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terça-feira, 10 de janeiro de 2023

O jeito errado de escrever certo - Porque eu gosto da simplicidade matuta


Winning speaker - Jan Steen Style: Baroque - Genre: genre painting - Media: oil, canvas - Location: Alte Pinakothek, Munich, Germany - Dimensions: 70 x 61 cm

O jeito errado de escrever certo - Porque eu gosto da simplicidade matuta
Pacard - Escritor

Não sou um intelectual no estrito sentido acadêmico da palavra, mas também conheço o valor do vernáculo, nos alfarrábios que dedilho. Gosto do falar erudito, e de enriquecer meus textos e ensaios com algumas palavras menos usuais que tangem o coloquial, ao mesmo tempo em que faço trocadilhos, para que meus leitores tenham que ler duas, três vezes, até, a mesma sentença, o mesmo parágrafo, e por vezes, não poucas, o texto inteiro, para que seu périplo cognitivo possa acompanhar minhas idas e vindas ao Vade Mecuum, prazer que tive nos ditosos tempos de antanho, quando não havia smartfone para retardar nossa evacuação cotidiana, quando liam-se gibis, revistas de fofoca, algum livro de contos breves, ou, na falta destes, os rótulos de xampú, sabonete e creme dentrifício. Em último caso, e era minha preferência, os dicionários. Ah, como era prazeroso percorrer as colunas de palavras em ordem alfabética, e conhecer-lhes o significado, e a etimologia. Como dava prazer, nas longas tardes de chuva, sob as pesadas cobertas de trapos que minha avó fazia, mergulhar no interminável mundo das palavras e dos significados.

No entanto, sou surpeendido, com cada vez mais frequência, a compartilhar pequenos textos bem humorados, escritos no mais absurdo dos crassos erros propositais acometidos contra a "Última Flor do Lácio", ao que tantas vezes as reformas educacionais e literárias modificaram como: Língua Portuguesa, Língua Pátria, Português, e outros adjetivos, talvez com a intenção de atualizar o acervo didático-literário, ou disfarçadamente acolher os bons favores à engajados editores que propunham desovar o estoque dos livros impressos para a educação juvenil.

Mas então, por que eu escrevo com erros gritantes e nem seques os coloco entre aspas, para denotar que errei de propósito? Por que exponho-me ao ridículo de ser criticado e zombado pelos meus detratores, alcunhando-me de "iletrado, e metido a erudito"?

Porque descobri-me um matuto e prazerosamente o concluí que sou. Descobri que aprecio mais que tudo, na comunicação interpessoal, o ouvir caipira, povoeiro, simplório. Descobri que o vernáculo arcaico dos que dizem: "barde, bassôra, treisontonte, dijaoje, chiculatêra, bombiá, ispiculá, carcule, etc", remontam minhas origens lá na distante Vila Moura e adjacências, onde as pessoas falavam desse modo. Remete-me ao lugar onde nasci, um brejão perdido entre montanhas e rios, onde as pessoas guardavam um tição de sucará entre as cinzas ao findar da noite, para reacenderem o fogo logo pela manhã, porque fósforos eram caros e raros, e os isqueiros eram um pedaço de lima, com uma pedra e um chumaço de algodão, custoso de acender, e raro de possuir. Certo é que não tenho lembranças diretas deste lugar, mas quem me cercava não era diferente deste modo de ser, simples, bonachão, hospitaleiro.

Descobri, prazerosamente, que gosto de comer feijão mexido ao modo campeiro, café de chaleira, cuscuz com coalhada, e Tio Bento Ruivo, uma farofa com ovo e farinha, para acompanhar o café, ou um caneco bem cheio de Chá de Mate com Leite, do jeito que comia e bebia, nas priscas eras de minha infância.

Descobri, prazerosamente que envelhecer é o melhor modo de se viver a vida, e as lembranças, temperadas com saudade, são o lenitivo para as dores que nos embalam as madrugadas.

Descobri prazerosamente que viver na busca daquilo que nos impulsionou para o crescimento, é bem mais suave, quando temos na memória, a viva lembrança de que "Ispicula com pergunta" era uma resposta atravessada para espantar intrometidos. Que "bombear", naõ é o ato de impulsionar líquidos ou gases por meio de tubos com alta pressão, mas simplesmente, "espiar". Aprendi que barbaridade não é o mesmo que barbárie, mas uma deliciosa interjeição de espanto e admiração, que só quem é da minha terra sabe pronunciar, no tom e no tempo certos, para que não se torne caricato. Aprendi desde cedo que "atucanado" dizia respeito à minha vó na lida, com urgência, e dando uma desculpa para não desviar-se do que fazia, para atender nossas bobices de criança, e que a expressão nada tinha a ver com estar cercado de Tucanos, bicho predador e nefasto, que eu só fui conhecer depois de largos anos de carreira. Aprendi que "bóia" era o que havia de especial na casa das minhas tias-avós, onde o perfume da couve e do feijão nos chamava para a mesa, tendo ou não lavado as mãos. Comer era mais importante.

Descobri prazerosamente que gosto de ouvir os sons e as vozes do meu poassado, ainda vivos naqueles que não tem preocupação alguma em atender às regras gramaticais prolixas que também já foram trucidades pela apocopação cibernética, porque escrever com apenas a ponta de dois dedos, em um diminuto espaço iluminado, requer agilidade e destreza, e pensar é condição que a velocidade dos bits não aceita negociar. Assim, já que não posso exercitar a poesia dos eruditos, exercito a singeleza dos proscritos. E viva nóis!


Bolicho Bagual by Pacard, 2023 - Fine Art (48 999 61 1546)




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