AD SENSE

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Inimigos nossos de cada dia


Os inimigos nossos de cada dia


A coisa que um pensador mais precisa é de tempo, precisa que esteja livre, de afazeres que ocupem a mente e as mãos, para que possa avaliar e reavaliar circunstâncias, valores, encontros e desencontros, necessidades,  para que possa comparar virtudes e defeitos, dissecar infortúnios para formatar o conhecimento, e disso burilar ideias, ideias que contribuam para uma reflexão coletiva, uma vez que o coletivo é sempre o que dissemina o resultado prático destas formulações.


Resumindo: a tarefa de pensar é gerar fundamentos para que o coletivo concorde ou discorde, mas que não passe batido pelas grandes questões, que são tropeços, ou que podem tornar-se soluções no dia a dia, pessoal, ou da sociedade.


O primeiro passo para combater o erro, é reconhecer que há um erro, reconhecer o erro, e combater o erro, porque sem que haja este conceito, é impossível promover qualquer tipo de transformação na sociedade.


É necessário que o médico faça uma anamnese do paciente, para que chegue a um diagnóstico, e será esta recordação dos passos dados na trajetória, tanto do indivíduo, quanto do seu coletivo, que se proporcionarão os meios para que haja o conserto da civilização.


É o concerto, o acordo, entre o erro e suas consequências, com a admissão da insuficiência individual, que a sociedade começa a sublimar-se de seus preconceitos, e consolidar seus conceitos para essa transformação.


Para que se conserte o que esteja torto, é necessário conhecer as forças que contribuem para a torção daquilo que deveria estar em retidão, e desta forma, reconhecendo o território onde se pisa, e os inimigos que enfrentamos, poderemos elaborar as estratégias e vitaminar as forças, para que tais inimigos sejam derrotados. Assim, a questão é: Quem são nossos inimigos de cada dia?


Respondo por autoconhecimento, por experiência, que o primeiro inimigo é o que dorme à espreita de nossos deslizes, mas com um olho sempre aberto, à espera de que acordemos também, para que nos ataque: O desânimo.


Este inimigo é traiçoeiro, e sempre pisa nas nossas feridas quando nos encontra fragilizados, abatidos, e é um inimigo covarde, porque colabora com nossa derrota, até mesmo nas pequeninas coisas.


Outro inimigo traiçoeiro, é a injustiça, nem sempre a que cometem contra nós, mas contra quem está sob a nossa proteção, e percebe que, em muitas circunstâncias, pode nos encontrar de mãos amarradas, e mãos atadas nos impedem que possamos corrigir tais injustiças contra os mais fracos, e por nos impedir de agir, é a nós que atinge mais. A injustiça é um monstro covarde, e em sua covardia, nos torna covardes também.


Embora eu pudesse citar muitos inimigos, resumo neste, que considero o maior de todos: O medo! É o maior, porque ele junta todos os outros inimigos sobre nossos ombros, e seu peso se multiplica contra nós, de tal forma que nos verga a coluna, nos faz curvar por conta própria contra todos os demais, e desta forma, nos cega, prende, dobra, e nos faz tombar como pássaros encantados pelas serpentes. O medo é a serpente que nos abraça, a covardia que nos afoga, a injustiça que nos amarra, e o desânimo, que nos abate.


Mas a história não termina aqui, porque há um antídoto, uma arma invencível para combater todos estes e outros mais, um a um, e aos poucos. Mesmo todos ao mesmo tempo: Este antídoto chama-se determinação, com o tempero da verdade, e sobretudo, a coragem, de saber olhar para nossos próprios erros, descobrirmos nossa submissão, e assumirmos nossa fraqueza, porque é na fraqueza que nos tornamos fortes, é na dor, que buscamos a cura, e é no medo, que encontramos a coragem.


Shalom



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quarta-feira, 10 de junho de 2020

A velha do Poronguinho - Causos que minha vó contava


O causo de hoje, recontado, não é de minha lavra, pois encontrei nas exatas palavras que minha querida vó, Maria Elisa, me contava, e contava, e contava..eu a fazia repetir noite após noite, junto com as dezenas de causos que contava junto. Vou tentar lembrar, ou localizar quem lembre, pois eram causos populares, e trazê-lo para meus leitores, para que contem aos seus filhos e netos (se o maldito celular permitir). E a parte mais legal era o refrão, que minha vó cantava junto: "Não vi velha, não vi nada, rola, rola poronguinhoooo..!
Era uma antiga história, de origem portuguesa, contada até hoje nas terras d'além mar.
Ah, saudade!

 Rola, rola poronguinho!

                 Era uma vez uma velhinha quer queria ir no casamento do filho que morava do outro lado da floresta. A floresta era perigosa e cheia de animais selvagens.

                Saiu de casa e foi caminhando até encontrar um boi que pastava e lhe disse:

                -Aonde tu vai velha?
                - Vou no casamento do meu filho, deixa eu passar que na volta te trago uns doces.

                O boi saiu da frente e ela continuou a caminhada.

                Logo adiante, encontrou uma onça faminta que lhe fez a mesma pergunta:
                     
                 - Aonde tu vai, velha?
                 - Vou no casamento do meu filho, não me come que na volta te trago uns doces.

                 A onça pensou e deixou ela passar.

                 Antes de alcançar a casa do filho, ela encontrou um cavalo que perguntou:

                 - Aonde tu vai velha?
                 - Vou no casamento do meu filho, na volta te trago uns doces.

                 O cavalo deixou ela passar e logo ela chegou ao fim da floresta.

                  A velhinha chegou a tempo do casamento, dançou, se divertiu e comeu muitos doces.

                  Quando estava para voltar para casa, se lembrou das promessas feitas aos animais, mas não haviam sobrados doces da festa.

                  Pediu ao filho que que encontrasse um porongo do tamanho dela para que ela pudesse se esconder dentro e assim fugir da perseguição dos animais.

                  O filho assim o fez: conseguiu o porongo e fez um buraquinho pra ela enxergar quando tivesse chegado em casa. 
Ela se escondeu dentro do porongo, seu filho levou o porongo em cima de um monte e rolou o porongo em direção à floresta.

                  Quando o porongo rolante encontrou a pata do cavalo, este perguntou: 

                  - Porongo, tu viu uma velha por aí?
                  De dentro do porongo veio uma vozinha fraquinha que disse:
                  - Rola, rola, poronguinho! Não vi velha, não vi nada. Rola, rola, poronguinho. Não vi velha, não vi nada.

                  O cavalo com um coice rolou o porongo floresta adentro, até alcançar a onça que fez a mesma pergunta:

                  - Porongo, tu viu uma velha por aí?

                  - Rola, rola poronguinho. Não vi velha, não vi nada! Rola, rola, poronguinho. Não vi velha, não vi nada!

