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quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Teoria da Criatividade - Capítulo I

Teoria da criatividade

Pacard, Escritor - Designer



CAPITULO I



Nós somos cercados pela constante necessidade de inovar coisas, inovar os sonhos, inovar a vida, inovar o mundo, e só a mediocridade é capaz de frear nosso movimento nesta contínua busca dentro do desconhecido, seja ele estético, prático, físico, mental ou até mesmo espiritual.

Vejo criatividade em tudo e em todos, embora poucos assumam a pecha de criadores. Dá impressão que sentem vergonha de serem criativos. Que sentem repulsa pela ideia de serem chamados de inovadores, posto que inovador e criativo, até bem pouco tempo atrás era tido por maluco, por irresponsável.

Os criativos eram temidos pela sociedade, assim como eram também os deficientes, nas culturas antigas. Os criativos ainda são tomados como irresponsáveis por muitas pessoas, especialmente no meio empresarial menos esclarecido, porque são inquietos. Há uma repulsa quase natural por aqueles que destoam do Status Quo do grupo, que se permite modelar pela vontade soberana daqueles que sentem nos criativos, rivais, que ameaçam sua autoridade diante dos demais.

Não suportam a mesmice, são irreverentes, muitos, quase intolerantes, e acabam por tentar mudar as coisas, só que nem sempre suas atitudes são benvindas. Toda mudança gera responsabilidade em aderir a ela, quebrar paradigmas, andar noutra direção. E isso pode ser o fio da navalha para os criativos, pois quando a criatividade se choca com a mediocridade, os resultados podem ser imprevisíveis. Cabeças rolam em grande parte das vezes que isso acontece. Medem-se forças de convicção e assimilação.

Se os medíocres estiverem em maioria e tiverem potencial capacidade de formação de opinião, os criadores podem preparar suas malas e buscarem outros palcos para encenarem suas tragédias. Se o contrário acontece, então, são os medíocres quem precisam se reajustar com as novas diretrizes.

Em geral, uns poucos líderes desta rebelião ideológica são decepados do grupo e os criativos assumem a inovação. Os demais se tornam massa inerte e cumprem o estabelecido. Mas não são medíocres. São pessoas normais. Em minha geração de pós-adolescência, anos 70, havia conceitos que norteavam a conduta social através de certas particularidades das pessoas. O corte de cabelo, o friso na calça, chapéu, gravatinha fina, camisa engomada, óculos quadrados e abotoaduras, perfilavam um homem decente, aceitável pela sociedade. Caso este personagem fosse funcionário de um banco qualquer, de um escritório de contabilidade, um gerente de fábrica ou uma profissão qualquer relacionada à organização, produção ou governo, tornava-se um excelente “partido” para casamento, amizade ou participação na comunidade. Ao contrário disso, quem fosse criativo em excesso, volúvel nas ideias, artista, pensador ou exercesse qualquer profissão menos cartesiana, era considerado um sinal amarelo para maior proximidade com pessoas “decentes”. Neste saco de gatos estava o criativo, o inventor. O Ser Criativo era uma praga social. Poderia agir, contanto que não excedesse os limites preestabelecidos, isto é, que permanecesse no mesmo emprego, que não ousasse expor seus sonhos para não passar por louco ou que ousasse ser empreendedor sem ter suficientes recursos que lhe garantisse continuidade e sucesso no empreendimento. Evidente que qualquer empreendimento precisa ter planejamento, serenidade das decisões, alguma experiência e sobretudo coragem. Mas também é necessária ousadia. Muita ousadia, caso contrário seria apenas mais um no mercado.

Entrar no mercado por primeiro é um risco enorme, porque não há parâmetros para estabelecer metas ou traçar paralelos de sucesso ou fracasso. Os aviões comerciais tem suas rotas, altitudes e horários, determinados pelas torres de controle, para que não cheguem cedo demais, ou tarde demais, ou ainda em horários conflitantes com outras aeronaves, o que poderia se tornar uma catástrofe imensa, não fosse a ordem e os roteiros estabelecidos. Há um tempo para tudo, diz o sábio da antiguidade, e o tempo é o fator determinante dos resultados que se espera das atividades relacionadas com a sociedade. Este sincronismo determina a dita normalidade da sociedade, embora as variáveis também sejam interpostas com as constantes deste entrelaçado evolutivo. Se interligam criativos e executivos, tal como gordura e carne, fibras e silício e outros opostos naturais na fisiologia das espécies

Há, porém o benefício do inusitado, da surpresa, da coragem. Tantos são os empreendimentos que fracassam quantos são os que prosperam no campo da inovação. Mas não se pode atribuir à inovação em si os méritos pelo sucesso apenas, como não se pode atribuir à mesma inovação o demérito pelo fracasso. Inovação não é invenção barata, loucura manufaturada ou uma bolha etérea sujeira ao vento sem um leme.

