Teoria da criatividade
Pacard, Escritor - Designer
CAPITULO I
Nós somos cercados pela
constante necessidade de inovar coisas, inovar os sonhos, inovar a
vida, inovar o mundo, e só a mediocridade é capaz de frear nosso
movimento nesta contínua busca dentro do desconhecido, seja ele
estético, prático, físico, mental ou até mesmo espiritual.
Vejo criatividade em tudo e em
todos, embora poucos assumam a pecha de criadores. Dá impressão que
sentem vergonha de serem criativos. Que sentem repulsa pela ideia de
serem chamados de inovadores, posto que inovador e criativo, até
bem pouco tempo atrás era tido por maluco, por irresponsável.
Os criativos eram temidos pela
sociedade, assim como eram também os deficientes, nas culturas
antigas. Os criativos ainda são tomados como irresponsáveis por
muitas pessoas, especialmente no meio empresarial menos esclarecido,
porque são inquietos. Há uma repulsa quase natural por aqueles que
destoam do Status Quo do grupo, que se permite modelar pela vontade
soberana daqueles que sentem nos criativos, rivais, que ameaçam sua
autoridade diante dos demais.
Não suportam a mesmice, são
irreverentes, muitos, quase intolerantes, e acabam por tentar mudar
as coisas, só que nem sempre suas atitudes são benvindas. Toda
mudança gera responsabilidade em aderir a ela, quebrar paradigmas,
andar noutra direção. E isso pode ser o fio da navalha para os
criativos, pois quando a criatividade se choca com a mediocridade, os
resultados podem ser imprevisíveis. Cabeças rolam em grande parte
das vezes que isso acontece. Medem-se forças de convicção e
assimilação.
Se os medíocres estiverem em
maioria e tiverem potencial capacidade de formação de opinião, os
criadores podem preparar suas malas e buscarem outros palcos para
encenarem suas tragédias. Se o contrário acontece, então, são os
medíocres quem precisam se reajustar com as novas diretrizes.
Em geral, uns poucos líderes
desta rebelião ideológica são decepados do grupo e os criativos
assumem a inovação. Os demais se tornam massa inerte e cumprem o
estabelecido. Mas não são medíocres. São pessoas normais. Em
minha geração de pós-adolescência, anos 70, havia conceitos que
norteavam a conduta social através de certas particularidades das
pessoas. O corte de cabelo, o friso na calça, chapéu, gravatinha
fina, camisa engomada, óculos quadrados e abotoaduras, perfilavam um
homem decente, aceitável pela sociedade. Caso este personagem fosse
funcionário de um banco qualquer, de um escritório de
contabilidade, um gerente de fábrica ou uma profissão qualquer
relacionada à organização, produção ou governo, tornava-se um
excelente “partido” para casamento, amizade ou participação na
comunidade. Ao contrário disso, quem fosse criativo em excesso,
volúvel nas ideias, artista, pensador ou exercesse qualquer
profissão menos cartesiana, era considerado um sinal amarelo para
maior proximidade com pessoas “decentes”. Neste saco de gatos
estava o criativo, o inventor. O Ser Criativo era uma praga social.
Poderia agir, contanto que não excedesse os limites
preestabelecidos, isto é, que permanecesse no mesmo emprego, que não
ousasse expor seus sonhos para não passar por louco ou que ousasse
ser empreendedor sem ter suficientes recursos que lhe garantisse
continuidade e sucesso no empreendimento. Evidente que qualquer
empreendimento precisa ter planejamento, serenidade das decisões,
alguma experiência e sobretudo coragem. Mas também é necessária
ousadia. Muita ousadia, caso contrário seria apenas mais um no
mercado.
Entrar no mercado por primeiro
é um risco enorme, porque não há parâmetros para estabelecer
metas ou traçar paralelos de sucesso ou fracasso. Os aviões
comerciais tem suas rotas, altitudes e horários, determinados pelas
torres de controle, para que não cheguem cedo demais, ou tarde
demais, ou ainda em horários conflitantes com outras aeronaves, o
que poderia se tornar uma catástrofe imensa, não fosse a ordem e os
roteiros estabelecidos. Há um tempo para tudo, diz o sábio da
antiguidade, e o tempo é o fator determinante dos resultados que se
espera das atividades relacionadas com a sociedade. Este sincronismo
determina a dita normalidade da sociedade, embora as variáveis
também sejam interpostas com as constantes deste entrelaçado
evolutivo. Se interligam criativos e executivos, tal como gordura e
carne, fibras e silício e outros opostos naturais na fisiologia das
espécies
Há, porém o benefício do
inusitado, da surpresa, da coragem. Tantos são os empreendimentos
que fracassam quantos são os que prosperam no campo da inovação.
Mas não se pode atribuir à inovação em si os méritos pelo
sucesso apenas, como não se pode atribuir à mesma inovação o
demérito pelo fracasso. Inovação não é invenção barata,
loucura manufaturada ou uma bolha etérea sujeira ao vento sem um
leme.
Inovação é um conjunto de
temperos que dão sabor ao sucesso. Inovar e criar não são atos
solitários, mas solidários.