                  A onça deu uma patada no porongo que rolou até perto da casa da velha, porém ali esperava o boi que perguntou pro porongo:

                  - Porongo, tu viu uma velha por aí?

                  Mas quando o boi foi parar o porongo rolante com uma pata, o porongo rachou e de lá de dentro saltou a velhinha apavorada que não parou de correr até chegar em casa.









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terça-feira, 9 de junho de 2020

O entrelaçamento dos sentidos



Que tolice - dirá o crítico leitor! Entrelaçar sabedoria, como é possível tal absurdo, haja dito que o supremo estágio da sabedoria seja o próprio silêncio? No entanto, estou disposto a discordar, isso, respeitosamente, haja vista que a discordância com conteúdo é o bom fermento da sabedoria pela retórica. Pois é certo então que havia um homem disposto a tal negócio, e a esta conclusão chegou justamente pelo sábio costume de exaltar todos os cinco sentidos, e todos sabem que quando os cinco sentidos agem em concordância e uníssono, ativam o sexto dos sentidos, que é a intuição. Que maravilha! falemos disso, para melhor compreensão do leitor ou da leitora (embora diga-se que a leitora tem naturalmente inserido entre seus sentidos, a intuição, como se natural o fosse. o que sabemos, por carga própria de conteúdo, não sê-lo. Intuição só é manifesta quando todos os demais sentidos estiverem completos: Audição, Paladar, Tato, Olfato, e Visão. Explico, para melhor ser entendido, então.

A visão, pode ser nossa melhor amiga, mas é traiçoeira como ela só. Pode-se dizer que ainda que frágil, ela é mentirosa por excelência, pois aquilo que é reto, ela se vale da curvatura dos olhos, para descrever ao cérebro o que vê. Vê nuvens e descreve como rostos e formas abstratas pela pareidolia, e o pobre cérebro, encaixotado numa caixa sem janelas, tem como única janela, o olhar. Os olhos mentem e mentem muito, quando olham em um espelho e criam fantasiosa imagem, ou indesejável repulsa com o que veem. Assim, jamais confieis na visão, quando relata sozinha sua percepção sobre as coisas.
A audição também não é lá essas coisas, quando se trata de cumprir sua tarefa, pois ela ouve algo que não compreende bem, e precisa do auxilio dos olhos para assegurar-se de que aquilo que vê esteja de acordo com os padrões que tem registrado. Já em outras situações, ela tem completo domínio da situação, pois jamais um olhar poderá descrevem a sonoridade de uma valsa, ou uma sonata. jamais! A não ser que uma deliciosa sobremesa esteja sendo servida no preciso momento em que a sonata é tocada, à visão de uma bela flor, ou uma pessoa agradável. Sim, nesse caso, há um somatório que dá credibilidade ao que a audição descreve ao cérebro. Mas isso ainda é incompleto, ou seria, se não fosse o sabor da sobremesa, que registra o equilíbrio entre o que se vê, o que se aspira, e o que se ouve. Assim, o paladar foi aceito ao grupo. Mas ainda não está completo o quadro. Falta algo. Falta alguém.

O tato havia ficado de fora, e desta forma, não se percebeu a consistência da pétala da rosa que estava à frente, exalando perfume, ao som da sinfonia, temperada pelo sabor, oferecendo sua aveludada vestimenta, para que respeitosamente fosse tocada. Com cuidado, com sentimento, com pudenda afeição, haja vista também que se descer  com abrupto movimento seu caule, serão os espinhos quem dedicarão o melhor da dor que sabem causar, às mãos que não souberam permanecer no território permitido.

Veja pois, leitora e leitora, que quando unidos, os cinco sentidos, são capazes de descrever o conjunto de possibilidades advindas de seu sincronismo, e quem sabe até disso venha a sair um belo enlace, com direito á bodas, e mais rosas, sobremesas, sinfonias, e perfumes, se multipliquem sobremodo. Quem sabe?

Pacard - (A Rosa e a Canção)

segunda-feira, 8 de junho de 2020

O D-s que habita em mim, e o racismo



Sou Monoteísta, portanto sempre direciono minhas reflexões à percepção de que estou tratando com Um Único D-s, e não abro mão disso. Isso estabelecido, para esta composição de pensamentos, tomo emprestada uma saudação hindu, chamada "Namastê", que traduz o seguinte: "O deus que habita em mim saúda o deus que habita em ti". Quero portanto, trazer para minha análise e pessoal opinião, da ideia judaico-cristã, de que D-s Está em nós, isto é, como define o cristianismo, por meio de Paulo de Tarso: "Nosso corpo é o Templo do Espírito Santo", ou seja, somos o recipiente do Sagrado, do Divino, do próprio D-s. Grande isso, mas ainda acho algo restritivo e sujeito à ajustes de entendimento, uma vez que possa perguntar: Como O D-s Infinito, pode "compactar-Se" e acomodar-se numa carcaça tão frágil, quanto o Ser Humano?

Sigo adiante. Certa ocasião, assistindo uma palestra de um Rabino, fui confrontado, junto com toda a plateia, por uma pergunta: "O que caracteriza a presença de D-s nesse lugar?" As respostas foram rápidas: "A Torá!" - Disseram alguns. Outros, e eu também, permanecemos calados, pois atrás de uma pergunta com tanta profundidade, nem sempre as respostas são óbvias, e eu não estava lá para  responder, mas para aprender. Diante do silêncio de todos, a seguir, veio a resposta: "Vocês!" Vocês são a certeza de que D-s está neste lugar, isto é, está manifesto aqui, porque D-s habita no Ser Humano, e cada um de nós permanece vivo por causa da Centelha Divina que há em nós, por causa de nossa condição de "Recipientes" do Espírito de D-s.

Este pensamento tem sido repetido ao longo de milênios, e muito pouco entendido nesse tempo todo. É aqui que quero formular um ponto de entendimento sobre a Presença de D-s em nós, e Seu modo de atuação entre os Seres Humanos.

Certo Rabino, David Weitzmann, em uma palestra sobre prosperidade, disse que "quando o pobre vem à nossa casa pedir auxílio, ela está nos fazendo um favor, em buscar aquilo que lhe pertence, pois nada do que temos é nosso, senão o livre arbítrio, e que somos administradores do patrimônio de D-s, que nos concede, por empréstimo, e por responsabilidade de administração, para que volte às mãos de quem à elas foi destinado. E completou dizendo: "Quando o pobre bate à sua porta para buscar o que é dele, cuidado com o que vai dizer, pois D-s pode estar ao lado dele!".

Este pensamento não contraria, antes ratifica, o pensamento expresso por Jesus, que disse: "Quando destes de comer e de beber, quando vestistes, quando fostes à prisão visitá-los, é à Mim que o fizestes". Aqui Jesus ratifica a ideia de que D-s habita em nós, mas é na fragilidade que é manifesta a Sua presença, e é no desprendimento que libertamos Sua manifestação em nós.

