AD SENSE

domingo, 29 de maio de 2022

A língua viperina digital

A comunicação digital acelerou muitas coisas, mas a pior delas foi a relação interpessoal.
Basta uma vírgula mal colocada, uma palavra em letras maísculas, reticências ao término de uma conversa, que a relação começa a azedar. Mais que isso, um email com sinceridade exacerbada, pode denunciar o estado emocional de seu emitente, de acordo com o horário em que foram digitados os desaforos. E minha infeliz experiência ao longo dos anos de convivência cibernética, o servei que eram quase sempre após às 23 horas, hora da solidão, do desespero, em que a angústia toma o lugar do sono, e como cabeça vazia é escritório do Satã, é ali que se iniciam os debates desastrosos, que ao fim, corroem o relacionamento, até mesmo, com as pessoas, antes mais queridas. É nesse cenário que descobrimos que o afago de hoje pode ser a agressão de amanhã. À noite.
Email tornou-se obsoleto, maçante, comercial. Vieram outras redes, com provas instantâneas inequívocas das mentiras sociais e da infelicidade em cores e sons, floreadas com espetadas e diretas, até que entrou em cena o Whatsapp, inicialmente divertido e esperançosamente eficaz para acelerar as intrigas, as ofensas, a angústia, e o desmoronamento do que nos resta de civilidade e humanidade.
Estas ferramentas são o largo pincel do Satã para borrar as delicadas linhas da humanidade emprestada do Criador, e será com esse tipo de instrumento, onde não há filtro moral, pela velocidade da resposta, que a infelicidade vai solidificar seu território, mas, tal como o pássaro anestesiado sob o olhar da serpente, somos incapazes de sair desta armadilha, porque necessitamos dele para outras funções.
Qual a solução paliativa, sem precisarmos fugir para as cavernas nas montanhas, como bichos assustados?  Não tenho uma resposta coletiva, mas eu optei por fugir de grupos, e quando sou ofendido, analiso dois aspectos:
1- Fiz algo errado? A pessoa tem motivo para ofender-me? Se sim, trato de consertar a situação e não deixo que evolua a mágoa.
2 - Não partiu de mim a agressão e me eximo de culpa, e mesmo assim, percebo que a tal madrugada fez seu trabalho? Respondo com uma sutil mudança de assunto, falando de comida, receita de chá pra aluviar a dor de barriga, ou simplesmente uso o comando de bloquear o desaforado
Chego à conclusão que o código matemático que O Zuckerb criou para se reconciliar com um passa fora que tomou, tornou-se o trator que está destruindo milhões de afetos, que poderiam resolver suas pendengas num cafézinho, ou sairem no braço, possibilidade que já reduz em 99% da coragem de que se diga aquilo que se diz com a ponta dos dedos, a quilometros de distancia.
Pacard, Pétalas, 2022, Ille Vert

domingo, 30 de janeiro de 2022

A morte do Teiú e o marasmo da vida

O lagarto Teiú é muito comum pelas matas, e até pelas áreas arborizadas das cidades. Aqui mesmo, onde moro, tem uma pequena reserva de mato, e nela há um lindo bioma, com animais silvestres e aves, como: Cotia, Saguís, Araquãs, saracuras, Gralhas, Pica-paus, Gaviões, e como diz o título desse ensaio, um volumoso Lagarto Teiú. Isso tudo eu posso ver da minha janela, ou do alpendre de meu apartamento. Se descer um pouco, e andar cerca de trezentos metros, ao sul, estarei na borda do maior mangue urbano do mundo, o Mangue do Itacorubi, onde somos privilegiados pela existência de um Jardim Botânico, e passeios, caminhos, passarelas, pontilhões, dentro do próprio mangue, para deleite dos naturalistas e biólogos, e ali encontraremos todo tipo de espécies selvagens que possam habitar um berçário marinho, como Jacarés-Açus, garças, cegonhas, caranguejos, peixes que desovam e nascem ali, e até mesmo, de vez em quando, como hoje, e outro dia dessa semana, temos o espetáculo bélico de helicópteros à caça de fugitivos de uma penitenciária distante a cerca de dois quilômetros daqui, cujos detentos, vez por outra, entendem que embrenhar-se no mangue, a enfrentar serpentes e jacarés, lama até à cintura, seja menos nocivo do que apinharem-se entre outros perigosos apenados, no cárcere estadual.

Mas fiz essa abertura para falar apenas do Lagarto Teiú, um bem apessoado réptil, com um sorriso enigmático e andar vagaroso, lambendo o tempo à procura de comida. São animais dóceis, não do tipo de pegar com a mão, que não se deve fazer com nenhum tipo de animal selvagem, mas de proximidade com os humanos. Quando morava em Gramado, eram frequentes as visitas de algum Teiú em frente à porta da casa, porque sabia que as crianças se divertiam vendo-os correr atrás de umas bagas de uva com agilidade desengonçada, fazendo a cauda balançar de um lado a outro, no movimento dos quadris gorduchos, e ao alcançar as bagas, comiam de maneira pouco elegante, e divertida. É por estas razões, que acho os Teiús muito divertidos. Lembro até de um Teiú que vi, correndo de pé sobre a água, como se caminhasse sobre uma campina, algo quase sobrenatural. Estes são os Teiús. É assim que os vejo: ágeis, versáteis, bem resolvidos e corajosos. Quase todos.

Pois aqui acontece a grande interrogação de meus passeios por terrenos pouco dantes caminhados, onde e quando encontrei em um barranco de uma rua nova, os resquícios de uma tubulação antiga de água, que descia da antiga propriedade do extinto Parque Knorr, uma outrora paradisíaca estação de prazer e beleza que hoje não passa de uma caricata loja de horrores travestida de parque infantil, sem nenhuma poesia nem encantamento, cujo portão jamais terá a marca de meus rastros, como tantas vezes teve, nos suaves e turbulentos anos de minha juventude, e foi nos limites desse saudoso terreno, que vi o tal cano cortado a uma altura de um metro do chão da estrada nova, e na boca desse cano vi uma cena que até hoje traz-me reflexões profundas sobre nossas indecisões diante dos obstáculos da vida: Vi um Teiú delgadinho, filhote, com cerca de um palmo de comprimento, e outro de cauda, com a cabeça voltada para baixo, em direção ao chão de um metro de altura... morto!

Deduzi com clareza que o animalzinho tivesse entrado por outra ponta do cano, um bueiro, andado até o lugar onde havia sido cortado, e, inseguro de pular dali à altura, que na sua matemática de lagarto fosse quase um himalaia, mortal e traiçoeira. Não era. Era apenas um metro, e o chão lá embaixo, era terra macia, que bastava um pulinho e ele sairia correndo a procurar bagas de uva ou pequenas larvas para comer, porque o que havia atrás de si era ainda mato, praticamente um supermercado para os lagartos Teiús.