Inovação é um conjunto de temperos que dão sabor ao sucesso. Inovar e criar não são atos solitários, mas solidários.

Criatividade solitária pode aparentar genialidade, mas é um risco enorme, uma corda bamba sem rede de proteção. O trapezista criativo pode chegar ao fim da corda se não houver vento, não tiver uma vertigem repentina ou suas pernas tiverem equilíbrio.

Sou levado a perceber que o mercado não é assim. Há sempre uma corda e um penhasco para atravessar por ela. Mas há ventos, altitude e rochas lá embaixo.

A corda sempre balança e vertigem acontece. O Ser Criativo, porém saberá identificar com antecedência sua tendência à vertigens, a labirintite. Saberá analisar as condições climáticas, a resistência da corda, fará exercícios que fortaleçam suas pernas e estenderá uma rede embaixo para eventuais imprevistos. É o que chamamos de “Plano B”.

E a bem da verdade, o Ser Criativo não depende de planejamento, embora faça dele uma ferramenta de sustentação de sua criatividade. Mas ele não depende de um estoque de ideias que permitam dar solução a problemas e desafios, porque desafios são quase sempre inusitados, e o inusitado não tem historia e sobre seus caminhos não se pode retroceder.

Diante desta reflexão podemos então classificar os grupos de trabalho em: Criativos, Medíocres e Normais. Mas também sub classifica-los em criativos medíocres, criativos normais e medíocres com soluções criativos. Com qual grupo podemos nos identificar?

Se você é um criador (ou criativo), liberte-se do medo de não ser compreendido, de que as coisas possam dar errado. Não tenha medo de subir a montanha pelo outro lado para ver o que há do lado de cá. Não, eu não errei a sintaxe. Eu quis dizer exatamente isso: Suba a montanha do lado de lá para ver o que há do lado de cá. O óbvio seria o contrário, avançar no que fazemos comumente para ver o lado de lá. Mas perceba que há tanta gente do lado de lá, caminhando para o lado de lá, que não há mais novidade nisso. Há tantas expectativas, tantas previsões, análises críticas sobre as possiblidades de saber o que há do lado de lá, previsões matemáticas, estatísticas, fórmula de Fibonacci, planejamentos, que o lado de lá torna-se um amontoado de previsibilidade nada criativas. O óbvio jamais será criativo. Óbvio é o óbvio. Já foi criado. Resta então correr pelo outro lado e olhar para os que avançam para o lado de lá. Descobrir neles coisas que não percebem sobre si próprios. Mudar as coisas com sabedoria, com inteligência, com criatividade e fazer com que chegar do lado de lá se torne apenas uma consequência de curso e de percurso . Planejamento é necessário, mas existe um momento em que se não houver liberdade e flexibilidade, ele se torna inócuo, vazio. Planeja em cima do nada. Desta forma, deixar que a criatividade tome suas próprias decisões durante o processo é uma certeza de muito trabalho para o planejador após a criação.

O lado de lá é sempre mais cobiçado, mas o lado de cá tem mais conteúdo. Descubra-se.

Mas até lá, deixem-no trabalhar e criar em paz, livre.

Quando nos encontramos com nós mesmos, isto é, quando damos a volta na montanha e olhamos para o que fazemos, descobrimos que há tantas possibilidades dentro de nós, que o universo criativo não precisa ser assim tão distante, nem tão finito.

Em Sua Infinita Sabedoria, D-s é Único.

Tivesse feito também único o Homem, ter-se-ia um paradoxo. Criou-o portanto múltiplo para que contasse até o infinito. Quanto olhou para si próprio como único, interrompeu, a criatura, essa contagem e encerrou aí a compreensão de sua multiplicidade infinita, à semelhança de D-s.

