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domingo, 5 de abril de 2020

Gestão da Discórdia na crise das opiniões.


Pacard - Escritor
Este título estava em aberto havia mais de uma semana, mas faltavam palavras para compor o texto. As letras estavam aqui, diante de mim, o tempo todo, mas combiná-las de forma a expressar o vazio de respostas que preenche nossos dias, era uma tarefa titânica, gigantesca, e até certo ponto, inglória. Hoje, porém, firmei um compromisso com minhas reflexões vazias de um confinamento indesejado e indesejável, ainda que eu passe a maior parte dos meus dias no mesmo lugar, sem colocar o nariz pra fora do apartamento, desta vez é diferente: eu não fico dentro de casa, como tanto gosto de ficar, por prazer, mas por força maior de um inimigo menor. Um vírus, mas mais que um vírus, sou e somos todos, prisioneiros da escuridão, do vazio, do desconhecido, da indecisão, das divergências, do medo, do ódio, da ignorância, do senso de pequenez que nos acovarda, e do senso de autoridade circunstancial e limitada, à qual estamos sujeitos, enquanto cidadãos.

Nos foi tirado o livre arbítrio, o pilar master da liberdade de ir e vir, e ainda pior que isso, é a colônia de cupins que assola o pilar da nossa liberdade de pensar, pelo constrangimento a pensar diferente, pelo medo de pensar ao contrário, e de sermos rotulados por néscios, estúpidos, ignorantes, por causa da volatilidade de opiniões durante uma crise.

Há bem poucos dias atrás, avolumavam-se os defensores do Presidente, que nomeou um Ministro, e este Ministro deu voz à esperança e credibilidade deste governo. Mas como o diabo não é diabo por ser dorminhoco, e sim,  por comer  geleia de cafeína com Red Bull de meia em meia hora, e tornar-se com isso irrequieto, em poucos dias, começa a gerar desentendimentos entre Governadores e Presidente, entre Presidente e Ministros, entre Ministros e o povo, entre o povo contra si mesmo, e para arremate da loucura, da inquietude do livre pensar, pelo excesso de opiniões e receitas, ao ponto de confundir paulatinamente as mentes de todos nós, e hoje, saturamos o contraditório, saturamos a possibilidade de escolha entre a falta de resposta, e as respostas confusas do mundo inteiro.

O grande dilema desta crise não é apenas matar o vírus, mas evitar que as pessoas se matem antes mesmo que tenham sido contaminadas pelo vírus. E as pessoas estão se matando entre si e a si mesmas. As pessoas descobrem que viver em família tornou-se uma desgraça, posto que não estavam preparadas para saber o que era uma família. Descobriram que o mundo nos capacitou para gerarmos filhos e contrairmos casamento, em um ambiente volátil, onde apenas breves momentos seriam compartilhados uns dos outros, porém não estavam preparadas para conviverem entre si em um ambiente de pressão, confinadas não à casa, mas umas às outras, por imposição de lei.

As pessoas descobriram que existem velhos,  a quem, em tempos de abastança e bonança, chamam de idosos, e que são os velhos, os mais suscetíveis ao contágio, portanto, passíveis de mais cuidados. No entanto, tal como fizeram com os macaquinhos que eram vitimados pela Febre Amarela, por serem mais sensíveis, e não transmissores da doença, passaram a culpas os mortos por serem mortos, os doentes por serem doentes, e os fracos por sua fraqueza. Passaram a humilhar, xingar, até mesmo bater, chutar e espancar os idosos que perambulam pelas ruas, empurrados pelo desespero da solidão, como se estes fossem a raiz de todo o mal da peste invisível e mortífera que sai e entra pela boca de todos nós.

As pessoas descobriram que são incapazes de viver sem o vazio das bilhões de informações que contaminam mais a alma, do que o vírus possa contaminar o corpo, e dia após dia, são arrochadas em torniquetes que esvaziam a humanidade postiça, e fazem ejetar a verdadeira alma que temos escondida. Esta quarentena interminável, que destrói não apenas a economia, mas principalmente a bondade, ainda que disfarçada de civilidade, trará irreversíveis verdades à civilização, e ao contrário dos que, como eu,  gostam de pensar que isso seja apenas o tremor do chão pela cavalaria que vem nos salvar deste panelão de atrocidades, chamado Messias, aos que não tiverem nem amor ao próximo e a si mesmo, nem esperança da chegada da cavalaria, resta a fermentação de uma amargura sem precedentes na história do mundo, num plano global.

A gestão da discórdia deveria fazer parte dos ministérios dos governos, assim como das organizações religiosas, que ofereciam tantas respostas para a falta de sucesso, e que agora não são capazes de administrar o próprio fracasso. As máscaras que estão faltando para proteção contra a peste, estão substituindo as máscaras que caem do caráter duvidoso do Ser Humano que dispensou D-s de suas primeiras necessidades.

Gerir a discórdia é a segunda das necessidades espirituais desta geração que será transformada pelo cadinho ardente do despreparo do Ser Humano para cuidar do outro Ser Humano. A primeira, é gerir o próprio caráter. Mas isso é tema para outro ensaio, em outro dia. Se o outro dia fizer parte do nosso cardápio.

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