AD SENSE

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Bracatinga e Apolônio



Apolônio deu de mão na viola de três cordas, e um dente de ouro, e foi visitar o velho Bracatinga, no asilo onde aguardava o susto.

- Mãns chê! Cuaje não me deixam entrar, por causo da viola. 

- E o que a viola tem de errado?

- Foi qualificada como instrumento de tortura. Mãns só quando eu toco.

- Trouxe a encomenda?

- Tá aqui. Só tinha a Tertúlia.

- É da boa. Deixa ali atrás do banco. Tomemo um mate?

- Tomemo um mate. Mãns não se apoquente. Já truche pronto aqui nos apetrecho.

- Adonde tá?

- No saco da viola!

- E a viola?

- Deixemo guardada. Não toco nada mêmo.

- Guardada adonde?

- Na portaria do asilo.

- Quem era o porteiro?

- O Polaquinho.

- Bagual ele.

- Bagual, bagual!

- Vou ali tomar um mate a já venho.

- Não vai me servir um?

- Não posso. Tenho que respeitar as lei.

- Aqui dentro tem lei que proibe mate?

- Pois não sei.

-Vamo quebrá essa lei.

- E nóis semo ôme de quebrá lei? Sou ôme de bem!

-Vou me candidatar.

- Vai?

- Vou!

- A que?

- Não sei. Me candidato, e depois eu decido.

- E o que vai prometer? Candidato tem que prometer!

- Uma ponte!

- Adonde?

- No Itaimbezinho. Um feito!

-Como tu é inguinorante. Uma ponte em riba do Itaimbezinho contradiz a Lei da gravidade!

- Eu passo um decreto e anulo essa lei.

- Não dá, ôme! Não se mexe com essas côza! A Lei da Gravidade é uma lei federalh!

- Sirva um mate!

- Não dá. Só pode matear de másquera.

- Então coma um biscoito.

- Perciza vortá aqui com a viola.

- Eu não sei tocá.

- Cheia de erva e biscoito.

- Bem alembrado.

- Me voy!

....

- Enfermeiro! Venha cá! Tou lhe chamando!

- Diga Seo Bracatinga!

- Quero mijá!

- Pode fazer na fralda, Seo Bracatinga!

- Enfermeiro!

- O que é, Seo Bracatinga?

- Me sirva um mate!

- Aqui não tem mate, seo Bracatinga!

- Chame o Apolônio de volta e ele que devolva meus apetrecho de mate!

- Quem é Apolônio, Seo Bracatinga?
- O maleva, com o violão de trêis corda que saiu daqui.

- É meia noite, Seo Bracatinga, o senhor está no seu quarto, e não vem ninguém aqui visitá-lo há mais de três meses...

...

- O senhor está chorando, Seo Bracatinga?

- Não mesmo, varão! Sou "ôme de bem!"

- Enfermeiro!

- O que é agora, Seo Bracatinga?

- Posso peidá na fralda também?


O velho Bracatinga, o centenário


Imagem: Internet

Pois não é exagero afirmar que o velho Bracatinga já havia passado dos cem anos de idade. Era ele mesmo que afirmava isso, com muita segurança.

- Quanto é noventa mais dez, Seo Bracatinga?

- Duzentos!

- E o senhor tem mesmo cem anos de idade?

- Carcule o senhor! Nasci na revolução de trinta e cinco.

- Mas então não são cem anos ainda, Seo Bracatinga. São oitenta e cinco..

- Mil oitocentos e trinta e cinco! Conheci Bento Gonçalves e ajudei a dar uma coça no traíra do Canabarro.

- Mas nesse caso, Seo Bracatinga, o senhor deveria ter cento e oitenta e cinco anos.

- E "seis meis", pois nasci no mês de abril, logo depois da Somana Santa.

- Seo Bracatinga, quem sabe o senhor tenha nascido em 1935, e tenha mesmo 85 anos?

- Vassuncê quer saber mais que eu, que tava lá quando nasci? Alembro como se fosse treisontonte, do cavalo manco do Assis Brasil.

-E eu desisto. o senhor tem mesmo cem anos.

-O senhor é louco? Acabou de admitir  que eu tenho cento e oitenta e cinco..

- ...e seis meses!

- Viu só? Contadinho nos dedos!

- E o que sente, aos cento e oitenta e cinco anos?

-...e" seis meis"!"

- Isso!

- Sinto que ninguém mais fala a verdade nesse mundo!

- Ninguém mesmo!

- Ouviu falar das políticas?

- Me respeite! Sou "ôme" de bem!

-Está faltando um caudilho que bote ordem no governo.

- Os "caudilho"  já morreram tudo!

- Estava pensando no senhor mesmo.

- Largue de ser puxa-saco! Já falei que sou "ôme de bem!"

- Como está a familia, seu Bracatinga?

- Me mandaram umas bolachinha no natal.

-Só isso?

- Só isso. Erva eu já tinha. Fiz um mate. Tomei com bolachinha.

- Lhe tratam bem aqui no asilo?

- Me tratam como véio.

- Mas o senhor não é velho?

- Claro! Nasci na revolução de 35!

- E lhe tratam bem aqui?

- Tu é caduco? Já fez essa pergunta.

- Quero saber se lhe respeitam.

- Respeitam o meu facão "treis listra"!

- O senhor tem um facão aqui?

- Não.

- Entendi. Mas pensam que tem, né?

- Sei lá o que passa na cabeça dessa gente. São tudo lôco!

- Por que, Seu Bracatinga?

- Acreditam que nasci em 35, na revolução.

- E lhe tratam como louco então?

- Claro! Senão como acham que não me tiram pra uma justa de adaga?

- Aqui já saiu alguma justa de adaga, Seo Bracatinga?

- Claro que não! Isso é um asilo e não um bolicho. Não teria a mesma graça.

- E namorada, Seo Bracatinga?: Tem alguma?