Criatividade solitária pode
aparentar genialidade, mas é um risco enorme, uma corda bamba sem
rede de proteção. O trapezista criativo pode chegar ao fim da corda
se não houver vento, não tiver uma vertigem repentina ou suas
pernas tiverem equilíbrio.
Sou levado a perceber que o
mercado não é assim. Há sempre uma corda e um penhasco para
atravessar por ela. Mas há ventos, altitude e rochas lá embaixo.
A corda sempre balança e
vertigem acontece. O Ser Criativo, porém saberá identificar com
antecedência sua tendência à vertigens, a labirintite. Saberá
analisar as condições climáticas, a resistência da corda, fará
exercícios que fortaleçam suas pernas e estenderá uma rede embaixo
para eventuais imprevistos. É o que chamamos de “Plano B”.
E a bem da verdade, o Ser
Criativo não depende de planejamento, embora faça dele uma
ferramenta de sustentação de sua criatividade. Mas ele não depende
de um estoque de ideias que permitam dar solução a problemas e
desafios, porque desafios são quase sempre inusitados, e o inusitado
não tem historia e sobre seus caminhos não se pode retroceder.
Diante desta reflexão podemos
então classificar os grupos de trabalho em: Criativos, Medíocres e
Normais. Mas também sub classifica-los em criativos medíocres,
criativos normais e medíocres com soluções criativos. Com qual
grupo podemos nos identificar?
Se você é um criador (ou
criativo), liberte-se do medo de não ser compreendido, de que as
coisas possam dar errado. Não tenha medo de subir a montanha pelo
outro lado para ver o que há do lado de cá. Não, eu não errei a
sintaxe. Eu quis dizer exatamente isso: Suba a montanha do lado de lá
para ver o que há do lado de cá. O óbvio seria o contrário,
avançar no que fazemos comumente para ver o lado de lá. Mas perceba
que há tanta gente do lado de lá, caminhando para o lado de lá,
que não há mais novidade nisso. Há tantas expectativas, tantas
previsões, análises críticas sobre as possiblidades de saber o
que há do lado de lá, previsões matemáticas, estatísticas,
fórmula de Fibonacci, planejamentos, que o lado de lá torna-se um
amontoado de previsibilidade nada criativas. O óbvio jamais será
criativo. Óbvio é o óbvio. Já foi criado. Resta então correr
pelo outro lado e olhar para os que avançam para o lado de lá.
Descobrir neles coisas que não percebem sobre si próprios. Mudar as
coisas com sabedoria, com inteligência, com criatividade e fazer com
que chegar do lado de lá se torne apenas uma consequência de curso
e de percurso . Planejamento é necessário, mas existe um momento em
que se não houver liberdade e flexibilidade, ele se torna inócuo,
vazio. Planeja em cima do nada. Desta forma, deixar que a
criatividade tome suas próprias decisões durante o processo é uma
certeza de muito trabalho para o planejador após a criação.
O lado de lá é sempre mais
cobiçado, mas o lado de cá tem mais conteúdo. Descubra-se.
Mas até lá, deixem-no
trabalhar e criar em paz, livre.
Quando nos encontramos com nós
mesmos, isto é, quando damos a volta na montanha e olhamos para o
que fazemos, descobrimos que há tantas possibilidades dentro de nós,
que o universo criativo não precisa ser assim tão distante, nem
tão finito.
Em Sua Infinita Sabedoria, D-s
é Único.
Tivesse feito também único o
Homem, ter-se-ia um paradoxo. Criou-o portanto múltiplo para que
contasse até o infinito. Quanto olhou para si próprio como único,
interrompeu, a criatura, essa contagem e encerrou aí a compreensão
de sua multiplicidade infinita, à semelhança de D-s.
Caminhar portanto adiante de
si mesmo e olhar para trás em busca deste reencontro é estar
cumprindo com suas obrigações criacionárias, criacionistas e
criativas. Compreender o incompreensível é compreensível. O que
não dá para entender é tentar explicar o óbvio. E o óbvio é
andar só para frente. Subir sempre a mesma montanha. Como todos
fazem. Dar a volta e subir a montanha pela outra face é como
olhar-se no espelho das virtudes.
Vês num espelho uma imagem de
ti mesmo? Ou vês do espelho em ti um arremedo de imagem primitiva
que o imita em todos os gestos? Assim como o espelho necessita de
tua imagem para que seja uma imagem virtual, necessitas tu do
espelho para que te veja face a face mesmo assim, um de ti é apenas
uma imagem vazia. És portanto meio real, meio virtual. Não te
glories disso, posto que quando te fores, teu outro vazio não vai te
acompanhar. Segue em outra direção. Tu mesmo te volta as costas
para ti mesmo. Triste figura solitária és, que nem o vazio te
segue.
Evidente que se trata de um
ensaio de ideias com dramaticidade literária.
Escrevi para ilustrar que até
mesmo no vazio de ideias, podem surgir outras novas ideias. O vazio
pode ser combustível para a recriação.
