades.

Recursos Naturais
Como desgraça pouca é bobagem, uma calamidade sempre deixa um vazio para que outra tome o seu lugar a seguir, parecido com as dez pragas do Egito. No momento em que começou a ordem das autoridades para o isolamento total, pensei cá com meus botões: "Ainda bem que não está faltando água!" Ah, pra que eu fui pensar nisso, pra que eu fui dar ideia pra desgraça? Imediatamente recebo a notícia que por conta da estiagem, vai faltar água. Pronto! Círculo completo. Mas não. Nada é completo quando se trata de cenário pessimista, que é colocado de balde, enquanto o otimismo é retirado com a ponta dos dedos. Assim, água é a base estrutural da pirâmide da vida, em todas as esferas: Animal, vegetal, e especialmente, humana. Água, até tem, mas torná-la potável, e transportá-la ao consumidor, é outro departamento. Assim já existem equipamentos com tecnologia capaz de retirar água do ar, por mais árido que seja, o caso de Israel, que tira água de pedra desde o tempo de Moisés. Hoje tira do Mar e do ar. Mas tudo são grandes estruturas, caras, de transporte dispendioso.
A tecnologia entra aqui, aliada ao Design, para criar dispositivos portáteis, acessíveis, que retirem água do ar, ou do mar, e a disponibilizem imediatamente, purificada, geladinha, e refrescante, ao usuário do equipamento, que pode ser levado ás costas, e recarregado com energia solar pelo tecido com que é confeccionada a mochila, do mesmo modo que os antigos levavam água no bucho de um cabrito, nesta leitura, o bucho será substituído pelo tal tecido inteligente, que não só armazena e purifica, como também refrigera. Tudo isso porque os chineses comem morcego ensopado, e o mundo paga a conta.

Eu poderia divagar aqui por páginas e páginas, mas convido o leitor a juntar-se à minha nessa elucubração tecnológica que pode tornar-se tão realidade quão realidade seja a ideia de trancar o mundo inteiro em casa, obedientemente..exceto os velhos, que são teimosos demais para acreditarem em catástrofes mundiais simultâneas.








quinta-feira, 19 de março de 2020

Carta à minha filha, a Doutora Melissa


Carta à minha filha, a Doutora Melissa

Eu conto, em um vídeo que gravei hoje pela manhã, a historia de dois Moisés: do primeiro, que recusa fazer o trabalho de D-s, e D-s o ameaça de morte se ele não for ao Egito libertar o povo. Moisés vai a contragosto.
Pouco tempo depois, Moisés recebe as pedras da Lei no Sinai, e quando desce, vê o povo adorando um bezerro de ouro. Quebra as pedras e volta á montanha. Lá encontra D-s furioso, dizendo que vai destruir aquele povo e fazer de Moisés um novo povo.
Sabe o que faz Moisés? (O mesmo que teve que ser ameaçado de morte para cumprir a ordem divina?)
Bate de frente com O Eterno e diz:
"Se Tu destruíres esse povo, olha o que irão dizer os outros povos? Que o D-s deles não teve força para protegê-los, os tirou do Egito e os destruiu no deserto! Então, se vais mesmo matá-los, começa por mim! Se o Teu povo vai morrer, eu vou morrer junto!"

Sabe o que D-s respondeu a Moisés?
"Tu é O CARA!"

Por causa da tua ousadia, serás chamado de O HOMEM MAIS JUSTO DE TODOS OS TEMPOS!
Teve coragem de confrontar D-s naquilo que achava injusto. E foi recompensado, mesmo na morte.
Tu, filhota, não chora por covardia. Chora por coragem! Chora porque não suporta injustiça. Chora porque ama as pessoas e trabalha para que elas vivam!
Tu és heroína, e tua equipe, os teus valentes, junto contigo!
Sou teu fã incondicional. Oro continuamente pela tua vitória.
Tivestes que deixar os filhos resguardados com o pai, e por seres afetada diretamente pelos agentes de contaminação, nem mesmo teus pais podes abraçar.
Viajas 100 km todos os dias, dormindo sentada, à base de medicamentos, com dores, com a estima lá em baixo, com contas vencidas, com falta de combustível pra chegares ao teu trabalho, com pessoas mal educadas te ameaçando, sem entender que o que fazem é para o bem delas, mas mesmo assim tu persistes, porque esta é a tua missão.
Lembro que um dia ofereci te ajudar a montar uma clínica estética, porque ganharias mais dinheiro, e me dissestes que tu não havias estudado tantos anos (isso foi no início da tua carreira, hoje já és Mestra, quase Doutora) para esticar pelanca de "periguetes", e que teu preparo foi para tratar da dor das pessoas, de oferecer qualidade de vida aos inválidos.
Então, minha filha, hoje tens a responsabilidade de liderar sessenta pessoas na tua equipe, e uma população de trinta mil pessoas ou mais, no bairro onde atendes. Estás frente a frente com todo tipo de contágios, exposta agora á essa sementinha de Satã, o Corona Vírus, mais uma delas, e mesmo assim, não esmoreces.

