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quarta-feira, 24 de maio de 2023

O Homem que Vendia Solidão













O homem que vendia solidão

Solidão? - Perguntou, ensimesmado o caixeiro da loja de roupas, que recebeu uma filipeta, um panfletinho em preto e branco, anunciando a venda de nada mais, nada menos que "solidão". Isso mesmo, essa mesmo que o leitor está pensando aí.

- Mas e alguém compra isso?

- Evidentemente que sim" - Respondeu o filólogo, que oferecia solidão em promoção. Infelizmente, apenas uma por freguês, pois como se trata de solidão, não há um coletivo. Por acaso você sabe qual é o coletivo de solidão?

- Creio que seja "multidão"! - Respondeu o caixeiro, meio desconfiado de que talvez fosse uma pegadinha.

- Pois aí que está" Isso mesmo. Multidão. Ocorre que multidão é algo que descaracteriza a pessoa, compreende? Qualquer um na multidão, desaparece completamente, e assim, fica pior que antes.

- Nunca havia pensado a respeito disso! Respondeu, pensativo o caixeiro. E como funciona isso?

- Ah, não é tão simples, mas é um recurso para que o indivíduo se torne novamente um indivíduo, e não uma estatística, um número, uma sombra. A coisa funciona assim: Nesse tempo em que vivemos, onde cada louco contamina outro doido com sua loucura, fazendo com que dois loucos multipliquem seus disparates e desta forma, teremos uma multidão de loucos. Assim como acontece em uma pandemia, por exemplo. Um louco avisa o outro, e ambos se enroscam na loucura coletiva, e tornam-se alvos, presas fácies dos dominadores, que capturam doidos com redes, sabe. Redes de mentiras, rede de intrigas, rede de fofocas, redes e mais redes, até que estejam todos dominados, e por estarem em bandos, perdem sua individualidade, não são mais ninguém, ainda que amontoados com outros milhares de ninguéns. Compreende?

- Não!

Veja bem, vou dar um exemplo: Se você caminha entre muitas pessoas, e se todas elas falarem ao mesmo tempo, você conseguirá entender o que falam?

- Pois então! Aqui está a chave da questão. As pessoas precisam ouvirem suas próprias vozes, ouvirem seus nomes, conversarem com quem as ouça, e ninguém melhor que nós mesmos para ouvirmos o que dizemos. Assim, se você for capaz de caminhar sozinho, ainda que na multidão, você voltará a ser você e mais ninguém.

- Mas e por que as pessoas não fazem isso?

- Porque perdem suas vontades, pelo medo, pela falta de esperança, pelo exagero de informações que receberam, e saturaram a credibilidade em tudo. Pois é aqui que eu entro, e vendo para elas o meu projeto de "Solidão Responsável!"

- E como funciona:

- Vendo à você a pergunta "coringa", para todas as respostas, que é uma pergunta padrão, capaz de afastar as pessoas negativas de sua presença, e assim, você tem possibilidade de caminhar livre por entre elas, sorrindo, enquanto choram, sereno, enquanto gritam, altivas, enquanto se dobram ao desânimo.

- E tem garantia isso?

- satisfação garantida, ou recebo em dobro o que você pagou, em espécie.

- Não estou precisando ainda, mas por favor, embrulha pra viagem, pois vou ligar a tevê, e posso precisar disso logo, logo.

- Pois não! Débito ou crédito?

- Faz no carnê?

- Infelizmente não. Carnê pressupõe um monte de parcelas, e isso descaracteriza o negócio. Solidão é tudo, é o nosso lema. Vai querer uma sacolinha?

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Matutações sobre o Mate Amargo


Pois não sou de me gabar, porém, certos feitos devem ser enunciados para recuerdos da posteridade, e aqui testemunho da qualidade material de um bem cuáje espiritual, sem pender pro fanatismo, que é o meu apetrecho de matear, a minha cuia feita de porongo de Canela Sassafrás, feita de um toco retirado da figueira milenar de adonde foi enforcado o glorioso jeneral Bento Gonçalves, em Ouro Preto do Passa Quatro, perto de Taquari.

Matear é um ato solitário que deve ser feito em pixurú, pra não perder a mão, e sempre seguindo o protocolo de jamais mexer na bomba, nem entregar a cuia pro cevador sem roncar tres vezes.

Entregar a cuia com a mão errada também é um sacrilégio, punível com chá de umbú. Você pode, ao tomar o mate, usar a mão direita, a esquerda ou qualquer outra, mas só não pode pegar e nem devolver com a mão errada, pois a certa é a direita mesmo.

Toma-se o mate apenas em duas ocasiões nessa vida: Quando chove e quando não chove! O resto do tempo a gente pode ir se intertendo com uma matezito aqui e outro ali, solito ou num circunlóquio festivo. Sem mistura, ou acompanhado de um naco de charque, uma costela gorda passada no pirão, ou uma bolacha, que pode ser pintada ou não.

