Carreata política e o Triunfo em Roma
Fui questionado sobre o porquê de fazer uma carreata em fim de campanha política, e que se eu não achava que aquilo seria uma mostra de ostentação, carros novos, volume, fanfarra, bandeiraços, comícios apinhados de gente, alaridos, etc, num tempo de escassez e economia retraída. Respondi que não. E expliquei, o que repito aqui, a razão e a importância disso para uma vitória nas urnas.
Voltaremos à Roma, a alguns séculos a.e.C, para lá encontrarmos uma prática bastante comum em tempos de guerras de conquistas: os “Triunfos”, que consagravam os seusviris triumphalis (os Homens do triunfo). Funcionava mais ou menos assim: O exército voltava de uma campanha de conquistas, coisa e tal, mas não podia entrar em Roma. Roma era “sagrada”. A República não combinava com as armas, e a Democracia não permitia tal proximidade. Porém, havia uma única oportunidade em que as legiões poderiam pisar sobre Roma: Com um Triunfo, que era a marcha ostensiva das legiões, apresentando os despojos e um mínimo de cinco mil prisioneiros, entre os quais, seus reis e príncipes, engaiolados, nus, expostos aos escárnio do “Populum”, ou plebe, que cuspia, jogava coisas, cutucava com varas e os insultava com veemência. Ao final, eram mortos ou jogados nas masmorras ou às feras, ou ainda sofriam suplícios condizentes com a ira dos vencedores. À frente das legiões, iam os arautos, os músicos, os generais, seguidos então das centúrias e o séquito restante, para delírio do populacho, que via sua riqueza aumentar e garantir sua segurança e sobrevivência por mais algumas gerações.
O paradoxo estava no fato das mesmas legiões que os protegiam e aumentavam suas riquezas, não terem o direito de permanecerem como tal dentro das sete colinas de Roma. Era então um momento único, glorioso para soldados e para o povo. Era também um recado solene aos vencidos, que viam seus reis humilhados e sua honra pisada, mas também para os aliados, que eram intimidados a pensar duas vezes em opor-se à Roma e seu poder.
Ao longo dos séculos, os triunfos foram adaptados às circunstâncias. Nas guerras corpo a corpo, eram os tambores que rufavam compassando as marchas, impondo apreensão nos inimigos. O estrondo dos canhões iniciando os ataques, os bombardeios, espalhavam o terror, e finalmente, a artilharia, o corpo a corpo das batalhas, completava e decidia as batalhas.
Por que estou falando de guerra, se seria mais elegante falar de amenidades, usar metáforas das flores e abelhinhas, coelhinhos fofinhos, e esquilos saltitantes, para estabelecer paralelos, nesse tempo tão estranho, num mundo tão violento, perturbado? Porque o paralelo mais próximo de uma eleição é mesmo, infelizmente a guerra. Porque a metáfora que mais se assemelha a um comício, carreata ou passeata, é sim um triunfo, um rufar de tambores.
E a carreata, comício, passeata e bandeiraço, são o que então, senão demonstrações de poder e força? Comício não dá voto? Não! O que dá voto? Sola de sapato e histórico. Então para que servem estas ostentações?
Aos olhos de um observador neutro, servem para rir dos exageros de um e de outro lado. Servem para fazer a anti-propaganda, assim como também acontece na guerra. A contrainformação é uma forma de intimidação dos desinformados. Não apenas em campanha política, mas em qualquer movimento social, há sempre a turma do pavor, os que prenunciam catástrofes, epidemias, e principalmente, da disseminação da mentira, contada em forma de verdade. Assim os romanos contaram a sua versão dos fatos sobre a história que eles mesmos escreveram, porque quem vence a guerra escreve a história. As manifestações de massa (carreatas, comícios, passeatas e bandeiraços) são os Triunfos antecipados. O turbilhão psicológico não é argumento de voto, mas motiva a tomada de decisão do eleitor. Assistir a um “Triunfo” moderno é o fator de demonstração que contextualiza o “Quem somos, do que somos capazes, veja a nossa força e escolha a nossa proposta, porque vamos vencer, está diante dos seus olhos essa certeza!” Ora, ninguém gosta de posar ao lado dos vencidos. São os vitoriosos (ou os que tem esta possibilidade) aqueles que podem assegurar melhores condições ao povo.
O Triunfo antecipado não é privilégio deste ou daquele partido, pois todos usam este mesmo artifício como forma de impor-se diante das incertezas do eleitor. Reclama mais o que tem menos força. Mente mais, o que pode menos. Rufa mais alto os tambores, o que tem o melhor exército para entrar em Roma. E também no governo.