Querida Melissa!
És a minha guerreira!
Segue em frente nesta jornada, e não tenhas medo de confrontar à D-s com amor pelos filhos D'Ele, porque ninguém chega à D-s se não for pelo Ser Humano, a joia da Sua criação.
Jesus disse que aquele que visitar o desassistido, o enfermo, o que está em prisão (a doença é a pior das prisões), será reconhecido como "Justo entre as Nações" no dia do grande julgamento. Tens obras e coração. Tens fé, ainda que não compreendas os caminhos do Altíssimo, és uma filha amada do Criador, uma serva de D-s, e um exemplo de mãe e filha.
Te amamos, com todo o estoque de amor que se possa ter.
Pai, Mãe, teus irmãos, e teus filhos.

Pós Corona - Definição do que é útil e do que é fútil



Você, eu, e ninguém mais no mundo, estávamos preparados para recebermos um pito e sermos trancados em casa, no cantinho do pensamento. Não estávamos mesmo. Na verdade, ninguém está preparado para uma desgraça. Até dizem que temos que nos preparar para o pior, e coisa e tal, mas depois que lambeu a beirada do copo de cerveja, largou uma piadinha besta, despediu-se do dono do bar (os mais importantes por primeiro), e dos outros beberrões, depois de beber como se não houvesse amanhã, a pessoa vai embora e dorme, como se não houvesse um ontem.

Ninguém se preocupa de verdade com o infortúnio, pois acha que só vai acontecer com os outros, e desejavelmente, com os desafetos. O que ninguém espera é que, mesmo sem ouvir um único tiro, nem tanques de guerra pelas ruas, sirenes de aviões, o bombardeio nos pega pelas mãos, boca, e narinas. O balconista da farmácia é o agente de salvação, quando nos entrega, a preços de farmácia, o vidrinho de álcool gel. O caixa do supermercado, cansado, é nosso aliado, quando registra os cinco carrinhos abarrotados, sendo dois deles repletos de fardos de papel higiênico. Este é o limite da guerra que nos abate. O resto, a parte pior, não está nas ruas, nem no abraço, mas dentro de casa, na televisão ligada 18 horas por dia, e o celular recebendo o excedente, enquanto tentamos dormir, das más notícias que perdemos poucas horas antes. Este é o cenário do front. Mas, infelizmente, para os profetas do caos, da destruição total, da hecatombe bacteriana e virológica, este não é o fim. Tem mais. tem o "dia seguinte",  aquele momento silencioso dos filmes onde o protagonista perambula estupefato por um deserto que deixa aflorar partes da estátua da Liberdade, ou do capitólio, mesmo que isso seja no Rio de Janeiro, ou em Afogados da Ingazeira. Sente-se completamente só Começa a andar e juntar latas enferrujadas, uma garrafa de coca cola com tampa intacta, um pneu com ar dentro, e umas cordas velhas (não sei de onde tiram cordas velhas em cenário pós apocalíptico, mas elas aparecem, talvez de outra dimensão, sei lá. E assim, meio se arrastando, com um saco de polipropileno na mão, e um pedaço de pau na outra, vai caminhando sem rumo pela vastidão do deserto. O que fazer? Como recomeçar?

Aqui entra minha reflexão. Assim como alguém que sofre um grave acidente, e perde a locomoção natural, necessitando de próteses, cadeiras de rodas, e outros artifícios para seu ir e vir, também a crise que nos esbofeteia nesse momento em certo tempo irá findar, mas não findarão os seus efeitos, e teremos que nos adaptar ao novo mundo que nos espera.