- Não! Aqui só tem véia.

- E as enfermeiras?

- Enfermeiros! Não sou desse tipo. Sou "ôme de bem!"

- A comida como,é, Seo Bracatinga?

- De comer. O resto é de beber.

- Eu desisto!

- Frôcho!

- Bom, é tarde, e eu tenho que voltar, Seo Bracatinga!

- Voltar de "adonde?"

- Daqui. Tenho que ir embora.

- Se é pra sair, porque chegou?

- Para visitá-lo, Seo Bracainga.

- E quem é o senhor?

- Seu filho, Manuel!

- Desde quando?

- Acho que desde que nasci.

- Muito prazer! Demiciano Rodrigues! Mas pode me chamar de Bracatinga! Seu criado!

- Muito prazer, pai!

....

- Enfermeiro!

-Diga, Seo Bracatinga!

- Simpático aquele rapaizinho que saiu daqui? 

- Parecia que sim, Seo Bracatinga. Quem era ele?

- Não sei, disse que era meu pai. Mas achei muito novo pra isso. Eu tenho pra mais de cem anos. Nasci na revolução de 35. Nos braço de Bento Gonçalves.

- Bem conservado ele, Seo Bracatinga.

....

- Seo Bracatinga? O senhor está dormindo?

.....






O homem que brigou com D-s - Opus 4 (Parte 4)Quando o fundo do poço tem um um porão - A Melancolia que nos sustém


Imagens - Internet

As respostas de D-s são sempre imediatas, mas nossa relutância em estarmos alinhados com Ele faz com que demoremos para compreender o que Ele já fez em relação à nossa espera.

Esteban estava eufórico com aquele encontro. Encontrar um religioso que não o julgava nem discriminava por seu ateísmo, era inusitado. Quem travasse algum debate com ele, começava na dianteira, porque qualquer paradoxo convocava um coringa e dava o nome de "fé".  Mas com os Klein não acontecia assim. Nem Itzak, nem Benjamin, o rapaz, demonstravam qualquer ironia ou pouco caso em relação às indagações de Esteban.

Ele queria mais, queria espremer a fruta e saber quando caldo havia. Assim, como os cristãos, de modo geral, tem curiosidade em relação aos judeus, ou islâmicos, assim alguns ateus também suprem sua curiosidade em busca solitária, ou em companhia de outros ateus, porque muito raramente um bom cristão irá deixar-se contaminar pela descrença em D-s, não irá expor-se à tentação de ser convencido, e sair deste encontro, também ateu.

Aquela era, então uma oportunidade de ouro, onde um e outro, seriam examinados à exaustão (assim pensava Esteban), sem o receio de serem pervertidos de suas convicções.

- Onde está D-s? - Perguntou Esteban, ainda que sabia a resposta técnica, mas queria ouvi-la de um religioso.

- Onde você gostaria que Ele estivesse? - Respondeu Itzak, ao modo talmúdico - uma pergunta com outra pergunta.

- Se eu acreditasse que Ele existe, certamente gostaria que estivesse aqui conosco, dividindo um bom refresco, e explicando Ele próprio, onde está quando crianças morrem no meio da guerra, ou quando uma serpente devora um passarinho, que não fez mal a ninguém.

- É uma perspectiva interessante - respondeu Itzak. E você realmente crê que D-s então não tem interesse na refeição da serpente, ou no livramento da criança em meio à guerra?

- Se tivesse, e se fosse Quem dizem Ser, Justo e Bom, onde se encontra a justiça da dor, da fome, do sofrimento?

- Há uma pergunta bastante conhecida: Onde estava D-s, no Holocausto? - Disse Itzak.

- E onde Ele estava? - Emendou Esteban.

- Nossos sábios costumam dizer que D-s Se oculta para que O encontremos - respondeu Itzak.

Quando o fundo do poço tem um um porão - A Melancolia que nos sustém, meu amigo, eis a chave compreensível do incompreensível que nos abraça no cotidiano.

Minha avó, Mirian Elisheva, tinha a pele muito branca, o que permitia fazer notar qualquer alteração nela, e as alterações mais comuns, eram grandes manchas roxas e pretas nos braços flácidos, ao que ela chamava de "Manchas de Melancolia".

Fui, recentemente, buscar mais informações sobre esta expressão, e de fato, descobri que são manchas associadas à depressão, o que, em meus tempos de "bachur" (menino), chamava-se "Melancolia". Hoje, a palavra Melancolia", embora ainda tenha o mesmo significado, é mais assoada ao estado psíquico e sentimental, dito de uma forma mais poética, digamos assim, e de pouco uso, embora possa definir bem melhor sentimentos que não estejam necessariamente ligados a algum distúrbio químico, o que é tratado em outra dimensão dentro da medicina.

Meu filho, certa vez, disse essa frase: "Quando achares que estejas no fundo do poço, lembre-se que o poço pode ter um porão!" Eu ri, mas havia uma grande verdade no que ele falou, por brincadeira.

Não são raras as vezes em que o lugar onde estacionamos pareça ser o fim dos problemas, e esse beco sem saída, torna-se então, pelo modo do otimismo inverso, um alento, e uma esperança de que pior não pode ficar. Mas fica, e é nessa oportunidade que percebemos que tudo o que sofremos, todas as dificuldades e desafios que tínhamos atravessado, foram exatamente o treinamento que tivemos, porque dias piores viriam ainda pela frente. E vieram. O infortúnio tem uma agenda organizada, e não falha aos seus compromissos. Se está agendado que deva vir, ele virá.

E D-s, onde fica nisso? Acaso falharam as Suas promessas, e Seu braço encolheu? Acaso seria D-s um sádico, que deseja fazer-nos crescer pela dor? Teria D-s necessidade de ver-nos sofrer, para só então agir em nosso favor, e às vezes, aos nossos olhos, nem mesmo agir, ou agir tardiamente?