Até aqui falei o óbvio, e isso está escrito em muitos lugares, porém, o que muda nesta leitura, é o vetor da ação, e uma das respostas está no salmo  121, que diz: "Elevo meus olhos para o monte (em busca de auxílio). De onde me virá o socorro?" E a resposta vem a seguir: O meu socorro vem do Senhor, que fez os céus e a terra". E uma sutil citação, mais adiante diz: "Ele é a TUA sombra, à TUA mão direita!". Percebem? Em nenhum momento o salmista fala em anjos com espadas flamejantes voando pelos céus e despejando raios sobre os inimigos, mas diz, com suavidade: "a tua sombra da tua mão direita", isto é, D-s está em ti, mas está "aprisionado" no teu medo, da tua angústia, na tua incerteza, na tua culpa, e mais, o salmista não diz que D-s é a luz que faz a sombra, mas a própria sombra que vem de ti, e portanto, D-s está em ti, D-s está em mim, e eu preciso compreender que não preciso buscá-lo nas montanhas ou nas cavernas, nem nos templos ou nas assembleias, mas dentro de mim, porque Ele é A Sombra da minha mão direita, a mão do trabalho (metafórico) e da força.

Não quero encerrar esta ensaio, sem falar que tenho dirigido um olhar especial à mudança de atitude em relação à outro Ser Humano, e buscado compreender, que mais que semelhante, na forma física, ainda que de cor, traços étnicos, cultura ou religião, diferentes de mim, ele é O D-s que habita em ti, e O Mesmo D-s que habita em mim, assim, como posso eu ofender aquele Ser Humano, em cujo corpo habita O Altíssimo, se O Eterno O escolheu para ser meu semelhante? Isso não o torna um deus, de modo algum, assim como a garrafa não é o vinho que está nela contido. Somos recipientes, e portanto, responsáveis por "libertarmos" o conteúdo, pois o vinho só pode ser servido, quando se tira a rolha. D-s não está "preso" em nós, não é um "Gênio da garrafa", mas Sua generosidade está compactada à espera de que nós a empreguemos da melhor forma, posto que a bênção que tanto pedimos, não vem "do alto", sem que primeiro, seja libertada "de baixo".  

Este é o significado da Unicidade de D-s, dentro de cada um de nós. D-s não está fragmentado e encapsulado nos Seres Humanos, mas nós estamos fragmentados, enquanto seres frágeis, e muitas vezes, egoístas, em impedirmos que Ele Seja manifesto por nós, pois D-s não Se manifesta, mas permite que, como Seus embaixadores, seus recipientes, nos manifestemos como Sua imagem e semelhança. E para que sejamos mais humanos que divinos, e nos livremos de preconceitos, sejamos diferentes apenas nisso: Ele tudo vê, mas nós, podemos fechar os olhos, quando corremos perigo de julgarmos pelo que vemos sem sentir e compartilhar o que nos assemelha com o criador.

Quando ofendo alguém, posso estar ofendendo O Meu D-s!
Quando fecho a porta a alguém, posso estar fechando a minha própria porta para que D-s se manifeste, e nesse pensamento, lembro que certa vez, perguntaram a Jesus, sobre um cego de nascença: "Quem pecou: Ele ou seus pais, para que merecesse isso?" - Ao que Jesus respondeu: Nem ele, nem seus pais, mais isso acontece para que seja manifesta a Glória de D-s em vocês!" Percebem isso? Seja manifesta a Glória de D-s em nós! D-s está em nós, mas temos que lembrar isso todos os dias. Aí entra a oração, o louvor, o estudo, a conversa com amigos sobre os caminhos do Eterno e Sua Palavra. Não, D-s não precisa de nós, senão para que abramos as portas do egoísmo, da discórdia, da boca maledicente, da infâmia.

Ah, Isso vale também na política, combinado?

(Caminhando com D-s - Palestrante Pacard)
Para contratar palestras: (48) 999 61 1546













sexta-feira, 22 de maio de 2020

Terezo, o perereco e o Manticora assado (Conto)





Pous nem a efeméride do cometa que alumiou os céus(creio que todos seis, pelo menos, pois o sétimo está reservado aos santos, é o que diz o livro santo), seria capaz de demover Aristeu, o abilolado, de correr pelado, aos berros, nas frias noites de lua cheia do outono, cantarolando versos que aprendeu dos menestréis, os  que passavam pela taberna de Terezo, o apedeuta juramentício. Eram estes mesmos cancioneiros quem assustavam os bacuris medonhos, descrevendo os Manticoras que desciam dos morros, se enfiavam nos açudes cheios de aguapés, para devorarem o tico dos piazotes que ia nadar pelados nos açudes. Durante o dia ficavam lá, disfarçados de Chamichungas. Dava no mesmo. E os piazotes raspavam dali o quanto antes. Tinham muito medo.
Os menestréis se riam a se mijarem, da ignorância dos bacuris.
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-Te aligéra, apedeuta! - Gritava o budeguêro, dando um chascoasso com o pano sobre o balcão, para espantar um bando de moscas que chupava o resto da cachaça deitada pro santo.

- Não sou apedeuta! - Berrava Terezo. Nem sei o que isso qué dizê, bocó!

Um quiproquó com o velho Brazulengo o deixara intolerante às pagodeiras dos moços, o que lhe valera a alcunha de "Aristeu, o pé xujo". Chamavam ele assim, por causa dos pés sempre macucados, empiriricados, que no chulo linguajar povoeiro de antanho, era o vulgo "macuco" (sujeira enrustida) sabe? 

Reza o dito do povo que também não alimpava a bunda, mas isso já ninguém pode dizer ao certo, posto que não examinaram o ambiente

Pois é. Seria um bom sujeito, não fosse a mania esdrúxula de cavucar o nariz e esfregar, sorrateiramente no pescoço alheio. Ninguém chegava perto dele, com medo de encontrar casquinhas no cangote. Gente ruim era ali mesmo. Pois sim!

Terezo costumava chamar os amigos de "Perereco". isso mesmo! No pejorativo mesmo.

No inicio era engraçado, mas com o tempo, foi aborrecendo as pessoas e acabou tomando sobre si o apelido que dava a outrem. Ficou: Terezo, o Perereco. 

Matilda, resultado de um matrimônio arranjado pela casamenteira do arrabalde (o traste conseguiu arrumar uma mulher pra casar, isto é, arrumaram pra ele, dá pra acreditar nisso? Pois conseguiu mesmo?), berrava seu nome e apelido por inteiro, quando desconfiava que ele estivesse enfurnado na budega do Nicolau. Aí ela berrava mesmo:

- Terezoooo!!! Pererecooo!!!! Quantas vezes eu te falei que  não quero saber de ti, enfurnado nesse furdunço de cachaceiros?

