"Escruncho! É uma expressão, um jargão, conhecido entre vendedores, que define o modo agressivo de vender aquilo que o consumidor não deseja comprar.
Um exemplo disso, eram alguns vendedores posicionados em aeroportos, geralmente, em um quiosque com uma pilha de revistas fora de edição, e que oferecidas a quem apenas mostrasse que era usuário de um cartão de crédito.
Funcionava desse modo:
A vítima caminhava despreocupadamente pelo aeroporto, após seu check-in, no intervalo entre o despacho das malas, e o momento de embarque. Aquele tempo de um certo vazio existencial, onde caminhar lentamente para acompanhar o passar das horas, preenchia o tédio da espera.
A mente se torna vazia, e ficamos abertos à lavagem cerebral que acontece a seguir.
Pois era esse o exato momento para que fossemos atacados com um: "Psiu, ei, senhor! Temos um presente para o senhor!"
Pronto: a palavra mágica, encantada: "Presente"!
Ato seguinte, o pedido para que apresentasse um cartão de crédito, apenas mostrasse que tinha um, e pronto. Começava o ataque.
- O senhor pode escolher uma de nossas publicações, e será inteiramente sua, sem nenhum custo!
Feito! Cada um escolhia a revista de sua preferência: Playboy, Quatro Rodas, Veja, IstoE, Caras, e a lista era grande, dependendo da editora.
Pronto: Uma Casa e Jardim, para não ter problemas em casa.
Era nesse momento que começava a ladainha:
"Sou estudante universitário, e trabalho para pagar a faculdade. Estou oferecendo ao senhor, de forma inteiramente gratuita, uma assinatura, onde o senhor vai pagar apenas o correio, que custa menos de 30 Reais por dia, blá, blá, blá.
Enquanto isso, o galanteador de egos, ia preenchendo um talão com seus dados, TOTALMENTE SEM COMPROMISSO, ele repetia constantemente, apenas um cadastro interno, blá, blá, blá. Então fala do tempo, dos vôos atrasados, da beleza do seu nome, do significado da sua assinatura, adulando, adulando, adulando, e:
- Por favor, confirme se é isso aqui, seu CPF está de acordo? Endereço? Certo, fique tranquilo,é apenas para cadastro, porque a editora me paga por cadastramento, e, ah, sim por favor dê sua rubrica aqui, ao lado da minha, e senhor, não foi o seu voo que anunciaram? Tenha uma ótima viagem, senhor...!"
Pronto! um mês depois aparece uma revista ou duas na sua caixa de correio. Mais uns dias ainda, um boleto, prestes a vencer...e não, você não pode cancelar sua assinatura, porque já se passaram trinta dias da entrega da revista, e o senhor precisaria ter reclamado em 7 dias. Você insiste, e aparece aquela voz anasalada: "Senhor! Aguarde um momento, que vou estar passando para meu supervisor...!E assim, por dois anos, você lê o que não tinha vontade, paga pelo que não queria comprar, e toma na cabeça pra aprender a não ser burro.
Claro que a vingança chega depois.
- Senhor...blá..blá..um presente...
Escolho a revista e pergunto:
É presente mesmo?
-Sim, só precisamos de...
-Opa! Foi o meu voo, em última chamada.. ADEUS!
E a revista era com data passada, mas a leitura até que era boa.
O grave problema desse tipo de vendedor é que ele não suporta vender de outro modo. É daquele tipo que decora a cartilha, participa de todas as palestras motivacionais, empola o peito com todos os bottons das reuniões de equipe, capricha na camisa abotoada no punho,sua mesa é impecável, com bandeirinha da equipe, xícara com a logo da empresa, e um sorriso quase caricato, demolidor, contundente. Ao levantar-se para receber o cliente, seu aperto de mão não deixa dúvida de que ele está ali para derrotá-lo, para sair dali vencedor, e ouvir tocar o sininho da venda realizada, com direito a balões e confetes jogados, que não não são para o cliente que acabou de adquirir aquela geladeira de duas portas tinindo de novinha, nem o carro mais cobiçado da loja de automóveis. As purpurinas e balões são para ele, vendedor, que gabaritou todo o check-list de palavras e gestos recomendados pelo "Grande Vendedor Do Ano", que é o seu chefe, naturalmente.
