AD SENSE

terça-feira, 30 de agosto de 2022

A evolução da madeira de Pinus no Brasil




Lembrei que começamos a trabalhar com Pinus Elliotis no fim dos anos 70, e em poucos anos, o mercado ficou completamente enojado desta madeira.

Em 2008, fui chamado para criar um projeto, uma coleção de produtos, montar uma pequena fábrica, e um show room, em Lages, por uma familia investidora em reflorestamentos, mas era Taeda, pra papelaria. queriam fazer também móveis.

O contrato era bom, mas fiquei arrepiado com a ideia de voltar a trabalhar com pinus.

Então, chamei, pra trabalhar comigo, um amigo, engenheiro de produção, que montou as plantas da Tramontina e da Madarco. A partir do que aprendi, mudei completamente meu conceito. Descobri que em 1980, usávamos a madeira errada, as ferramentas erradas, e a química errada. com o advento da exportação, os polos de Bento Gonçalves e São Bento do sul, se adequaram às novas tecnologias trazidas pelos italianos e alemães, começando lá na floresta remanejada, na fresaria, na quimica de acabamento, e tudo mudou. mas ainda havia um ranço de preconceito, porque as superficies eram muito sensiveis ao impacto, ficavam marcadas, perdiam muito tempo emassando, etc.


Shelves do Brasil , by Pacard, 2008 - Foto: Ricardo Bampi

Foi aí, que criei um novo conceito, usado até hoje, onde transformei o defeito em efeito, e começamos a usar superficies modificadas por abrasivos, em lugar do jato de areia. ensinei os moveleiros de São bento do Sul, em um grande projeto coletivo, a convite do SEBRAE, a montarem maquinas usando escovas de aço, encontradas em lojas de ferragens, a valorizar o distressing, e outras texturas, e até uma máquina importada da alemanha que custava 50 mil dolares, foi substituída por uma enjambração de uma plaina sucateada, ao custo de 500 dolares no total.


Shelves do Brasil , by Pacard, 2008 - Fotos: Ricardo Bampi

O momento era de transformação, e já estava em ebulição o movimento "New Baroque", onde se podia mesclar padrões, como se fosse uma libertação do minimalismo.

Isso interessou aos fabricantes de chapas planas, e em pouco tempo, passaram a fabricar acabamentos texturizados de melamina, que multiplicaram a possibilidade de acabamentos até hoje. Atendi nesse tempo, cerca de 25 indurstias de pequeno, médio, e grande porte naquela região, onde fiquei até 2013, quando a exportação já estava favorável, e voltaram a exportar commodities.

Isso a globo não mostra!

Pacard - Designer, especialista em criatividade*

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segunda-feira, 15 de agosto de 2022

O verbo e o vazio - A desumanização pela comunicação



Na cultura judaico-cristã, O Logos, ou O Verbo, ou ainda, A Palavra, são a expressão máxima do conceito Divino da Criação do Universo, da Terra, da Natureza, e do Homem.

A palavra sempre foi objeto de veneração, ao longo da história. Valia mais que a própria vida, em questões de honra. O empenho da palavra era mais precioso que o ouro ou qualquer outro valor mensurável, porque a palavra empenhada não tinha como ser destruída ou roubada, senão por quem a tivesse proferido. Assim, a palavra era única, um DNA, uma assinatura imutável.

Depois da palavra, vieram as palavras, no coletivo, no senso de pluralidade, de compartilhamento de atitudes e sensações. E da palavra falada, cujas raízes brotavam das cordas vocais de seu emissor, e antes delas, do pensamento, um lugar secreto na mente, cuja chave só pode ser aberta pela vontade de seu emitente.

Destartem compreendemos a história pelo conjunto de palavras ou imagens que as traduzissem em seus significados mais profundos, pela riqueza de detalhes oferecidos ao leitor de qualquer tempo. Então, tivemos os cuneirofmes pelos sumérios; os hieróglifos, no Egito, o proto-sinaítico, que derivou o hebraico; os ideogramas orientais, e assim evoluindo, passando pelo alfabeto ocidental, que permitiu certo hiato entre os primeiros caracteres até os dias atuais, quando surge, pelo vazio de referências analíticas, os memes, os emoticos, emojis, e de tão veloz que corre a nova linguagem, tantos outros que certamente trafegam às sombras da web obscura, como códigos de proteção aos intentos menos publicáveis. As gírias, traduzidas por novos ideogramas, apenas perceptiveis aos iniciados, isto é, aos que pertencem ao mesmo grupo de atividades de tal natureza.

