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sexta-feira, 22 de maio de 2020

Terezo, o perereco e o Manticora assado (Conto)





Pous nem a efeméride do cometa que alumiou os céus(creio que todos seis, pelo menos, pois o sétimo está reservado aos santos, é o que diz o livro santo), seria capaz de demover Aristeu, o abilolado, de correr pelado, aos berros, nas frias noites de lua cheia do outono, cantarolando versos que aprendeu dos menestréis, os  que passavam pela taberna de Terezo, o apedeuta juramentício. Eram estes mesmos cancioneiros quem assustavam os bacuris medonhos, descrevendo os Manticoras que desciam dos morros, se enfiavam nos açudes cheios de aguapés, para devorarem o tico dos piazotes que ia nadar pelados nos açudes. Durante o dia ficavam lá, disfarçados de Chamichungas. Dava no mesmo. E os piazotes raspavam dali o quanto antes. Tinham muito medo.
Os menestréis se riam a se mijarem, da ignorância dos bacuris.
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-Te aligéra, apedeuta! - Gritava o budeguêro, dando um chascoasso com o pano sobre o balcão, para espantar um bando de moscas que chupava o resto da cachaça deitada pro santo.

- Não sou apedeuta! - Berrava Terezo. Nem sei o que isso qué dizê, bocó!

Um quiproquó com o velho Brazulengo o deixara intolerante às pagodeiras dos moços, o que lhe valera a alcunha de "Aristeu, o pé xujo". Chamavam ele assim, por causa dos pés sempre macucados, empiriricados, que no chulo linguajar povoeiro de antanho, era o vulgo "macuco" (sujeira enrustida) sabe? 

Reza o dito do povo que também não alimpava a bunda, mas isso já ninguém pode dizer ao certo, posto que não examinaram o ambiente

Pois é. Seria um bom sujeito, não fosse a mania esdrúxula de cavucar o nariz e esfregar, sorrateiramente no pescoço alheio. Ninguém chegava perto dele, com medo de encontrar casquinhas no cangote. Gente ruim era ali mesmo. Pois sim!

Terezo costumava chamar os amigos de "Perereco". isso mesmo! No pejorativo mesmo.

No inicio era engraçado, mas com o tempo, foi aborrecendo as pessoas e acabou tomando sobre si o apelido que dava a outrem. Ficou: Terezo, o Perereco. 

Matilda, resultado de um matrimônio arranjado pela casamenteira do arrabalde (o traste conseguiu arrumar uma mulher pra casar, isto é, arrumaram pra ele, dá pra acreditar nisso? Pois conseguiu mesmo?), berrava seu nome e apelido por inteiro, quando desconfiava que ele estivesse enfurnado na budega do Nicolau. Aí ela berrava mesmo:

- Terezoooo!!! Pererecooo!!!! Quantas vezes eu te falei que  não quero saber de ti, enfurnado nesse furdunço de cachaceiros?

Perereco só levantava um olho, mirava o "martelinho" de pinga, deitava um certo tantico pro santo, lambia os dedos, fazia o sinal da cruz, associado a mais alguns salamaleques, e bebia tudo num gole só. Arregalava o olho, piscava duas vezes, e esticava o copo pro budeguêro encher novamente.

- Não bebeu que chega, Terezo? 

-Óia que tua muié é braba, e hoje tá guspindo fogo pelas venta!

- Tô te devendo? - Emendava o Perereco com olhar desafiador, meio que levando a mão à faca.

-  Nem dava de me dever, jaguara! Teu crédito morreu junto com o último fiado que tu me pediu, faiz trêis anos já! 

E essa daí, tu só ta bebendo, porque tou com pena de ti. Mas é a última. Bebe, e toca pra casa! E já carcula o tamanho da sova que vai levar da Matilda. Se tem alguém com direito de te surrar, é a Matilda.

Perereco se foi, catando pinto (cambaleando), gambá, até chegar no rancho, onde Matilda mexia uma panela de angu.

- Muié! É hoje! - Disse Terezo, tentando fechar a bragueta, da última mijada, metade nas calças, metade na mão. É hoje que eu pego de jeito aquela capivara sarnenta!

- Tu armou a aripuca direito? Da última vez, ela mascou a couve, cagou no barbante, e ainda mijou no aramado da gaiola. Fêiz pagodêra de tu.

-Desta vez, enleei bem e cavoquei mais fundo o buraco!

_ Tu não dá conta nem de armar ratoeira, bobaião!

- Não me amole, véia imbizugada. Dou conta do Capincho sem tua opinião.

- Eita, que bebeu "água-do-cu-lavado" o sujeito. Sai ali e vai secar o mijo no sol, pra ver se melhora.
“Bebe água do cu lavado que te livra do mau-olhado”! - Emendava terezo, dando gaitada.

Terezo ergueu, sorrateiramente o vestidão da muié, meteu-lhe uma palmada no "recavém quaje prateado", de tão branco, e saiu correndo, rindo, fugindo das vassouradas.

Perereco era foiceador, e volta e meia, era chamado para um roçado aqui e ali. Pouco, pois sua fama de molengão e tapado precedia as oportunidades de trabalho, mas como a mão de obra era escassa, ainda encontrava algo por fazer pela redondeza. Numa dessas, "Nérço da Farofa" mandou um recado, por "Doralice do Talarico", de que tinha umas braça de capoeira pra serem roçadas, perto do rancho, onde brincavam os piás, e de vez em quando, apareciam cobras, colocando em risco as brincadeiras do "criancedo". Então, Terezo poderia ser útil à tarefa.

- Terezo! Vá lá carpir o lote, causo das cobra não mordê os piá, mas cuida que lá tem manticora que pica os bobaião, então cuida pra que não te piquem.

Terezo foi. Meia hora contadinha se passou, e voltou afobado:

- Seu Nérço! Seu Nérço!
- Que foi, istorvo?
- Seu Nérço, lá tem manticora!
- Pois eu sei istorvo. Foi pra isso que te justei, bobaião! Volte a vá carpir, e se cuida cos manticora, bocó!

Terezo foi. Mas não deu meia hora contadinha, de novo, e voltou aos berros:

- Seu Nérço! Seu Nérço! Lá no brejo tem manticora!
- E eu não te falei que lá tem manticora? Deixa de vadiagem e volta a carpir, coió!
Terezo foi a passo largo, segurando o chapéu com uma mão, e as calças, que caíam, amarradas com um barbante, com a outra.
Olha lá de novo a meia hora, e Terezo de volta, aos berros:

- Seu Nérço! Seu Nérçooo! Lá no brejo tem manticora!

- Mas e não é de que dá vontade de te dar uma sumanta de laço, jaguara? Eu sei que lá no mato de Manticora, pamonha! Não te avisei pra tomar cuidado com eles?
- É seu Nerço, mas o Manticora me mordeu o tico. De novo!
- Manticora não existe, Perereco! Eu só tava de pagodêra que era pra tu te aligeirar, bobaião. Vorta pra lida.

Perereco foi.

Ao fim do dia, o budeguêro foi lá fiscalizar a justada, e encontrou Perereco incuidinho, fumando um paiêro, enquanto cuidava do braseiro onde assava um quarto de Manticora. Taiô um naco, esticou pro patrão e perguntou:
- Servido, patrão? Isprementa aqui um táio de manticora. Eu tirei as catinguinha e é só cumê. Eita bicho bem bão!
- Vou querer uma coxinha, passe o sal, fazendo a gentileza!


Postíbulum scriptorium: Existe um erro proposital no texto. E não é o linguajar rebuscado. Descubra e comente*




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