Tem tempos na vida em que somos como aquele Teiú. Entramos em túneis escuros, e o que parecia luz no fim, era uma saída que exigia uma corajosa tomada de decisão: Pular para viver. O Teiú não pulou, e nem voltou atrás. Morreu de inanição. Morreu por falta de esperança. Morreu porque não sabia calcular as probabilidades de sucesso. Morreu porque estava só. Não havia perigo algum do lado de baixo. O perigo estava no medo de tomar atitude. Ele não tomou. E eu o vi ali, morto, imagino que havia poucas horas, porque não ousou a liberdade.







terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Do meu diário mensal que faço uma vez por semana (Da série “absurdos nunca mais haverão de faltar enquanto políticos existirem”)


Do meu diário mensal que faço uma vez por semana

(Da série “absurdos nunca mais haverão de faltar enquanto políticos existirem”) (Maio de 2010*)

Do lugar de onde eu venho, ou você ri, ou chora. 0ptei pelo primeiro sentimento. Na verdade, eu era tão feio, que ninguém sabia ao certo se eu fazia uma ou outra coisa. Quem nasce lá geralmente nasce com crise de identidade. Eu mesmo tive oito. No mesmo dia. Foi um sufoco, mas resolvi com civilidade: comi todas com farinha. Fiz torresmo. Transformei as crises em oportunidades e isso foi muito fácil: só acrescentei a farinha e cozinhei por dez minutos em fogo lento. Por isso enfatizo que o sorriso é o seu cartão de visitas. Cuide bem dele. Quem cuida, tem. Lavou, tá novo. Eu tive um belo sorriso certa feita, mas dei pra uma pessoa ingrata que não me devolveu mais.


Um sorriso é uma oportunidade para tudo o que puder ser descoberto atras duma porta. Daí, levo sempre comigo um estoque de sorrisos e quando encontrar alguém que não tenha um pra me dar eu empresto o meu. Há técnicas pra isso. Por exemplo: Você chega e encontra um sujeito carrancudo, esgualepado, de mal com a sogra e descontando a culpa em você: você lhe atira à queima roupa um sorriso. E caso a carantonha da pessoa não lhe permita isso, imagine-o fazendo as necessidades de cócoras no lombo dum enorme dum porco que gira em sentido horário.. Aí você não vai se conter e rir. Menos numa circunstância: em que isso seja uma lembrança de si mesmo. Desagradável ter que lembrar. Fosse eu, não poria mais meus pés naquele restaurante.

Eu cansei de ser chamado de ignorante. Isso eu não sou mesmo. Nem mesmo sei o que significa essa palavra. Sou letrado. Leio muito. De James Joyce a Mano Lima. Li Ulisses inteiramente de trás pra diante só por exercício cultural. E o livro estava de cabeça pra baixo. E eu também, pra facilitar.  Não entendi nada. Também não havia entendido quando li a partir da primeira pagina. Mesmo assim, achei o livro muito bom. Muito bom mesmo. Tinha a altura ideal do pé dum balcão que quebrou na minha casa. Serviu também como banquinho para dois dedos de prosa com um compadre.

Entrei para uma fraternidade. Sei que há preconceitos contra estas confrarias, mas essa é diferente. Mas acho que ja vou sair. Não confio em fraternidades que me aceitam. Olho com desconfiança. Especialmente aquele ali do canto que também me olha de um jeito estranho. Sujeito sem identidade. Repete tudo o que eu faço. Deve estar querendo puxar conversa comigo com essas brincadeiras idiotas. Não dou conversa. Faço umas macaquices, que ele repete a todas Viro as costas e me vou. Dou tres passos e devagarinho espio. Ele faz o mesmo. Por isso nunca me dei bem com espelhos. Não agregam nada ao que já somos. Ta certo. Groucho Marx pensou nisso antes de mim, o caso de não aceitar onde me aceitam. E daí? Groucho Marx nunca comeu arroz com couve em lata de cera. Isso quem comeu foi Jânio Quadros. E eu. Comia o que aparecesse pela frente. Arroz com couve, feijão, vizinha, brócolis e até jiló comi certa ocasião atras da cerca da escolinha. Sempre gostei de Jiló. Era a prima mais legal que eu tinha. Me deixava ficar com a tampa da laranja e a casquinha do pão.  Certa feita, até queijo ganhei dela. A casquinhas. Mas foi a melhor casquinha que comi em toda a minha vida. As de feridas não contam.

Não sou muito bom nesse negocio de contar historias. Me atrapalho todo. Os fatos até que eu lembro, mas as datas me confundem. Nunca sei dizer por que dezembro começa com dez se o mes é doze. Sim, tem a teoria do calendário juliano. Santa preguiça teve Gregório, o papa, que mudou o calendário pagão e deu uma capa cristã, mas continuou reverenciando as divindades espúrias. Enfim. Não se pode acertar todas. Pelo menos ele lembrou de tirar o primeiro de abril. Pipocou um dia. Por conta própria. Mudou os tempos e a Lei. Ahhh, seiscentos e sessenta e seis nas costas.

Sempre gostei destes mistérios. Um mistério é algo que não temos que explicar nem dar desfecho. É um mistério. Como as verbas públicas. Mistério…inverso à vida. Nada se sabe sobre como surge, mas todos presumem que tem medo de sua extinção.  Pudera. Sem nenhuma prova material, tentar quantificar em parâmetros humanos as coisas do espírito é como enfiar o dedo n’água e depois de tirar fora, tentar achar o buraco.  Aí Hobbes diria que são conjecturas a priori. Evidente. Ele nem gostava mesmo de Descartes, que verdade seja dita: era um chato. Matematicalizava tudo. X,Y,X e outras letras soltas numa panela com legumes, formavam uma bela sopa, que só ele e certos matemáticos conseguiam digerir.

Isso me faz lembrar que Deus vê por linhas retas e o homem pela curvatura dos olhos, tornando retas as curvas que são mesmo retas, para que as vejamos curvas. Einstein descobriu isso na curvatura do espaço, uma das solenes ironias paradoxais de Deus, que mostra um espaço curvo, cheio de coisas curvas, e que contradiz a definição de que uma linha reta é o menor espaço entra dois pontos. Não é.  Pergunte aos físicos. Aliás, são eles, os físicos os bufões da corte matemática. Interdependentes, mas escrachados. Fazem poesia com os números, enquanto os matemáticos transformam em tabelas toda a poesia contida numa equação. Exceto Fibonacci, que fez da matemática um compêndio poético da Criação, um soneto entre a criatura e o Criador.

E sabe o que mais eu acho? Dunga sabe o que faz. Tem gene matemático (todo alemão é um português que sabe matemática), mas se disfarça com a cara do Stan Laurel, para comer pelas beiradas. Enfim. Minha bateria está se esgotando e minhas ideias absurdas também. Tenho que parar por aqui. Fui.




terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Vacinar ou Não vacinar? - Eis a questão


Aquilo que não conhecemos, tende a se tornar um monstro em nosso caminho, ou uma possibilidade de fazer de nós heróis. Mas e quem é que precisa de heróis, quando o inimigo é fluido, gasoso, ou invisível? Quem se habilita a ser herói numa jornada sem guia, sem mapa, sem uma bússola, ou sem mesmo saber onde queremos chegar? Ao que entendi, ninguém mais quer ser herói, mas busca desesperadamente quem o seja, e caso não alcance a vitória desejada, fica mais fácil jugar aos leões, os vencidos, os traidores.

Estamos nos encaminhando para a terceira volta da Terra pelo cinturão solar, e a única coisa que sei é que Sócrates nunca foi tão convincente sobre seu saber, e também o meu: Nada sei!

Tenho buscado abstrair-me de envolvimento em debates que não dizem respeito algum ao meu campo de conhecimento, o qual ainda nem sei qual é, enquanto tais debates tentam, de toda forma de pressão, envolver-me na tomada de postura contra ou a favor de vacinas.  Contra ou a favor deste ou aquele político. Contra ou a favor as decisões do judiciário. Contra ou a favor a tecnologia, e mais recentemente ainda, o tal "Metaverso". Contra ou a favor as cotas raciais. Contra ou a favor comer carne vermelha, branca, de frango, de peixe cru. Contra ou a favor o casamento gay, enfim, sempre haverá um dualismo, e a cada dia que passa, com a sustentação das redes sociais, esse dualismo se multiplica como um conjunto de fractais sem fim, e nesse universo de dualidades, a neurose toma conta das pessoas pelo mundo e pela vida afora.