Quase sempre eu ofereço respostas, caminhos do pensamento, reflexões, mas hoje não tenho como fazer isso, porque simplesmente eu não tenho nenhuma resposta a dar, e se o fizesse, cairia nos jargões de rodapé missionários, que nenhuma resposta daria, senão a certeza de que "D-s quis assim". Quis mesmo assim? Ou o sofrimento é uma consequência de erros, nossos e de outros em nosso caminho, no passado dos que nos precederam?

Diz o Livro Santo que  "O indivíduo que pecar, este morrerá! O filho não levará a culpa do pai, tampouco o pai será culpado pelo pecado do filho. Assim, a justiça do justo lhe será creditada, e a malignidade do ímpio lhe será devidamente cobrada com a vida." (Ezequiel, 18:20).

No entanto, aparentemente contraditório há o mandamento que diz:

"Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam.

E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos.
Êxodo 20:5,6"

"Visito a iniquidade até terceira e quarta geração - faço misericórdia até mil gerações!

Eis o grande paradoxo, onde de um lado, O Eterno determina um espaço de tempo contado por gerações, para que as consequências dos atos maus sejam purgados daquela família e de outro, estabelece mil gerações, e sabemos que em toda a história humana, não se passaram ainda mil gerações desde a  criação do primeiro Homem e da primeira Mulher, mas ainda assim, há um conjunto de recompensas ou consequências pelo comportamento de cada pessoa.

Se olhar o aspecto das bênçãos, vale dizer que será um compromisso de cada geração, pensar nos que virão, e usufruam as benesses de seu bom comportamento, assim como o ancião que planta uma tamareira, e de outro lado, por situação de consciência, que a mesma geração projete a possibilidade de que suas más atitudes possa atingir gerações que não estão à sua frente e ao alcance de um abraço, ou de uma repreensão, demonstrando que a responsabilidade de cada um está além do alcance do que se possa ver ou tocar, mas se espalha pelo tempo, e se multiplica pelo espaço.

O fundo do poço pode ser um lugar, um tempo, uma pessoa, uma sensação, ou uma prisão. Pode ser libertador, se olharmos para o alto, ou desesperador, se pisarmos em falso, e D-s não tem culpa, nem responsabilidade por nossas escolhas, ou pelas escolhas dos que nos precederam. D-s estabelece o plano, e destaca com brilho as mil gerações, mas as três ou quatro páginas das consequências estão à nossa frente também, e  pode ser que nestas três ou quatro páginas, esteja a chave para a compreensão das mil páginas que as sucedem.

Esteban ficou pensativo, e perguntou:
- Você me diz que Benjamin pode ser responsabilizado por algum erro que você cometa, ou herdará de modo afortunado, as boas ações que você amealhou com D-s, você me diz? O que o meu aluno Benjamin diz sobre isso?

Benjamin, que a tudo ouvia, e balançava a cabeça, às vezes sorria, e outras parecia pensar com profundidade no que diziam, terminou seu gole de café, devolveu a xpicara ao pratinho, e falou:

- Quando eu não como meu desjejum, pela manhã, passo o dia com fome. Digamos que seja Yom Kipur, e eu decidi jejuar, de acordo com nosso costume, por vinte e cinco horas. A tradição nos ensina a quebrarmos o jejum com uma refeição leve, em família, ou comunidade, para que recebamos com alegria, o pouco que iremos comer, recordando que esta refeição faz parte de um ensinamento, de que nossos pais tiveram dificuldade, mas foram libertados de suas aflições pelo cuidado de HaShem (D-s), não sem que antes tenham atravessado um longo deserto de provações e privações, mas que o cuidado de HaShem sempre tenha sido efetivo ao final do tempo estabelecido.
O fundo do poço era o Egito, depois o Mar de Juncos pela frente, mas cerca de oito dias depois, receberam a Torá, a Lei, e apesar de um grande deslize espiritual, ao adorarem um bezerro de ouro, foram perdoados, e seguiram em frente. Nesse tempo haviam se passado apenas quarenta dias desde a saída do Egito, e novamente se deixaram levar pela falsidade de sua fé, então foi aí que descobriram que o fundo do poço tinha porão, pois permaneceram por quarenta anos no deserto, para receberem o ensinamento necessário a poupar-lhes novos dissabores.
Aqui vemos que pelo medo e "fake news" de dez homens, cerca de três milhões de pessoas amargaram pelo resultado das ações réprobas destes dez ímpios.
Esteban ouvia e continha-se em êxtase. Nunca havia ouvido tal coisa em sua busca por provar que D-s não existe.

- Talvez ainda não exista - pensou, mas quem acredita nEle, está muito bem fundamentado pela lógica e pelo conhecimento filosófico de sua fé.

-Mas isso não responde o vazio de D's no sofrimento - continuou Esteban.
- D-s não dá respostas, -nem Se mostra. Nossos sábios costumam dizer que D-s "Se oculta, para que O procuremos". Assim, dada a grandeza infinita de D-s, mil gerações talvez seja muito pouco, para encontrar todas as Suas manifestações, pois nunca estaremos "Com D-s", mas "Em D-s!". Sua busca já começou, meu amigo professor Esteban. Acredite!



continua.........

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terça-feira, 6 de outubro de 2020

Querido Diário - O Cotovelaço!

 


Pois naquele dia, Dona Dorotéia, carinhosamente chamada de Tia Dorinha, iria receber visitas importantes: Os candidatos!

Pense numa alegria, da macróbia, em poder tirar  da gaveta, os guardanapinhos bordadinhos com carinho, cheirando à camomila, que ela deixava junto de um sachezinho para perfumar o armário. 


Pense na alegria dela, que durante  a juventude, fizera parte do Comitê de Jovens Pela Democracia , o COJOPEDE, liderado por Sebastião Medeiros, o caudilho. 