Perereco só levantava um olho, mirava o "martelinho" de pinga, deitava um certo tantico pro santo, lambia os dedos, fazia o sinal da cruz, associado a mais alguns salamaleques, e bebia tudo num gole só. Arregalava o olho, piscava duas vezes, e esticava o copo pro budeguêro encher novamente.

- Não bebeu que chega, Terezo? 

-Óia que tua muié é braba, e hoje tá guspindo fogo pelas venta!

- Tô te devendo? - Emendava o Perereco com olhar desafiador, meio que levando a mão à faca.

-  Nem dava de me dever, jaguara! Teu crédito morreu junto com o último fiado que tu me pediu, faiz trêis anos já! 

E essa daí, tu só ta bebendo, porque tou com pena de ti. Mas é a última. Bebe, e toca pra casa! E já carcula o tamanho da sova que vai levar da Matilda. Se tem alguém com direito de te surrar, é a Matilda.

Perereco se foi, catando pinto (cambaleando), gambá, até chegar no rancho, onde Matilda mexia uma panela de angu.

- Muié! É hoje! - Disse Terezo, tentando fechar a bragueta, da última mijada, metade nas calças, metade na mão. É hoje que eu pego de jeito aquela capivara sarnenta!

- Tu armou a aripuca direito? Da última vez, ela mascou a couve, cagou no barbante, e ainda mijou no aramado da gaiola. Fêiz pagodêra de tu.

-Desta vez, enleei bem e cavoquei mais fundo o buraco!

_ Tu não dá conta nem de armar ratoeira, bobaião!

- Não me amole, véia imbizugada. Dou conta do Capincho sem tua opinião.

- Eita, que bebeu "água-do-cu-lavado" o sujeito. Sai ali e vai secar o mijo no sol, pra ver se melhora.
“Bebe água do cu lavado que te livra do mau-olhado”! - Emendava terezo, dando gaitada.

Terezo ergueu, sorrateiramente o vestidão da muié, meteu-lhe uma palmada no "recavém quaje prateado", de tão branco, e saiu correndo, rindo, fugindo das vassouradas.

Perereco era foiceador, e volta e meia, era chamado para um roçado aqui e ali. Pouco, pois sua fama de molengão e tapado precedia as oportunidades de trabalho, mas como a mão de obra era escassa, ainda encontrava algo por fazer pela redondeza. Numa dessas, "Nérço da Farofa" mandou um recado, por "Doralice do Talarico", de que tinha umas braça de capoeira pra serem roçadas, perto do rancho, onde brincavam os piás, e de vez em quando, apareciam cobras, colocando em risco as brincadeiras do "criancedo". Então, Terezo poderia ser útil à tarefa.

- Terezo! Vá lá carpir o lote, causo das cobra não mordê os piá, mas cuida que lá tem manticora que pica os bobaião, então cuida pra que não te piquem.

Terezo foi. Meia hora contadinha se passou, e voltou afobado:

- Seu Nérço! Seu Nérço!
- Que foi, istorvo?
- Seu Nérço, lá tem manticora!
- Pois eu sei istorvo. Foi pra isso que te justei, bobaião! Volte a vá carpir, e se cuida cos manticora, bocó!

Terezo foi. Mas não deu meia hora contadinha, de novo, e voltou aos berros:

- Seu Nérço! Seu Nérço! Lá no brejo tem manticora!
- E eu não te falei que lá tem manticora? Deixa de vadiagem e volta a carpir, coió!
Terezo foi a passo largo, segurando o chapéu com uma mão, e as calças, que caíam, amarradas com um barbante, com a outra.
Olha lá de novo a meia hora, e Terezo de volta, aos berros:

- Seu Nérço! Seu Nérçooo! Lá no brejo tem manticora!

- Mas e não é de que dá vontade de te dar uma sumanta de laço, jaguara? Eu sei que lá no mato de Manticora, pamonha! Não te avisei pra tomar cuidado com eles?
- É seu Nerço, mas o Manticora me mordeu o tico. De novo!
- Manticora não existe, Perereco! Eu só tava de pagodêra que era pra tu te aligeirar, bobaião. Vorta pra lida.

Perereco foi.

Ao fim do dia, o budeguêro foi lá fiscalizar a justada, e encontrou Perereco incuidinho, fumando um paiêro, enquanto cuidava do braseiro onde assava um quarto de Manticora. Taiô um naco, esticou pro patrão e perguntou:
- Servido, patrão? Isprementa aqui um táio de manticora. Eu tirei as catinguinha e é só cumê. Eita bicho bem bão!
- Vou querer uma coxinha, passe o sal, fazendo a gentileza!


Postíbulum scriptorium: Existe um erro proposital no texto. E não é o linguajar rebuscado. Descubra e comente*




quinta-feira, 21 de maio de 2020

Fantasy 2020, by Pacard - Acrílico sobre tela, tamanho 50x60cm



Fantasy 2020, by Pacard
Acrílico sobre tela, tamanho 50x60cm
Acrylic on canvas, size 50x60cm


Escrevi, há uns dias atrás, que a arte não depende da vontade do governo para transformar o mundo.
Também, digo agora, que, transformar o mundo, não é tarefa da arte, muito menos do artista.
A arte é apenas a compreensão do mundo, interior ou exterior, acerca daquilo que nos move: a vida!
Vivemos dias de pitoresca natureza, ansiosos, cansativos, entediantes, expectantes, e solenes, porque somos a caça que foge do caçador invisível: a morte!

Fantasy é a expressão por técnicas mistas, onde mesclamos o embaraço dos sentidos, o confuso dos medos, o colorido da espera, e o silêncio dos vazios. Ansiamos pelas cores, mas nossos olhos se fecham e não as percebemos. Ansiamos pelo bailado da liberdade, mas somos prisioneiros do medo. Nossos lábios se tornaram impuros, mais aina são os nossos lábios. Nosso olhar se fechou para o mundo, e abriu-se para nós mesmos.

Somos o vazio sem detalhes, que apenas de longe fazem sentido. Somos a vida presa pela muralha em forma de véu que cobre nossas palavras. Somos as perguntas que flutuam sobre as respostas que não virão. Somos a alegria calada. Somos a esperança que nos envolve. Somos sobreviventes.

A peste nos amordaçou para o mundo, mas a certeza de nossas incertezas é o mundo que guardamos para depois. Nossos olhos se fecharam, nossa boca foi calada, mas nossa alma continua livre.

Pacard


Quadro  à venda
Contatos: +55 58 999 61 1546

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I wrote a few days ago that art does not depend on the government's will to transform the world.
Also, I say now, that transforming the world is not a task for art, much less for the artist.

Art is just the understanding of the world, inside or outside, about what moves us: life!

