"Envelhecer deixa as pessoas menos produtivas"
Esta é a frase mais burra que já ouvi. Sou velho, 66 anos, é ser velho, eu acho. Acho ainda que há 66 anos sou velho, pois meu filho temporão, pra me trollar (debochar de minha gentil pessoa), me pergunta: "Faz muito tempo que tu é velho?" Sim, faz muito tempo que nasci velho.
Estive fora do meu mercado de trabalho, através do qual construí, ao lado de minha esposa, uma estrutura familiar, provendo educação, aconchego, e impulso para a cidadania de tres lindos rebentos, os quais pipocaram cinco espetaculares exemplares a quem chamo de netos, outras vezes, pimpolhos, e algumas vezes de "cabulosos". Os cabulosinhos mais fofos do mundo.
Escrevi doze livros, publiquei nove, e milhares ("milhares" é quando passa de mil, e sim, foi isso mesmo) de artigos, crônicas, causos, coisas e loisas, que divertiram um certo tanto de gente. Hoje tenho escrito menos ("menas", diriam uns e outros), pois tenho desenhado mais, e claro não mencionei que desenhei milhares (os exagerados tornariam hiperbólico e diriam: bilhares!) de coisas, e um bom punhado destes desenhos foram transformados em móveis e alguns outros produtos, até carenagem de robôs tem no pacote, mas lá pelo ano de 2012, após milhares de milhas voadas, quilômetros rodados, tendo dormido em aeroportos naquelas cadeiras confortáveis, em hotéis nem sempre mencionáveis, finalmente caí doente em um hospital a centenas de quilômetors de casa, e por ter ido de carro, minha esposa e meu filho tiveram que ir com outro carro, para me trazer de volta, à casa e à realidade. Eu estava ficando velho! Estava na hora de repensar minha carreira, pois meu trabalho condicionava-me à estar presente em "chão de fábrica", onde acontecia tudo. Pensei: Preciso de um trabalho com o qual eu possa envelhecer com dignidade, isto é, continuar trabalhando, ainda que perdesse minha mobilidade por conta da senil companhia. E foi assim que decidi escrever, migrar para palestras, consultorias, e menos chão de fábrica, e nos anos seguintes, foi o que fiz. Menos viagens, menor remuneração, mas mais qualidade de vida (em teoria), até quem em 2019, decidi migrar de atividade completamente, e montei um pequenino bistrô, misturado com empório. Tudo de primeira qualidade. Clientela satisfeita, negócio dando certo, e mais algum tempo, começaria a pagar o investimento, fruto de minhas economias, nada de empréstimo. Aí descobri que no fim do arco-íris em lugar de panelão de outro, havia um porão chamado "pandemia". É aqui que eu acelero o vídeo, pois com raríssimas exceções, todos quase, ou totalmente, quebraram. Lambemos o poço, mascamos lama, e conhecemos a amargura do desprezo, da falta de esperança, da virada de mesa do mundo e da humanidade, e de lá pra cá, tenho tanto medo de ligar a tevê pela manhã, quanto de dormir, pois descobri, após um AVC, constatar diabetes, que também tenho um maravilhoso Ciático, o que me lembra de sua existência todas as noites. Todas! Dormir, antes um dos prazeres da carne, torna-se um suplício, tantas são as dores. Mas, "C'est la vie", dizem os japoneses, e vida que segue (dizem os conformados).
Nessa condição, aposentado pelo SUS com uma abençoado Salário Minimo, que passou a ser esperado com ansiedade quase infantil, sento-me a cismar, sozinho à noite (vou cismar longe do quarto pra que minha cisma não tire o sono de minha companheira, que tem as suas próprias cismas também) do jeito que fazia o poeta, e nesse cismar, cismei de recomeçar onde havia parado: Voltar a desenhar!
Voltei a treinar uso de ferramentas gráficas em computador, aprendi a desenhar em vários softwares (sessenta e três anos nesse tempo já), fiz centenas de amostras para portifólio, mergulhei no Linkedin, onde passei a importunar diuturnamente meus quase dez mil contatos, espalhei curriculos, cards, links de meus trabalhos pelo mundo todo, atirei pra todos os lados, e repetia pra minha esposa, diante de seu olhar misto de compaixão e revolta com o marido que poderia ter usufruído suas economias e encerrado a carreira, para viajar com ela, pescar (tá, ela não pesca), enfim, evelhecer como todo velho que se preza faz. Mas não, o teimoso woarkahoolic aqui tinha que trabalhar, tinha que ficar inventando coisa. E assim, eu só dizia: tenha paciência! Eu apenas estou sem trabalho (ou clientes, pois quem não tem trabalho, trabalha dez vezes mais), mas não perdi minha capacidade cognitiva, ainda sou o mesmo profissional que rendeu emprego à milhares de pessoas com minhas crições, e acima de tudo, O D-us em Que eu confio, e agora confio ainda mais, tem algo a me dizer, e tem um jardim de esperança guardado pra mim no fim do arco celeste, cuja descrição diz que é um arco da aliança, da promessa, De Quem criou o universo inteiro, então, com certeza,euzinho, velho, fraco, e combalido, estaria guardado em um lugarzinho climatizado do coração de D-s, pois se o AVC não me levou, e o diabetes só me fez mudar a dieta, além de abocanhar a concha diária de remédios, a minha fé só fez crescer, e a paz que eu nem sabia que precisava, me alcançou.
Pensei muitas vezes em relatar esse testemunho, mas seria cedo demais, porque havia um conjunto de vitórias a ser alcançado, e eu precisava correr sem descanso, exceto aos sábados, e também porque testemunho apenas de esperança pode cair no descrédito, então esperei, e hoje eu dou o testemunho que faltava: D-us venceu por mim. Estou de volta ao mercado. Estou recebendo bons contratos, e não perdi minha criatividade, antes pelo contrário, acrescentei minha experiência ao testemunho. Sou novamente um Desenhista, e não apenas digital, pois para lembrar para que servem as mãos, estou desenhando em bico de pena com nankin, ao modo medieval, por puro prazer. Estes desenhos nem estão á venda. Serão meu legado para meus filhos.
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