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sexta-feira, 2 de novembro de 2018

O Belo,o Feio, e o Poder (Ensaio sobre a caneta e as escolhas)



Conhecido meu costumava dizer que gostava de andar com feios, para sentir-se lindo. Também dizia que eu era um cara legal, e que sentia-se honrado em ter-me como parceiro de farras. Prefiro pensar que tenha sido o meu carisma que me agalardoasse com sua amizade, e não os atributos estabelecidos por ele para escolha de seus pares nas aventuras doidas pelos bailes da juventude.

Os tempos são outros, mas sempre ao lado de um medíocre, há uma corriola de gente ainda mais medíocre, e apenas os sábios sentem-se seguros entre outros sábios. Não é incomum que o poder chame para si quem seja adestrável, e não quem tenha ideias, e que as saiba executar. Não é incomum que a mediocridade abarrote palácios, e que a sabedoria se esgueire pelas sombras para proteger-se das pedras dos que estejam no poder e não suportariam a ideia de ceder espaço a quem seja melhor.

Quando eu trabalhava com Design, eu viajava pelo Brasil, visitando fábricas e elaborando coleções para atualização de seus mostruários de produtos. Tinha uma regra que me acompanhava sempre: "Qum me coloca na empresa é o CEO, ou Presidente, mas quem me tira de lá é a Tia do cafezinho, se eu pisar na bola". Isso era verdadeiro, pois no setor moveleiro, é sempre o dono da empresa, o comandante maior, que chama para si a atribuição de contratar um profissional, mas faz isso e sai de perto, lá no meio da produção, com todos olhando de canto e com sangue no olho para ver cair o intruso, que chegou para mudar suas rotinas, e criar coisas que eles talvez não sejam capazes de produzir, tornando-os dispensáveis, e então, facilmente enfiam um grampo ao contrário numa máquina, e esta irá emperrar já na primeira peça da nova coleção. Fim! Contrato desfeito, se o profissional não tiver jogo de cintura para administrar a sabotagem, e sair ileso do contrato.

O medo do novo, o medo de não saber administrar o contraditório, faz gerar a tirania, ainda que velada pela hierarquia, e não raro percebe-se uma penumbra viva das luzes que se apagam, porque a necessidade do ganho é maior que a capacidade de ser melhor. É muito comum que haja nas corporações um limite de crescimento, necessário, certamente, mas quando se trata de limites, trabalhamos com os dois lados do pêndulo, onde um que pode mais excede o peso da mão sobre o que pode menos, e assim, castra a iluminação das ideias, que seriam mais que ideias, se administradas em lugar de serem castradas. Isso que é o gestor incapaz de ter ao seu lado mentes brilhantes, porque vê-se ele próprio emasculado diante dos demais, e sua natural reação será a de fazer silenciar o invasor de ideias.

A caneta tem o poder de fazer um Ministro, um Secretário, um Chefe de seção, mas nenhum poder tem sobre uma mente iluminada, a não ser de apagar seu brilho pelo constrangimento, pela coação, pela ameaça, ou ainda pior, pelo cumprimento destas ameaças.

Minha utopia não é viver em um mundo onde os dias sejam ensolarados com uma brisa constante, ou as noites enluaradas, com o frescor dos perfumes do campo, mas um lugar e em um tempo onde a luz seja usada para mostrar o brilho de seu entorno, e a escuridão seja para aquietar corações, apenas aquietar corações. Minha utopia se estende ao poder público, mas também a cada pessoa que tem diante de si outra pessoa que pense diferente e seja capaz de expressar-se sem medo de que a ambição desmedida do outro o faça calar a alma definitivamente.

O belo que precisa de um feio para sentir-se mais belo, não teria coragem de olhar-se no espelho, pois correria o risco de desejar sua própria companhia, ao descobrir-se mais feio do que realmente pensa que é.

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