Tenho sido bombardeado ininterruptamente por amigos de todas as correntes antagônicas, a que me posicione, e mais, que me posicione a favor de suas ideologias, e isso digo, em relação à bola da vez, a COVID-19, e a guerra especulativa entre os grupos pró-vacina e seus rivais, anti-vacina. E assim, para ser "politicamente correto", preciso dar voltas em um e outro, mas que por fim, acabam determinando que minha atitude seja de indeciso, "em cima do muro", é o termo que gostam de usar. Tenho sido provocado a fazer campanhas, por ser "influencer", o que não sou, mas ainda que fosse, não influencio por procuração. Se eu tiver que errar, que sejam meus os erros, e que não ponham vidas em risco pela minha ignorância, pois errar, quando se trata de vidas humanas, seria um preço alto demais a pagar, ao responder ao Juiz dos Juízes no dia do acerto final. Não quero responder por erro, nem tampouco por omissão. Assim, devo dizer que orei muito para tomar essa decisão, e tentarei ser fiel ao que minha consciência me comove a dizer.

Já escrevi sobre a incerteza de cada uma das posições, ainda que o grau de convicção de seus devotados defensores possa oferecer aquele olhar nos olhos que confere certeza daquilo que pregam, e ouso dizer ainda que levam suas convicções  à morte (sua ou de inocentes), para promover suas cruzadas em favor da vida (o que ambas as facções usam como estandarte). Não se trata mais de desejo de que a vida prevaleça, mas que suas convicções sejam tomadas ao pé da letra. De um, e de outro lado da questão. Ser ou não ser. Vacinar ou não vacinar. Isso não é mais a questão, mas obedecer ou desobedecer: seja o governo central, seja o poder mais alto da Justiça, sejam os defensores dos direitos daqueles que não tem nenhuma certeza, mas assim preferem permanecer, para sobreviver por uns dias a mais, não à doença, mas à pressão, pois esta não vem de forças ocultas e inimigos declarados, mas de quem está muito próximo, que exerce muita influencia, e a quem não desejamos de forma alguma, magoar.

Mas magoamos. Existir já é motivo de mágoa em alguém. Viver, magoa a morte, e morrer é o apogeu da dor. Ainda assim, magoamos. Magoamos muito por falarmos e magoamos pela ânsia de não errarmos ao falar. Assim, minha postura sobre ser e não ser, vacinar e não vacinar é: Eu tomei, e tomarei todas as vacinas sugeridas ou exigidas pelas autoridades sanitárias do lugar onde eu estiver, para os devidos fins a que se destinarem. Cumprirei as leis pertinentes ao meu convívio em sociedade, e partindo dessa premissa, se exercer algum tipo de autoridade, exercerei tal autoridade, partindo da ética, pela qual norteio minha conduta religiosa e civil, sobretudo familiar e pessoal.

Quanto ao direito alheio de não ser vacinado, se esse exercício colocar em risco a minha integridade sanitária, seja pessoal, ou familiar, exercerei minha obrigação de requerer o distanciamento necessário e saudável, direito que me assiste, e se tal direito for subvertido, exercerei meu direito à defesa, nos modos legais, seja afastando-me do agressor, seja afastando tal pessoa de meu convívio, pois o meu direito está limitado à cerca do direito alheio.
Quanto aos que não desejam tomar vacina, defenderei com todas as palavras que meu escasso vocabulário possa oferecer-me, à garantir seu direito a não tomar vacina, nem mesmo serem constrangidos por quem a toma. Alguém como eu. Assim, entenderei e far-me-ei entender que conselho não é ordem pois o primeiro dá-se voluntariamente a quem deseje ouvir, e o segundo, impõe-se sob força de autoridade, cujo compêndio de opiniões não pode ultrapassar tal função, posto que também são conselhos.

Fui questionado sobre a obrigação de autoridades judiciais tomarem a si a obrigação de defenderem os frágeis, contra arbitrárias decisões de vacinar crianças, a celeuma do momento, e minha resposta é que eu não tenho tal autoridade, e ainda que bem intencionados, se tais empenhos exacerbarem à lei e à constituição, estarão invadindo o território da democracia e empunhando as armas da ditadura, a ditadura da balança da justiça, que não pode pender para opiniões e crenças de seus agentes, mas defender aquilo que está determinado pela autoridade a quem compete decidir, e aqui não estabeleço a qual poder esteja o direito e o poder de estabelecer os decretos, mas que ainda que estabelecidos, devem ser cumpridos.

Na condição de temente a D's, cujas profecias me apontam que tais movimentos não sejam senão um aparato de frente, uma comissão que abre caminho para tempos solenes, que antecedem a chegada do Messias, e que tais tempos, segundo as profecias que conheço, cercearão o direito à liberdade de pensamento e culto, e subverterão os caminhos determinados para a felicidade humana pelo próprio Criador, ainda assim, sei que posso estar sujeito às penalidades que tais momentos determinarão sobre minha própria vida e liberdade, e mesmo sabendo disso, espero ter a coragem suficiente para não negar a minha fé, que está firmada no Livre Arbítrio, o mesmo que advogo nesse instante.

"Porque estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está no Messias, o meu Redentor!  (Romanos, 8: 38-39)"







domingo, 16 de janeiro de 2022

Vigia, varão


 De tempos em tempos, a humanidade cria motivos para atormentar o vizinho. Vamos começar pela religião: Quando um determinado grupo já tinha se aborrecido de estudar as Escrituras, decidiu tornar efetiva a sua interpretação sobre o que havia aprendido, tendo entendido, ou não o significado do que leu, viu ou ouviu. Mas se entendeu que pau é pedra, não havia quem segurasse tal criatura de enfiar goela abaixo de seus pares, essa nova crença, se importassem com isso ou não. Imagino alguns diálogos sobre isso.

- Irmão Zebedeu! A Paz!
- A Paz, irmão Melquisedeque! Quais as novas, varão?
- Seu cabelo comprido, varão!
- O que tem de errado com minhas madeixas, varão?
-Não estão em conformidade com "a palavra", varão! Deveis cortá-los adequadamente!

- E meus cabelos me impedem em que de louvar?

- Que bom que tocou nisso, varão, pois queria falar sobre seus modos no louvor!

- O que há de errado com meus modos, varão?
- O irmão se remexe muito, balança demais o corpo, varão. 

- E não pode isso, varão, por que razão?

- Acaso não sabeis que o vosso corpo é o templo do "espírito santo", irmão? por que blasfemais desse modo, escandalizando o "povo de deus"?

-Não, não sabia disso. Mas irmão, o irmão tem reparado no comprimento do cabelo da vossa esposa e vossas filhas?

- Que que tem o cabelos das varoas de meu lar, irmão?
- Curtos demais! O homem não deve vestir-se como mulher, nem a mulher, como homem! Está na "palavra". A propósito, o irmão brigou com seu barbeiro, que não corta mais a barba, irmão?

- Mas ué? E Nosso senhor Jesus Cristo (A paz, irmão!) não usava barba e cabelos grandes também?
- Não blasfeme, irmão! Quereis comparar-vos ao nosso Salvador?