Todo vivente, toda viventa, e todo vivento precisa ter na partelêra, polo menas dois pacotes de erva da boa, para oferecer às visitas que chegam, ou matear em homenagem às visitas que não aparecem. É um jesto de munto respeito, além de ser lôco de especial matear, seja solito ou acompanhadito.

O mate amargo deve ser tratado cuáje como uma pessoa, pois quando ninguém mais quer prosear com o vivente (vivento ou viventa), o mate tá ali, solidário, quentinho, amarguito, pronto pra ser sorvido, e pra matear, não se requer muita prática (preparar o mate já são outros quinhentos mirréis) nem habilidade espacial, senão apenas esticar o beiço, fazer bico, como os franceses, e beijar a bomba. Só não pode grunhir de sastefassão, pois aí fica parecendo côsa deferente.
Mas AHHH LA FRESCAAA!

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Velhos guardam coisas...


Velhos guardam coisas...
Pacard (Escritor, e velho)

Num dia desses, assisti um filme, do qual gostei imensamente, onde dois gigantes da dramaturgia, Olivia Colman (A Favorita, Filha Perdida, e outros), e Anthony Hopkins (O Silêncio dos Inocentes, Um crime de mestre, etc), vencedores de Oscars, emprestam seus talentos em um quase monólogo, de ambos, em que a atenção do espectador não perde um único movimento ou frase dos protagonistas, ainda que todos os cenários sejam sutilmente trocados ao longo do enredo, onde o roteirista consegue, com maestria, mostrar os últimos momentos da evolução da senilidade de um personagem tão conhecido de quase todas as famílias deste mundo: o idoso!

Talvez porque eu também esteja caminhando nessa senda da idade que me abraça com ansiedade insaciável, e que começo a perceber em mim mesmo manias e ranzices (existe esta palavra?), que passo a aceitá-las com certa naturalidade, e até me divirto com estes lapsos de confronto entre a idade madura e aquela idade em que apesar de ouvir ainda muito bem, bem até demais, ouvimos coisas que gostaríamos de não tê-las ouvido, seria melhor, mas a vida é a visa e é assim que é. Por exemplo: "Não vai faltar muito para que o caminhão que recolhe entulhos passe aqui para levar essas tralhas, e se descuidar, te leva junto!" É claro que estou usando uma metáfora e generalizando, pois eu não tenho nenhuma preocupação com o caminhão do entulho, porque conheço o rapaz e posso entrar em acordo com ele se isso acontecer. Mas também é certo que tenho minha caixinha com parafusos de todos os tamanhos, roscas, e bitolas, e acreditem: Com frequência tenho que dar um pulinho na loja para comprar outro tamanho que é indispensável para consertar aquele objeto que seria descartado como inútil, quando apenas o que faltava era aquele parafusinho e uma ajeitadinha aqui e outra ali para economizar boa parte do meu parco salário de aposentado.

Os velhos guardam coisas, porque ao longo da vida, muitas coisas faltaram nos momentos mais inoportunos, e assim, adquiriam o hábito de não jogar fora aquilo que não esteja totalmente inutilizado para consertar outra coisinha aqui e ali. Os velhos guardam memórias que se acumulam, porque não há mais quem as queira consumir, porque velhos repetem as mesmas histórias, não porque acham que as pessoas sejam esquecidas, mas porque se eles próprios (nós) não as repetirem, serão finalmente esquecidas. 

Os velhos guardam coisas como valores (se os tiveram cultivado, pois só guardamos aquilo que já tivemos um dia, ao longo de muitos dias), porque são estes valores que o sustentam nos longos dias emendados nas noites insones, a contar nos dedos enrijecidos os dias que faltam para que o silêncio não os perturbe mais.

Os velhos guardam coisas e loisas. Guardam lembranças e guardam distâncias dos tempos em que os passos eram ágeis e as horas eram mais lentas, onde a vida era ligeira, e não havia tempo para abraçar o tempo que tinham para abraçarem seus amores. Os velhos abraçam dores, que as tornam companheiras, posto que sejam as únicas companhias dos dias que perambulam solitários de um lado a outro buscando com o olhar esperançoso pela companhia de quem os procurem para ouvir deles as lembranças, e as lembranças dos sonhos que nunca se cumpriram.
Os velhos guardam coisas, pois as coisas, ainda que apenas coisas, mostram pela poeira e ferrugem, que são tão velhas quanto eles, e velho com velho se entende bem.
Velhos guardam coisas, e coisas protegem os velhos da solidão.





Laodicéia é aqui - A hipocrisia que rasteja pelas igrejas

  "A igreja de Laodicéia é mencionada no livro bíblico do Apocalipse como uma das sete igrejas da Ásia Menor. Ela recebe críticas sever...