Caminhar portanto adiante de si mesmo e olhar para trás em busca deste reencontro é estar cumprindo com suas obrigações criacionárias, criacionistas e criativas. Compreender o incompreensível é compreensível. O que não dá para entender é tentar explicar o óbvio. E o óbvio é andar só para frente. Subir sempre a mesma montanha. Como todos fazem. Dar a volta e subir a montanha pela outra face é como olhar-se no espelho das virtudes.

Vês num espelho uma imagem de ti mesmo? Ou vês do espelho em ti um arremedo de imagem primitiva que o imita em todos os gestos? Assim como o espelho necessita de tua imagem para que seja uma imagem virtual, necessitas tu do espelho para que te veja face a face mesmo assim, um de ti é apenas uma imagem vazia. És portanto meio real, meio virtual. Não te glories disso, posto que quando te fores, teu outro vazio não vai te acompanhar. Segue em outra direção. Tu mesmo te volta as costas para ti mesmo. Triste figura solitária és, que nem o vazio te segue.

Evidente que se trata de um ensaio de ideias com dramaticidade literária.

Escrevi para ilustrar que até mesmo no vazio de ideias, podem surgir outras novas ideias. O vazio pode ser combustível para a recriação.

A criatividade não nasce necessariamente no vazio das coisas, mas na necessidade de outras coisas. São os desafios das coisas que entravam o conforto ou bom funcionamento de algo, que nascem as melhores soluções.

Há soluções que se tornam ícones e artigos de primeira necessidade, pois são tão bem sucedidas, que seria impensável viver com naturalidade sem estas soluções; Que o digam as mulheres e o sutiã. O homens e a cinta. Ambos, e o calçado. E a lista é grande. Podemos citar a lâmpada elétrica, ou à querosene, antes dela, ou a vela de cera para os religiosos, ou a mesa para os comensais, e para a mesa, como pensar em comer confortavelmente sem uma cadeira? E sobre a cadeira, uma almofada para que possamos permanecer mais tempo à mesa. Ou senão almofada, que seja a cadeira ergonômica para oferecer conforto.

Aliás, é também o conforto em si, fruto da criatividade. Um sofá é a soma de uma cama com uma cadeira. Uma cama é um estrado alto com cobertas. Uma coberta é uma capa mais espessa, pois não há necessidade de leveza para movimentos. Uma capa é uma camisa e uma calça mais livre. Uma calça é uma capa enrolada às pernas. O mesmo é a camisa, junto ao torso e braços. O mesmo pode se dizer à uma luva, que é uma capa que permite os dedos se movimentarem.

Este exercício de simplificar as coisas nos permite irmos além, buscando entender a origem as coisas inventadas e criadas, como por exemplo, outros utensílios domésticos. Vejamos a faca: uma lâmina afiada para cortar, aquilo que antes era rasgado ou triturado com os dentes. Uma colher substitui a concha com a mão, ou uma folha de árvore para beber líquidos em pequena quantidade, com o atenuante de permitir que se beba também líquidos quentes. Sem colher, sem sopa. Sem sopa, só se comeria alimento assado ou cru. Ou teríamos que lamber as mãos o tempo todo.

Nas famílias mais abastadas, talvez se criasse a figura do “lambedor”, um empregado contratado especialmente para esta função. Nojento isso, mas a sociedade se constrói através dos ajustes das necessidades humanas.

Imagine chegar a um restaurante e além do Garção, ser atendido por um lambedor de mãos. Ou um servidor de “concha”, que com suas próprias mãos levariam bebida à sua boca, e novamente a uma vasilha com mais bebida, repetindo este gesto até que você esteja saciado. E se não houvesse a vasilha, teria que buscar a bebida num grande barril na cozinha, esbarrando em outros “conchinhas” que faziam o mesmo.

Estou gostando destas elucubrações criativas, pois nos permite fazer um retorno à função das coisas que nos cercam. Fico pensando no que seria o mundo sem a criatividade continua das pessoas. Existem pessoas que são pagas para serem criativas. Outras pessoas são pagas para que não tenham criatividade alguma. Certa ocasião, criando algo e explicando ao cliente o funcionamento, ele me fez a seguinte pergunta:

- “Como o operador desta máquina vai fazer isso do jeito que você quer, se não tem uma marcação para que ele entenda?”