Certa ocasião, resolvemos trocar de carro, e após uma semana de incansável pesquisa pela internet, montando virtualmente todos os itens desejados, o consenso foi de um modelo dentro do nosso orçamento e expectativa. Parti então a campo para a autorizada, e a pergunta era: "Quanto pagam pelo meu carro, na troca de um novo?" Era uma pergunta simples, mas claro que não se encaixava na cartilha do vendedor, que precisava dar uma demonstração de seus malabarismos vernaculares sobre a nova linha, etc e tal. Venci o round, e a contragosto, ele chamou o avaliador para verificar o meu carro. Deu o valor, e eu concordei. Ok. Fui direto ao carro que eu queria, mostrei a ele, deu o valor, e eu disse:
- De minha parte, fecharemos negócio, mas vou trazer minha esposa aqui hoje à tarde e certamente fecharemos negócio. E saí.
À tarde, voltamos lá, e ele saltou de sua mesa prontamente, e veio atender-nos, com um livrinho na mão. Apresentei minha esposa e disse: viemos fechar negócio. Entreguei-lhe o papelzinho com as anotações da manhã, e fomos até o carro. Ele veio e começou a falar das vantagens do carro, e delicadamente eu disse que não havia necessidade, pois já estávamos de cordo em tudo, e era aquele carro que queríamos, e já conhecíamos todas as vantagens dele, e só faltava assinarmos a compra.
Vocês já viram gente grande tremer o beicinho pra chorar? Pois naquele dia eu vi. E percebi a frustração do vendedor. Então, delicadamente expliquei à ele a situação. Disse que não ficasse aborrecido, pois estávamos ali com a decisão já tomada de antemão, e a venda seria dele. E foi aí que ele desabou.
- Eu não sou vendedor. Sou professor, mas por opção econômica, tornei-me vendedor, e estudei tudo o que me passaram, decorei todos os passos, e estava com um discurso preparado para convencê-los a comprarem o carro, mas quando vocês vieram prontos para pular todas as etapas e comprarem o carro, senti-me frustrado, derrotado, porque mais que ganhar a a comissão, eu queria ter vendido um carro. Não vendi. Vocês o compraram sem mim.
Mais que isso, quando já estávamos assinando a documentação, o dinheiro já estava pronto a ser transferido para a conta da loja, veio o gerente, e nos deu mais um desconto, e acrescentou itens opcionais por conta da loja. Sem que fosse preciso barganhar.
Tirei algumas lições dessa situação: A primeira delas é que nem todas as pessoas trabalham pela facilidade do dinheiro, mas pela realização pessoal, pelo gosto da vitória sobre as dificuldades. A segunda lição é que nem sempre nossa decisão final precisa ser antecipada, pois podemos participar do crescimento profissional do vendedor que nos atende, e estabelecer um debate de barganha, não é ofensivo, mas construtivo, e se em nossa cultura, barganhar não é necessário, se estivermos satisfeitos com o valor acordado, é importante para o vendedor que tem a oportunidade de conhecer-nos melhor e exercitar sua retórica e demonstrar seus conhecimentos e convicção acerca daquilo que está nos vendendo. E por fim, a lição mais importante, enquanto Ser Humano, é de que nem todo vendedor vende por "escruncho", mas por convicção naquilo que faz e na confiança que deposita na empresa que representa, e nem sempre o cliente precisa ser ouvido, mas o vendedor também faz parte deste processo. O vendedor é muito mais que um agente de redução de estoque da fábrica, mas naquele momento ele é o agente de busca de algo que atenda as necessidades do consumidor. Ele passa a ser o "seu" vendedor, e a loja é apenas o fornecedor dos produtos que "você" precisa comprar. O vendedor é o seu "anjo protetor", para que você obtenha daquela empresa, o melhor que ela possa oferecer.