O próprio Sebastião, condecorara a "Camarada Dorotéia" por bravura em ação de defesa (ela havia tocado porta afora à vassouradas um candidato oponente da COJOPEDE).

Pois Tia Dorinha soubera, por sua vizinha Cantides Morena, a benzedeira, que naquele dia, os candidatos fariam uma visita à rua, e não poderiam visitar o lugar, sem passar para um abraço à velha revolucionária condecorada. E assim foi.

Batendo palmas de porta em porta (de luvas, como recomendava o Ministério, luvas descartáveis, combinando com as máscaras descartáveis, a touca descartável, o avental descartável, e as cotoveleiras descartáveis, porque o cumprimento agora era na base do cotovelaço, por conta da pandemia que não dava moleza, especialmente para os mais rodados, a veiarada mesmo, sem floreiros nem frescuras no modo de dizer), chegaram à casa florida, com cerquinha branca e flores pelo caminho, afinal, estavam em Jardim dos Prazeres, a suculenta cidadezinha encravada na curva do vento sul.

Prosa vai, prosa vem, um chazinho aqui, uma bolachinha ali, e o candidato olha pro vice candidato, e bate na testa, escandalizado: 

- Ai, misericórdia! Quase perdemos a hora! Tá tão formidável a prosa, que ia me esquecendo que temos que passar na reunião dos depenadores de marreco ali na Vila da Rosa Murcha.

E dito isso, virou-se para dar uma cotovelada de despedia no cotovelo de Tia Dorinha, sem perceber que ia chegando Dona Nenê, vizinha de Dorinha, e mãe do Dorvalo Batista, justamente o candidato oponente, e chega a bater remorso só de contar, que o cotovelo mal calibrado do candidato acertou em cheio, o olho da Nenê.

Certas coisas acontecem na vida da pessoa em horas erradas, vou te contar. A cotovelada seria consertada por uns afagos, mas aquela guria mixiriquêra com celular cintilante, tinha que passar justo naquela hora? Tinha?



domingo, 4 de outubro de 2020

Querido Diário - "Comamos e bebamos, porque amanhã governaremos!"



Imagem: Internet

Pois desde que iniciou a campanha eleitoral de 2020, e como sou, embora muito falante, em grande parte de meu tempo apenas observador atento, leio noticias, e acompanho, com curiosidade e expectativa os acontecimentos, e naturalmente, porque meu interesse intelectual me leva à conjecturas, e destas conjecturas, extraio uma análise bastante cautelosa, porém pitoresca dos fatos, juntando os elementos que chegam à mim, e dessa amálgama insossa, escrevo meinhas conclusões. Ou exponho minhas dúvidas, o que exige menos responsabilidade.

Desta feita, são conclusões com base em informações que NÃO tenho, isto é, embora tenha solicitado aos candidatos, por suas assessorias, que enviassem um resumo de suas propostas, o que em campanha política chamamos de "plataforma", ou o equivalente a um "Plano de Negócios" dos futuros gestores, infelizmente percebo que uma pandemia ideológica se alastra com grande velocidade e ferocidade pelo mundo político. Vou explicar melhor, para que não pairem sombras de desconfiança acerca do que eu digo, e para que não passe a impressão de que eu esteja puxando a brasa para qualquer um dos candidatos, e aqui refiro-me à Gramado, o alvo de meus ensaios.

Assim como o Covid-19, que alastrou-se com a velocidade do pensamento, e bem maior que a rapidez do vento, infiltrando-se com fome insuportável nas pessoas, e apenas nas pessoas, como uma bomba de Nêutrons, aquela que mata apenas organismos vivos, mas mantém intactas as edificações, assim também o esvaziamento de objetivos a médio e longo prazo, o conteúdo de promessas de realizações foi corroído pelo conjunto dos sintomas que foram afetados pela maldição do Corona.

Não é uma virtude apenas de Gramado esse marasmo e desânimo nas campanhas, pois para quem assistiu (e eu NÃO assisti, por falta de saúde estomacal pra ver sandices, mas acompanhei as notícias depois) o debate dos candidatos norte-americanos, ou acompanha as campanhas pelo Brasil afora, há um claro e imenso buraco negro nas propostas dos candidatos de todos os partidos, em relação ao que pretendem mudar, acrescentar, ou suprimir, assim que assumirem o cargo na Prefeitura.

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Tenho, há algumas semanas já, insistentemente implorado aos candidatos que enviem suas plataformas, que digam a que virão, e há um vazio ensurdecedor, de todos eles. 

Então, descartando que seja comigo o silêncio, busco nas redes sociais de outros blogueiros, qualquer pista, que possa me levar à descoberta de suas propostas, e já estou quase surdo de tanto ouvir agulhas caindo sobre almofadas. Silêncio.

Recorro, então, em última instância, às próprias redes sociais e páginas dos candidatos, e o que vejo lá:
O meu sonho de consumo para as campanhas de Gramado! Paz e amor, e pétalas esvoaçando pelas caminhas, onde uma névoa rosada e azul filtra os raios marotos do sol da Primavera que acaba de chegar.

Quase consigo ler na chamada das "selfies" o seguinte preâmbulo: "Meu querido Diário!".
É o que temos para essa eleição. Candidatos honrados, amigos de todos (mesmo), pessoas decentes (nenhum foge à isso), com conteúdo programático absolutamente vazio.

De todos, sem exceção, ouço suas biografias e todos dizem que irão despoluir os arroios, cuidar da saúde do povo, proteger, servir e amar às criancinhas e os idosos, fazer "bilu" nos animaizinhos, enfim, tudo genérico, tudo sem conteúdo, nada de concreto para o uso de trezentos milhões anuais de orçamento, nada de concreto, para a reabertura das portas no momento em que cessarem os efeitos da pandemia, nada. Apenas prometem que serão honestos (disso não tenho nenhuma dúvida), que serão competentes (claro, abrirão caixinhas de surpresa  e todos gritarão: "Viva!", e trabalharão na base do: "Deixa acontecer, que estamos juntos aqui!".