Eu respondi que seria óbvio ao operador compreender que deveria ser feito daquela forma, bastasse pensar um pouco. A reposta foi uma lição:

- “Se o operador de máquina tiver que pensar, o lucro da empresa cai. Ele não é pago para pensar. Você é pago para pensar”

Outro caso semelhante ocorreu, quando eu era gerente de uma empresa, lá pelos meus vinte e tantos anos. Um dia, com o serviço todo organizado, equipe trabalhando, eu sentei à máquina de escrever ( quem tiver mais de 40 anos de idade vai lembrar o que é uma máquina de escrever) e comecei a escrever um relatório. O meu chefe chegou, parou à porta, com seu cachimbo e me perguntou o que eu fazia, escrevendo à máquina. Respondi que era um relatório de vendas. Ele perguntou então se eu não tinha uma secretária que pudesse fazer aquilo por mim, ao que respondi que ela estaria fazendo outra coisa naquele momento, então como eu estava com tempo ocioso, resolvi fazer o relatório. Outra lição:

- “Se você está com tempo ocioso, ocupe sua mente pensando em vender mais. Você é um datilógrafo muito caro para a empresa. Seu salário não é para ficar datilografando relatórios e sim criando formas para aumentar as vendas”

Da primeira vez eu entendi a lição. Da segunda vez, eu assimilei a lição e passei a compreender que pensar é um trabalho muito importante e não apenas um modo de orientar mãos e pés a executarem tarefas. Você é pago para pensar, embora não exista uma profissão no Ministério do trabalho que o defina como um “Pensador profissional”. Mas é isso que faz um criador. Ele pensa. Analisa as circunstâncias. Identifica necessidades, relaciona os problemas e corre atrás de soluções. Criar aqui então é buscar soluções. Pensar é a ferramenta que você usa para estruturar as soluções, e o resultado disso é a criatividade. Você fez jus ao título de “Ser Criativo”.






terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Quando menos nunca é demais - Uma nova revolução no comportamento



Quando menos nunca é demais - Uma nova revolução no comportamento

Pacard - Escritor

Sou um homem que, por essas sortes que se tem na vida, alcançou a avançada idade do ancionato, vírgula, quase cem anos de idade. Faltam apenas trinta e cinco, que é pouco, perto dos sessenta e cinco que já alcançou. Um feito. Se considerar esta idade na expectativa de vida de alguns séculos atrás, que chegava ao limite de 65 a 70 anos, em casos raros, a maioria porém, era levada ao descanso perpétuo aos 25 anos, e chegar aos 35, era um idoso com todos os direitos a passagem gratuita nas carroças, aposentadoria com um salário de meio saco de aveia por ano, ou seja, tudo igual a hoje. Assim, meia cinco, então, é um feito.

O comunista Pablo Neruda, escreveu uma autobiografia, intitulada: "Confieso que he vivido". E viveu mesmo. Entre farras e cachaçadas, enlaces com fêmeas libertinas, e confabulações políticas, além de atravessar uns perrengues climáticos no seu palácio em "Isla Negra", Neruda fez de sua biografia o seu sucesso, e no frigir dos ovos, mostra que são as coisas simples que lhe deram os melhores momentos da vida.

