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quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Lembranças de priscas eras de minha infância - "Véia Fróca"

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Foto ilustrativa colhida na internet e modificada artisticamente

Uma tragédia familiar levou-nos de volta à Gramado. Fomos morar em um pequenino ranchinho de tábuas sem pintura, no terreno emprestado dos primos Francisco e Cândida Corrêa, na localidade de Vila Moura,um cafundó (à época) do Município. Houve certa resistência de parte da família, em que minha avó instalasse ali sua provisória morada, atitude gerada  pelo preconceito da tragédia que abalara nossa casa. Coisas da Natureza humana: o medo, o preconceito, e uma pitada de egoísmo, que como todos os paradoxos da vida, faz brotar também a solidariedade e a compaixão. Toda tragédia tem estes dois lados.

Éramos cinco, no começo da nova caminhada: Maria Elisa, minha avó, a matriarca; Minha mãe Ester, menina, com  dezessete anos;Esaú, o menino rebelde da casa, com treze anos; Samuel Isaac, com cerca de sete anos de idade, e finalmente, o velho escriba que vos relata, com um glorioso e turbulento Um ano de existência e resistência, para dar fôlego à trupe daquele drama, semente de resiliência e muitas histórias para contar, mais à frente.

Minha avó, Maria Elisa, saiu em busca de subsistência, e começou a lavar pratos no restaurante do "Motel Balneário", à época ainda servindo de sede para o Gramado Tênis Clube, arrendado para o alfaiate Armando Rost e sua esposa, Lourdes. Lavava pratos, e coletava restos de comida, para abastecer o meu pratinho em casa.

Minha mãe, Ester, foi trabalhar como cuidadora dos filhos do querido e saudoso casal Marcílio (Tio Março), e Irani Cardoso,em cuja casa passei parte de minhas boas lembranças, recebido como filho e irmão dos queridos Manuel Inácio, Alexandre, e Caetano Cardoso, e não sei coordenar bem as datas, mas também (antes disso) dos filhos do saudoso Orlando Koetz e sua queridíssima esposa, Teresa, Flávio, Paulo, Fátima e Zenaide. Não por muito tempo, porque "Tio Março" leva Ester para uma visita ao então Prefeito, Arno Michaelsen, e a apresenta como "Filha do Assis", velho amigo dos dois, e diz que ela precisa de trabalho e estudo. Segundo relata ela própria, Arno diz assim: "Filha do Assis? Temos que prover uma colocação para ela imediatamente então!" E a nomeia como Professora na pequenina e distante escolinha da "Curva da Farinha", onde hoje está o Loteamento Casagrande.

Há uma história que precisa ser resgatada deste lugar, e o que aqui vou contar,não tem intenção de diminuir ou pisar na moral de ninguém,mas de resgatar as gratas lembranças de gente que representa o espírito generoso que edificou Gramado.

Morava pertinho da escolinha, na Curva da Farinha, uma senhorinha que não gozava de boa reputação, sendo motivo de piadas e rejeição pela dita "sociedade" gramadense na ocasião, e esta senhorinha era conhecida pela alcunha de "Véia Fróca".

A Curva da Farinha dista cerca de cinco quilômetros de onde morávamos,e era inverno. Todos sabem como são os invernos em Gramado: Rigorosos! Minha mãe não tinha um bom guarda-chuva, não tinha um bom calçado, não tinha roupas térmicas e impermeáveis, e deveria chegar às sete horas na escola. A chuva era inclemente. Congelava até a alma. E a jovem professorinha, com dezessete anos de idade, e um filho sem pai, deixado em casa, passara da cor pálida para roxa, queixo batendo, tremendo como vara verde ao vento, e assim entrou na escola, para dar aula. Poucos instantes depois, entra na salinha, para surpresa dos alunos, a "Véia Fróca". Diz carinhosamente e com firmeza às crianças, que continuem comportadas, pois ela precisava levar a professora à sua casa por alguns instantes. E fez!

Chegando à casa de "Véia Fróca",a professorinha tirou as roupas encharcadas e foi envolta em uma velha coberta de trapos, junto ao fogão à lenha, que crepitava aquecendo todo o ambiente, como uma ante-sala do Paraíso. Uma caneca de café bem quente, e uma batata doce assada, esperava à mesa para alimentá-la, enquanto se aquecia e recompunha as forças. E depois voltou para seus alunos, temperada pelo carinho de "Véia Fróca".