Os especialistas dizem que o exagerado uso do celular, das redes sociais, desprepara as pessoas para o raciocínio, e perdem com isso seu livre arbítrio. Parece que sim. Parece que a geração do "tá, depois eu faço" acaba de completar sua maioridade e se lançou na política.

Quase todos os cristãos, que já leram a Bíblia alguma vez, ou a ouviram ser citada, tem no livro de I Coríntios, o capítulo 13, como a mais bela expressão sobre o amor. 

Até rock já foi escrito e gravado com esse tema. O que parece é que o mundo agora descobriu que o livro não termina no capítulo 13, mas que mais adiante, o capítulo 15 diz algo tão verdadeiro quando o décimo terceiro capítulo.

Quem nada promete, de nada pode ser cobrado depois.

Estou falando dos candidatos à Prefeito. Já os candidatos à Vereador...pobres almas. Quase cem candidatos, mas para tirar daí nove, vai ser uma luta ferrenha. 

Felizmente tem alguns que oferecem esperança, não só para a próxima legislatura, mas para a renovação política de 2024. Todos eles, pessoas de excelente caráter, e inteligência acima do comum, mas completamente despreparados. Falam tanto em "renovação na política", mas não conhecem nem mesmo a antiga, para obterem ponto de partida. 

 
"Se, como homem, combati em Éfeso contra as bestas, que me aproveita isso, se os mortos não ressuscitam? Comamos e bebamos, que amanhã morreremos.

1 Coríntios 15:32"

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quinta-feira, 1 de outubro de 2020

O monstro de Wall Street e o Leão de Butiá - As escolhas que nos carregam

Imagens de Internet modificadas

"...você pode salvar a sua igreja ou o partido politico de sua escolha. Você pode pintar a porra da coruja com dinheiro..."

 J.B - O Lobo de Wall Street (diálogo do filme)


o Gari Betinho vive em Butiá, interior do Rio Grande do Sul, região carvoeira, que além do carvão mineral, produz ainda madeira de Eucalipto, Arroz, e Melancias. Um bom lugar para se viver. Bem, talvez, nem tão bom assim, porque há pobres, miseráveis, que não tem muita participação nas grandes riquezas desta economia. 

São os pobres. Os muito pobres, que nada pedem, mas muito esperam, daqueles que possam mitigar-lhes a fome, reduzir a miséria, e prover-lhes, de quando em quando, um pouco de refrigério ao corpo e ao espírito, e com estes, a alma.



Jordan Belfort é um cidadão norte-americano, bem sucedido nos negócios, autor do livro: Caçada ao Lobo de Wall Street, e nas redes sociais, onde tem 555 mil seguidores no Facebook, e cerca de 275 mil, no Twitter.

 Um número expressivo, diga-o o youtuber brasileiro Whindersson Nunes, com 40 millhões de seguidores, ou Ricardo Amorim, economista, que só no linkedin, tem mais de 2 milhões de seguidores, ou quase 1 milhão no Facebook,  que abriu sua corretora há cerca de 11 anos, e conta com quase mil clientes atendidos em vários países, clientes fiéis e redundantes (que retornam), diga-o também, suas postagens de caráter humanitário no Linkedin, enaltecendo sempre as causas sociais, que quase sempre, arrancam lágrimas e nos envergonham pelo nosso marasmo social.

Voltando ao Sr Jordan, não o conheço pessoalmente, e conheço de sua biografia, apenas aquilo que mostra o filme, com base em um livro, de sua lavra, após uma temporada na prisão, por conta de negócios ilícitos, e de sua brilhante capacidade de convencer pessoas a comprarem coisas que não necessitam, gastando o que não tem, para que nunca seja usadas, e no caso de seu negócio pregresso, de ações podres e ilegais, no mercado de valores.

O mercado de valores, ou Bolsa de Valores, como preferem dizer alguns, é um lugar onde se percebem as mudanças importantes do mundo. É um termômetro social e político. Conheci levemente e entendi isso na prática, no dia em que o índice Ibovespa estava subindo a olhos vistos, e eu estava ganhando algum dinheirinho rapidamente. Coisa de 150 por cento em cerca de dez minutos. Nesse momento, tocou o interfone, e fui atender. Era aquele amigo bacana, que gostava de jogar conversa fora comigo. Dei-lhe dez minutos de atenção, e ao desligar, retornei ao computador, para ver se já estava rico. Não estava. as ações despencaram naquele exato instante e o pregão que participei, estava encerrado pelo robô, que o encerrava à perda do que eu havia investido. Naquele momento, o ex Presidente Michel Temer, havia sido preso.

Isso é investimento em ações. Isso é a Bolsa. Isso é o Mercado financeiro. Isso é Wall Street. Isso e mais. Mais é o que fazem, supostamente, corretores inescrupulosos, que criam situações que fazem despencar ou subir exponencialmente as ações, e secretamente compram ou vendem, lucrando enormes fortunas em horas, dias. Isso é o que supostamente aconteceu durante o escândalo de uma grande companhia brasileira, que fez suas ações despencarem, por conta de um escândalo político gerado por eles próprios, e comprando as ações no mercado por valores irrisórios, lucrando depois, com o abafamento da situação. Isso é Wall Street, e o que deseja, apaixonadamente Wall Street? Dinheiro, muito dinheiro, para contentar pessoas felizes e infelizes, porém com muito dinheiro.

Falar mal de quem ganha dinheiro sem escrúpulos é muito fácil. Agrada à todos, pois é muito fácil que um pobre fale mal de um rico, e atribua seu sucesso à desonestidade. Tenho que dizer que é aqui que começa meu paradoxo, pois seguindo o que diz a Bíblia, dinheiro não é coisa do Satã. Tanto não é, que vários mandamentos da Lei ditada por Moisés, falam na forma da correta administração dos bens, do dinheiro, da distribuição das colheitas com os pobres, no auxilio aos órfãos e às viúvas, ao estrangeiro, ao necessitado, e no comprometimento de bem administrar os bens e valores recebidos como fruto do bom trabalho.