A criatividade não nasce
necessariamente no vazio das coisas, mas na necessidade de outras
coisas. São os desafios das coisas que entravam o conforto ou bom
funcionamento de algo, que nascem as melhores soluções.
Há soluções que se tornam
ícones e artigos de primeira necessidade, pois são tão bem
sucedidas, que seria impensável viver com naturalidade sem estas
soluções; Que o digam as mulheres e o sutiã. O homens e a cinta.
Ambos, e o calçado. E a lista é grande. Podemos citar a lâmpada
elétrica, ou à querosene, antes dela, ou a vela de cera para os
religiosos, ou a mesa para os comensais, e para a mesa, como pensar
em comer confortavelmente sem uma cadeira? E sobre a cadeira, uma
almofada para que possamos permanecer mais tempo à mesa. Ou senão
almofada, que seja a cadeira ergonômica para oferecer conforto.
Aliás, é também o conforto
em si, fruto da criatividade. Um sofá é a soma de uma cama com uma
cadeira. Uma cama é um estrado alto com cobertas. Uma coberta é
uma capa mais espessa, pois não há necessidade de leveza para
movimentos. Uma capa é uma camisa e uma calça mais livre. Uma calça
é uma capa enrolada às pernas. O mesmo é a camisa, junto ao torso
e braços. O mesmo pode se dizer à uma luva, que é uma capa que
permite os dedos se movimentarem.
Este exercício de simplificar
as coisas nos permite irmos além, buscando entender a origem as
coisas inventadas e criadas, como por exemplo, outros utensílios
domésticos. Vejamos a faca: uma lâmina afiada para cortar, aquilo
que antes era rasgado ou triturado com os dentes. Uma colher
substitui a concha com a mão, ou uma folha de árvore para beber
líquidos em pequena quantidade, com o atenuante de permitir que se
beba também líquidos quentes. Sem colher, sem sopa. Sem sopa, só
se comeria alimento assado ou cru. Ou teríamos que lamber as mãos o
tempo todo.
Nas famílias mais abastadas,
talvez se criasse a figura do “lambedor”, um empregado contratado
especialmente para esta função. Nojento isso, mas a sociedade se
constrói através dos ajustes das necessidades humanas.
Imagine chegar a um
restaurante e além do Garção, ser atendido por um lambedor de
mãos. Ou um servidor de “concha”, que com suas próprias mãos
levariam bebida à sua boca, e novamente a uma vasilha com mais
bebida, repetindo este gesto até que você esteja saciado. E se não
houvesse a vasilha, teria que buscar a bebida num grande barril na
cozinha, esbarrando em outros “conchinhas” que faziam o mesmo.
Estou gostando destas
elucubrações criativas, pois nos permite fazer um retorno à função
das coisas que nos cercam. Fico pensando no que seria o mundo sem a
criatividade continua das pessoas. Existem pessoas que são pagas
para serem criativas. Outras pessoas são pagas para que não tenham
criatividade alguma. Certa ocasião, criando algo e explicando ao
cliente o funcionamento, ele me fez a seguinte pergunta:
- “Como o operador desta
máquina vai fazer isso do jeito que você quer, se não tem uma
marcação para que ele entenda?”
Eu respondi que seria óbvio
ao operador compreender que deveria ser feito daquela forma, bastasse
pensar um pouco. A reposta foi uma lição:
- “Se o operador de máquina
tiver que pensar, o lucro da empresa cai. Ele não é pago para
pensar. Você é pago para pensar”
Outro caso semelhante ocorreu,
quando eu era gerente de uma empresa, lá pelos meus vinte e tantos
anos. Um dia, com o serviço todo organizado, equipe trabalhando, eu
sentei à máquina de escrever ( quem tiver mais de 40 anos de idade
vai lembrar o que é uma máquina de escrever) e comecei a escrever
um relatório. O meu chefe chegou, parou à porta, com seu cachimbo e
me perguntou o que eu fazia, escrevendo à máquina. Respondi que era
um relatório de vendas. Ele perguntou então se eu não tinha uma
secretária que pudesse fazer aquilo por
mim, ao que respondi que ela estaria fazendo outra coisa naquele momento,
então como eu estava com tempo ocioso, resolvi fazer o relatório.
Outra lição:
- “Se você está com tempo
ocioso, ocupe sua mente pensando em vender mais. Você é um
datilógrafo muito caro para a empresa. Seu salário não é para
ficar datilografando relatórios e sim criando formas para aumentar
as vendas”
Da primeira vez eu entendi a
lição. Da segunda vez, eu assimilei a lição e passei a
compreender que pensar é um trabalho muito importante e não apenas
um modo de orientar mãos e pés a executarem tarefas. Você é pago
para pensar, embora não exista uma profissão no Ministério do
trabalho que o defina como um “Pensador profissional”. Mas é
isso que faz um criador. Ele pensa. Analisa as circunstâncias.
Identifica necessidades, relaciona os problemas e corre atrás de
soluções. Criar aqui então é buscar soluções. Pensar é a
ferramenta que você usa para estruturar as soluções, e o resultado
disso é a criatividade. Você fez jus ao título de “Ser
Criativo”.