Fui leitor ávido de Herman Hesse, até bem poucos anos atrás. Encantava-me os floreiros com os quais começava todos os seus livros, quase monótonos, até o momento em que o leitor estivesse completamente enredado e ávido por conhecer o resto da trama de cada obra, e era nesse momento que eu deslizava pela mente do autor, respirando o ar das montanhas, sentindo o gélido entardecer da Suíça, onde suas narrativas tinham lugar, os sentimentos dos personagens tornavam-se meus, e a paixão, o medo, as angústias, os mistérios, tornavam-se meus, todos eles. Foi com profunda decepção que, após protelar por mais de trinta anos para ler o mais denso e misterioso livro: "O Jogo das contas de vidro", cujo título em alemão, "Das Glasperlenspiel", literalmente “O jogo das pérolas de vidro”, remete a uma atividade lúdica, mas puramente intelectual, cujas raízes podem ser localizadas originalmente no pensamento de Pitágoras, renascendo na gnose, no humanismo hermético do Renascimento, com ressonâncias em Descartes e Leibniz, diz outro crítico sobre a obra, consumiu incontáveis horas, dias, semanas, com suas quinhentas páginas, mas tão intenso, que li diversas vezes até a página trinta e desisti, até que respirei fundo, criei coragem, e no último inverno que passei em nossa casa, na Serra Gaúcha, li todo o livro. Ah, decepção total, quando de um momento a outro, o personagem estava tão envolvido em seu alto cargo duma espécie de mosteiro, cuja principal atividade era um tipo de doutorado no Jogo dos Avelórios, que minha cabeça fervia, e fervia, imaginando mil soluções para o caso, até que, de uma página a outra, o personagem simplesmente desiste de tudo, abandona o mosteiro, torna-se professor particular de um playboyzinho de merda nos alpes, é desafiado para atravessar um dos lagos gelados à nado...e morre!
Ah, filho da puta! Aí fui finalmente ler a biografia de Hesse e descobri que era um pedófilo, que havia cumprido pena de dois anos na cadeia por estupro de uma menina de doze anos! Desgraçado! Só por isso, dei spoiler completo do final. Isso que dá desconhecer a data de validade dos ovos ou do bife. Isso que dá, confiar no intrincado jogo de palavras de um autor, para descobrir que seu emaranhado serviu apenas para vender livros, enquanto sua paciência para finalizar um enredo era tão profuinda quanto sua moral.
Isso que quero dizer então: As palavras simples são como a vida simples (e olha quem falando isso, se meus textos são cheios de voltinhas e trocadilhos) que desliza com mais suavidade sobre terreno simples. Se nossos caminhos fossem uma pista de gelo sobre um lago, bastaria um leve impulso para deslizar e bailar sobre as águas congeladas, mas como andamos sobre pedras e depressões, precisamos de rodas e amortecedores para mantermos certo equilibrio e continuidade no andar.

Um conceito chamado "Bushcraft", que traduz "Artes do mato",  está tomando conta de pessoas de diversas partes do mundo, emp´resários, profissionais liberais, até mesmo milionários, que tiram um tempo sabático de suas vidas urbanas e conturbadas pelo consumismo, e vão viver longe da civilização, no meio do mato, do nata, e produzem coisas de subsistência, como plantar e colher legumes, frutas, criar galinhas e outros animais domésticos, tramar cipóes, aproveitar sucatas, tratar-se com medicina natural, vender nas feiras seus trabalhos, em alguns casos, enfim, viver como se tivessem passado por uma catástrofe, e o mundo precisasse retornar à simplicidade dos tempos em que não se conhecia os benefícios e uso da eletricidade, da mecânica sofisticada, nem dos benefícios urbanos da vida moderna. Não são hippies, nem defendem causas. Apenas vivem, o melhor que podem, com o mínimo que a terra lhes proporciona. E isso nem sempre é definitivo. Apenas colhem a experiencia, e depois retornam à sua vida urbana, mas com novos conceitos sobre sustentabilidade, viver com menos para viver mais, e acima de tudo, saber compartilhar e aceitar receber a partilha de quem tem um pouco mais. O orgulho desaparece, e a vaidade se torna supérflua.

Confesso, que os meus sessenta e cinco anos me ensinaram a fazer coisas que seriam bastante úteis num ambiente assim. Quem sabe...




O jeito errado de escrever certo - Porque eu gosto da simplicidade matuta


Winning speaker - Jan Steen Style: Baroque - Genre: genre painting - Media: oil, canvas - Location: Alte Pinakothek, Munich, Germany - Dimensions: 70 x 61 cm

O jeito errado de escrever certo - Porque eu gosto da simplicidade matuta
Pacard - Escritor

Não sou um intelectual no estrito sentido acadêmico da palavra, mas também conheço o valor do vernáculo, nos alfarrábios que dedilho. Gosto do falar erudito, e de enriquecer meus textos e ensaios com algumas palavras menos usuais que tangem o coloquial, ao mesmo tempo em que faço trocadilhos, para que meus leitores tenham que ler duas, três vezes, até, a mesma sentença, o mesmo parágrafo, e por vezes, não poucas, o texto inteiro, para que seu périplo cognitivo possa acompanhar minhas idas e vindas ao Vade Mecuum, prazer que tive nos ditosos tempos de antanho, quando não havia smartfone para retardar nossa evacuação cotidiana, quando liam-se gibis, revistas de fofoca, algum livro de contos breves, ou, na falta destes, os rótulos de xampú, sabonete e creme dentrifício. Em último caso, e era minha preferência, os dicionários. Ah, como era prazeroso percorrer as colunas de palavras em ordem alfabética, e conhecer-lhes o significado, e a etimologia. Como dava prazer, nas longas tardes de chuva, sob as pesadas cobertas de trapos que minha avó fazia, mergulhar no interminável mundo das palavras e dos significados.

