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segunda-feira, 8 de maio de 2023

Velhos guardam coisas...


Velhos guardam coisas...
Pacard (Escritor, e velho)

Num dia desses, assisti um filme, do qual gostei imensamente, onde dois gigantes da dramaturgia, Olivia Colman (A Favorita, Filha Perdida, e outros), e Anthony Hopkins (O Silêncio dos Inocentes, Um crime de mestre, etc), vencedores de Oscars, emprestam seus talentos em um quase monólogo, de ambos, em que a atenção do espectador não perde um único movimento ou frase dos protagonistas, ainda que todos os cenários sejam sutilmente trocados ao longo do enredo, onde o roteirista consegue, com maestria, mostrar os últimos momentos da evolução da senilidade de um personagem tão conhecido de quase todas as famílias deste mundo: o idoso!

Talvez porque eu também esteja caminhando nessa senda da idade que me abraça com ansiedade insaciável, e que começo a perceber em mim mesmo manias e ranzices (existe esta palavra?), que passo a aceitá-las com certa naturalidade, e até me divirto com estes lapsos de confronto entre a idade madura e aquela idade em que apesar de ouvir ainda muito bem, bem até demais, ouvimos coisas que gostaríamos de não tê-las ouvido, seria melhor, mas a vida é a visa e é assim que é. Por exemplo: "Não vai faltar muito para que o caminhão que recolhe entulhos passe aqui para levar essas tralhas, e se descuidar, te leva junto!" É claro que estou usando uma metáfora e generalizando, pois eu não tenho nenhuma preocupação com o caminhão do entulho, porque conheço o rapaz e posso entrar em acordo com ele se isso acontecer. Mas também é certo que tenho minha caixinha com parafusos de todos os tamanhos, roscas, e bitolas, e acreditem: Com frequência tenho que dar um pulinho na loja para comprar outro tamanho que é indispensável para consertar aquele objeto que seria descartado como inútil, quando apenas o que faltava era aquele parafusinho e uma ajeitadinha aqui e outra ali para economizar boa parte do meu parco salário de aposentado.

Os velhos guardam coisas, porque ao longo da vida, muitas coisas faltaram nos momentos mais inoportunos, e assim, adquiriam o hábito de não jogar fora aquilo que não esteja totalmente inutilizado para consertar outra coisinha aqui e ali. Os velhos guardam memórias que se acumulam, porque não há mais quem as queira consumir, porque velhos repetem as mesmas histórias, não porque acham que as pessoas sejam esquecidas, mas porque se eles próprios (nós) não as repetirem, serão finalmente esquecidas. 

Os velhos guardam coisas como valores (se os tiveram cultivado, pois só guardamos aquilo que já tivemos um dia, ao longo de muitos dias), porque são estes valores que o sustentam nos longos dias emendados nas noites insones, a contar nos dedos enrijecidos os dias que faltam para que o silêncio não os perturbe mais.

Os velhos guardam coisas e loisas. Guardam lembranças e guardam distâncias dos tempos em que os passos eram ágeis e as horas eram mais lentas, onde a vida era ligeira, e não havia tempo para abraçar o tempo que tinham para abraçarem seus amores. Os velhos abraçam dores, que as tornam companheiras, posto que sejam as únicas companhias dos dias que perambulam solitários de um lado a outro buscando com o olhar esperançoso pela companhia de quem os procurem para ouvir deles as lembranças, e as lembranças dos sonhos que nunca se cumpriram.
Os velhos guardam coisas, pois as coisas, ainda que apenas coisas, mostram pela poeira e ferrugem, que são tão velhas quanto eles, e velho com velho se entende bem.
Velhos guardam coisas, e coisas protegem os velhos da solidão.





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