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Há muito livros que falam na prosperidade do povo judeu, e isso, naturalmente, acaba sendo associado à riqueza, sob a máxima de que "Jesus era pobre". Ora, Jesus, o Jesus bíblico, nunca foi pobre, e nem rico, e nunca deu importância a isso, senão ao fato que o Ser Humano não necessita mais do que os cuidados de D-s para que viva feliz, e uma única ocasião, onde sugeriu ao jovem rico que devolvesse metade dos bens aos pobres, pois era, supostamente, tal jovem, um dos ricos que amealhara fortuna à custa dos infelizes. Assim como fazem os personagens do filme sobre a mencionada biografia do playboy nova-iorquino.

Gosto de um pequeno livro, chamado: "As leis de "tsedacá e maasser", que fala do relacionamento do judeu (ou outro qualquer, que tenha as leis de D-s como norma de conduta)com o dinheiro e seus bens.

Em nenhum lugar da Bíblia se diz que dinheiro é sujo, como também não se diz que mel seja veneno, mas diz que comer muito mel não é bom, e que onde estiver o teu tesouro, aí também estará o teu coração.

A Bíblia inteira está repleta de ensinamentos e histórias de pessoas ricas que usaram seus bens para enaltecer O Criador, auxiliando os pobres. Se não houverem os ricos, capazes de administrarem os recursos, como ficariam os pobres, com outros talentos?

Não quero desandar pela hipocrisia de dizer que dinheiro não é bom. Claro que é bom, e na quantidade suficiente, traz dignidade, mas na falta deste, mede o caráter.

O Gari Betinho não faz palestras motivacionais, mas alimenta centenas de pessoas ainda mais pobres do que ele. Corrijo, com fortunas um pouco menores que as suas, mas equilibradas porque ele divide a sua própria fortuna, e motiva outras pessoas a separarem um certo pouquinho, de suas próprias riquezas, para que ele possa levar "um docinho" para as crianças que nunca ouviram falar de Wall Street. Wall, "o muro" não separa as pessoas de Butiá, e não tem dinheiro, assim, muito dinheiro. Mas até onde sei, ao receberem as doações de Betinho, se tornam temporariamente ricas e felizes.

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Está certo ele em dizer que pobreza e felicidade não combinam. Porque pobre fica feliz com pouco, e muitos deles (de nós), não precisa de uma Ferrari branca para andar pelas ruas.

Jordan Belfort é judeu, mas aparentemente nunca leu, ou se leu, deu pouca, quase nenhuma importância à literatura judaica, sobre a gestão do dinheiro da vida das pessoas. Infelizmente. Poderia ser rico, e também ter feito algo de útil ao mundo, pelo tanto que conhece do comportamento humano. Talvez.

Mantém longe de mim a falsidade e a mentira; Não me dês nem pobreza nem riqueza; dá-me apenas o alimento necessário.

Provérbios 30:8

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sábado, 26 de setembro de 2020

O homem que brigou com D-us - Opus 2 (Segunda parte)

Imagem- Internet


O homem que brigou com D-us - Opus 2 (Segunda parte)

Aquele dia passara depressa. E mente de Esteban  parecia um festival de fogos e luzes que piscavam e pipocavam sem parar. Os pensamentos atropelavam-se uns aos outros, depois do encerramento daquela aula. Não conseguia apagar da mente as respostas prontas em forma de mais perguntas, do jovem Benjamim.

Aquele menino não era comum. Suas indagações e reflexões eram bem mais que o cotidiano conhecimento de "tabelinhas prontas", com perguntas à esquerda e respostas à direita. Nada nele era pronto, e ele ousava questionar se a aparição divina a Moisés, seria uma visão com base em condicionantes extrínsecos, ou alucinações pela falta de oxigênio pela altitude em que estava o Libertador dos hebreus.

Não" Aquele menino não era um cético, e muito menos ateu. Era um judeu, religioso, parte de uma família conservadora, e que apenas por uma questão extemporânea, frequentava aquela escola, mas estava destinado a mudar-se no ano vindouro para uma Yeshivá, as escolas tradicionais religiosas judaicas, aquelas que formam Rabinos, mas que nem por isso sentia-se fora de seu ambiente, ao ponto de permitir-se debater com seu mestre, sem receio de confrontá-lo à reflexões profundas e de difícil entendimento ou resposta.

Esteban era, afinal, um advogado, e um professor de história. Não tinha porque enfiar-se em debates filosóficos, e muito menos teológicos, com seus alunos, por ser exatamente um ateu, e bastava-lhe repassar o currículo da disciplina e contentar-se com as respostas prontas no livro auxiliar do professor.

Ora, perder seu tempo acadêmico ouvindo perguntas que lhe faltavam ao domínio, exatamente sobre um tema e Um personagem que ele reputava inexistente: D-s! D-s não existia em seus acurados estudos, e embora não fosse comunista, concordava com Marx, com Jung, Com Nietsche, que o Personagem D-s seria apenas uma criatura mítica criada pelos homens, ás suas imagens, conforme suas semelhanças. Fazia sentido sim, quando se tratava de questões práticas, pois se Descartes estava certo, em sua máxima: Cogito Ergo Sum" (Penso, logo existo), então bastava pensar e também uma divindade passaria a existir para aquela pessoa, cultura, ou civilização, e bastaria criar-lhes afagos e escrever livros com suas frases, como se fossem citações da própria divindade, e estariam criadas as religiões. A história, que ele conhecia o suficiente, contava coisas assim. Então, por que isso tirava-lhe a quietude, logo um menino, um adolescente?

