AD SENSE

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Teoria da Criatividade - Capítulo I

Teoria da criatividade

Pacard, Escritor - Designer



CAPITULO I



Nós somos cercados pela constante necessidade de inovar coisas, inovar os sonhos, inovar a vida, inovar o mundo, e só a mediocridade é capaz de frear nosso movimento nesta contínua busca dentro do desconhecido, seja ele estético, prático, físico, mental ou até mesmo espiritual.

Vejo criatividade em tudo e em todos, embora poucos assumam a pecha de criadores. Dá impressão que sentem vergonha de serem criativos. Que sentem repulsa pela ideia de serem chamados de inovadores, posto que inovador e criativo, até bem pouco tempo atrás era tido por maluco, por irresponsável.

Os criativos eram temidos pela sociedade, assim como eram também os deficientes, nas culturas antigas. Os criativos ainda são tomados como irresponsáveis por muitas pessoas, especialmente no meio empresarial menos esclarecido, porque são inquietos. Há uma repulsa quase natural por aqueles que destoam do Status Quo do grupo, que se permite modelar pela vontade soberana daqueles que sentem nos criativos, rivais, que ameaçam sua autoridade diante dos demais.

Não suportam a mesmice, são irreverentes, muitos, quase intolerantes, e acabam por tentar mudar as coisas, só que nem sempre suas atitudes são benvindas. Toda mudança gera responsabilidade em aderir a ela, quebrar paradigmas, andar noutra direção. E isso pode ser o fio da navalha para os criativos, pois quando a criatividade se choca com a mediocridade, os resultados podem ser imprevisíveis. Cabeças rolam em grande parte das vezes que isso acontece. Medem-se forças de convicção e assimilação.

Se os medíocres estiverem em maioria e tiverem potencial capacidade de formação de opinião, os criadores podem preparar suas malas e buscarem outros palcos para encenarem suas tragédias. Se o contrário acontece, então, são os medíocres quem precisam se reajustar com as novas diretrizes.

Em geral, uns poucos líderes desta rebelião ideológica são decepados do grupo e os criativos assumem a inovação. Os demais se tornam massa inerte e cumprem o estabelecido. Mas não são medíocres. São pessoas normais. Em minha geração de pós-adolescência, anos 70, havia conceitos que norteavam a conduta social através de certas particularidades das pessoas. O corte de cabelo, o friso na calça, chapéu, gravatinha fina, camisa engomada, óculos quadrados e abotoaduras, perfilavam um homem decente, aceitável pela sociedade. Caso este personagem fosse funcionário de um banco qualquer, de um escritório de contabilidade, um gerente de fábrica ou uma profissão qualquer relacionada à organização, produção ou governo, tornava-se um excelente “partido” para casamento, amizade ou participação na comunidade. Ao contrário disso, quem fosse criativo em excesso, volúvel nas ideias, artista, pensador ou exercesse qualquer profissão menos cartesiana, era considerado um sinal amarelo para maior proximidade com pessoas “decentes”. Neste saco de gatos estava o criativo, o inventor. O Ser Criativo era uma praga social. Poderia agir, contanto que não excedesse os limites preestabelecidos, isto é, que permanecesse no mesmo emprego, que não ousasse expor seus sonhos para não passar por louco ou que ousasse ser empreendedor sem ter suficientes recursos que lhe garantisse continuidade e sucesso no empreendimento. Evidente que qualquer empreendimento precisa ter planejamento, serenidade das decisões, alguma experiência e sobretudo coragem. Mas também é necessária ousadia. Muita ousadia, caso contrário seria apenas mais um no mercado.

Entrar no mercado por primeiro é um risco enorme, porque não há parâmetros para estabelecer metas ou traçar paralelos de sucesso ou fracasso. Os aviões comerciais tem suas rotas, altitudes e horários, determinados pelas torres de controle, para que não cheguem cedo demais, ou tarde demais, ou ainda em horários conflitantes com outras aeronaves, o que poderia se tornar uma catástrofe imensa, não fosse a ordem e os roteiros estabelecidos. Há um tempo para tudo, diz o sábio da antiguidade, e o tempo é o fator determinante dos resultados que se espera das atividades relacionadas com a sociedade. Este sincronismo determina a dita normalidade da sociedade, embora as variáveis também sejam interpostas com as constantes deste entrelaçado evolutivo. Se interligam criativos e executivos, tal como gordura e carne, fibras e silício e outros opostos naturais na fisiologia das espécies

Há, porém o benefício do inusitado, da surpresa, da coragem. Tantos são os empreendimentos que fracassam quantos são os que prosperam no campo da inovação. Mas não se pode atribuir à inovação em si os méritos pelo sucesso apenas, como não se pode atribuir à mesma inovação o demérito pelo fracasso. Inovação não é invenção barata, loucura manufaturada ou uma bolha etérea sujeira ao vento sem um leme.

Inovação é um conjunto de temperos que dão sabor ao sucesso. Inovar e criar não são atos solitários, mas solidários.