Claro que não sou teórico da conspiração, nem levo a serio a ideia de que os Illuminatti tenham algo a ver com isso, dentro de seu plano satânico de ludibriar os crédulos e ignorantes, estejam espalhando a mortandade para acabar com dois terços da população mundial, e olha que tem gente nesse mundo. Teriam que levar pra terra cerca de dois bilhões de pessoas (eu falei dois BIlhões) em curto espaço de tempo, o que não seria difícil, se ninguém cumprisse quarentena sanitária, o que não acontece. Assim, deixemos os Illuminatti em paz, por enquanto, e vamos focar no essencial: O que iremos fazer depois que as restrições acabarem? Bem, eu tenho algumas ideias. Vejamos:

O mundo não tem condições para suportar mais que duas a três semanas de paralisação total. Não tem. Se passar deste limite, outros problemas que existiam antes do Corona, subirão à superfície, e aí o caldo entorna. Então eu sou levado a crer que a partir desse prazo, as regras serão flexibilizadas, mas não extintas, e aos poucos as pessoas retornarão aos seus afazeres. O susto foi o bastante para que deixem de ser porcos, que parem de comer imundícies, morcegos, ratos, baratas, sushis, periguetes, e outras coisas mal lavadas e contaminadas. Em consonância com os resultados favoráveis observados, leis restrivas serão aprimoradas, e crescerá a liberdade dos governantes em sujeitarem os cidadãos à regras sinistras, em nome da prevenção à saúde.

Os escroques, aproveitadores, serão dramaticamente punidos tanto pelas autoridades, quando pelo povo, pelas massas, enfurecidas e vingativas, que provocarão ondas de ataques nas redes sociais contra aqueles estabelecimentos que abusaram da dor alheia durante a crise.

Os valores serão também reciclados, e a noção de necessidade poderá ser redesenhada. Aquilo que era usual, torna-se supérfluo. Aquilo que era supérfluo, tende a diminuir. E aquilo que era essencial será lapidado para aquilo que seja realmente necessário..
Certos trabalhos, certas atividades econômicas poderão ser consideradas supérfluas, como  o próprio Design, que já vale bem pouco hoje mesmo; as artes; a literatura; a música, especialmente a música erudita; os espetáculos de multidões; e tudo aquilo que não ponha pão e mantimentos à mesa, será encarecido e sobretaxado.

Restarão tarefas e atividades que poderão ser supervalorizadas, como a medicina, a psicologia, a agricultura, mesmo com agrotóxicos ou defensivos e insumos, ainda serão essenciais, as terapias individuais, uma vez que grupos não serão incentivados; e as redes sociais, pois os jornalistas também tentem a entrar numa quarentena bem mais longa, haja vista a hipótese de que existam jornalistas que se prestem a desmanchar governos, e propagar mentiras, porém, como não se pode ter certeza disso, então entrarão todos no mesmo balaio dos indesejáveis.

Os políticos serão selecionados a pente fino, e novas regras de civilidades serão elaboradas. O bem que conhecemos que teme o mal será substituído pelo mal que precisou aparecer para ensinar ao bem que nem tudo pode ser mau enquanto houver quem no mal deposite duas armas para combater o próprio mal. Perceberam? O mal combate a si mesmo, sob a forma de justiça? E o que sobra disso é a sobrevivência, e em nome da sobrevivência de muitos, poucos serão penalizados, pois é assim que se constrói uma civilização.

Será que estamos na linha divisória entre a civilização que usou de tudo o quanto pôde, para ingressarmos em outra civilização que tomará de todos a liberdade em nome de um mundo melhor?

Será que as novas restrições com base em tempos de crise não serão utilizadas para uma dominação, em nome da liberdade, mas acima de tudo, em nome da saúde e felicidade coletivas?

Estaremos ingressando nos próximos dias em um mundo onde será distinto o que é útil, do que é fútil, e serão extintas a beleza, a simplicidade, o encanto, a serenidade, o perfume, e o bom vinho? Não sei a resposta. Mas eu fiz a pergunta. Tome: é sua!


Bella Ciao e Modelo Econômico de Crescimento - Táticas e Estratégias que modelam o Pensamento Político

Imagem: Bing IA Pacard - Designer, Escritor, e Artista, que tem nojinho de políticos vaidosos* "E sucedeu que, estando Josué perto de J...