O homem que vendia solidão
Solidão? - Perguntou, ensimesmado o caixeiro da loja de roupas, que recebeu uma filipeta, um panfletinho em preto e branco, anunciando a venda de nada mais, nada menos que "solidão". Isso mesmo, essa mesmo que o leitor está pensando aí.
- Mas e alguém compra isso?
- Evidentemente que sim" - Respondeu o filólogo, que oferecia solidão em promoção. Infelizmente, apenas uma por freguês, pois como se trata de solidão, não há um coletivo. Por acaso você sabe qual é o coletivo de solidão?
- Creio que seja "multidão"! - Respondeu o caixeiro, meio desconfiado de que talvez fosse uma pegadinha.
- Pois aí que está" Isso mesmo. Multidão. Ocorre que multidão é algo que descaracteriza a pessoa, compreende? Qualquer um na multidão, desaparece completamente, e assim, fica pior que antes.
- Nunca havia pensado a respeito disso! Respondeu, pensativo o caixeiro. E como funciona isso?
- Ah, não é tão simples, mas é um recurso para que o indivíduo se torne novamente um indivíduo, e não uma estatística, um número, uma sombra. A coisa funciona assim: Nesse tempo em que vivemos, onde cada louco contamina outro doido com sua loucura, fazendo com que dois loucos multipliquem seus disparates e desta forma, teremos uma multidão de loucos. Assim como acontece em uma pandemia, por exemplo. Um louco avisa o outro, e ambos se enroscam na loucura coletiva, e tornam-se alvos, presas fácies dos dominadores, que capturam doidos com redes, sabe. Redes de mentiras, rede de intrigas, rede de fofocas, redes e mais redes, até que estejam todos dominados, e por estarem em bandos, perdem sua individualidade, não são mais ninguém, ainda que amontoados com outros milhares de ninguéns. Compreende?
- Não!
Veja bem, vou dar um exemplo: Se você caminha entre muitas pessoas, e se todas elas falarem ao mesmo tempo, você conseguirá entender o que falam?
- Pois então! Aqui está a chave da questão. As pessoas precisam ouvirem suas próprias vozes, ouvirem seus nomes, conversarem com quem as ouça, e ninguém melhor que nós mesmos para ouvirmos o que dizemos. Assim, se você for capaz de caminhar sozinho, ainda que na multidão, você voltará a ser você e mais ninguém.
- Mas e por que as pessoas não fazem isso?
- Porque perdem suas vontades, pelo medo, pela falta de esperança, pelo exagero de informações que receberam, e saturaram a credibilidade em tudo. Pois é aqui que eu entro, e vendo para elas o meu projeto de "Solidão Responsável!"
- E como funciona:
- Vendo à você a pergunta "coringa", para todas as respostas, que é uma pergunta padrão, capaz de afastar as pessoas negativas de sua presença, e assim, você tem possibilidade de caminhar livre por entre elas, sorrindo, enquanto choram, sereno, enquanto gritam, altivas, enquanto se dobram ao desânimo.
- E tem garantia isso?
- satisfação garantida, ou recebo em dobro o que você pagou, em espécie.
- Não estou precisando ainda, mas por favor, embrulha pra viagem, pois vou ligar a tevê, e posso precisar disso logo, logo.
- Pois não! Débito ou crédito?
- Faz no carnê?
- Infelizmente não. Carnê pressupõe um monte de parcelas, e isso descaracteriza o negócio. Solidão é tudo, é o nosso lema. Vai querer uma sacolinha?
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