Classificar as palavras é um exercício de milênios, e a cada momento em que os mistérios da linguagem são satisfatoriamente elucidados, surgem novos tratdos de correção e ajustamento aos tempos e às invenções. Assim, viajar de um lugar a outro deixa de ser um aparato de meses, até anos, de preparo, para resumir-se à escolha da passagem mais barata, do hotel mais vantajoso, e da forma de pagamento mais propícia. Diante disso, a palavra "avião", aeronave, ou "Transatlântico", não fariam nenhum sentido há um século atrás, e soariam como fórmulas de bruxarias se proferidas durante a idade das trevas. Porém, a recíproca também é verdadeira, quando têrmos, conhecidos em lugares e em circunstâncias absolutamente locais e temporais, encontram-se em nossas leituras na literatura antiga, e torna-se ainda mais sinistra se tentarmos traduzi-las ao nosso tempo, sem a devida compreensão de suas fontes e propósitos originais.

A fluidez das palavras é uma máxima cotidiana, quando o que antes era comum, torna-se abjeto anacrônico, porque o sentido mudou, e o que antes fosse corriqueiro, torna-se ofensivo. Assim, pouco a pouco, obliteramos o desejo de falar, porquanto nossas palavras poderão tornar-se nossos verdugos. O que antes era afago, tornou-se assédio. O que era carinho, tornou-se malícia. O que era brincadeira, tornou-se um perigoso labirinto repleto de armadilhas para enredar ao menor delize. Assim, perigoso é falar. Perigoso é olhar, e torna-se nocivo até mesmo existir.

O verbo conjugado é o sujeito vivo. o verbo intransitivo é o sujeito acorrentado. A flexão verbal deixa de ser um aditivo do conhecimento, e torna-se um vazio cáustico pela ruptura da vontade acorrentada pelo medo do erro acidental. A inflexão verbal esvazia a vida. A vida vazia, esvazia o ser. O ser vazio caminha e arrasta consigo o mundo todo ao caos. A comunicação racional, que nos diferencia da comunicação instintiva dos animais, afunda-se numa espiral invertida, e cada dia mais, vai sendo engolida por si mesma, como a serpente "Ourobouros", que devora-se a si mesma, tendo seu formato absurdo indicativo de eternidade, mas uma eternidade perniciosa que se fecha, que se devora, diverente da eternidade que se expande, que se multiplica, que se descentraliza, o ponto inicial para o vazio desconhecido, como o "Big-Bang" que moldou o Universo.

O vazio dos verbos se distancia da plenitude do Verbo, porquanto é a iniciativa humana a reformular a plenitude moldada pelo Verbo primevo. A comunicação emaranha-se neste vazio do Ourobouros. A vontade se esvai no c´pirculo fechado do monstro, onde a cabeça devora a cauda, e impede a si mesma de flutuar pela existência.

Gosto mais de pensar no singelo "beabá" das primeiras lentras, onde não havia história a resgatar, senão o cantar sereno da mãe que embala o filho, mostrando o céu e nominando as estrêlas, como poemas e canções. o verbo era mais suave e o vento era apenas brisa. Um sopro. Uma promessa.


Pacard - Pétalas, 2022



Renovar para não sucumbir - O que a pandemia trouxe de bom



Renovar para não sucumbir

O que a pandemia trouxe de bom

Pacard - Escritor - Designer




Parece ser uma piada de mau gosto, dizer que algo de bom tenha saído de uma pandemia, com milhões de mortos pelo mundo, e traduzindo para o pessoal, a impagável quantidade de pessoas com qualidade, próximas, seja por parentesco, amizade, ou contemporaneidade, que nunca mais iremos cumprimentar durante o breve espaço de tempo entre o nascimento e o descanso, que chamamos de vida.


Ainda assim, para que o ânimo e a vontade de continuar não se perca, precisamos tomar um gravetinho, e remexer nas cinzas, levantar escombros, para descobrirmos que nem tudo foi perdido, a começar por nossas próprias vidas, haja vista que estamos aqui, levemente estraçalhados, e ainda assim, íntegros da determinação de continuar em frente, rumo aos sonhos que havíamos desenhado pela aquarela da esperança.