Mas pensam que termina aqui a história? Não termina não! Ester, a professorinha, foi chamada à Secretaria de Educação, e levou uma reprimenda do Secretário, por ter sido "vista frequentando a casa de uma mulher indecente e mal falada", que que esse tipo de atitude não era esperada por uma jovem professora, de boa família, e investida no cargo de educadora de crianças inocentes.

Felizmente, a professorinha era filha de Maria Elisa, e contou detalhadamente o que havia acontecido, e depois perguntou ao Secretário, onde é que estavam as "boas senhoras decentes e cristãs" que espiavam pela janela, rindo de sua situação, no instante em que a única pessoa que não tinha motivo algum para rir de outra pessoa, percebeu a necessidade da professorinha gelada e encharcada que cumpria suas obrigações na escola.

Eu até sei o nome do dito Secretário, que entendeu imediatamente que dera ouvidos à gente de má índole, e cumprimentou a professorinha pelo excelente trabalho que estava fazendo na escolinha da Curva da Farinha. 




terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Pai não é quem cria. Pai é quem educa e protege



"Pai é quem cria!" - Esta frase é repetida continuamente quando há uma referência a um relacionamento afetivo entre pais não biológicos e filhos adotivos ou enteados. O sentido da frase é nobre, mas passa longe da verdade, na etimologia da expressão e do verbo "criar". Sendo assim, paí não é quem cria, mas quem educa, quem encaminha para a vida, quem acolhe, quem protege, quem disciplina, e até mesmo quem maltrata. É um mau pai, mas ainda assim é pai. Mas não está criando ninguém e nada. Está apenas conduzindo pela vida e para a vida. Assim, portanto, pai é quem gera, e também quem adota. 

Criar não é tarefa de pai, mas de criador, ainda que tenhamos Um Criador A Quem chamamos por Pai, as  funções são distintas. Criar e conduzir. Criar, primeiro, e proporcionar condições para a manutenção da vida e da existência, o que vem depois. Nesse aspecto humano, pai não é aquele que cria, mas aquele que gera. gerar não é criar, mas reproduzir o que foi criado, estabelecendo pela genética e modelo de educação, o seu molde pessoal. Mas ainda assim não é criar. 

"Botar" filho no mundo não é criar, mas procriar. Multiplicar. Reproduzir o que foi criado. Assim, pai não é o que cria, mas o que proporciona dignidade de vida e procriação às gerações que brotarão de sua capacidade reprodutiva, e da civilização que poderá frutificar de sua capacidade educadora.

Assim, pai não é quem cria. Pai é quem ama e permite-se ser chamado por pai, porquanto reconhece no filho sua identidade transformada, aprimorada, renovada. Pai não é qualquer um. Qualquer um poder ser progenitor, mas para transformar este progenitor em pai, há que primeiro, aceitar que não é D-s, Perfeito e Justo, e por isso, Único. Então, pai é aquele intermediário entre o criador e a criaturinha que brotou da criatura. Aí, sim, pai não é quem cria, mas quem é pai.

Obesidade Espiritual



Obesidade Espiritual

Obesidade é uma palavra gorda e assusta. Quando dizem que você está "gordinho", isso soa com certo carinho, pois estão te chamando de gordo, mas seguram o freio das palavras para que a ofensa seja suave. Já se te chamam de gordo, é pra machucar mesmo, pois quem rotula a pessoa pela sua circunferência, atribui a isso uma carga pejorativa e associa seu peso e medidas ao seu caráter. Mas quando a palavra utilizada é "obeso", bem, aí de fato é hora de procurar um endocrinologista e submeter-se a um tratamento hormonal e dietético.
Mas não é sobre lipídios que eu quero falar. É sobre gordura espiritual, aquela que você adquire e não percebe, e se farta de comer ainda mais daquilo que deveria ser apenas nutritivo, mas exagera no tamanho do prato, e torna-se um "Obeso Espiritual". Eu explico:

Moro em uma cidade relativamente grande. Grande demais pra mim, até. E é comum encontrar, em parques públicos, plaquinhas que orientam as pessoas a não alimentarem os animais silvestres, a saber, macaquinhos, pombos, e outros que se proliferam pelas cidades, em busca de vida mansa, pois nas cidades são menores as probabilidades de se tornarem a refeição do carnívoro de plantão, e com exceções de alguns gatos mais ousados, o que é raro numa cidade, não há predadores naturais destes animaizinhos. Então, os animais, antes selvagens, que habitam as cidades, são gordinhos. Obesos até, porque a comida está à mão. O Ser Humano, solitário, passou a trocar gente por bicho. Passou a chamar bicho de "pet", de "filho", passou a designar-se "tutor", "papai", "mamãe", e até a denominar de "irmãozinho", o bebê humano que permitem ser lambido integralmente pelos "filhinhos" patudos. E obesos. E quando não são obesos, nestas condições, é porque recebem academias, fisioterapia, massagens, dietas especiais caríssimas, que substituíram a largo tempo as papas de restos de comida que recebiam como alimento, enquanto viviam no quintal, a guarnecer a casa. Mas nesta fase, já obesos.