We live days of picturesque nature, anxious, tiring, boring, expectant, and solemn, because we are the hunt that flees from the invisible hunter: death!

Fantasy is the expression by mixed techniques, where we mix the embarrassment of the senses, the confusion of fears, the color of waiting, and the silence of voids. We yearn for colors, but our eyes close and we don't notice them. We long for the ballet of freedom, but we are prisoners of fear. Our lips have become unclean, the more our lips are. Our gaze was closed to the world, and opened to ourselves.

We are the void without details, which only make sense from afar. We are life trapped by the veil-like wall that covers our words. We are the questions that float on the answers that will not come. We are the silent joy. We are the hope that surrounds us. We are survivors.

The plague has gagged us for the world, but the certainty of our uncertainties is the world we save for later. Our eyes have closed, our mouth has been shut, but our soul remains free.


Pacard

Frame for sale
Contacts: +55 58 999 61 1546

sexta-feira, 15 de maio de 2020

A Humanização dos bichos, e a desumanização das pessoas

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Imagem: Internet

Não sei se inventei um verbete, desumanizar, acho que não. De todo modo, penso que quando alguém perde os valores próprios da humanidade, diminui sua centelha divina, e torna-se irracional, mais até que os irracionais em si, os animais, pois estes, podem ser classificados apenas como dóceis, ou agressivos, de acordo com seu comportamento diante daquilo que percebem como ameaça, nada mais além disso.

Foram Ésquilo, e Esopo, quem, na antiguidade, criaram fábulas, onde nas quais inseriam comportamentos e falas, como se humanos fossem, não no sentido de enganar os incautos, mas de aproximar o comportamento destes, diante de fatos humanos, para que se pudesse comparar um e outro, por conta deste comportamento. Desta forma, várias culturas, associam o comportamento de seres humanos à forças da natureza, tais como: Feroz com um leão; rápido como o raio, ou manso como o regato que murmura. Não é incomum que pessoas sejam comparadas à animais, seja do modo pejorativo, ou de forma a exaltar virtudes, de um e de outro.

No Livro Santo, encontramos elogios, como: Leão de Judá, Judá é Leãozinho, ou adoçar uma poesia chamando a amada de "Gazela", e por este caminho seguem os modelos de sabedoria, forma, e demonstração de caráter. De outro modo também, pessoas traiçoeiras, más, são identificadas com serpentes, víboras, cães, chacais, e insetos, são mencionados como atributos de caráter de pessoas, boas ou ruins. Um cordeiro, um boi, um pombo, simbolizam O Messias.

Assim, os animais, desde o princípio da história contada do Ser Humano, pertencem ao imaginário do comportamento social, e não é de admirar que bem mais tarde, o iluminismo trouxe novamente as fábulas de Esopo, recontadas por La Fontaine, Irmãos Grimm, e Hans Christian Andersen, onde humanizam lobos, cisnes, patos e marrecos, mesclando-os com duendes e fada, bruxas, gigantes, gnomos, trolls, e outros seres fantásticos, humanizados em todo o seu potencial para comover ou aterrorizar crianças e adultos, muitas vezes. Mas seja duende, troll, fada boa ou má, fada madrinha ou fada do dente, sempre há a mescla com ratos que se tornam pajens, ou abóboras que viram carruagens, para uma princesa maltratada pela opressão de uma madrasta, isto é, uma interação humanizada entre pessoas, humanos, animais, e o sobrenatural, em um crescente ao longo das fábulas passadas de avó para netos, ora agregando costumes locais, ou fatos sociais, mas sempre os atributos e defeitos eram lançados sobre os bichos, para que não se caracterizasse ilação, denúncia social ou difamação contra autoridades. Isso foi assim por todos os tempos.

No século 20, com o advento e popularidade das películas de cinema, juntando com o negócio da arte integrada à política e comércio, os bichos tornam-se mais engraçadinhos, se movem nas telas, e em dado momento, começam a falar. Walt Disney percebeu que um camundongo que o importunava no estúdio, poderia ganhar inteligência humana, desenvolver ideias próprias e sedimentar o raciocínio, e nasce assim, o Mickey Mouse, um ratinho perspicaz, íntegro (para demonstrar o desejado padrão americano de justiça), e atrás dele todos os demais personagens, cada um com suas particularidades, características notáveis, ou simplórias, estúpidas, egoístas, falsas, ou generosas, e o mundo se curva à possibilidade de interagir com projeções ou estampas, que as façam rir, pensar, distrair-se, e administrar a vida sem a preocupação de que seja ou não natural que um pato more numa casa, seja estúpido, milionário, sortudo, ou apaixonado.

Paralelo ao Mickey, outro Walter, o Lantz, cria o debochado Pica-pau, esperto, ágil, encrenqueiro, e sempre sorridente. E assim, um a um dos animais americanos vão criando identidade, e definitivamente, os bichos vão sendo humanizados, até que da tela a vida salta para o cotidiano, onde cães e gatos, outrora denominados "bichinhos de estimação", ou "animais domésticos", tais como galinhas, vacas, e ovelhas, são agora adotados por pessoas solitárias, mal resolvidas no afeto humano, e que se antes eram chamadas de "donos", transformam-se em "tutores', isto é alguém, com maturidade para administrar a vida familiar de outro semelhante. Não é de surpreender este crescente da fábula e dos efeitos sobre o Ser Humano, onde o que era criatura torna-se também "à semelhança do Criador", de acordo com esta premissa, onde os "tutores" nada mais fazem do que trocar alguém de duas pernas lisas, por outro de quatro patas peludas, posto que sejam "mais confiáveis do que qualquer "outro humano".

A substituição do afeto por pessoas, leva também à troca da permissividade pela bestialidade, e já se veem lugares onde as leis contribuem para tal, como o "casamento" entre humanos e animais, legitimando a bestialidade, e banalizando a irracionalidade, onde tentam atribuir a monstruosidade da pedofilia, como, inicialmente, comportamento passível de tratamento médico, e não jurídico, designando como uma disfunção mental, e não uma aberração. E tudo isso, porque a lebre é mais veloz, mas a tartaruga é mais perspicaz e resiliente. Afinal, tudo é criado pelo mesmo D-s, então somos "todos irmãos", dizia o eremita Francisco de Assis. Assim, - afirmam alguns ideólogos do naturalismo sem fronteiras: comer um bife de boi é o mesmo que mastigar a orelha de um amigo", ou pior, da própria mãe, embora também diga-se que só há uma única mãe: a "Pachamama, ou Mãe-terra", e D-s? Que D-s, se todos somos deuses e que de nós depende a salvação do planeta?


quinta-feira, 30 de abril de 2020

Dr Apolônio Lacerda - Terapeuta Quântico Bagual



Terapia quântica abagualada não é qualquer terapia, aliás, nem terapia é, porque, no conceito de Apolônio, terapia é "côsa de lôco". e não há melhor terapia do que uma enxada de três libras, pra usar o cabo como agente libertador de neuroses existenciais, complementado pelo relho de três pontas, agregado ao talo de coqueiro, e rabo de tatu, de hora em hora. Daí o termo: "Quântico"! Assim é chamado, porque quando o paciente toma umas lambada de relho, pra parar de frescura, ele pula tão ligeiro, que não se sabe em que lugar está, para cumprir o desafio de acertar as anca e o lombo.