- Venha jantar! - Chamou Hava, sua esposa! Fiz aquele pudim que você tanto gosta, meu bem!

- Estou indo, querida! Preciso apenas revisar um finalzinho de uma prova, mas prometo á você, que em três minutinhos estarei á mesa apreciando os "divinos" sabores de suas mãos mágicas.

"Divinos sabores" - aquilo foi uma piada, mas tentando agradar à Hava, que era cristã, filha de judeus convertidos durante a fuga da Europa, no período da Segunda Guerra Mundial, e sentia-se desconfortável com a descrença do marido. Mas era uma mulher de pensamento livre e entendia que religião, crença, eram coisas absolutamente pessoais, e que bastava sua compreensão, e a dele para que as coisas andassem bem. E andavam.

- Como foi seu dia hoje, querido? - Perguntou Hava, enquanto servia uma fatia generosa do pudim que havia feito.

- Não posso dizer que tenha sido um dia comum, minha querida. Não posso dizer isso. Houve um fato que, preciso confessar, deixou-me um tanto pensativo. Um novo aluno, filho daquela família que mudou pra cá no ano passado. O rapaz, Benjamim, é diferente dos meninos que conheço. É perspicaz.

- Acho que você encontrou alguém à altura de sua inteligência! - Disse, sorrindo, Hava,
- Foi bem mais que isso, querida! Ele me superou, com poucas palavras em um curto diálogo, um pequeno debate durante um exercício de aula. Nem era nada dentro da disciplina, pelo menos, não o debate, que estava mais associado à teologia, assunto que não me traz sabor algum.

- Agora fiquei curiosa, querido! O que ele disse que te deixou em êxtase?

Esteban deu uma sonora gargalhada.

- êxtase não é o que se pode esperar de um ateu em assuntos de religião, minha querida, pois eu trato a religião, a fé, como um atributo sociológico e psicológico, um conjunto de fenômenos de comportamento, e o meu respeito às pessoas que praticam suas crenças como exercício de livre arbítrio, que tanto há entre pessoas quanto entre os animais.

- Como disse? Animais tem livre arbítrio?

- De certa forma, sim, nos parecemos. Os animais sentem fome, e saem em busca de alimento, e quando o encontram, simplesmente comem. Não tem nenhum tipo de sentimento ruim ou bom pelo que acabaram de comer. Seja grama ou outro animal, comer é uma necessidade, mas permanecer naquele lugar, é uma escolha deles, não concorda comigo?

- Você deve estar brincando comigo. Claro que não não posso concordar. Os animais se movem sem que ninguém os conduza, é certo, mas sua permanência em determinado lugar, dá-se pelo instinto em perceber, pelo faro, ou sensações próprias de cada animal, que ali há mais alimento, e assim que tiverem fome, na melhor hora do dia em que estejam adaptados à busca de seu alimento, o fazem. Eles não tem uma escolha de mudarem isso. Os carnívoros não refletem sobre a dor da presa e o direito à vida, e buscam adaptar-se à verduras e frutas. Alguns até comem isso, mas na primeira oportunidade que a onça tiver, os direitos da ovelha não serão levados em conta.

Esteban ri novamente e enfia goela abaixo um notável pedaço de pudim.

- Tantos anos ao meu lado, e não percebe quando estou brincando! Eu apenas quero dizer que os Seres Humanos fazem o mesmo, e sua territorialidade é por interesse e conforto. A diferença está em que estão mais evoluídos e fazem escolhas sobre o bem e o mal, mas ao fim disso, são tão irracionais quanto os animais. Veja as calamidades, que destroem vidas, sonhos, tiram vidas, levam fome e dor, e uma nova seleção começa, onde os mais fortes sobrevivem e os mais fracos perecem. E por mais fortes, eu não faço da força física, mas da força moral, que respeita os limites do outro, e da riqueza mental que faz com que, em muitos casos, doem suas próprias comodidades e vidas em favor dos mais indefesos, começando pelos de sua própria casa.

- Você sabe bem o que eu penso, e em que lugar eu coloco a minha fé - emendou Hava.

- Mas a fé é uma mostra de força, minha querida. Eu sou ateu, e dispenso a existência de um D-s Criador, mas não duvido jamais da fé. Eu creio que você crê, e creio que sua crença de fortalece, e em sua crença, você diz e faz coisas que cria sinapses de encorajamento a si e aos outros que compartilham de sua crença. O que não acredito é que haja um Espírito, uma energia inteligente escondida em sua mente, nem esquecida do outro lado do Universo, em um trono de luz, cercado de anjos e outros espíritos, ao qual vocês chamam de D-s.Mas digo uma coisa, com sinceridade: Se conseguirem, pela ciência, comprovar a existência de D-s, eu revejo meus conceitos.

- E eu revejo os meus - respondeu Hava. No dia em que conseguirem uma amostra do DNA de D-s, e colocá-la em uma cápsula no laboratório, quem deixará de acreditar em D-s serei eu, meu querido. Não passa pela minha cabeça, crer em um D-s tão insignificante e exibicionista, que De deixe entubar e medir por cabeças mortais e prepotentes. Ora, provar D-s pela experimentação científica. Você tem cada ideia! E a louça é sua hoje! Eu tenho provas para corrigir. E bem menos metafóricas que as suas. Aritmética é mais fácil de entender do que que sua descrença!- Disse Hava, ao dar-lhe um beijo no rosto e sair dali.

- A propósito - emendou: por que você não convida seu aluno Benjamin e seus pais para virem almoçar conosco no sábado?

- Eles são judeus, e sua alimentação é "Kasher", especial. Eles não misturam carne com leite, e as carnes devem ser provenientes de abates especiais. Além disso, o Sábado é o dia santo deles. Não creio que se sentiriam à vontade, comendo com estranhos, justo neste dia.