Desde que o mundo é mundo, desque que o Ser Humano descobriu a função das mãos e pés, e de todos os demais sentidos, sobretudo, de sua capacidade de repensar caminhos diante de obstáculos, nenhum caminhar é linear, mas todas as vidas desta longa história são como um prato de Lámen, aquele espaghetti crespinho, emaranhado entre si, e ainda assim, saboroso. A vida é saborosa, e quanto mais emaranhada, mas e mais desafios à nossa criatividade, ao uso de noss capacidade de recomeçar, é aflorada, e a cada instante somos diferentes do instante anterior, somos mais criativos, somos mais dinâmicos e resilientes. É assim que é a vida: um compêndio de resiliências, como adobes que constroem edifícios e pirâmides, como pilares que sustentam nosso caminhar.


Eu, assim como outros bilhões de eus espalhados pelo mundo, estamos nessa ebulição criativa, e basta que não fechem as portas que encontramos, para que nelas entremos, e ali façamos morada, não como invasores, mas como bons vizinhos. É assim que quero ser: um vizinho laborioso em uma coletividade de pessoas que não caminham para a escuridão, mas que se fazem luzes para iluminarem caminhos àquels que mal abriram os olhos, com luzes tênues em crescente, para que não sejamos ofuscados e venhamos a tropeçar pelo excesso de confiança vazia. Isso é o que quero dizer: não caminhamos sós, mas importa mesmo é que continuemos a caminhar.


Pacard, Pétalas, 2022


#esperanca,#determinacao ,#trabalho

quarta-feira, 27 de julho de 2022

O Beijo do Apolônio (Da séria série: Causos tão abiçurdos que só podem ser de verdade)



 Daí, o Apolônio Lacerda foi à uma bailanta, pra módi bebericar umas brahma, e dançar umas marca cas prenda.

A noite era quente, mas põe quente nisso. O calor do dia foi daqueles que até cachorro, na bunda, sua. E o Apolônio suava também. Suava e fedia. Tava embrenhado numa catinga que só vendo, ou melhor, cheirando. Até urubus que passavam por cima dele, lá no alto, se bombeasse bem dereitinho, perceberia que voavam de costas.

Noite adentro, Apolônio prega o ôio numa chinoca mui serelepe, zóio azul, batão vermeio, trancinha amarrada com tope de seda, e que também negaceava o Apolônio, ancim, de revesgueio. Não deu outra: Apolônia secou o bigode com a manga da camisa, já encharcada de cerveja e suor, e se plantou defronte à moçoila, que ao seu parecer, talvez fosse até casadoira, bateu palmas, como era o costume, para apartar duas chinas que dançavam juntas, ou à prenda que estava dimpé no canto do salão, à espera dum galalau que lha fizesse a côrte. Pois feito! Foram dançar, um com o outro e outro com o um. A prenda e Apolônio.

O gaiteiro, que nesse ponto da noite, já emborcado em duas guampas de canha, destroncava a choramingona e rasgava chote, vaneira, chamamé, tango, tudo num poutpurri remelado, e a poeira levantava no meio do salão. E Apolônio suava, mas suava...

A prendinha, delicadamente aproximou-se da oreia do Apolônio, e comentou, timidamente:

- Você sua, sêo Apolônio, ô....!

Apolônio deu um largo sorriso, tascou um beijo daqueles bem lambusados na pinguancha, e piscando os dois zóio ao mesmo tempo, respondeu:

- Pôus eu também vou ser seu, princesa!


Carsulina fez uns cataplasmas de catinga de Mulata com óleo de Capivara pra módi fumentar o lombo do Apolônio, que não fazia ideia que a prenda era fia do Idalino "Cicatriz", o intendente arrecém empossado, que fora lotado no Bassorão enquanto esfriava um lufa-lufa que se meteu no Morro do Calombo, onde servia até então.


(As Apolonésias poliandricas, Tomo II - bebo 3, by Pacard)