- Não, irmão, longe de mim, fazer isso. Mudemos de assunto, varão! No próximo culto, após "a palavra", faremos uma koinonia santa na igreja. O que a irmão vai levar?

- Perguntarei à irmã Dorcas, mas creio que seja um abençoado suflê de couve flor. E a irmã Safira?

- Vi ela preparando uns bifes acebolados de carne vegetal, irmão! Uma bênção. A paz!

- A paz! Ô glória! Mas o irmão não sabe que pelas Escrituras, não deveis comer raízes?

- Misericórdia, irmão! Onde diz isso nos evangelhos?
- Está no livro de Gênesis 1:29: E de toda erva que der sementes, vos será por alimento! E cebola não é árvore, e vive debaixo da terra. É imunda, varão!

- E Cenoura, Batata, beterraba, Amendoim....?

- Nada! Se não diz lá, então não pode!

-Isso me faz pensar que...

- Sim! Se não foi citado, é porque se comer, é pecado, e se um irmão for flagrado comendo ou servindo, deve ser disciplinado, para sua salvação e para testemunho da igreja!

- Misericórdia, irmão! Eu comi muito isso!

- Deve pedir rebatismo, irmão, urgente!

- Mas se o irmão tomar café, vigia, irmão, porque café é droga que vicia, uma bebida do demônio!


- O sangue de Jesus tem poder, irmão! Não mencione essa praga, varão!

- Ô glória!

- O irmão tem faltado aos cultos. Vigia irmão!

- Minha mãe, está enferma, irmão. Tenho que....

- "Aquele que não legar pai e mãe por minha causa, não em ama verdadeiramente",  disse Jesus, irmão! Não devemos negociar com o capeta, irmão!

- Mas e o quinto mandamento, que diz para honrar pai e mãe, irmão?

- O sangue de Jesus tem poder, irmão! Diga amém!

- Mas o que isso tem a ver com o que eu falei, varão?

- Estou profetizando, irmão. diga amém!

- Amém!

- Faltou feijão, irmão! Diga com vontade! Não dê lugar à satanás, varão!

- AMÉM! Agora dê licença, varão. Tenho que visitar minha mãe doente....

- Vá na paz do Senhor, varão! Eu o verei no culto, à noite, então.

- Não irei, varão...[

- O quê? vigia, irmão! Apostatou? vamos convocar uma assembleia santa para jejuar e orar pelo resgate do irmão!

- Resgatar, como, varão? Eu apenas disse que não irei.

- Não dê munição pro maligno, irmão. Uma brasa se apaga fora do braseiro, varão. A igreja é o aprisco do senhor nesse mundo. O maligno quebra vareta por vareta se estiverem desgarradas. Aquilo que estiver ligado na terra, estará amarrado no céu, irmão. E a igreja é o lugar onde os anciãos e pastores ungidos profetizam e determinam a expulsão do maligno de seu corpo, irmão. Diga amém!

- Não digo. Amém significa que eu concordo com o que você diz, e eu só concordo em parte.

- ASTRASERRABAGAYAKAWASCACAGADURA PAPATÊUS PATATES ZAGURUMBAIASCA! Vigia irmão! Estou tendo uma visão, irmão! SAI DESSE CORPO QUE NÃO TE PERTENCE, TINHOSO! EU TE DETERMINO UMA LIBERTAÇÃO EM NOME DE JESUS!

- Menos, amigo. Fale normalmente, porque as pessoas estão olhando e não estão entendendo nada. nem eu.

- Eu recebo esta palavra do irmão em nome de Jesus, irmão. A paz!

- A paz, irmão. Tenho que ir tomar vacina...
- Vacina, irmão? Esta agulha do diabo que cravam na sua carne para inocular o mal no seu corpo?

- Não, varão. É uma prevenção...

- E o varão não sabe que há uma conspiração mundial que inocula câmeras e microfones pela vacina, em um chipe, que registra suas ondas cerebrais, e envia a um computador central nos Estados Unidos?
- Crendice, varão. É apenas um vírus desativado para formação de anticorpos contra a doença..

-O irmão sabe que será disciplinado por esse gesto, não sabe irmão? Não é para magoá-lo para para o seu próprio bem, por amor ao irmão...

- O varão esqueceu que não pertenço á sua congregação?

- PARANABRÁS PACABAÁS PARRACUTÍCULAS! Eu determino uma libertação aqui, varão! Diga amém!

- Vá catar coquinhos!

- Amém!
- Amém, varão!





sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Meus vizinhos, os macaquinhos



O condomínio onde moramos, faz divisa, no fundo, e na lateral, com um centro de pesquisas e tratamento de oncologia, um hospital do câncer. É um dos mais importantes centros de estudos desta doença maligna do país, uma referência internacional. Que bom, mas que ruim, porque o ideal seria que fosse um resort de seis estrelas, onde os visitantes e hóspedes fossem apenas turistas ricos, desfrutando momentos de lazer na companhia dos seus. Mas não é. A verdade é que na rua que liga o hospital à rua de cima, a minha rua (não é minha, de verdade, é apenas um modo de dizer, quero que fique bem claro, pois não quero que pareça a mim ter mania de grandeza). No trajeto de cerca de cento e cinquenta metros entre o hospital e o portão de trás, há um bosque. Diga-se, pelo bem da verdade, um belíssimo bosque, e para que seja um bosque com todos os direitos, sim, há neles animais, singelos e peludinhos, e também outros, bastante emplumadinhos. Segundo último balanço, encontrei: Uma Cotia, um casal de Araquãs, com seus pimposos filhotes, um lagarto Teiú, bem graúdo, Saracuras, Gralhas esplendorosamente azuis, um casal de Pica-Paus do penacho amarelo que fazem de um frondoso Cinamomo, a sua feira livre de corós, e claro, as estrelinhas da festa: Os macaquinhos! São cinco deles, com dois filhotinhos cujo corpinho deve ser do tamanho do meu polegar, mas somado à cauda, conhecida como rabo, deve dar cerca de um palmo e meio de comprimento.

São mansinhos, todos eles, especialmente os macacos, que já estão acostumados com as bananas que recebem todos os dias dos transeuntes, dos familiares que acompanham os pacientes, e investem as longas horas da espera alimentando e fotografando os peludinhos e os emplumados, como um lenitivo pelo tempo da espera. E assim, delicio-me nas horas que passo em frente às janelas, e vejo aquelas pessoas desfrutando de esparsos momentos de conforto, divertindo-se e divertindo os animaizinhos, com suas oferendas doces entregues em suas pequeninas mãos.

Penso na missão daqueles animaizinhos, colocados estrategicamente ali pelas mãos do Criador, para cumprirem seu propósito de anestesiarem a dor pela empatia aos que estão nas cadeiras desconfortáveis recebendo quimioterapia, ou nos leitos, sendo alvejados por luzes radiativas, por horas, dias e semanas intermináveis. É nesse cenário que agradeço à D's por ter criado os macaquinhos, os passarinhos barulhentos, e o vento que balança as folhas do bambuzal, e faz bailar os galhos do Cinamomo, e da velha mangueira atrás dele, e ao lado dela a já infértil Jabuticabeira, e a velha goiabeira que não dá mais frutos, e o trançado de folhas que permitem um cintilar dos raios de sol no amanhecer, todos feitos para confortar as almas cansadas, as que fazem companhia aos macaquinhos uns poucos momentos, e por muitas horas mais, junto ao leito dos amados que sofrem, lá dentro do hospital.




sábado, 25 de dezembro de 2021

Davi e Sun-Tzu - As guerras de cada dia

Imagem: Megacurioso - Internet

Davi e Sun-Tzu - As guerras de cada dia

O segundo princípio mencionado por Sun-Tzu no livro "A arte da guerra", diz o seguinte:
"Informação é crucial. Nunca vá para a batalha sem saber o que pode estar contra você".

