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quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

O que tens à mão?


Imagem IA

Pacard (Escritor, Designer*)

Moisés era um príncipe banido havia cerca de quarenta anos. Isso parece ser tanto tempo, que podemos imaginar que todas as suas lembranças tenham sido apagadas da memória. Ledo engano! Lembro, como se fosse ontem, o que aconteceu há quarenta, cinquenta, e até sessenta anos atrás em minha vida, na vida da minha família, na minha comunidade, e até no mundo. Então, não, quarenta anos é como a manhã de ontem que ainda brilha viva nas nossas lembranças, ainda mais se você for velho, aí sim, vai lembrar do pito que levou por se pendurar no abacateiro da lavoura do vizinho.

E nestas lembranças, mais doces do que tristes, porque as tristes, sim, sublimamos para não sofrer, e então lembro da pobreza, e na pobreza, os brinquedos e as brincadeiras que precisávamos inventar para avançar na algazarra infantil. Cavar nos barrancos para construir uma caverninha, conseguir um pedaço de câmara de pneu de bicicleta para fazer uma funda (estilingue), uma tampa velha de panela, para com uma varinha furada na ponta e um pedacinho de arame em formato de ganho,  conduzir a tampa pelas vielas, ou uma bola de meia e trapos, para jogar uma pelada no fim da tarde, no terreno poeirento ou barrento, depois da chuva de verão, colher araçás, juntar pinhão, procurar uma goiabeira carregada, ou dar a sorte de encontrar uma cerejeira do mato, uma guabirobeira, um córrego limpinho serpenteando uma encosta, coisas assim, sem custo calculável, mas de valor imensurável, era isso que tínhamos à mão, nos dias de antanho, nas nossas saudosas priscas eras da infância.

E hoje, temos o que,para contornarmos o frio das relações em primaveras perfumadas? Temos boca para sorrir, olhos para fitar, a mente para refletir, mãos para levar os braços ao abraço, pés que nos conduzem onde possa nosso coração mandar, e a determinação de fazer e agir, quando nossa vontade pede exatamente o contrário.

Temos à mão, como o que tenho nesse momento, um sabiá que canta sem dizer o porquê, o vento que embala as árvores sem pedir licença, a porta que range, anunciando que alguém a abriu, as costas que doem, porque carregaram a vida nelas, as pernas frágeis, porque percorreram o mundo muitas vezes sempre nos mesmos caminhos, e a esperança firmada nas lembranças dos dias que sucederam noites de angústia, para que tivéssemos a certeza de noites que são temporárias, e que apenas a eternidade poderá ser contada pelo afiar do bico de um beija-flor na rocha de diamante, cujo tamanho é de mil vezes sua própria largura, mil vezes a sua altura, e mil vezes o seu comprimento, e que ao gastar todo o diamante de tanto afiar o bico, terá passado a primeira fração de segundo da eternidade. Eis o que temos. Sabendo usar, não irá faltar.



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