No entanto, sou surpeendido, com cada vez mais frequência, a compartilhar pequenos textos bem humorados, escritos no mais absurdo dos crassos erros propositais acometidos contra a "Última Flor do Lácio", ao que tantas vezes as reformas educacionais e literárias modificaram como: Língua Portuguesa, Língua Pátria, Português, e outros adjetivos, talvez com a intenção de atualizar o acervo didático-literário, ou disfarçadamente acolher os bons favores à engajados editores que propunham desovar o estoque dos livros impressos para a educação juvenil.

Mas então, por que eu escrevo com erros gritantes e nem seques os coloco entre aspas, para denotar que errei de propósito? Por que exponho-me ao ridículo de ser criticado e zombado pelos meus detratores, alcunhando-me de "iletrado, e metido a erudito"?

Porque descobri-me um matuto e prazerosamente o concluí que sou. Descobri que aprecio mais que tudo, na comunicação interpessoal, o ouvir caipira, povoeiro, simplório. Descobri que o vernáculo arcaico dos que dizem: "barde, bassôra, treisontonte, dijaoje, chiculatêra, bombiá, ispiculá, carcule, etc", remontam minhas origens lá na distante Vila Moura e adjacências, onde as pessoas falavam desse modo. Remete-me ao lugar onde nasci, um brejão perdido entre montanhas e rios, onde as pessoas guardavam um tição de sucará entre as cinzas ao findar da noite, para reacenderem o fogo logo pela manhã, porque fósforos eram caros e raros, e os isqueiros eram um pedaço de lima, com uma pedra e um chumaço de algodão, custoso de acender, e raro de possuir. Certo é que não tenho lembranças diretas deste lugar, mas quem me cercava não era diferente deste modo de ser, simples, bonachão, hospitaleiro.

Descobri, prazerosamente, que gosto de comer feijão mexido ao modo campeiro, café de chaleira, cuscuz com coalhada, e Tio Bento Ruivo, uma farofa com ovo e farinha, para acompanhar o café, ou um caneco bem cheio de Chá de Mate com Leite, do jeito que comia e bebia, nas priscas eras de minha infância.

Descobri, prazerosamente que envelhecer é o melhor modo de se viver a vida, e as lembranças, temperadas com saudade, são o lenitivo para as dores que nos embalam as madrugadas.

Descobri prazerosamente que viver na busca daquilo que nos impulsionou para o crescimento, é bem mais suave, quando temos na memória, a viva lembrança de que "Ispicula com pergunta" era uma resposta atravessada para espantar intrometidos. Que "bombear", naõ é o ato de impulsionar líquidos ou gases por meio de tubos com alta pressão, mas simplesmente, "espiar". Aprendi que barbaridade não é o mesmo que barbárie, mas uma deliciosa interjeição de espanto e admiração, que só quem é da minha terra sabe pronunciar, no tom e no tempo certos, para que não se torne caricato. Aprendi desde cedo que "atucanado" dizia respeito à minha vó na lida, com urgência, e dando uma desculpa para não desviar-se do que fazia, para atender nossas bobices de criança, e que a expressão nada tinha a ver com estar cercado de Tucanos, bicho predador e nefasto, que eu só fui conhecer depois de largos anos de carreira. Aprendi que "bóia" era o que havia de especial na casa das minhas tias-avós, onde o perfume da couve e do feijão nos chamava para a mesa, tendo ou não lavado as mãos. Comer era mais importante.

Descobri prazerosamente que gosto de ouvir os sons e as vozes do meu poassado, ainda vivos naqueles que não tem preocupação alguma em atender às regras gramaticais prolixas que também já foram trucidades pela apocopação cibernética, porque escrever com apenas a ponta de dois dedos, em um diminuto espaço iluminado, requer agilidade e destreza, e pensar é condição que a velocidade dos bits não aceita negociar. Assim, já que não posso exercitar a poesia dos eruditos, exercito a singeleza dos proscritos. E viva nóis!


Bolicho Bagual by Pacard, 2023 - Fine Art (48 999 61 1546)




Laodicéia é aqui - A hipocrisia que rasteja pelas igrejas

  "A igreja de Laodicéia é mencionada no livro bíblico do Apocalipse como uma das sete igrejas da Ásia Menor. Ela recebe críticas sever...