Felizmente Davi, ao enfrentar Golias, o gigante, desconhecia Sun-Tzu, talvez por ter nascido cerca de 400 anos antes do general chinês, mas minha teoria leva-me a crer que ainda que o conhecesse, continuaria sendo irrelevante, pois ao enfrentar o gigante filisteu, tudo o que sabia do adversário, era que era um idólatra blasfemo, arrogante, e parlapatão.

Davi optou por declarar a si, ao Rei Saul e aos hebreus, e por fim, ao desafiador, Quem o enviara para calar a boca do maledicente: O D's Criador do Universo, e Rei dos Reis. Assim, pouco importava quem fosse seu adversário, nem em qual força se estribaria para ofender aos compatriotas de Davi.

O pequenino ruivo, e destro na atiradeira, tinha claro que fosse contra urso, leão, lobo, ou gigante, sua força não era humana, mas espiritual.
Diariamente gigantes nos atormentam, com blasfêmias e ameaças, e esmorecem até nossa vontade própria, mas é na fraqueza que nos fortalecemos, e nos desafios, que nos renovamos.

Que os gigantes fiquem no passado, e os leões voltem para seus ninhos, no deserto, pois o caminho que temos que andar, ainda será árduo, e os desafios, tendem a ser ainda maiores, eis porque fomos temperados em fogo ardente, e qual a razão dos calos nas mãos e pés, que nos trouxeram dores. Foi para nos fortalecer, nos preparar, e nos dar certeza de que chegaremos onde quer que seja que tenhamos que chegar. Não por nossa força, mas pela força d'Aquele que fortaleceu o fraco, e enfraqueceu o forte. Não por mérito algum que tenhamos, mas para que Seu Nome seja exaltado e magnificado entre as nações.

Que venha 2022. É um ano a menos para a chegada do Messias. O resto é história que será contada depois.
Shalom

Pacard, Pétalas, 2021 (Ille Vert Editora)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Cine Embaixador - As priscas eras que transformaram GRAMADO em uma aldeia universal

É evidente que se eu quisesse seguir a ordem cronológica dos fatos, precisaria começar pelo Cine Splêndid, que precedeu o Cine Embaixador, e, claro que, se o bom D's permitir, assim o farei, porque também já tenho pronto o desenho do Cine Splêndid, pareado com o Café Cacique, sobre o qual muito falarei mais adiante, pois a história do Café Cacique é a própria testemunha do pensamento político de Gramado, assim como a Prefeitura é o continuar dos fatos políticos, e assim, espero fazê-lo, em algumas edições onde pretendo falar sobre a história política de Gramado. Importante relatar que a proposta deste espaço é contar, motivar, e preservar as histórias de Gramado, perdidas no desmemoriado ir e vir do Ser Humano, onde destaca os expoentes sociais, políticos, econômicos, e religiosos, e lança na vala do esquecimento, como se sem importância fosse, os relatos daqueles que viveram suas vidas e geraram histórias de enriquecimento humano e social, de um município de fundamental destaque no turismo nacional.

O projeto do Cine Embaixador foi elaborado pelo Engenheiro Celso Bertolucci.

Convite de Inauguração do Cine Embaixador

Ata de abertura da Sociedade que fundou o Cine Embaixador (Cortesia de Leandro Cardoso dos Santos - Sobrinho do saudoso Odilon cardoso)

    


Quando se fala em Gramado, a primeira lembrança que aparece é a do glamour, do turismo, da beleza, que, sim, tudo isso tem valor e não tem preço, no entanto, há histórias por trás da história, contadas à boca pequena, às quais quero render homenagem e trazer ao debate, se o amável leitor julgar oportuno.

Contar algumas breves passagens da história do Cine Embaixador, é mergulhar em um tempo da história brasileira, onde havia mais liberdade de expressão dentro deste pavilhão, do que no resto do país, ainda que na primeira fila das cadeiras, em exibição de filmes (ainda sem cortes), assentavam-se os tios e as tias com as afiadas tesouras do Departamento Nacional de Censura, que assistiam a tudo, ora vermelhos de raiva, ora ruborizados de vergonha, mas na maioria das vezes, disposta a voltar com um belo relatório de tarefas cumpridas, aos seus gabinetes, na capital dos federais.

Ilustrações: Pacard

Vamos começar pelo ano de 1967, precisamente no dia 11 de Fevereiro, às 17 horas, quando "foram projetados documentários, inclusive sobre Gramado. Logo depois disso, às 20:30 horas, começa a primeira sessão regular, com um filme alemão: Amor ao primeiro tiro, estrelado por Margit Nünke, Gunter Phillip, e Grethe Weiser, em Tecnicolor". Muito curioso esse fato, porque nesse tempo, apenas vinte e dois anos após o término da II Guerra, e em plena Guerra Fria, um filme produzido durante o nazismo, tenha sido escolhido para abrir a nova fase do cinema. Um grande mistério.
À noite, foi apresentado em sessão dupla, o filme "Don Juan era aprendiz", com Jack Lemmon.

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Cartaz do filme: Amor ao primeiro tiro, 1941

Margit Nünke - Imagem: iMDb - Internet

Gunter Phillip - Imagem Wikipedia

Grethe Weiser - Imagem The Spielfilm

Assista o filme clicando na imagem abaixo. Importante: Esta NÃO é uma versão autorizada. Assista por sua conta e risco.

Jack Lemmon - Imagem: O exlorador - Internet





No domingo, a Matinée foi com o filme "A canoa furou", com Jerry Lewis. Por essas barbaridades da vida, este escriba esteve nesta apresentação. Pobre, mas café bem doce, ué. Isso comprova que Gramado era para todos. Até mesmo eu, pobre, feio, filho de mãe viúva, e torcedor de um time da segunda divisão.

Cine Embaixador era formado por um grupo de empresários gramadenses, denominado: "Sociedade pró reconstrução do novo cinema", relata a saudosa historiadora Marilia Daros Franzen, em seu livro "Grãos". Destaca ainda algo que foi sendo esvaziado no espírito comunitário de Gramado, à medida em que a economia cresceu, e aos poucos o que era uma necessidade para promover crescimento, com os novos tempos que chegaram a trote, o que era ação comunitária, tornou-se investimento e empreendedorismo. Importa é que deu certo. Eu acho.

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O Cine Embaixador era mais que uma sala de projeção de filmes (como se isso fosse pouco). Era o "City Hall", o espaço de eventos comunitários, semelhante aos espaços das pequenas cidades norte americanas, onde o "City hall" servia de palco de espetáculos cívicos, a manifestações políticas. Assim era o Cine Embaixador, nesse tempo descrito.

Entrega do Troféu "Ilha de Laytano", Cine Embaixador, Dezembro de 1976.
Em sentido horário: Paulo Cardoso, Nailor Balzaretti, Professor Francisco, D. Irma Peccin, Marília Daros Franzen, Esdras Rubim, José Staudt, e Romeu Dutra.