Criatividade solitária pode aparentar genialidade, mas é um risco enorme, uma corda bamba sem rede de proteção. O trapezista criativo pode chegar ao fim da corda se não houver vento, não tiver uma vertigem repentina ou suas pernas tiverem equilíbrio.

Sou levado a perceber que o mercado não é assim. Há sempre uma corda e um penhasco para atravessar por ela. Mas há ventos, altitude e rochas lá embaixo.

A corda sempre balança e vertigem acontece. O Ser Criativo, porém saberá identificar com antecedência sua tendência à vertigens, a labirintite. Saberá analisar as condições climáticas, a resistência da corda, fará exercícios que fortaleçam suas pernas e estenderá uma rede embaixo para eventuais imprevistos. É o que chamamos de “Plano B”.

E a bem da verdade, o Ser Criativo não depende de planejamento, embora faça dele uma ferramenta de sustentação de sua criatividade. Mas ele não depende de um estoque de ideias que permitam dar solução a problemas e desafios, porque desafios são quase sempre inusitados, e o inusitado não tem historia e sobre seus caminhos não se pode retroceder.

Diante desta reflexão podemos então classificar os grupos de trabalho em: Criativos, Medíocres e Normais. Mas também sub classifica-los em criativos medíocres, criativos normais e medíocres com soluções criativos. Com qual grupo podemos nos identificar?

Se você é um criador (ou criativo), liberte-se do medo de não ser compreendido, de que as coisas possam dar errado. Não tenha medo de subir a montanha pelo outro lado para ver o que há do lado de cá. Não, eu não errei a sintaxe. Eu quis dizer exatamente isso: Suba a montanha do lado de lá para ver o que há do lado de cá. O óbvio seria o contrário, avançar no que fazemos comumente para ver o lado de lá. Mas perceba que há tanta gente do lado de lá, caminhando para o lado de lá, que não há mais novidade nisso. Há tantas expectativas, tantas previsões, análises críticas sobre as possiblidades de saber o que há do lado de lá, previsões matemáticas, estatísticas, fórmula de Fibonacci, planejamentos, que o lado de lá torna-se um amontoado de previsibilidade nada criativas. O óbvio jamais será criativo. Óbvio é o óbvio. Já foi criado. Resta então correr pelo outro lado e olhar para os que avançam para o lado de lá. Descobrir neles coisas que não percebem sobre si próprios. Mudar as coisas com sabedoria, com inteligência, com criatividade e fazer com que chegar do lado de lá se torne apenas uma consequência de curso e de percurso . Planejamento é necessário, mas existe um momento em que se não houver liberdade e flexibilidade, ele se torna inócuo, vazio. Planeja em cima do nada. Desta forma, deixar que a criatividade tome suas próprias decisões durante o processo é uma certeza de muito trabalho para o planejador após a criação.

O lado de lá é sempre mais cobiçado, mas o lado de cá tem mais conteúdo. Descubra-se.

Mas até lá, deixem-no trabalhar e criar em paz, livre.

Quando nos encontramos com nós mesmos, isto é, quando damos a volta na montanha e olhamos para o que fazemos, descobrimos que há tantas possibilidades dentro de nós, que o universo criativo não precisa ser assim tão distante, nem tão finito.

Em Sua Infinita Sabedoria, D-s é Único.

Tivesse feito também único o Homem, ter-se-ia um paradoxo. Criou-o portanto múltiplo para que contasse até o infinito. Quanto olhou para si próprio como único, interrompeu, a criatura, essa contagem e encerrou aí a compreensão de sua multiplicidade infinita, à semelhança de D-s.

Caminhar portanto adiante de si mesmo e olhar para trás em busca deste reencontro é estar cumprindo com suas obrigações criacionárias, criacionistas e criativas. Compreender o incompreensível é compreensível. O que não dá para entender é tentar explicar o óbvio. E o óbvio é andar só para frente. Subir sempre a mesma montanha. Como todos fazem. Dar a volta e subir a montanha pela outra face é como olhar-se no espelho das virtudes.

Vês num espelho uma imagem de ti mesmo? Ou vês do espelho em ti um arremedo de imagem primitiva que o imita em todos os gestos? Assim como o espelho necessita de tua imagem para que seja uma imagem virtual, necessitas tu do espelho para que te veja face a face mesmo assim, um de ti é apenas uma imagem vazia. És portanto meio real, meio virtual. Não te glories disso, posto que quando te fores, teu outro vazio não vai te acompanhar. Segue em outra direção. Tu mesmo te volta as costas para ti mesmo. Triste figura solitária és, que nem o vazio te segue.

Evidente que se trata de um ensaio de ideias com dramaticidade literária.

Escrevi para ilustrar que até mesmo no vazio de ideias, podem surgir outras novas ideias. O vazio pode ser combustível para a recriação.

A criatividade não nasce necessariamente no vazio das coisas, mas na necessidade de outras coisas. São os desafios das coisas que entravam o conforto ou bom funcionamento de algo, que nascem as melhores soluções.

