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segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

A Gramado de dois tempos - Elisabeth Rosenfeld, e a "Civilização Gramadense" - Parte I

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O Kikito, troféu do Festival de Cinema de Gramado, era originalmente feito de madeira, pintado à mão, com aplicação de latão, produzido pela própria Elisabeth Rosenfeld. Posteriormente, foi padronizado, adquirindo um formato semelhante ao Oscar, sendo executado por escultores como Nailor Benetti, Gelson Oliveira, Samuel Isaac Cardoso e "Xixo", que deu continuidade à produção até a adoção do padrão atual, fundido em bronze. Tive a oportunidade de confeccionar Kikitos com permissão do Sr. Erich Rosenfeld, mas, durante minha passagem pelo Artesanato Gramadense, essa tarefa era reservada aos escultores mais experientes. Entre eles, o mais talentoso era, sem dúvida, Nailor Benetti.

Recentemente, mencionei que há uma dualidade marcante em Gramado quanto à construção do patrimônio empreendedor do município. Tanto os grupos mais à esquerda quanto aqueles de inclinação progressista ou conservadora na chamada direita mantêm o empreendedorismo como característica preponderante. Essa realidade se reflete nos modelos que trago para reflexão neste ensaio.

Um dos capítulos dessa história empreendedora começa com a chegada de Elisabeth Rosenfeld a Gramado, no início da década de 1960. Trocou terras onde hoje está a Cascata do Caracol por um terreno na então chamada Vila Moura. Nesse local, havia um pequeno chalé pertencente a um tal de "Franz", que, ao se mudar para a Rua Augusto Daros, construiu o "Motel Franz" (à época, o termo "motel" referia-se a pequenos hotéis de cabanas à beira da estrada). Inicialmente, a casa serviu de residência para Elisabeth e Erich Rosenfeld, até que, em 1965, construíram uma nova moradia no mesmo terreno. O local, que hoje abriga um supermercado, sofreu um rebaixamento significativo de aproximadamente dez a quinze metros para a nova edificação. No entanto, à época, a casa erguia-se no topo da colina, proporcionando uma visão panorâmica do norte e do sul da cidade.

Foi ali que Elisabeth iniciou o que carinhosamente chamo de "Civilização Gramadense". Com visão empreendedora e sensibilidade artística, construiu um pequeno ateliê onde desenvolvia peças de cerâmica, mosaicos com retalhos de azulejos e cristais de quartzo extraídos de Gramado, além de objetos de madeira e cimento. Passou a entalhar e pintar pequenas gamelas e quadros de madeira, bem como modelar peças em barro. Para queimar a cerâmica, contratou um senhor chamado Olímpio, que trouxe consigo um ajudante, Nelson Tegner (ou Tenher). Nelson permaneceu ao lado de Elisabeth por muitos anos e merece um capítulo à parte em outra ocasião.

Com o tempo, Elisabeth ampliou seu ateliê, construindo um anexo para instalar o primeiro tear de lã. Para montá-lo, contou com Carla, filha de Gershon, morador de Gramado. O projeto cresceu, pois Elisabeth percebeu que os vizinhos, em situação de extrema pobreza, viam ali uma oportunidade de obter alguma renda e se ofereciam para pequenas tarefas. Assim, começou a contratar e capacitar pessoas, expandindo suas atividades com mais teares, uma marcenaria e uma seção de escultura, onde tive a honra de trabalhar como escultor. O modesto ateliê transformou-se no mais prestigiado ponto comercial de Gramado, localizado no final da Avenida Borges de Medeiros.

O crescimento de Gramado seguiu esse movimento, primeiro em direção ao norte e, depois, espalhando-se ainda mais. Embora a cidade já contasse com indústrias em ascensão, foi o Artesanato Gramadense, com sua icônica logomarca de um pinheiro estilizado que remetia a uma Menorá, que culturalmente consolidou o prestígio de Gramado. A economia criativa foi o motor desse desenvolvimento, estabelecendo um legado cultural e artístico que marcou a cidade por mais de meio século.

Infelizmente, Gramado não se destaca pela preservação de sua cultura. O Artesanato Gramadense, concebido por Elisabeth e posteriormente vendido a diferentes proprietários, entrou em declínio devido à má gestão. O que restou desse legado são ruínas que contam histórias de pessoas simples e esperançosas. Onde muitos viam crianças maltrapilhas, sujas e subnutridas, Elisabeth enxergava artistas, artesãos, músicos, poetas e empreendedores. Hoje, o próprio Artesanato Gramadense encontra-se maltratado e abandonado, envolvido em disputas judiciais, apesar de seu papel crucial na história recente da cidade.

Lembro com carinho de Marília Daros, aluna e colaboradora de Elisabeth, que, assim como muitos gramadenses, sonhava em ver as ruínas do Artesanato Gramadense tombadas pelo IPHAN e transformadas em um centro histórico e cultural.

Por fim, sobre o concurso mencionado no site oficial do Museu do Festival para a escolha do escultor dos Kikitos, confesso desconhecer tal iniciativa. Na realidade, Xixo produzia os Kikitos porque era o único escultor remanescente do Artesanato Gramadense ainda em atividade, vivendo exclusivamente da escultura quando foi convidado a executá-los. A escolha foi prática: "não tem tu, vai tu mesmo". Ele só deixou de esculpir os prêmios quando a demanda aumentou e se tornou inviável atender aos prazos. A comissão técnica também considerou que um prêmio de tal importância deveria ser mais resistente. Tudo o mais que se conta sobre o assunto não passa de enfeite histórico.

É o que sei.





































Fotos: Pacard

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