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sábado, 11 de abril de 2020

O aprendiz e a vaca do camponês - Conto popular(adaptado)



Vou contar-lhes um relato, contado pela tradição judaica, que não tenho certeza se de fato tenha acontecido, ou seja apenas uma parábola, uma Mishná, para enriquecer a sabedoria dos aprendizes. Isso não tem importância, se ocorrido de fato ou não, pois a lição do fato é genuína, e tomando-a por empréstimo para ilustrar minhas próprias considerações ao momento de crise humanitária pelo valor da adequação tão próximo do que desejo ilustrar ao meu leitor. Eis o caso:

Caminhavam por uma campina verde e farta de belezas, dois eruditos, sendo um deles um jovem varão, ainda na fase de elevação sapiencial, e o outro, seu mestre, um notável sábio da universidade próxima do lugar por onde caminhavam.  Caminharam por muitas horas em profundo silêncio, apenas contemplando o lugar, até que ao sol mais elevado no zênite, verificaram que seus cantis de água estavam vazios. Olharam em direção ao horizonte, e avistaram, junto ao pé de um penhasco, um choupo bastante humilde. Aproximaram-se e observaram que havia uma pequenina e mal cuidada horta com legumes, cercada por uma paliçada de bambus, e do lado de fora do cercado, uma vaquinha, que pastava com a solenidade com que pastam as vacas tranquilas.

Batendo palmas para chamar à atenção dos moradores, logo vieram à porta, um casal de camponeses, acompanhados dos filhos, e gentilmente, ao ouvirem a solicitação pela água, trataram de encher os cantis, e oferecer-lhes como regalo, uma caneca com delicioso leite para que saciassem a sede e revigorassem as forças. Tendo bebido o leite, e recebido a água, o jovem, dotado da curiosidade própria dos jovens aprendizes em sua ânsia pelo conhecimento da natureza das coisas, dirigindo-se ao anfitrião, perguntou sobre sua condição de sustento.

- Temos uma vaquinha, que nos abastece com seu leite abençoado, e uma pequenina horta, que complementa com algumas verduras e legumes, às nossas refeições, e assim vivemos, com as bênçãos do Altíssimo - respondeu o hortelão.

Despedindo-se, e agradecendo pelas dádivas, e bendizendo O Nome do Criador, partiram dali. Pensativo, e com ar decididamente preocupado, o aprendiz dirigiu-se ao mestre com esta questão:
- Sapientíssimo mestre! Sou de uma família abastada, e penso em retribuir tão gentil hospitalidade, promovendo o bem estar desta família. Dize-me como posso contribuir tão louvável gesto?
- Louvável atitude, meu filho, respondeu o mestre. Vá então, sem que ninguém o veja, e leve a vaca até o penhasco, e empurre-a pelo perau.

O aprendiz ficou horrorizado, mas cumpriu a ordem do mestre. Feito isso, seguiram sua jornada de volta à universidade.

Alguns anos se passaram. O Aprendiz cresceu na sua carreira acadêmica, e um dia foi chamado para tornar-se professor naquela mesma universidade. A lembrança do que fizera à família, a ingratidão pelo que fizera como paga de ter sido bem tratado, corroía-lhe a consciência, e tão logo chegou à universidade, decidiu procurar novamente aquele lugar, para ressarcir a família, e aliviar seu desassossego de tantos anos.

Eis que lá chegando (e conto este relato com tremor e lágrimas nos olhos), não encontrou mais a velha choupana, e em seu lugar, uma bela e majestosa casa de fazenda, com uma lavoura à perder de vista, um pomar majestoso, e centenas de bois e vacas espalhados pelo campo, ao lado da lavoura. Haviam casas menores para os agregados da fazenda, e um belo parque de diversões, onde brincavam crianças sorridentes, uma escola, um templo de oração, ruas pavimentadas, e uma aldeia rica e próspera.

Pensamentos de remorso afloraram ao professor, imaginando que após perceberam o sumiço de sua única fonte de recursos e subsistência haver desaparecido, teriam entrado em desespero, e vendido por preço irrisório suas terras, caindo possivelmente, em desgraça, perambulando pelo mundo, e vivendo à custa de esmolas de almas mais caridosas que a sua própria, que em lugar de prestar auxílio em gratidão, optou por obedecer uma ordem absurda de seu mestre, sem nada dizer em contrário à sua atitude naquele dia.

Retomando a realidade, bate à porta, e é recebido por um casal de idosos, com seus dois filhos, e netos, felizes, e o acolhem com alegria, oferecendo-lhe um lugar à mesa, posto que era já hora do desjejum. Ele aceita, e é levado à uma farta mesa com frutas, ovos, carnes, pães, bolos, sobremesas, variedades tais, que sugeriam um verdadeiro banquete.

Seus pensamentos, no entanto, já tomado de ainda mais remorsos, direcionam-se à família miserável à qual lançara ele, aprendiz, ao infortúnio, destruindo a única vaquinha que os alimentava. Seus pensamentos são logo quebrados pela bela jovem que pede que ele estenda a xícara para servir-lhe café com leite. Sorridente, ele agradece, e enquanto mexe o açúcar do café, pergunta:

- Não havia neste lugar uma família, que vivia em uma choupana bastante humilde?
- Sim! - Reponderam.  Somos nós! A vida era boa e pacata. Tínhamos uma vaquinha e uma pequenina horta, de onde alimentávamos nossos filhos. Porém, um dia, por vontade de Nosso Senhor, a vaca caiu em um penhasco, aqui atrás, e ficamos sem o leite. Então decidimos plantar uma lavoura....

Acho que a vaca do mundo foi jugada em um penhasco, e acho que teremos que plantar uma lavoura, quando isso tudo passar.


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