- Eu sei o que é comida kasher, meu bem, e sei também que não acendem fogo aos sábados, mas prepararei alguns pratos vegetarianos deliciosos, e farei isso na sexta feira, de modo que não transgrida o costume deles. Eles moram aqui pertinho, e certamente saberemos fazer com que se sintam bem-vindos à nossa casa. O que custa tentar? Assim, você terá oportunidade de conhecer melhor a fonte do conhecimento de Benjamin.

- A ideia é ótima! Farei isso então, querida. Agora, por favor, deixe-me concentrar na louça. 

- Animais com livre arbítrio! Eu invento cada coisa... Pensando bem, os animais levam vantagem sobre as pessoas, pois eles acordam, andam, procuram comida, comem, fazem suas necessidades, procriam, e vão dormir. Vida simples, tudo natural, sem boletos a pagar, sem provar por corrigir, sem saber se Gengis Khan empunhava espada com a mão direita ou esquerda.. 

Na manhã seguinte, pontualmente, às sete horas e quarenta e dois minutos, o professor Esteban chega para seu café com biscoitos na sala dos professores, e às oito horas, ao sinal da escola, adentra a sala de aula.

- Página oitenta e um! Leiam em voz alta o debate entre D-s e Moisés. Um voluntário? Benjamim, quer ler? Não, Benjamin já leu na vez passada e monopolizou a aula. Fernanda! você leia, de forma audível, o texto.

Fernanda abriu o livro, que tinha, nele transcrito, o capítulo três do Livro do Êxodo:

-"E apascentava Moisés o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote em Midiã; e levou o rebanho atrás do deserto, e chegou ao monte de Deus, a Horebe.
E apareceu-lhe o anjo do Senhor em uma chama de fogo do meio duma sarça; e olhou, e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não se consumia..

E Moisés disse: Agora me virarei para lá, e verei esta grande visão, porque a sarça não se queima.
E vendo o Senhor que se virava para ver, bradou Deus a ele do meio da sarça, e disse: Moisés, Moisés. Respondeu ele: Eis-me aqui.
E disse: Não te chegues para cá; tira os sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa.
Disse mais: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó. E Moisés encobriu o seu rosto, porque temeu olhar para Deus." (Êxodo 3:2-6)

- Obrigado, Fernanda! - Interrompeu o professor. Vamos agora analisar o ambiente em que vivia Moisés. Felipe! Gostaria de comentar isso?

Felipe assentiu e levantou-se para falar.

- Moisés havia fugido do Egito, ou foi expulso, também pode-se dizer assim, após ter assassinado um egípcio, porque este batia em um hebreu. No dia seguinte, viu dois hebreus brigando, e tentou intervir, dizendo que não deveriam brigar, pois eram irmãos. Foi quando um dos brigões voltou-se para ele, e o acusou de ser ele próprio um assassino. Então fugiu de lá, e andou até a Terra de Cuxe, a Etiópia, e lá encontrou refúgio entre a família de Jetro, um chefe tribal, que não era muito bem-vindo entre as demais tribos, porque cultuava um D-s diferente dos cuxitas. Era de certo modo, discriminado por sua visão monoteísta.

Lá chegando, Moisés, que era um homem forte, pois fora treinado para ser um general, um príncipe para combate, e também para governar, defrontou-se com um bando de pastores que maltratavam uma moça, à beira de um poço, onde todos recolhiam água. Moisés enxotou os pastores, e auxiliou a jovem, que chamava-se Tzipora, e logo também casou-se com ela.

Este episódio, do encontro com D-s, no alto do Monte Horebe, acontece cerca de quarenta anos após sua chegada a Cuxe. Tinha então Moisés, nesse tempo, oitenta anos de idade, de acordo com a cronologia bíblica.

- Obrigado, Felipe! Muito boa sua observação, porque nem tudo o que você disse, encontra-se com tanta clareza, na Bíblia, mas vejo que você busca seu conhecimento em mais fontes periféricas. Que fontes são essas? porque você sabe que, provas se encontram, não apenas em um relato, mas nas testemunhas que acompanharam os relatos, que não necessariamente sejam protagonistas do relato.

- Bem, professor. Eu desconheço as fontes, ou livros, mas são relatos que eu ouvi minha avó contar, quando eu era pequeno. Ela dizia que isso estava na tradição de nossa família, e que vinha sendo passada de pai pra filho, por muitas gerações.

- Era aqui que eu queria chegar, classe! Como a história chegou até nós! - Bradou com alegria Esteban.

- A história é o conjunto de relatos que se juntam e são passados adiante. Alguns fatos são registrados em palavras em livros, pergaminhos, tabletes de barro, com palavras, hieróglifos, ou textos, Já outros, são testemunhados pelo conjunto que reúne a história oral, chamada de Tradição Oral, com pistas arqueológicas, ou pontos geográficos específicos, mencionados nos relatos antigos, que dão corpo às histórias da tradição oral, ou dos próprios relatos textuais em literatura e documentos ou manuscritos antigos.

Assim, a Bíblia, é o conjunto destas informações e relatos, contatos através de cerca de quinze séculos, por dezenas de autores, da Bíblia Hebraica, conhecida pelos cristãos, como Antigo Testamento, e outros pares de escritores, quase todos judeus, de uma matriz judaica chamada de "Ha Derek", que significa: "O Caminho", posteriormente chamados de "Cristãos", ou "Seguidores" de Yeshua, O Nazareno, definição que demanda estudos mais aprofundados quando ao significado original, segundo alguns estudiosos.

Percebam então, que aquilo que nos mostra um único relato, pode ser a inteira verdade, mas nem sempre deixa claro seu verdadeiro, ou original significado. Eis o papel da história, que é abrir as portas da "Meta-História", a história atrás da história, que, às vezes, nos traz uma nova leitura sobre um texto, aparentemente insignificante. Sobre isso, falaremos mais num outro dia. Terminamos aqui a aula de hoje, e Benjamim, preciso dar uma palavrinha com você, por favor


...continua

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