Era muito comum, a concessão do espaço do Cine Embaixador, para eventos estudantis. Nesse tempo, o diretor da entidade (Cinema), era o saudoso e querido amigo, Odilon Cardoso. Odilon não era de volteios. Bastava uma carta assinada pelo presidente do Grêmio Estudantil Machado de Assis (nesse tempo, eu estava no cargo), que a sala estaria à disposição, exceto nas quartas-feiras, sábados e domingos, dias de sessão. Ainda havia o compromisso de pagar os serviços de limpeza do espaço. nada mais.
De pé: Remi Pereira Dias, Ari Schmitz e Henrique Herrmann
Agachados: Odilon Renato Cardoso, e Gilberto Cavallin.



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É memorável, e até já escrevi sobre isso, o dia 7 de setembro, quando todas as escolas do município eram obrigadas a desfilas no frio da manhã, pois nesse tempo, ainda é inverno, porém, de modo geral, ao meio dia, o calor toma conta e as blusas são tiradas. Comemorando a data, os alunos levavam seus lanches de casa, e se refestelavam em alguma sombra, pela praça Major Nicoletti e Praça da Matriz, e logo mais, á tarde, uma sessão gratuita de cinema no Embaixador, fazia a alegria dos milhares de pequeninos, que se amontoavam pelos corredores, para não perderem um só momento do filme. Em minha memória, está vivo o filme: O casamento de Cindy, a namorada do Zé Colmeia, que no enredo da trama, a dócil ursinha é raptada e levada a exibir-se em um circo, e se não estou enganado, Zé Colmeia, e seu pequenino amigo de aventuras, o Catatau, se desdobram em peripécias para o heroico resgate da ursinha.



Mais que isso então, a partir de 1972, o Cine Embaixador torna-se o refúgio da liberdade cultural brasileira. Parece exagero pensar assim, mas é isso mesmo que acontecia lá. Vou explicar melhor.

"Tudo começou em 1973, quando o evento foi oficializado pelo Instituto Nacional de Cinema. A primeira edição, que surgiu da união da Prefeitura Municipal de Gramado com a Companhia Jornalística Caldas Júnior, a Embrafilme, a Fundação Nacional de Arte e as secretarias de Turismo e Educação e Cultura do Estado, aconteceu de 10 a 14 de janeiro de 1973, já com a disputa pelo Kikito, o “deus do Bom Humor”, cuja estatueta foi criada por Elizabeth Rosenfeld, grande incentivadora do artesanato gramadense." - é o que diz o relato oficial do site Festival de Gramado NET. Porém, a história começa um pouco antes e com outro objetivo: Em 1971, sob o comando municipal do então Interventor federal, Horst Volk (O Prefeito e o Vice, eleitos, foram cassados, pela ditadura militar, e no lugar destes, foi dado posse ao Presidente da Câmara de Vereadores), a então Festa das Hortênsias, que era uma festa absolutamente comunitária, e costumava oferecer espetáculos que iam de competições hípicas, na Carriére do Lago Negro, até acrobacias aéreas da Esquadrilha da Fumaça, para deleito dos milhares de espectadores e participantes do evento. A Festa das Hortênsias apresentava um concurso para escolha de uma Rainha e duas Princesas, que representasse a beleza das mulheres da pacata cidade de Gramado. Os carros eram ornamentados com motivos alegóricos e muitas hortênsias, e acontecia um cortejo, com música, narração em alto-falantes, para um povo que abanava com alegria e euforia para as alegorias dos carros e das beldades a bordo.
A praça se enchia de crianças à procura de algodão doce, pipoca, e vendedores de lembrancinhas. O café Cacique, assim como o Café Brasil, o Yogurt Pyp, os armazéns do centro, como o Armazém do Haas, do Horácio Cardoso, além da loja Guaspary, do seu Adail de Castilhos, a Churrascaria Vera Cruz, e se estou certo, também a Churrascaria três Reis, ao lado do Cinema, tudo se enchia de fregueses, e a cidade se adornava de cores.
Foi nesse ambiente que a equipe do turismo de Gramado, à época, composta por João Romeu Dutra, Silvia Wilrich e seu noivo, Enoir Zorzanello, que posteriormente tornou-se por muitos anos, o Presidente dos Festivais de Cinema, além do Interventor, Horst Volk, levou ao Rio de Janeiro, e Sâo Paulo, convites para que artistas do cinema e televisão, se fizessem presentes à Gramado, e andassem pelas ruas, à disposição dos fotógrafos e repórteres, e participassem de mostras de filmes, no Cine Embaixador. Isso foi em 1971, mas desmembrou-se da Festa das Hortênsias, que não era anual.
Horst Volk, Presidente da Ortopé S.A. foi, além de Interventor, um grande patrocinador de eventos ligados à comunidade, entre estes, o primeiro Festival, onde patrocinou dois filmes.
O primeiro filme premiado foi "Toda nudez será castigada", de

O que era o Festival de Cinema de Gramado em 1973
Olga Reverbell, Waldemar Weber (Prefeito) e Beto Perini


Uma mostra de filmes que ainda não haviam entrado para o circuito de exibições, e ainda não haviam passado pelo crivo do Departamento Nacional de Censura. Desde seu início, o Festival de Cinema foi um separador de ideologias, usando Gramado com pano de fundo para estas disputas paradoxais. Por exemplo: se de um lado, os governantes locais eram representados por aliados do governo militar, de outro, os artistas, em sua esmagadora maioria, eram manifestos militantes da resistência política, em seu braço intelectual.
Exibir um filme no Festival de Gramado, era dar à grande imprensa a oportunidade de mostrar ao público, em primeira mão, aquilo que a censura e sua tesoura implacável, trataria de cortar, logo após a primeira exibição.
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"Muitas vezes fomos falar com a "Tia da Censura, para que ela liberasse os filmes, ao menos para primeira exibição, no Festival" - diz Enoir Zorzanello, um dos Presidentes de maior permanência no Festival. A luta para burlar o olho nem sempre aguçado, mas profundamente ideológico e puritano dos censores, era grande. Como havia uma clara caça aos comunistas, institucionalizada, os cineastas utilizavam seus filmes como veículos de protestos na área política, e sua estratégia era simples, pois perceberam que os censores também não eram muito perspicazes, alguns eram muito burros mesmo, e então colocavam cenas esdrúxulos e fora do contexto do roteiro, de nus frontais masculinos, principalmente, para desviarem a atenção dos censores, que se chocavam com as cenas escancaradas, e perdiam o reflexo de análise dos diálogos ou imagens nitidamente políticos, de protesto.


Selo do Departamento de Polícia federal, Serviço de Censura de Diversões Públicas


Pedro e Suzana Bertolucci
Enoir e Silvia Zorzanello



Célia Ribeiro (Colunista de ZH) e Glória Menezes


Documento de uma música de Raul Seixas com anotações dos censores (Fonte Wiki)


Filme "Vai Trabalhar Vagabundo" Estes ainda eram os primeiros Kikitos com cara de metal. Pedi, certa vez ao Hugo Carvana (segundo em sentido anti-horário), e ele prometeu doá-lo para o acervo do Festival. Passou.

Silvia Zorzanello, uma das grandes incentivadoras do Festival e Secretária do COMTUR - Conselho Municipal de Turismo, que funcionava na sobreloja do Cine Embaixador.
Enoir Zorzanello (Foto: Terra)

Pedro e Suzana Bertolucci Foto Museu J L Lied

Enoir e Silvia Zorzanello Foto Museu J L Lied
Romeu Dutra



Paulo Porto - Vencedor do I Kikito pelo filme: Toda Nudez será Castigada, de Nelson Rodrigues.

