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quinta-feira, 20 de março de 2025

O Pequeno, o Grande e o Medíocre - As vertentes que fazem Gramado















Imagem: Grok AI

Os registros visuais mais disseminados e, supostamente, mais apreciados nas redes sociais — permito-me corrigir de pronto essa presunção de apreço, pois os mais compartilhados versam, na verdade, sobre violência, mexericos venenosos e trivialidades afins — são aqueles que exibem criaturas adoráveis: filhotes de panda, lontras brincalhonas ou mesmo leitõezinhos de aparência enternecedora. Tais imagens, repetidas à exaustão por milhões de olhares, deixam um efêmero rastro de ternura, que se dissipa em míseros três milésimos de segundo, tempo suficiente para que o dedo, em seu ofício curatorial, deslize célere à próxima tela.

Outra categoria de conteúdos que capturam a atenção compreende o sublime, o colossal, o assombroso — pouco importa se gerado por inteligências artificiais. Represas chinesas capazes de perturbar o eixo terrestre, a vastidão insondável do cosmos, o abismo fiscal das contas públicas, ou uma bomba que ergue uma esfera ígnea seguida de densas volutas de fumaça em cenários bélicos — tudo isso fascina. Os homens deleitam-se na adrenalina, ainda que esta se nutra do sofrimento alheio; o que vale é o espetáculo, seja sua grandiosidade fugaz ou perene. O gigantismo exerce seu domínio.

Há, contudo, um terceiro grupo de mensagens cuja existência mal se registra, a menos que o vídeo trave e nos force a notá-las. Trata-se da mediocridade estridente, da pequenez que se torna célebre por sua própria insignificância. E o que tem Gramado a ver com tal digressão? Convido-os a uma reflexão conjunta.

Nos tempos idílicos de outrora, a Gramado das eras pristinas — aquela do guaraná com rolha e do avião a lenha — era apenas uma estância climática bucólica, um refúgio estival para famílias de posses moderadas. Ali, erguiam suas residências de veraneio, onde passavam dois ou três meses no verão e um no inverno. As esposas e os filhos permaneciam, enquanto os maridos, em um ritual semanal, desciam à capital de trem às segundas-feiras e retornavam às sextas. Assim era a vida — aprazível, suponho, embora eu tenha nascido quase após essa era.

Mesmo após o declínio dos trilhos, Gramado conservava seu charme: pequena, acolhedora, ornada de adjetivos que refletiam a satisfação de seus visitantes e habitantes. Os anos trouxeram incrementos ao conforto, tanto para os moradores quanto para os veranistas, mas o apelo de Gramado residia precisamente em sua escala reduzida: uma cidadezinha florida, asseada, com ares europeus — reminiscentes da Alemanha, da Áustria, da Suíça ou do norte da Itália. A culinária era simples e objetiva: duas churrascarias, os restaurantes dos hotéis — um tempo que invejo, ao menos pela comida. Os passeios a pé pela Avenida Borges de Medeiros (cujo nome, aliás, carece de vínculo com a alma local; aguarda-se, talvez, o falecimento de algum ilustre para rebatizá-la) eram agraciados por canteiros de papoulas, amores-perfeitos e bocas-de-leão. Era essa singeleza que cativava os corações.

A partir dos anos 1970, eventos começaram a projetar Gramado ao cenário internacional, ainda que timidamente. Sotaques além do carcamano e do tedesco passaram a ecoar, e, dia após dia, a cidade cresceu — não em extensão geográfica, limitada por sua topografia, mas em pujança econômica e prestígio turístico. Tornou-se um modelo de desejo, um lugar onde muitos almejaram fixar residência a qualquer custo, embora apenas os financeiramente preparados lograssem êxito. Gramado encareceu-se; agigantou-se qual um buraco negro, denso em energia quase inesgotável, cujo horizonte de eventos passou a englobar as cidades vizinhas. Estas, outrora detentoras de identidades culturais próprias, sucumbiram à tentação de colher os frutos que pendiam das árvores frondosas de Gramado — perdoem-me a profusão metafórica. Por deferência aos vizinhos, evitou-se o epíteto “Grande Gramado”; optou-se, por decreto político, por “Serra Gaúcha” ou “Região das Hortênsias”. Contudo, o núcleo gravitacional permanece, inquestionavelmente, em Gramado — o “Grande” que dá título a esta meditação.