Terapia Quântica Abagualada, segue diretrizes de outra terapeuta afamada nas bandas do Bassorão, Carsulina Arrancatoco, cujo método era mais manso, condimentado com prosas ao pé de ouvido, e para os casos mais graves, um purgante de folhas de Umbú no mate da noite. Já Doutor Apolônio Lacerda é contra o uso do Umbú, por achar agressivo demais. Acredita que o relho em si tem dado respostas bastante satisfatórias, quando o assunto é frescurite, adjetivo que ele dá aos surtos psicóticos forçados, por raiva adquirida, como por exemplo: alguém que mexe na bomba de mate, ou passar a cuia com a mão esquerda, sem explicar que é a mão do coração. Coisas desse tipo. Estes hábitos podem ser considerados nocivos à sanidade mental, e sobretudo, à sanidade social. Relatarei aqui e a posteriori, alguns casos e causos segundo este tema, pois não? O que Doutor Apolônio sabe é que alhures e algures, respostas inaverão (neologismo de sua lavra para dizer que não haverá), se buscas não se fizerem. Vamos ao primeiro caso.

Malapenas - O Taura que fumava cebola

Não parecia uma coisa comum, fumar cebola picada numa palha de milho, como se faz com fumo de rolo, mas cada um tem sua tara, e a tara do taura "Malapenas", era picar uma cebola bem fininha, esbrugar com a mão, em movimentos circulares repetidos, e depois de lamber duas ou tres vezes a beirinha da palha, espalhar a cebola dentro, enrolar, lamber de novo, e acender o paiêro continuamente, dando tragadas e soltando fumaça com bafo de cebola nas fuças do Doutor.

- Dr. Apolônio:  Mãns chê! Te acépa aí no toco, esse aí que tá com um pelego, e me conte as tuas mágoa, animáli! Os sêus pobrema é a nossa devertição", é o meu lema.
Depois de dar umas baforadas no paiêro, e escarrando num penico velho, que ficava ali do ladinho do toco, Malapenas começa.
- Malapenas: Carcule o senhor, Doutor Apolônio, que sou de uma família de tauras cuiudos. Todos na família. Papai era cuiudo, vovô foi um grande cuiudo maragato, meus tios, todos cuiudos véios de tropa. Não escapou ninguém, nem meus irmãos, mamãe, vovó, minhas tias, tudo cuiudo. Assim, eu também precisei ser cuiudo "deusdicando" era miudinho. Como eu nasci muito esfomeado, e na "ocasiã", mamãe dava de mamá pra mais treis piazote lá, contando com um entregador de pão, e o dono da venda, quando chegava a minha vez de me atracar nas goloseima, só tinha treis pingo lá. Mas como mamãe era muito boa, pra não me deixar passando fome, espremia uma cebola, e aquele leite de cebola, enfiava numa garrafinha com uma chupeta, me dava um naco de charque pra ir me intertendo, enquanto tomava meu tetê. Quando o tempo passou, ficava mal pra mim andar agarrado numa garrafa de cerveja com chupeta, tomando tetê, enquanto jogava truco ou numa partida de bocha. Então, pensei que tava na hora de trocar o bico, pra desfarçar, e foi até ideia do falecido meu pai, que preparou pra mim um paiêro recheado com cebola, e "deusdilá" que eu tenho esse "víuço". Tem cura, Doutor?

Dr Apolônio: Cura tem, mãns curá pra quê? Pensa comigo: Fróide fumava e cheirava umas subestância que dá medo só de alembrá. O ato de fumar, de lamber a páia, espicaçá o fumo, e no teu causo, a cebola. Mãs chê, a côsa não para aqui. Bamos estudar a cuestã. A cebola é redonda, umas são parecida com ovo. Pois bão! A cebola é formada pos camadas cebolais, uma dentro da outra, até que chegue no miolinho, no pititico da côsa. Na cebola, nenhuma camada é mais importante que a ôtra, e nenhuma camada sozinha forma uma cebola, se defino como cebola. A cebola não sabe que é cebola, mãns mesmo sem saber que é uma cebola, ela continua sendo cebola, e também, fede igual uma cebola.

A vida é uma cebola. Casca depois de casca, camada por camada, a vida espáia seu cheiro, e tempera a bóia, tempera o fejão mexido, o arrois carrtêro, tempera a salada, e só não tempera o pudim, porque ninguém pensô nisso ainda.  Então, a cebola é um ingrediente da cozinha, assim como a relação cas peçôa é um ingrediente da vida. Vancê foi enjeitadinho, mãns teve uma compensação, e essa compensação é como uma prestação que não termina nunca: fartou a teta, e no seu lugar,entrou a páia acebolada. No causo, a cebola na páia é o teu tetê.

Eu recomendo que primeiro, pegue uma enxada, e vá carpir um lote. E plante cebolas.  E na próxima consulta, não me apareça aqui sem um saco de cebolas, de regalo. Despois, largue o paiêro, que faz mal pros pormão. Troque pelo mate, que faz bem pra pleura, além de dar mijadeira. E se botar cebola, não me sirva.

Dito isso, Doutor Apolônio puxou do relho e estalou um lambaço nas porpa do vivente, que saiu aos pulo. Estava encerrada a consulta daquele dia da Terapia Quântica Bagual.




terça-feira, 21 de abril de 2020

Ênio, Topo e eu.