Paulo Porto e Darlene Glória

Esdras Cardoso Rubim, ex-Presidente de vários Festivais.
Foi de Esdras, a iniciativa de transferir a data, de janeiro, para agosto, do Festival de Gramado

João Romeu Dutra, primeiro Presidente do Festival de Cinema - Foto: Rádio Floresta


Horst Ernst Volk - Interventor Federal e Patrocinador de festivais (Foto: Gaucha ZH)
Foto: Arquivo Publico de Gramado





Destacado "Penetra" de Festivais e eventos oficiais de Gramado nos anos 70.


Paulo Betty, Eva Wilma e Carlos Zara (Foto Arquivo Público de Gramado)


O filme abaixo, por ter restrição de idade, só pode ser assistido no Youtube

Celebridades de Gramado

Odilon Renato Cardoso - Foto: Arquivo Público de Gramado

Seria vazio se falássemos do Cine Embaixador, sem que fossem lembrados alguns de seus personagens notáveis, como Odilon Cardoso,  Diretor quase vitalício da instituição. Sujeito bem humorado, sem deixar de lado a seriedade. Humano, humilde e generoso.  Precisaria pesquisar todos os sinônimos para qualificar as qualidades deste grande amigo de priscas eras.
Durante muitos anos, minha filha Melissa e sua filha Cristina, foram colegas. Desde o pré-primário, até o último ano do ensino médio, com um breve intervalo, do tempo em que fomos morar fora de Gramado. Amigas inseparáveis, as duas, adolescentes já, iam na danceteria do Gramado Tênis Clube, aos sábados à noite. Odilon deixava a filha à tardinha, na minha casa, e mais tarde, eu as levava até o Tênis Clube. Lá pelas duas da manhã, Odilon enfiava um Pala por cima do pijama, e estacionava na frente do clube. O porteiro já sabia quem era, e chamava as meninas, que iam dormir na casa do Odilon. No dia seguinte, eu buscava minha filha. E, todas as vezes, Odilon me convidava para comer uma "Sapecada de pinhão", com ele, pois tinha uns portentosos pinheiros diante da casa. E toda vez que eu o encontrava, perguntava quando seria a tal "sapecada", e ele respondi: Em março.
O tempo passou, Odilon foi dormir o sono dos justos, e "Março" não chegou.

Também preciso falar dos "Vaga-lumes", ou "Lanterninhas", e porteiros do Cine Embaixador. Então falemos de Ari Schmitz, Henrique Herrmann, Flávio Schenkel (não consegui foto),  Paulo Cavallin (idem), Seu Quintino, do Remi Pereira Dias, que, embora ele possa negar o fato para se preservar, sim, eu e mais contemporâneos, já tivemos oportunidade de entrar pela porta lateral, por benefício caridoso de um dos porteiros supramencionados. Apenas, omitirei qual deles tenha sido generoso conosco. E também é bom lembrar  da Jura,  que era bilheteira e baleira, do Nienow, que projetava os filmes, e se eu tiver esquecido alguém, por favor, envie o nome e se tiver, foto também.




No Cine Embaixador também aconteciam as apresentações artísticas e culturais de Gramado, como musicais, e peças teatrais.
Em 1977, mês de abril, se não me falha a memória, realizemos lá o II FET - Festival Estudantil de Teatro, um evento em parceria com a UGES - União Gaúcha dos Estudantes. Nesta ocasião, acolhemos cerca de 700 estudantes provenientes de todo o Estado do Rio Grande do Sul, ocasião em que oferecíamos estadia, alimentação e eventos festivos paralelos, tudo por conta da entidade: Grêmio Estudantil machado de Assis. isso mesmo, tudo era de graça, exceto os ingressos, que eram cobrados do público em geral, e pasme, ainda tivemos lucro. Os estudantes eram alojados gratuitamente nas casas dos gramadenses, que generosamente hospedavam um, dois até mais estudantes, pelo período do evento. A alimentação ficava por conta de voluntários que cozinhavam nas dependências do Pavilhão de São Pedro, onde havia uma cozinha, e também lá era o refeitório para aquele povo todo. 
Naquele tempo, hospedar um estudante era um motivo de alegria para os anfitriões. Tem que dar saudade de um tempo assim, ou estou errado?
Paulo Cardoso e Nelson Dinnebier





Os escândalos e as festas

Como contei acima, o Festival de Cinema de Gramado, era uma grande oportunidade para que a intelectualidade manifestasse seu descontentamento com a situação política brasileira, e assim, qual maneira seria melhor do que atrair a atenção da imprensa, senão por meio de escândalos?
Não eram escândalos como os que acontecem hoje, financeiros, políticos, mas de natureza moral. Por exemplo: Em um dos desfiles que aconteciam, por conta dos patrocinadores, um renomado colunista social, entrou completamente nu, atrás das modelos que desfilavam, em uma apresentação de jóia.
Outra vez, eram as atrizes que desfilavam nuas pela praça, cercadas de jornalistas e fotógrafos. Outra ainda, eram atrizes que se abraçavam com autoridades, e os jogavam na piscina do Hotel Serra Azul, que nesse tempo estava instalada em uma depressão, onde hoje tem um pequeno centro comercial, e, protegida do acesso público, pela altura, pois ficava embaixo, e uma pequena mureta, onde se apinhavam curiosos, os eventos também eram realizados lá, pois era uma forma de permitir que a população assistisse aos acontecimentos.
Teve ainda, o cineasta gaúcho, que mijou no tapete da sala da lareira de um hotel em Gramado. E uma cena hilária, e triste, de um churrasco para os artistas na sede campestre do CTG Manotaço, e encontrei dois atores, duros de bêbados, sentados, de costas, escorados, um no outro, ao lado de uma árvore: Grande Otelo e Ambrósio Fregolente.

Ambrósio Fregolente


Roberto Gigante, colunista social











O dia em que Catherine Deneuve NÃO foi ao Festival de Cinema de Gramado
Isso aconteceu, não tenho certeza se foi no 21º ou 22º Festival, em que foi anunciado á boca pequena, e naturalmente, caiu na imprensa, que a atriz francesa Catherine Deneuve, com quem muitos contemporâneos meus de Gramado, confessaram ter um relacionamento íntimo com a atriz, ainda que ela nunca tivesse ido a Gramado, e segundo me confirmou Enoir Zorzanello, então Presidente do Festival, "Catherine chegou a estar com os bilhetes aéreos na mão, mas outros compromissos a fizeram desistir e não foi desta vez que Gramado se deleitaria com o mais belo rosto do cinema naqueles dias".
Conta-se que a ideia teria partido do cineasta Walter Hugo Khoury. Eu nem duvido disso, pois trabalhei com Khoury, e ele era muito brincalhão. Daí...

Catherine Deneuve


Homenagem ao ator Alberto Ruschel, 1993


Visitantes ilustres

Lourival e Adarly Raimundy recebem a atriz gaúcha Carmem Silva - Acervo Arquivo Publico de Gramado

Prefeito Nelson Dinnebier, Walter Hugo Khoury, Dr Luis Carlos e sua esposa, Neusa Silveira



Cartaz do 18º Festival
João Alfredo Bertolucci, Presidente do Festival, e Esdras Rubim, recebem políticos.
Fotos Arquivo Publico de Gramado







O Festival sempre esteve atrelado aos patrocínios oficiais de órgãos do Governo federal, isso desde sua primeira edição. Sem estes patrocínios, teria sido extinto antes de começar.
Já participei da execução de alguns festivais, e na primeira gestão de Nelson Dinnebier, éramos apenas três na Secretaria de Turismo: Esdras, eu e a Roswitha Mikolayszak. Esdras corria de um lado a outro em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, ajustando patrocínios e contratos, e Roswitha e eu, fazíamos o restante, em Gramado, para os preparativos, sempre amparado pelas demais secretarias (já mencionei Arlindo de Oliveira, um grande suporte aos eventos de Gramado). Tinha também os parasitas, que não levantavam a bunda para carregar uma cadeira, mas apareciam na hora de fazer discursos. Ah , tinha mesmo. Mas a estes, reservo as letras brancas do esquecimento. 
Na data do evento, em si, eram contratadas empresas que tomavam conta das secretaria e parte executiva, hospedagem, e logística do Festival. No fim dava tudo certo.

