AD SENSE
domingo, 6 de agosto de 2017
Reflexões
Reflexões
Pacard
Os Ventos
Sempre ouvi dizer que a sabedoria morava junto ao silêncio, e resolvi então buscá-la.
Levantei bem cedo, pois o primeiro silêncio anda junto da aurora. Andei no rumo dos raios sol e perguntei à brisa que me acompanhava:
- Conheces a sabedoria?
- Dela ouvi falar- respondeu-me.
- Por que a buscas nesta hora do dia, em que melhor é vagar sem saber onde chegar?
- Porque sei que posso encontrá-la e desejo dela sorver graça para minha vida – argumentei esperançoso de pudesse forçar o vento a conduzir-me a um ponto de partida.
- Ventos não andam em busca de abstrações – disse com ar de melancolia. Somos a abstração que se pode sentir sem tocar. Somos a metáfora de Deus, porque não nascemos onde nos possam dar nome.
Não andamos por caminhos pré-estabelecidos, e desaparecemos sem que nunca tenhamos sido tocados. Somos como o espírito vivo, embora caminhemos como a morte.
Ninguém nos pode guardar.
Sabem quem somos só depois que passamos. Somos o passado como vozes do presente. Nos podem ouvir, até mesmo há quem procure traduzir nossas canções, mas frear nosso curso não há quem consiga.
Somos o acalanto dos órfãos. Somos o bálsamo dos que queimam. Somos sopro Deus dando vida. Somos a própria vida.
Enquanto o sol mais alto surgia, devagar como o tempo, a brisa desapareceu. Aborrecido por não ter minha pergunta respondida, me retirei arrazoando com meus pensamentos, trôpego pela embriagante musicalidade da manhã, foi quando percebi que tivera minha primeira lição: A sabedoria é como a brisa mansa. Vem, anda junto e se vai. Dela ficam em poucos, as marcas. Dos que se deixam acariciar por sua suavidade, como que pelos dedos da brisa nas folhas das árvores.
As árvores
Continuei a caminhar e encontrei uma grande árvore. Já alto o dia, queimavam-me os raios do sol altivo e imponente, como um velho mestre a impor disciplina ao aluno displicente. Sentei-me à sombra e com jovial ociosidade fitei o cintilar entre as folhas, como se o olhar do velho professor buscasse me encontrar entre as frestas de meu esconderijo.
Era uma castanheira, frondosa, forte, abraçando em círculo com seus braços longos tudo o quando pudesse abraçar, como uma mamãe pássaro a envolver seus pintos sob pequeninas asas, mas que se multiplicam de tal modo que nenhum deles perde seu aprisco acolhedor sob a mais intensa chuva ou causticante sol.
Ao lado da castanheira, uma araucária alta, coroada de belas copas ostentando pinhas e balançando uma a uma como troféus por sua imponente forma.
Pousou entre as folhas da castanheira um pequenino pássaro. Quase ao meu lado. Arredio, ligeiro, atarefado em observar tudo ao seu redor como um guardião atenta para o perigo que ronda seu tesouro.
- Conheces a sabedoria? –perguntei ao pardal.
- Como ela é? Tem forma? Sabor? Cor? Pousa em que árvore? Constrói ninhos? Encontra sementes para seus filhotinhos? Banha-se nas fontes e bebe nas folhas? Quão alto voa? Brinca nos ares e voa em bandos? Procura o sul sem repouso em vôos sem descanso? Canta ao amanhecer e repousa com o crepúsculo? Foge dos predadores com astúcia? Etc, etc, etc?
Disse isso e voou dali pousando nos galhos, longe das folhas espinhentas da araucária.
Fiquei estarrecido com tantas perguntas, e enquanto ainda tentava assimilar a primeira delas, acompanhei instintivamente o ir e vir daquele passarinho, até que ele voasse para tão alto e eu não o visse mais.