O animal doméstico é obeso por natureza, pois sua função biológica não é mais perambular em busca de alimento, e permanecer por certo tempo em lugares onde o alimento seja mais farto por estação, mas depois disso, voltam ao nomadismo, o mesmo nomadismo humano de priscas eras, antes da agricultura, embora a atividade agrícola primitiva não dá oportunidade a ninguém tornar-se obeso. No máximo, gordinho, pançudinho, mas aí tem relação com a cerveja, que é assunto pra outro ensaio.

A obesidade animal é reflexo por consequência da obesidade humana. E a obesidade animal, assim como humana, são reflexo de outra obesidade ainda mais preocupante: a "Obesidade Espiritual"!

O obeso espiritual é aquele indivíduo que levanta com o nascer do sol, e dorme logo após o crepúsculo, faz as mesmas coisas, no tocante à religiosidade e seu relacionamento com o divino, e fica satisfeito com aquilo que entende por fé, com o mesmo prazer que um obeso devora duas bacias de sorvete, com a diferença, que o obeso físico, não se contenta com as duas bacias, enquanto o obeso espiritual tem preguiça existencial de buscar mais naquilo que lhe foi inculcado como doutrina de fé. Acomoda-se no que acha ser suficiente conhecimento, e delicia-se no sebo de seus livros sagrados, sem que saiba o cheiro de um livro novo, e nem a insônia por uma nova descoberta nas camadas da liturgia eclesiástica. Não permanece no debate saudável, e como desculpa para sua irritação ignorante, torna-se irritante em repetições de clichês obtusos, em lugar de caminhar pelas vias da retórica em busca de enriquecimento cultural e espiritual.

O obeso espiritual não cresce na fé, e portanto fica estagnado nas relações interpessoais, pois abdica de atributos como a ânsia pelo saber, e a possibilidade da quebra de paradigmas inócuos. O obeso espiritual é um parasita de sua própria ignomínia e um escravo de sua ignorância. Por isso, obeso, e por isso mórbido. O obeso espiritual é um parasita da insignificância que o impede de reagir, e buscar novas letras, novas versões, ainda que para compreender velhas verdades. 

O parasita espiritual não muda de religião, porque o banco de sua congregação já tem a marca de sua bunda e o acomoda com mais prazer. Os obesos espirituais somos todos nós, quando nos acomodamos às regras mal descritas, que nos obrigam a rezar do mesmo modo, a ouvir sermões com a mesma reverência, não à mensagem, mas ao orador, e que retiram de nós a vontade de olharmos para o espelho de nossa alma, pois espelhos não são verdades, mas podem nos dizer muito a respeito delas, contanto que não sejam eles próprios distorcidos, que nos desfiguram. Assim, a obesidade da alma pode nem ser verdadeira, porque podemos ver nossa espiritualidade por espelhos tortos que os outros nos mostram, para confundir-nos, e para que nos vejamos iguais a eles,os verdadeiros obesos espirituais. A obesidade espiritual não é causada por disfunção hormonal, nem por comida espiritual em excesso, mas pelo ostracismo, pela preguiça existencial da acomodação, da resignação, da falta de caminhar.

A palavra hebraica HALICHÁ, caminhada, que dá origem à palavra HALACHÁ, que é caminhar a caminhada, cumprir a jornada, é o antídoto para a obesidade espiritual. Fazer a caminhada, e para o destino certo, que é a Eternidade, o Olan Habá, o Mundo Vindouro. Só que antes de chegarmos ao Mundo Vindouro, nossas pés caminham sobre o mundo presente, e para irmos mais longe, quanto menos peso levarmos, menos árduo será o caminho. E o maior peso do obeso espiritual, é o próprio peso da indiferença.

AHAVÁ - Ser amado é ordem Bíblica? Não!

Acredito, por ouvir falar, pois não sou psicanalista ou assemelhado, que a frase mais ouvida nestes consultórios seja essa: "Eu não sou...