domingo, 29 de maio de 2022

A língua viperina digital

A comunicação digital acelerou muitas coisas, mas a pior delas foi a relação interpessoal.
Basta uma vírgula mal colocada, uma palavra em letras maísculas, reticências ao término de uma conversa, que a relação começa a azedar. Mais que isso, um email com sinceridade exacerbada, pode denunciar o estado emocional de seu emitente, de acordo com o horário em que foram digitados os desaforos. E minha infeliz experiência ao longo dos anos de convivência cibernética, o servei que eram quase sempre após às 23 horas, hora da solidão, do desespero, em que a angústia toma o lugar do sono, e como cabeça vazia é escritório do Satã, é ali que se iniciam os debates desastrosos, que ao fim, corroem o relacionamento, até mesmo, com as pessoas, antes mais queridas. É nesse cenário que descobrimos que o afago de hoje pode ser a agressão de amanhã. À noite.
Email tornou-se obsoleto, maçante, comercial. Vieram outras redes, com provas instantâneas inequívocas das mentiras sociais e da infelicidade em cores e sons, floreadas com espetadas e diretas, até que entrou em cena o Whatsapp, inicialmente divertido e esperançosamente eficaz para acelerar as intrigas, as ofensas, a angústia, e o desmoronamento do que nos resta de civilidade e humanidade.
Estas ferramentas são o largo pincel do Satã para borrar as delicadas linhas da humanidade emprestada do Criador, e será com esse tipo de instrumento, onde não há filtro moral, pela velocidade da resposta, que a infelicidade vai solidificar seu território, mas, tal como o pássaro anestesiado sob o olhar da serpente, somos incapazes de sair desta armadilha, porque necessitamos dele para outras funções.
Qual a solução paliativa, sem precisarmos fugir para as cavernas nas montanhas, como bichos assustados?  Não tenho uma resposta coletiva, mas eu optei por fugir de grupos, e quando sou ofendido, analiso dois aspectos:
1- Fiz algo errado? A pessoa tem motivo para ofender-me? Se sim, trato de consertar a situação e não deixo que evolua a mágoa.
2 - Não partiu de mim a agressão e me eximo de culpa, e mesmo assim, percebo que a tal madrugada fez seu trabalho? Respondo com uma sutil mudança de assunto, falando de comida, receita de chá pra aluviar a dor de barriga, ou simplesmente uso o comando de bloquear o desaforado
Chego à conclusão que o código matemático que O Zuckerb criou para se reconciliar com um passa fora que tomou, tornou-se o trator que está destruindo milhões de afetos, que poderiam resolver suas pendengas num cafézinho, ou sairem no braço, possibilidade que já reduz em 99% da coragem de que se diga aquilo que se diz com a ponta dos dedos, a quilometros de distancia.
Pacard, Pétalas, 2022, Ille Vert

domingo, 30 de janeiro de 2022

A morte do Teiú e o marasmo da vida

O lagarto Teiú é muito comum pelas matas, e até pelas áreas arborizadas das cidades. Aqui mesmo, onde moro, tem uma pequena reserva de mato, e nela há um lindo bioma, com animais silvestres e aves, como: Cotia, Saguís, Araquãs, saracuras, Gralhas, Pica-paus, Gaviões, e como diz o título desse ensaio, um volumoso Lagarto Teiú. Isso tudo eu posso ver da minha janela, ou do alpendre de meu apartamento. Se descer um pouco, e andar cerca de trezentos metros, ao sul, estarei na borda do maior mangue urbano do mundo, o Mangue do Itacorubi, onde somos privilegiados pela existência de um Jardim Botânico, e passeios, caminhos, passarelas, pontilhões, dentro do próprio mangue, para deleite dos naturalistas e biólogos, e ali encontraremos todo tipo de espécies selvagens que possam habitar um berçário marinho, como Jacarés-Açus, garças, cegonhas, caranguejos, peixes que desovam e nascem ali, e até mesmo, de vez em quando, como hoje, e outro dia dessa semana, temos o espetáculo bélico de helicópteros à caça de fugitivos de uma penitenciária distante a cerca de dois quilômetros daqui, cujos detentos, vez por outra, entendem que embrenhar-se no mangue, a enfrentar serpentes e jacarés, lama até à cintura, seja menos nocivo do que apinharem-se entre outros perigosos apenados, no cárcere estadual.

Mas fiz essa abertura para falar apenas do Lagarto Teiú, um bem apessoado réptil, com um sorriso enigmático e andar vagaroso, lambendo o tempo à procura de comida. São animais dóceis, não do tipo de pegar com a mão, que não se deve fazer com nenhum tipo de animal selvagem, mas de proximidade com os humanos. Quando morava em Gramado, eram frequentes as visitas de algum Teiú em frente à porta da casa, porque sabia que as crianças se divertiam vendo-os correr atrás de umas bagas de uva com agilidade desengonçada, fazendo a cauda balançar de um lado a outro, no movimento dos quadris gorduchos, e ao alcançar as bagas, comiam de maneira pouco elegante, e divertida. É por estas razões, que acho os Teiús muito divertidos. Lembro até de um Teiú que vi, correndo de pé sobre a água, como se caminhasse sobre uma campina, algo quase sobrenatural. Estes são os Teiús. É assim que os vejo: ágeis, versáteis, bem resolvidos e corajosos. Quase todos.