Demonstra-se, pois, que era a pequenez o cerne do encanto, tanto para os visitantes quanto para os moradores. A cidade idílica, adornada de flores, convidava veranistas a suportar seis horas de trem para serem recebidos como notáveis pelos hoteleiros, desde os anos 1940. Era o aroma das hortênsias, o frescor matinal, o sabor dos cafés coloniais, as primaveras multicores e a simplicidade dos transeuntes, conhecidos pelo nome, que enfeitavam o desejo de ver, estar e viver na Gramado de tempos imemoriais. Sua escala modesta era sua verdadeira magia.

O tempo avançou, e com ele vieram braços vigorosos, mentes altivas e o anseio de fazer o melhor para estar entre os melhores. E assim se fez. Gramado erigiu-se como referência de qualidade, de bem-viver, de elegância, de notoriedade, de espírito empreendedor — um mosaico de sabores, cores e virtudes admiradas por todos. Tornou-se, porém, vítima do risco inerente ao progresso: a unanimidade do que é exibido e vendido.

A política também se transformou. Gramado distancia-se astronomicamente de cidades de porte semelhante no Brasil — evito compará-la ao mundo, pois os paradigmas de crescimento variam entre culturas. Não há prefeito neste vasto país que não almeje conhecer seus gestores, sorver-lhes conselhos, colher ideias e moldar propostas que inspirem seus munícipes a tomarem Gramado como exemplo de triunfo. O sucesso é doce, mas atrai os ambiciosos — e como atrai. Antes de discorrer sobre a ambição, however, detenhamo-nos nos que raramente merecem menção: os medíocres.

São eles, os medíocres, que se postam nos interstícios do caminho, estendendo a perna para fazer tropeçar os que avançam. São os medíocres que se acomodam, sugam e regurgitam em si mesmos o que não compreendem nem toleram, mas ainda assim cobiçam. Cobrem-se de falsos brilhantes e saltitam pelas ruas, capturando autorretratos para exibir a outros medíocres os lugares que frequentam, como se isso os tornasse relevantes, realizados, bem-sucedidos — ou como se os anfitriões lhes devessem gratidão por tal “lustre”. Esvoaçam quais pirilampos digitais, espalhando lantejoulas pelas redes sociais, devorando farofa enquanto fingem saborear lagosta (confesso: detesto lagosta, mas exalto a farofa com orgulho), na vã esperança de que os espectadores os tomem por empreendedores genuínos, curadores de riquezas, guardiões do bem-estar e da paz local. São os medíocres, fracassados em suas terras natais, que creem estar contribuindo com ações tão triviais quanto eles próprios, salvando a comunidade de males imaginários.

Não salvam. Não resgatam ninguém. Enganam apenas a si mesmos, presos na ilusão pueril de sua indispensabilidade. Esmurram paredes, bradam em tribunas, vestem-se de cetim ordinário como se desfilassem em Paris — ignorando que Paris está a léguas de distância. Gramado, indulgente, os acolhe, e é ali que tentarão, talvez, dar um jeito no jegue. O animal, por ironia, pode revelar-se mais sagaz, fazendo diferença onde quer que seja amarrado.

Postscriptum: Esta reflexão foi concebida para provocar pensamento. Infelizmente, aqueles que poderiam lucrar com suas palavras, se caírem de joelhos, limitar-se-ão a pastar. Que tomem cuidado para não serem também enlaçados, embora pasto, ao menos, não lhes falte.

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