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segunda-feira, 15 de agosto de 2022

O verbo e o vazio - A desumanização pela comunicação



Na cultura judaico-cristã, O Logos, ou O Verbo, ou ainda, A Palavra, são a expressão máxima do conceito Divino da Criação do Universo, da Terra, da Natureza, e do Homem.

A palavra sempre foi objeto de veneração, ao longo da história. Valia mais que a própria vida, em questões de honra. O empenho da palavra era mais precioso que o ouro ou qualquer outro valor mensurável, porque a palavra empenhada não tinha como ser destruída ou roubada, senão por quem a tivesse proferido. Assim, a palavra era única, um DNA, uma assinatura imutável.

Depois da palavra, vieram as palavras, no coletivo, no senso de pluralidade, de compartilhamento de atitudes e sensações. E da palavra falada, cujas raízes brotavam das cordas vocais de seu emissor, e antes delas, do pensamento, um lugar secreto na mente, cuja chave só pode ser aberta pela vontade de seu emitente.

Destartem compreendemos a história pelo conjunto de palavras ou imagens que as traduzissem em seus significados mais profundos, pela riqueza de detalhes oferecidos ao leitor de qualquer tempo. Então, tivemos os cuneirofmes pelos sumérios; os hieróglifos, no Egito, o proto-sinaítico, que derivou o hebraico; os ideogramas orientais, e assim evoluindo, passando pelo alfabeto ocidental, que permitiu certo hiato entre os primeiros caracteres até os dias atuais, quando surge, pelo vazio de referências analíticas, os memes, os emoticos, emojis, e de tão veloz que corre a nova linguagem, tantos outros que certamente trafegam às sombras da web obscura, como códigos de proteção aos intentos menos publicáveis. As gírias, traduzidas por novos ideogramas, apenas perceptiveis aos iniciados, isto é, aos que pertencem ao mesmo grupo de atividades de tal natureza.

Classificar as palavras é um exercício de milênios, e a cada momento em que os mistérios da linguagem são satisfatoriamente elucidados, surgem novos tratdos de correção e ajustamento aos tempos e às invenções. Assim, viajar de um lugar a outro deixa de ser um aparato de meses, até anos, de preparo, para resumir-se à escolha da passagem mais barata, do hotel mais vantajoso, e da forma de pagamento mais propícia. Diante disso, a palavra "avião", aeronave, ou "Transatlântico", não fariam nenhum sentido há um século atrás, e soariam como fórmulas de bruxarias se proferidas durante a idade das trevas. Porém, a recíproca também é verdadeira, quando têrmos, conhecidos em lugares e em circunstâncias absolutamente locais e temporais, encontram-se em nossas leituras na literatura antiga, e torna-se ainda mais sinistra se tentarmos traduzi-las ao nosso tempo, sem a devida compreensão de suas fontes e propósitos originais.

A fluidez das palavras é uma máxima cotidiana, quando o que antes era comum, torna-se abjeto anacrônico, porque o sentido mudou, e o que antes fosse corriqueiro, torna-se ofensivo. Assim, pouco a pouco, obliteramos o desejo de falar, porquanto nossas palavras poderão tornar-se nossos verdugos. O que antes era afago, tornou-se assédio. O que era carinho, tornou-se malícia. O que era brincadeira, tornou-se um perigoso labirinto repleto de armadilhas para enredar ao menor delize. Assim, perigoso é falar. Perigoso é olhar, e torna-se nocivo até mesmo existir.

O verbo conjugado é o sujeito vivo. o verbo intransitivo é o sujeito acorrentado. A flexão verbal deixa de ser um aditivo do conhecimento, e torna-se um vazio cáustico pela ruptura da vontade acorrentada pelo medo do erro acidental. A inflexão verbal esvazia a vida. A vida vazia, esvazia o ser. O ser vazio caminha e arrasta consigo o mundo todo ao caos. A comunicação racional, que nos diferencia da comunicação instintiva dos animais, afunda-se numa espiral invertida, e cada dia mais, vai sendo engolida por si mesma, como a serpente "Ourobouros", que devora-se a si mesma, tendo seu formato absurdo indicativo de eternidade, mas uma eternidade perniciosa que se fecha, que se devora, diverente da eternidade que se expande, que se multiplica, que se descentraliza, o ponto inicial para o vazio desconhecido, como o "Big-Bang" que moldou o Universo.

O vazio dos verbos se distancia da plenitude do Verbo, porquanto é a iniciativa humana a reformular a plenitude moldada pelo Verbo primevo. A comunicação emaranha-se neste vazio do Ourobouros. A vontade se esvai no c´pirculo fechado do monstro, onde a cabeça devora a cauda, e impede a si mesma de flutuar pela existência.

Gosto mais de pensar no singelo "beabá" das primeiras lentras, onde não havia história a resgatar, senão o cantar sereno da mãe que embala o filho, mostrando o céu e nominando as estrêlas, como poemas e canções. o verbo era mais suave e o vento era apenas brisa. Um sopro. Uma promessa.


Pacard - Pétalas, 2022



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