Ênio, Topo e eu.
By Pacard
Éramos três. Ênio, Topo e eu. Ênio era cerca de uns oito a dez anos mais velho que eu, que era uns dois ou três mais velho que Topo. Este apelido era a forma econômica de “Topo Gigio”, um personagem que era um ratinho muito esperto, criado por uma professora italiana, e que fazia muito sucesso com a criançada por suas maneiras dengosas de falar, além de ser muito engraçado também. Então, como meu amigo não era de muito elevada estatura, ou sei lá por que razão, deram-lhe, entre outros apelidos, o de “Topo”. Pegou.
Ênio, o mais velho, era um sujeito soturno, sinistro, misterioso, mas não era má pessoa. Ao contrário, tinha um coração generoso. Certa ocasião fomos caçar passarinhos (naquele tempo caçar passarinho era uma ocupação de afirmação de virilidade aos meninos, e também próprio da cultura italiana que colonizou a região. Então, sem nenhum constrangimento, caçávamos passarinhos. E sem nenhum constrangimento, eu tinha uma espingardinha de pressão, que atirava chumbinhos. Ênio foi comigo caçar os passarinhos. Teria caçados muitos passarinhos, se meu parceiro não tivesse sido justamente o Ênio. Ele prestava atenção em mim e via quando eu mirava num passarinho. Ele fazia o mesmo, mas atirava antes, e a uns dois metros do bichinho, espantando-o. Espantou todos, e voltamos pra casa “sapateiros”, expressão usada para definir alguém que não logrou resultado em alguma coisa, zerou. Assim era então Ênio.
O que tinha de exótico eram seus estudos. Mexia com assuntos que não permitia que perguntássemos nada. Coisa de guri bobo. Estudava assuntos esotéricos, deixava meio que transparecer que fazia isso, para garantir o respeito por si, mas não permitia que ninguém mais soubesse do que se tratava. Não era proselitista. Fora isso, Ênio era um “bon vivant”. Gostava duma cerveja, uísque e duma farra. Era parceiro em tudo. Menos em matar passarinho. Jogava futebol, era, parece, goleiro. Tocava guitarra (e como tocava mal), e bateria (um pouco menos pior). Fez parte de uma banda na cidade, que durou pouco.
Ênio era um notável desenhista projetista. Numa época em que não havia arquitetos na cidade, apenas engenheiros (e engenheiro treme ao ver um lápis, segundo os arquitetos, e estes, segundo definição dos engenheiros, é um sujeito que não foi bicha o suficiente para ser decorador, nem macho o bastante para se tornar engenheiro), Ênio, que não era bicha, engenheiro, arquiteto e nem decorador, tornou-se o melhor desenhista do gênero da cidade.
Tinha ainda uma virtude, que ninguém jamais decifrou o método: era capaz de entrar se pagar em qualquer lugar, principalmente bailes de interior, bailes da colônia. o homem era dotado de uma habilidade de convicção tão grande, que chegávamos ao baile, um grupinho, duros, só tínhamos uns trocadinhos para um refrigerante ou uma cerveja, mas se pagássemos o ingresso, passaríamos a noite à base de água da torneira do banheiro fedorento. De olho arregalado, em silêncio, observávamos com atenção os movimentos dignos de um malandro junto aos porteiros. Ele gesticulava, ria, fazia movimentos, e logo já ganhava um cigarro de um, fogo de outro, dava umas três ou quatro tragadas, virava-se para onde estávamos e fazia um geste de chamamento com a mão. Íamos em fila, cabeça baixa e olho arregalado, reverente e respeitoso com os porteiros que nos apressavam para disfarçar a desobediência aos patrões da festa. Uma vez lá dentro, em pouco tempo, Ênio aparecia com cerveja e refrigerante para todos. Sem dinheiro.
Topo era o amigo sério do grupo. Moderado, ponderado e exageradamente honesto. Ético até o fígado e um pedaço da pleura. Não admitia um passo em falso de ninguém. A pobre alma vivia como coração na mão em nossa companhia, pois tudo o que não se pode encontrar num grupo de guris metendo os pés pelas mãos é ética. Honestidade até sim, mas ética, assim ética mesmo, deixava-se a desejar. Seria pior, se não fosse o “grilo falante” ao nosso lado. Ríamos muito. De tudo e também de nada. Ríamos de tão bobo que éramos. Aí quando não havia do que rir, ríamos disso. Só pra ter do que rir.
Topo trabalhava em um Banco. Era o queridinho dos colegas por esta seriedade. na idade, tinha lá os seus dezesseis anos. No juízo, uns cinquenta. Na sabedoria, oitenta e cinco ou oitenta e seis. Isso o tornava o chato do grupo. Adorável xarope. Mas era o nosso xarope. onde íamos, ia junto. Se fosse para subtrair frutas em algum quintal, ia junto, mas não sem antes nos prevenir de possíveis consequências, do pecado do roubo e especialmente do que fazer se fossemos mordidos pelos cachorros da casa. E depois o fruto da façanha era dividido igualmente, tudo com ética, sob a observação dele, que já era versado em contabilidade na época.
Um dia, Ênio tomou um tiro bem no meio da cara. Lógico que foi pra sacanear os amigos. Morreu poucas horas depois, por gozação. E a cena que lembro é de nós dois, Topo e eu, sentados num banco da praça, os dois, onde antes sentávamos três, olhando o vazio da noite, os carros que cruzavam indiferentes, e a noite que desfez o trio.

No dia em que senti saudade de mim


Me perdoem meus leitores que estão acostumados ao meu otimismo, mesmo quando sou crítico. me perdoem, mas nestes tempos em que quiser ser diferente dos mortais, descobri-me ainda mais igual que todos os iguais que já encontrei. Descobri que não há como beber água suja e e manter a digestão em ordem, pois tenho bebido da mesma fonte , de águas iguais às águas de Meribá, sem encontrar ervas amargas que possam torná-las doces. Não pra mim, não pra muitos, não agora, talvez amanhã.

De minha janela, contemplo a manhã na mata, isso é diante de minha janela, e até os pássaros não são mais tão graciosos. Não hoje. Não pra mim. Não pra muitos. Hoje não. Talvez amanhã. De minha janela deixo que o sol me abrace, mas seu calor não derrete o gelo da alma que deixei exposta à noite. Este sol não aquece mais alma nenhuma. Talvez alguma, Talvez a sua. Talvez aqueça até o mundo, mas não todo o mundo. Também apenas a parte de fora do meu mundo. talvez amanhã seja melhor para este mundo. talvez fique bom pra todo mundo. Talvez até pra mim. Talvez sim.

Tudo o que posso dizer é que, ouvindo velhas melodias de minha infância, desliguei a vida e atravessei o tempo, para qualquer lugar no passado, no meu passado. E em meu passado, via as pequenas borbulhantes cachoeiras geladas onde ia pescar, nadar, atirar pedras no rio, respirar o orvalho e abraçar o vento. Deixar-me ser tocado pela primavera, e me embriagar pelo perfume das matas por onde brincava sem compromisso com o tempo, com o mundo, com o  medo, e com a vida. Aquilo era uma vida. Aquela era a minha vida.

Meus pés pisavam nas rosetas da grama, e só o que incomodava era o tempo perdido para catar os espinhos, tempo que poderia estar correndo atrás da bola, atrás das borboletas e à noite, dos pirilampos. tempo que poderia estar subindo os morros para colher araçás , para colher amoras, para colher guabirobas, para colher quaresmas, para colher o mundo, um pouquinho de cada vez, na conchinha da mão quando bebia a água cristalina dos córregos que brotavam das matas, dos caminhos cheios de mistérios, onde fadas e duendes, ainda que não existissem, pululavam serelepes pela minha imaginação de menino que nunca tinha ouvido falar de compromissos, outros, que somente no amanhã, o hoje de meus sonhos, vieram abraçar minhas manhãs, as manhãs em que olho, pensativo e saudoso pela janela, onde o sol e o vento se juntam para chamar-me às doces memórias  de minha infância querida.

