O leite era vendido de porta em porta, entregue todas as manhãs, para a freguesia certa, pelo Seu Otó (Otto Hencke), um Veterinário Prático, que dividia suas funções entre vacinar animar, e prestar serviços de veterinário prático, e fornecer leite, de suas ordenhas.
O leite era envasado em garrafas de vidro, reutilizadas , cerveja, ou cachaça, e tampados com uma bucha de palha de milho. Eram acomodados em bolsas, parecidas com cartucheiras de revólver, onde colocavam algumas dúzias de garrafas, e no lombo do cavalo, eram levadas, de casa em casa, ora pelo próprio Otó, ou por seus filhos, Arnildo (Arnildão), Eugênio, e Lorena.
Era leite cru, que necessitava ser coado e fervido, pois como saía do tarro, na estrebaria, era envasado. Ferver o leite era quase uma arte, pois, traiçoeiro, ao menor descuido, subia, na fervura, e derramava pelo fogão com chapa de ferro.
Era leite integral, portanto, rico em gordura, e na fervura, ficava uma rapa no fundo, que era disputada pelas crianças, que se acomodavam num cantinho, com uma colher à mão, raspando o fundo da panela, para saborear o salgadinho do leito fervido.
Este leite, deixava no café uma espessa camada de nata, que também era recolhida com uma colher e jogada fora, pois não era apreciada pelas crianças, e também por muitos adultos.
Haviam outros vendedores de leite, mas eu não lembro quem eram, pois havia um zoneamento e minha vila era atendida pelos Hencke, nas minhas memórias.
Outro modo de atendimento e distribuição do leite, era beneficiado pelos moradores da parte central da cidade, onde havia o DEAL - Departamento Estadual de Abastecimento de Leite, uma estatal, que chegou a ser presidida pelo Gramadense Walter Bertolucci.
O DEAL, ficava no Planalto, local onde hoje está a Brigada Militar (ao lado), e a distribuição local era feita pelo Dorvalino Ferreira, um parente nosso, que tinha uma caminhonete equipada por uma pipa de aço, que mantinha o leite pasteurizado, em baixa temperatura. Ele visitava as casas, e buzinava na chegada. As pessoas já o aguardavam, com uma leiteira na mão, que equivalia à medida de um ou dos litros de leite, a serem adquiridos. Era uma delícia, tomar aquele leite geladinho, no caminho entre o caminhão e a casa. Um ritual, enfiar goela abaixo alguns goles da iguaria dos ricos.
O leite que coalhava, era jogado fora, e muitas vezes minha avó buscava dois galões de coalhada, para comermos com cuscuz.
Nos anos 70, apareceram umas garrafas, de bico largo, e tampa de alumínio moldável. Não vigorou por muito tempo. Então, chegaram os sacos de leite, que vieram pra ficar, e resistem até hoje, para o leite tipo C. O leite tipo A, e B, chegaram com as caixas Tetrapak. E também, houve um tempo, entre 1968 e 1974, que o governo norte-americano enviou ao Brasil, na década de 1960, que fazia parte do pacote leite em pó, ruim, que só, mas leite é leite, e os pobres tinham seu sustento garantido.
Mas nenhum leite batia o leite geladinho vendido pelo Dorvalino, especialmente acompanhado pelo pão d'água produzido pelo cunhado dele, o Joãozinho de Morais. Aí, era sentar na soleira da porta, atarracado num pão, com uma caneca de leite, e deixar o mundo acontecer. Tempo bom, bom mesmo!
Nenhum comentário:
Postar um comentário