Coquetel de abertura do Festival
Os eventos paralelos eram muito concorridos. Demais mesmo. E também ali aconteciam alguns episódios folclóricos. Vou contar alguns.

No coquetel de abertura do Festival de 1979, eu já não trabalhava mais da Secretaria de Turismo, mas fui agraciado com um convite VIP, e como estava recém noivo de uma prenda mui linda, vi uma ótima oportunidade para "fazer média" e levá-la ao evento. Ela, comprou um belo vestido, e na noite do coquetel lá estávamos nós, entrando com convite especial pela porta da frente do Hotel Serrano. A prenda, com seu olhar cintilante, imediatamente tornou-se alvo de atenção de todos, especialmente dos artistas gambás e destemperados, que tinham a falsa impressão de serem deuses em um harém, à disposição de suas mentes depravadas, e em poucos instantes, estávamos cercados de olhares inescrupulosos à minha belíssima dama. Não antevi coisas boas, e, de sangue quente já, antevi dentes quebrados, escoriações diversas, costelas fraturadas, e um escândalo a mais pra imprensa se divertir, e eu não iria permitir que minha noiva ingênua passasse por aquela situação. Porém, eu não poderia demonstrar ciúme, pois ciúme é insegurança, e gera sofrimento. Então, o que fazer? Pois foi o que fiz! De um instante a outro, lembrando que estava no meio artístico, assumi meu lado "Paulo Autran", em Hamlet, e declamei: "Ser ou não ser? Eis a cuestã!" E meu fígado começou a manifestar sinais de deterioração. Meu coração avisava com claras letras que, se não saíssemos imediatamente daquele lugar, para "tomar um ar lá fora", eu poderia infartar ali mesmo. Comuniquei à princesinha que eu precisaria sair por uns minutinhos tomar um ar lá fora, mas que ela poderia ficar ali e se divertindo, que eu "já voltaria". Ahã! Bem capas, que ela me deixaria sozinho numa aflição dessas. Não, claro que não. E fomos lá fora. Meu fôlego estava visivelmente abalado, e eu "precisava" sentar, pois minhas pernas tremiam, eu talvez nem conseguiria sobreviver na próxima meia hora. Foi terrível. E sim, minha noiva era solidária e tomou a decisão que julgou certa, ainda que eu a contrariasse:
- Vamos embora aqui! Tu não está bem. Vamos pra minha casa (em Nova Petrópolis). Vou cuidar de ti!
- Oh, não, não, não! Por favor - implorei! TEMOS que ficar aqui na festa. Você está tão linda. Todos te admiraram. Vá lá dentro e se divirta e eu fico aqui num cantinho, tomando ar puro, e depois, se estiver vivo, eu entro!
Bem, vou encurtar. Fomos embora, e à medida em que nos afastávamos do local, minha saúde foi melhorando, até que, chegando na casa dela, a 40 km de distância, fiquei completamente bom. O ar de Nova Petrópolis era muito saudável, naquele tempo.
Mas nunca me deram um Kikito pela brilhante atuação. Fica o "rezistro" da injustiça.



Teatro
Carlos Volk, Sergio Broilo, Miriam Nilles, Silvana Patszinger, Maria helena Accorsi, Maristela Rossi, Suninha Patszinger, Mônica Campion, Suni Patszinger, Margarida Bertolucci, Paulo Cardoso, Marta Rossi, e Gelson Oliveira (Pél)- Peça EU VERSUS VIDA, de Marta Rossi

O Kikito
Desnecessário esmiuçar a história do Kikito, que todos conhecem. Apenas desfiar algumas minúcias, para registro de alguns detalhes.
Originalmente os Kikitos eram entalhados em madeira, e tinham o rosto, dos dois lados, finalizado com uma aplicação em latão. A parte de madeira era feita pelos escultores, e nesse tempo, o mais habilidoso, a quem Elisabeth confiava suas inovações, era o Nailor Benetti, chefe da seção de escultura.
Mais tarde, o próprio Nailor, aprimorou o entalhe, deu ao Kikito mais volume, e estabeleceu o padrão das unidades seguintes.
No início dos anos 70, Elisabeth vendeu ao casal Sopher, o Artesanato Gramadense, que foi colocado sob a responsabilidade de sua filha, Renata, então casada com Esdras Rubim. Nesse tempo, Elisabeth não trabalhava mais, mas os Kikitos continuaram sendo produzidos no Artesanato Gramadense pelos escultores: Nailor Benetti, Samuel Isaac cardoso, Gelson Oliveira, e Orival marques (Xixo). A qualidade porém era de responsabilidade do Nailor. Nesse tempo, eu já trabalhava na seção de escultura, mas nunca fiz nenhum Kikito, porque eu não tinha habilidade suficiente para esta tarefa, que exigia repetição das peças. E a bem da verdade, eu odiava aquele trabalho. Então não fiz nada.
Mais tarde, quando já não havia mais uma seção de escultura, e outros gestores tomavam conta de acabar com o Artesanato Gramadense, o Xixo foi encarregado de produzir os Kikitos, pagando royalties ao viúvo de Elisabeth (que  faleceu em 1980), Erich Rosenfeld, isso até que, em dado momento, o volume de Kikitos aumentou, e Xixo não dava mais conta. Foi então que usando de um dos modelos de madeira, passaram a produzir o troféu em bronze fundido, na Metalúrgica Natalino Tomasi, na Grande Porto Alegre. Desde então, Xixo continuou produzindo manualmente em madeira, e eram vendidos como souvenir. 
O fato é que em determinado momento, alguém tentou registrar a marca "Kikito", isto é, apropriar-se sem a devida ética de propriedade intelectual que não lhes pertencia, e a seguir, conforme os registros da INPI,  Prefeitura registrou a marca Kikito, no INPI, e como o mundo é dos espertos, assim ficou o registro de marca do troféu criado por Elisabeth Rosenfeld, que, em teoria, deveria permanecer no espólio de seus herdeiros, mas... Digamos assim: "Quem foi ao vento, perdeu o assento" (Antigo ditado português).
Bem, por ora , é isso que temos para o momento, mas esta matéria é aberta e pode ser corrigida a qualquer momento, se necessário.
Sabem o que me incomoda, particularmente nessa história? É que Elisabeth Rosenfeld, foi uma das pessoas que virou positivamente a página de Gramado, e seu nome só é lembrado por um troféu, que nem mais pertence à sua família. Verdade é que tem um Teatro com seu nome, mas se perguntar quem foi ela, dirão apenas que foi a criadora do Kikito. E ainda assim, não é mais dela.
São coisas assim que me põem medo de ser criativo, pois tudo se esvazia com a memória curta das pessoas.





















Agradecimento especial à Camila Tegner, Leandro Cardoso dos Santos,  e Enoir Zorzanello, pelas valiosas contribuições à esta matéria.




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