Há soluções que se tornam ícones e artigos de primeira necessidade, pois são tão bem sucedidas, que seria impensável viver com naturalidade sem estas soluções; Que o digam as mulheres e o sutiã. O homens e a cinta. Ambos, e o calçado. E a lista é grande. Podemos citar a lâmpada elétrica, ou à querosene, antes dela, ou a vela de cera para os religiosos, ou a mesa para os comensais, e para a mesa, como pensar em comer confortavelmente sem uma cadeira? E sobre a cadeira, uma almofada para que possamos permanecer mais tempo à mesa. Ou senão almofada, que seja a cadeira ergonômica para oferecer conforto.

Aliás, é também o conforto em si, fruto da criatividade. Um sofá é a soma de uma cama com uma cadeira. Uma cama é um estrado alto com cobertas. Uma coberta é uma capa mais espessa, pois não há necessidade de leveza para movimentos. Uma capa é uma camisa e uma calça mais livre. Uma calça é uma capa enrolada às pernas. O mesmo é a camisa, junto ao torso e braços. O mesmo pode se dizer à uma luva, que é uma capa que permite os dedos se movimentarem.

Este exercício de simplificar as coisas nos permite irmos além, buscando entender a origem as coisas inventadas e criadas, como por exemplo, outros utensílios domésticos. Vejamos a faca: uma lâmina afiada para cortar, aquilo que antes era rasgado ou triturado com os dentes. Uma colher substitui a concha com a mão, ou uma folha de árvore para beber líquidos em pequena quantidade, com o atenuante de permitir que se beba também líquidos quentes. Sem colher, sem sopa. Sem sopa, só se comeria alimento assado ou cru. Ou teríamos que lamber as mãos o tempo todo.

Nas famílias mais abastadas, talvez se criasse a figura do “lambedor”, um empregado contratado especialmente para esta função. Nojento isso, mas a sociedade se constrói através dos ajustes das necessidades humanas.

Imagine chegar a um restaurante e além do Garção, ser atendido por um lambedor de mãos. Ou um servidor de “concha”, que com suas próprias mãos levariam bebida à sua boca, e novamente a uma vasilha com mais bebida, repetindo este gesto até que você esteja saciado. E se não houvesse a vasilha, teria que buscar a bebida num grande barril na cozinha, esbarrando em outros “conchinhas” que faziam o mesmo.

Estou gostando destas elucubrações criativas, pois nos permite fazer um retorno à função das coisas que nos cercam. Fico pensando no que seria o mundo sem a criatividade continua das pessoas. Existem pessoas que são pagas para serem criativas. Outras pessoas são pagas para que não tenham criatividade alguma. Certa ocasião, criando algo e explicando ao cliente o funcionamento, ele me fez a seguinte pergunta:

- “Como o operador desta máquina vai fazer isso do jeito que você quer, se não tem uma marcação para que ele entenda?”

Eu respondi que seria óbvio ao operador compreender que deveria ser feito daquela forma, bastasse pensar um pouco. A reposta foi uma lição:

- “Se o operador de máquina tiver que pensar, o lucro da empresa cai. Ele não é pago para pensar. Você é pago para pensar”

Outro caso semelhante ocorreu, quando eu era gerente de uma empresa, lá pelos meus vinte e tantos anos. Um dia, com o serviço todo organizado, equipe trabalhando, eu sentei à máquina de escrever ( quem tiver mais de 40 anos de idade vai lembrar o que é uma máquina de escrever) e comecei a escrever um relatório. O meu chefe chegou, parou à porta, com seu cachimbo e me perguntou o que eu fazia, escrevendo à máquina. Respondi que era um relatório de vendas. Ele perguntou então se eu não tinha uma secretária que pudesse fazer aquilo por mim, ao que respondi que ela estaria fazendo outra coisa naquele momento, então como eu estava com tempo ocioso, resolvi fazer o relatório. Outra lição:

- “Se você está com tempo ocioso, ocupe sua mente pensando em vender mais. Você é um datilógrafo muito caro para a empresa. Seu salário não é para ficar datilografando relatórios e sim criando formas para aumentar as vendas”

Da primeira vez eu entendi a lição. Da segunda vez, eu assimilei a lição e passei a compreender que pensar é um trabalho muito importante e não apenas um modo de orientar mãos e pés a executarem tarefas. Você é pago para pensar, embora não exista uma profissão no Ministério do trabalho que o defina como um “Pensador profissional”. Mas é isso que faz um criador. Ele pensa. Analisa as circunstâncias. Identifica necessidades, relaciona os problemas e corre atrás de soluções. Criar aqui então é buscar soluções. Pensar é a ferramenta que você usa para estruturar as soluções, e o resultado disso é a criatividade. Você fez jus ao título de “Ser Criativo”.






Nenhum comentário:

Aquelas tardes grises com minha avó Maria Elisa

Eu era pequeno, e apesar disso, lembro como se fosse ontem. O mundo acontecia sem a minha influência, com ainda acontece hoje, mas o meu mu...