Pois aqui acontece a grande interrogação de meus passeios por terrenos pouco dantes caminhados, onde e quando encontrei em um barranco de uma rua nova, os resquícios de uma tubulação antiga de água, que descia da antiga propriedade do extinto Parque Knorr, uma outrora paradisíaca estação de prazer e beleza que hoje não passa de uma caricata loja de horrores travestida de parque infantil, sem nenhuma poesia nem encantamento, cujo portão jamais terá a marca de meus rastros, como tantas vezes teve, nos suaves e turbulentos anos de minha juventude, e foi nos limites desse saudoso terreno, que vi o tal cano cortado a uma altura de um metro do chão da estrada nova, e na boca desse cano vi uma cena que até hoje traz-me reflexões profundas sobre nossas indecisões diante dos obstáculos da vida: Vi um Teiú delgadinho, filhote, com cerca de um palmo de comprimento, e outro de cauda, com a cabeça voltada para baixo, em direção ao chão de um metro de altura... morto!

Deduzi com clareza que o animalzinho tivesse entrado por outra ponta do cano, um bueiro, andado até o lugar onde havia sido cortado, e, inseguro de pular dali à altura, que na sua matemática de lagarto fosse quase um himalaia, mortal e traiçoeira. Não era. Era apenas um metro, e o chão lá embaixo, era terra macia, que bastava um pulinho e ele sairia correndo a procurar bagas de uva ou pequenas larvas para comer, porque o que havia atrás de si era ainda mato, praticamente um supermercado para os lagartos Teiús.

Tem tempos na vida em que somos como aquele Teiú. Entramos em túneis escuros, e o que parecia luz no fim, era uma saída que exigia uma corajosa tomada de decisão: Pular para viver. O Teiú não pulou, e nem voltou atrás. Morreu de inanição. Morreu por falta de esperança. Morreu porque não sabia calcular as probabilidades de sucesso. Morreu porque estava só. Não havia perigo algum do lado de baixo. O perigo estava no medo de tomar atitude. Ele não tomou. E eu o vi ali, morto, imagino que havia poucas horas, porque não ousou a liberdade.







terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Do meu diário mensal que faço uma vez por semana (Da série “absurdos nunca mais haverão de faltar enquanto políticos existirem”)


Do meu diário mensal que faço uma vez por semana

(Da série “absurdos nunca mais haverão de faltar enquanto políticos existirem”) (Maio de 2010*)

Do lugar de onde eu venho, ou você ri, ou chora. 0ptei pelo primeiro sentimento. Na verdade, eu era tão feio, que ninguém sabia ao certo se eu fazia uma ou outra coisa. Quem nasce lá geralmente nasce com crise de identidade. Eu mesmo tive oito. No mesmo dia. Foi um sufoco, mas resolvi com civilidade: comi todas com farinha. Fiz torresmo. Transformei as crises em oportunidades e isso foi muito fácil: só acrescentei a farinha e cozinhei por dez minutos em fogo lento. Por isso enfatizo que o sorriso é o seu cartão de visitas. Cuide bem dele. Quem cuida, tem. Lavou, tá novo. Eu tive um belo sorriso certa feita, mas dei pra uma pessoa ingrata que não me devolveu mais.


Um sorriso é uma oportunidade para tudo o que puder ser descoberto atras duma porta. Daí, levo sempre comigo um estoque de sorrisos e quando encontrar alguém que não tenha um pra me dar eu empresto o meu. Há técnicas pra isso. Por exemplo: Você chega e encontra um sujeito carrancudo, esgualepado, de mal com a sogra e descontando a culpa em você: você lhe atira à queima roupa um sorriso. E caso a carantonha da pessoa não lhe permita isso, imagine-o fazendo as necessidades de cócoras no lombo dum enorme dum porco que gira em sentido horário.. Aí você não vai se conter e rir. Menos numa circunstância: em que isso seja uma lembrança de si mesmo. Desagradável ter que lembrar. Fosse eu, não poria mais meus pés naquele restaurante.