Assim como chegou, se foi, sem me responder. Apenas fiquei observando o balançar das folhas de ambas as árvores pela brisa que passava, e acompanhar pássaros que iam e vinham, pousando numa e outra árvore. Na castanheira, entre as folhas. Na araucária, sobre os galhos.
Saí dali e continuei a andar. Foi quando percebi que a sabedoria estivera comigo outra vez e eu não havia percebido.
Concluí que como as árvores também podem ser as pessoas: assim as pequenas como as imponentes. Naquelas, cujas folhas pendem para o chão e se deixam soprar pela brisa, outras se podem achegar e construir seus ninhos. Embora imponentes e altivas, suas folhas sempre estão voltadas para baixo, humildes. As demais, cujas folhas também são voltadas para cima, são espinheiros, que não permitem a ninguém se aproximar. Tornam-se intocáveis e inatingíveis.
Olhei para trás, e pareceu-me por um instante ter visto olhos cintilarem entre as folhas que arrazoavam com o vento e os pássaros a respeito da sabedoria.
Uma certa manhã
Uma certa manhã
Sempre fui favorável a que as manhãs começassem mais tarde. Talvez depois do meio dia. Bem, podem achar que é tarde. Então tá. Pelas dez. Feito. Hora ideal para se abrir a janela, olhar a vida, cumprimentar o dia e..se estiver chuvoso, então voltar a dormir, que nesse caso é o melhor jeito de esticar a vida pelos caminhos do sono.
Acontece que nem todos pensam assim. Eu entendo. Perdoo-lhes a falha de caráter. Entendo que é perfeitamente justificável que algumas pessoas gostem de levantar cedo. Eu faço isso. Sim, religiosamente aí pelas seis da manhã. Todos os dias. Cumpro minhas obrigações, dou descarga e volto a dormir.
Entendo também que as pessoas possam não gostar das segundas feiras e também das sextas. Pessoalmente acho isso: as segundas não têm defesa mesmo, mas as sextas, ah não. Essas têm que ser justificadas. Afinal, qual é o dia que precede o sábado? Heim? No meu caso, por religião, faço do sábado meu descanso prazeroso. Mas há outras religiões no mundo, cujos prosélitos merecem todo o meu respeito. Até mesmo a turma que ama a sexta feira porque, dizem, isso eu não sei, mas dizem que é o dia internacional da cervejada e batucada na casa do Belô. Dizem também, isso eu não sei, pois minha religião também não me habilita a comer dessas firulas gordurosas como torresminho, salsichinha e louras alheias. Mas isso eu também tenho que fechar um olho pros que não vêem nada de mal em trebeliscar uma friturinha aqui, outra celulite ali. Cadum, cadum.
Longe de mim desejar reformar o mundo. Isso nunca. Acho bom demais do jeito que ele é. Acho que está tudo certo…tá, tá, nem tudo. Bom. Então se é pra mexer, acho que então tem que ser faxina geral. Vamos por mãos à obra e começar. Guerra: Vai pro lixo. Roubalheira, seja no governo, nos cultos ou no jogo do bicho: sem perdão. Ensaca e deixa do ladinho, que na quarta feira o lixeiro leva. É dia de lixo orgânico. Vejamos..tem aqui uns trecos..que..ah, já sei: mesquinharia..ih, acho que esse o lixeiro não leva. Certo, enterra.
Mas temos que organizar essa faxina: todos devem usar luvas, porque tem uma inhacas que não saem nem com detergente sanitário. E depois de tudo bem limpinho, vamos lavar tudo com água de lavanda.
Então certo. Tudo arrumado, vamos ao banho, porque os olores putredíneos, aquela murra, fica nas mãos, nos cabelos, no coração. Todo mundo pro banho…ei..epa, epa, epa..quando eu disse “todo mundo”, eu quis dizer: mulher numa banheira, homem noutra. Mas QUE COISA. Mal arrumaram a bagunça e já querem começar tudo de novo?
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