Meus heróis eram os valentes em preto e branco, que lutavam pela justiça e pela paz, combatendo vilões com suas canções, e são estas canções que me devolvem um pouquinho das lembranças.

Deixo algumas destas canções. Deixo algumas das minhas lembranças. Agora é a hora e aqui é o lugar para lembrar. Podem nos tomar a liberdade, podem nos tomar o sorriso, podem nos tomar a voz, mas nossa saudade ninguém é capaz de tomar. Minha saudade é só minha. Assim como o raio de sol que aquece o vento. Assim como o vento que sopra para longe o tempo que foi tomado de mim.









sábado, 11 de abril de 2020

O aprendiz e a vaca do camponês - Conto popular(adaptado)



Vou contar-lhes um relato, contado pela tradição judaica, que não tenho certeza se de fato tenha acontecido, ou seja apenas uma parábola, uma Mishná, para enriquecer a sabedoria dos aprendizes. Isso não tem importância, se ocorrido de fato ou não, pois a lição do fato é genuína, e tomando-a por empréstimo para ilustrar minhas próprias considerações ao momento de crise humanitária pelo valor da adequação tão próximo do que desejo ilustrar ao meu leitor. Eis o caso:

Caminhavam por uma campina verde e farta de belezas, dois eruditos, sendo um deles um jovem varão, ainda na fase de elevação sapiencial, e o outro, seu mestre, um notável sábio da universidade próxima do lugar por onde caminhavam.  Caminharam por muitas horas em profundo silêncio, apenas contemplando o lugar, até que ao sol mais elevado no zênite, verificaram que seus cantis de água estavam vazios. Olharam em direção ao horizonte, e avistaram, junto ao pé de um penhasco, um choupo bastante humilde. Aproximaram-se e observaram que havia uma pequenina e mal cuidada horta com legumes, cercada por uma paliçada de bambus, e do lado de fora do cercado, uma vaquinha, que pastava com a solenidade com que pastam as vacas tranquilas.

Batendo palmas para chamar à atenção dos moradores, logo vieram à porta, um casal de camponeses, acompanhados dos filhos, e gentilmente, ao ouvirem a solicitação pela água, trataram de encher os cantis, e oferecer-lhes como regalo, uma caneca com delicioso leite para que saciassem a sede e revigorassem as forças. Tendo bebido o leite, e recebido a água, o jovem, dotado da curiosidade própria dos jovens aprendizes em sua ânsia pelo conhecimento da natureza das coisas, dirigindo-se ao anfitrião, perguntou sobre sua condição de sustento.

- Temos uma vaquinha, que nos abastece com seu leite abençoado, e uma pequenina horta, que complementa com algumas verduras e legumes, às nossas refeições, e assim vivemos, com as bênçãos do Altíssimo - respondeu o hortelão.

Despedindo-se, e agradecendo pelas dádivas, e bendizendo O Nome do Criador, partiram dali. Pensativo, e com ar decididamente preocupado, o aprendiz dirigiu-se ao mestre com esta questão:
- Sapientíssimo mestre! Sou de uma família abastada, e penso em retribuir tão gentil hospitalidade, promovendo o bem estar desta família. Dize-me como posso contribuir tão louvável gesto?
- Louvável atitude, meu filho, respondeu o mestre. Vá então, sem que ninguém o veja, e leve a vaca até o penhasco, e empurre-a pelo perau.

O aprendiz ficou horrorizado, mas cumpriu a ordem do mestre. Feito isso, seguiram sua jornada de volta à universidade.

Alguns anos se passaram. O Aprendiz cresceu na sua carreira acadêmica, e um dia foi chamado para tornar-se professor naquela mesma universidade. A lembrança do que fizera à família, a ingratidão pelo que fizera como paga de ter sido bem tratado, corroía-lhe a consciência, e tão logo chegou à universidade, decidiu procurar novamente aquele lugar, para ressarcir a família, e aliviar seu desassossego de tantos anos.

Eis que lá chegando (e conto este relato com tremor e lágrimas nos olhos), não encontrou mais a velha choupana, e em seu lugar, uma bela e majestosa casa de fazenda, com uma lavoura à perder de vista, um pomar majestoso, e centenas de bois e vacas espalhados pelo campo, ao lado da lavoura. Haviam casas menores para os agregados da fazenda, e um belo parque de diversões, onde brincavam crianças sorridentes, uma escola, um templo de oração, ruas pavimentadas, e uma aldeia rica e próspera.

Pensamentos de remorso afloraram ao professor, imaginando que após perceberam o sumiço de sua única fonte de recursos e subsistência haver desaparecido, teriam entrado em desespero, e vendido por preço irrisório suas terras, caindo possivelmente, em desgraça, perambulando pelo mundo, e vivendo à custa de esmolas de almas mais caridosas que a sua própria, que em lugar de prestar auxílio em gratidão, optou por obedecer uma ordem absurda de seu mestre, sem nada dizer em contrário à sua atitude naquele dia.

Retomando a realidade, bate à porta, e é recebido por um casal de idosos, com seus dois filhos, e netos, felizes, e o acolhem com alegria, oferecendo-lhe um lugar à mesa, posto que era já hora do desjejum. Ele aceita, e é levado à uma farta mesa com frutas, ovos, carnes, pães, bolos, sobremesas, variedades tais, que sugeriam um verdadeiro banquete.

Seus pensamentos, no entanto, já tomado de ainda mais remorsos, direcionam-se à família miserável à qual lançara ele, aprendiz, ao infortúnio, destruindo a única vaquinha que os alimentava. Seus pensamentos são logo quebrados pela bela jovem que pede que ele estenda a xícara para servir-lhe café com leite. Sorridente, ele agradece, e enquanto mexe o açúcar do café, pergunta:

- Não havia neste lugar uma família, que vivia em uma choupana bastante humilde?
- Sim! - Reponderam.  Somos nós! A vida era boa e pacata. Tínhamos uma vaquinha e uma pequenina horta, de onde alimentávamos nossos filhos. Porém, um dia, por vontade de Nosso Senhor, a vaca caiu em um penhasco, aqui atrás, e ficamos sem o leite. Então decidimos plantar uma lavoura....

Acho que a vaca do mundo foi jugada em um penhasco, e acho que teremos que plantar uma lavoura, quando isso tudo passar.


TENDÊNCIAS 2025 BOLET'ILLEVERT ANO 1 - EDIÇÃO 1

  Bolet’ille Vert Ano I – Número 1 Guerras, sinais Apocalípticos e Tendências do Design Um diálogo franco com a Inteligência Artific...