Eu cansei de ser chamado de ignorante. Isso eu não sou mesmo. Nem mesmo sei o que significa essa palavra. Sou letrado. Leio muito. De James Joyce a Mano Lima. Li Ulisses inteiramente de trás pra diante só por exercício cultural. E o livro estava de cabeça pra baixo. E eu também, pra facilitar.  Não entendi nada. Também não havia entendido quando li a partir da primeira pagina. Mesmo assim, achei o livro muito bom. Muito bom mesmo. Tinha a altura ideal do pé dum balcão que quebrou na minha casa. Serviu também como banquinho para dois dedos de prosa com um compadre.

Entrei para uma fraternidade. Sei que há preconceitos contra estas confrarias, mas essa é diferente. Mas acho que ja vou sair. Não confio em fraternidades que me aceitam. Olho com desconfiança. Especialmente aquele ali do canto que também me olha de um jeito estranho. Sujeito sem identidade. Repete tudo o que eu faço. Deve estar querendo puxar conversa comigo com essas brincadeiras idiotas. Não dou conversa. Faço umas macaquices, que ele repete a todas Viro as costas e me vou. Dou tres passos e devagarinho espio. Ele faz o mesmo. Por isso nunca me dei bem com espelhos. Não agregam nada ao que já somos. Ta certo. Groucho Marx pensou nisso antes de mim, o caso de não aceitar onde me aceitam. E daí? Groucho Marx nunca comeu arroz com couve em lata de cera. Isso quem comeu foi Jânio Quadros. E eu. Comia o que aparecesse pela frente. Arroz com couve, feijão, vizinha, brócolis e até jiló comi certa ocasião atras da cerca da escolinha. Sempre gostei de Jiló. Era a prima mais legal que eu tinha. Me deixava ficar com a tampa da laranja e a casquinha do pão.  Certa feita, até queijo ganhei dela. A casquinhas. Mas foi a melhor casquinha que comi em toda a minha vida. As de feridas não contam.

Não sou muito bom nesse negocio de contar historias. Me atrapalho todo. Os fatos até que eu lembro, mas as datas me confundem. Nunca sei dizer por que dezembro começa com dez se o mes é doze. Sim, tem a teoria do calendário juliano. Santa preguiça teve Gregório, o papa, que mudou o calendário pagão e deu uma capa cristã, mas continuou reverenciando as divindades espúrias. Enfim. Não se pode acertar todas. Pelo menos ele lembrou de tirar o primeiro de abril. Pipocou um dia. Por conta própria. Mudou os tempos e a Lei. Ahhh, seiscentos e sessenta e seis nas costas.

Sempre gostei destes mistérios. Um mistério é algo que não temos que explicar nem dar desfecho. É um mistério. Como as verbas públicas. Mistério…inverso à vida. Nada se sabe sobre como surge, mas todos presumem que tem medo de sua extinção.  Pudera. Sem nenhuma prova material, tentar quantificar em parâmetros humanos as coisas do espírito é como enfiar o dedo n’água e depois de tirar fora, tentar achar o buraco.  Aí Hobbes diria que são conjecturas a priori. Evidente. Ele nem gostava mesmo de Descartes, que verdade seja dita: era um chato. Matematicalizava tudo. X,Y,X e outras letras soltas numa panela com legumes, formavam uma bela sopa, que só ele e certos matemáticos conseguiam digerir.

Isso me faz lembrar que Deus vê por linhas retas e o homem pela curvatura dos olhos, tornando retas as curvas que são mesmo retas, para que as vejamos curvas. Einstein descobriu isso na curvatura do espaço, uma das solenes ironias paradoxais de Deus, que mostra um espaço curvo, cheio de coisas curvas, e que contradiz a definição de que uma linha reta é o menor espaço entra dois pontos. Não é.  Pergunte aos físicos. Aliás, são eles, os físicos os bufões da corte matemática. Interdependentes, mas escrachados. Fazem poesia com os números, enquanto os matemáticos transformam em tabelas toda a poesia contida numa equação. Exceto Fibonacci, que fez da matemática um compêndio poético da Criação, um soneto entre a criatura e o Criador.

E sabe o que mais eu acho? Dunga sabe o que faz. Tem gene matemático (todo alemão é um português que sabe matemática), mas se disfarça com a cara do Stan Laurel, para comer pelas beiradas. Enfim. Minha bateria está se esgotando e minhas ideias absurdas também. Tenho que parar por aqui. Fui.




TENDÊNCIAS 2025 BOLET'ILLEVERT ANO 1 - EDIÇÃO 1

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