AD SENSE

domingo, 31 de janeiro de 2021

O valor de nossos valores - O que realmente vale em Gramado?



Na sequência das análises dos sentimentos que expressamos, ao falar de nossa aldeia, parafraseio Tostoi, que aconselhou um jovem autor, que buscava notoriedade em seus textos, a que escrevesse sobre sua aldeia.

Vamos considerar que uma aldeia, ao tempo de Tostoi, na longínqua Iasnaia-Poliana, era bastante diferente de uma contemporânea Gramado, Las Vegas, Miami, ou outro povoado qualquer que, em razão de suas belezas e virtudes, tornaram-se  notáveis paixões de consumos e esplendor de seu tempo e lugar, onde vale os dizeres do autor de Ana Karenina, e Guerra e Paz: "Há quem passe por um bosque e só veja lenha para a fogueira". Mas a lenha acabou. 

Nas duas semanas que estive aí "de corpo presente", como diz o Apolônio Lacerda, meu personagem, senti-me chutado de todas as direções, e quando olhava, para ver quem me chutava, descobri que não era "quem", mas "o que". Senti-me chutado pela opulência, pelo luxo, pelos excessos, pelo perfeccionismo, pelo vazio de pessoas, apesar das multidões de zumbis festivos que perambulam sem rumo pelas ruas, vaporizando vitrines com seus hálitos, e chupando os dedos, para não desperdiçar o doce das guloseimas hipnóticas servidas em taças de cristais e travessas de prata.

Sem nenhuma intenção de ofensa, senão apenas pela análise de comportamento e realidade, digo aos amigos que: "Gramado me oprime, e Canela me deprime!", cada um por suas razões específicas, ainda que eu tenha um carinho imenso por Canela, e grandes amigos nesta cidade, e minha história de vida em Gramado, de cujos ancestrais, fundadores da pequenina aldeia, em tempos imemoriais, eu descendo.

Sempre tive orgulho de sentir-me membro de gramado, apesar de não ser oficialmente Gramadense (sim, admito, eu não nasci em Gramado), mas tenho feito deste cantinho de mundo, perfumado por Hortênsias, Azaleias, Pinheiros, e matas, a minha fonte de inspiração contínua. Não tenho medo de ser exagerado, ao dizer que ninguém publicou mais obras, textos, imagens, e histórias de pessoas com tema de Gramado, do que este que vos tecla. E quero continuar a fazê-lo, apesar de não ter nenhum tipo de apoio ou mecenas que compreenda a importância do que faço, para que seus netos possam saber de onde vieram, e para onde poderão seguir, em se tratando de uma jornada humana, cultural, e viva.

Imediatamente após a publicação, hoje, do texto anterior, recebi muitos manifestos de pessoas queridas, de Gramado, gramadenses genuínos, concordando com a análise. É bom, mas é pouco. A mim pouco importam os elogios, mas importa (e muito), a percepção de que Gramado deve continuar a crescer economicamente, afinal, é sua vocação contínua, mas que junto, e no mesmo ritmo, cresça a consciência de saber que cada empreendedor, empresário, político, cidadão, estudante, agricultor, Dona de Casa, aposentado, criança e idoso, percebam que são muito mais do que números de votos ou estatísticas, e que cada um saiba que é um Ser Humano inteiro, multiplicado por muitos, para que seja deixado em segundo plano pela história.

Ser deixado pela história significa acreditar no que se diz que Gramado ainda tem muito que crescer. E tem. Mas eu pergunto: Crescer mais pra que? Pra quem? Quantas calorias cada pessoa é capaz de consumir durante o dia? Então, por que armazenar milhares de calorias que nunca serão consumidas? Por que investir em concreto, pedras e tijolos, e depois gastar em Rivotril, Escitalopram, Ritalina, ou bebidas alcoólicas, para dormir, afogar as tristezas, e completar os vazios que o excesso de sucesso e fortuna lhes trazem?

Pergunto ainda: Vale a pena, tanto esforço, para terminar numa caixa fechada dentro de um buraco de cimento, coberto por uma pedra de mármore? Vale a pena, ser dono de um palácio, e ter que visitar os filhos na prisão? Vale a pena acelerar o carro importado, para ser visitado em um asilo de luxo?
Vale à pena investir em arquitetura, quando sequer se sabe o nome do estilo das linhas que o arquiteto traçou para sua glória empresarial, quando não sabe sequer o nome de seus avós, e certamente seus netos pouco saberão de sua própria história, quando não foi capaz de escrever nenhuma, digna de ser contada, escrita ou lida?

Não precisamos de milagres. precisamos apenas não nos esquecer quem somos, quais nossas virtudes, e até mesmo nossos defeitos, para que possamos corrigir, enquanto ainda houver tempo, os caminhos que abriremos para aqueles que merecem saber que antes de si, não houveram apenas pessoas com contas milionárias, mas pessoas que foram capazes de se enternecerem por encontrar um pé de amoras brancas, goiaba serrana, quaresma, ou araçá, pelas matas, antes que as tivessem derrubado para plantar hotéis, rodovias, e praças. Praças sem crianças, sem pés de goiaba serrana, araçás, amoras, ou quaresmas.








A Gramado das minhas lembranças, e a Gramado que me intimida



Não, meus queridos leitores e minhas perfumadas leitoras. Não se trata de nenhum manifesto de mágoas, nem tampouco de críticas ao notável progresso alcançado pelo lugar, onde, geograficamente, tornou-se notável à minha própria existência e referência pessoal.

Não se trata também, de crítica social, política, econômica, ou existencial. Nada disso também.

Trata-se- tão somente de uma análise comportamental de uma sociedade que eclodiu de si própria, como uma borboleta se desvencilha de um casulo, onde sofreu sua transformação natural.

Gramado pode ser desenhada em três estágios, neste raciocínio.

Foto: Internet - Elisabeth Rosenfeld - Vivi dos 6 aos 12 anos neste lugar. Saudade

O primeiro estágio, é a formação do núcleo habitacional, social, e humano, a partir do conjunto de oportunidades de seus primeiros empreendedores, de seus hábeis negociadores, que perceberam o momento de oportunidades ao longo de sua história, desde os pioneiros, que começaram com o extrativismo da erva mate, da madeira, seguido pelo senso de oportunidade que lapidou as bases do turismo, com a habilidade de convencimento  e visão empreendedora dos pioneiros líderes locais, que levaram os veranistas da  capital, com suas famílias, de trem, para o quinto distrito de Taquara, oferecendo boa comida, lazer (por causa dos filhos dos veranistas, que praticavam equitação, foi construída a Carriére hípica), enfim, pela genialidade de homens e mulheres, como Leopoldo Rosenfeldt,  Oskar Knorr, e outros, dos quais ainda falaremos em outros capítulos.

Parque Knorr - Residência de Oskar Knorr

Nesse tempo, por perceber a oportunidade, gerada pela proibição de uso das praias gaúchas, que estavam sendo cenário de guerra, pelos ataques dos submarinos alemães aos navios mercantes brasileiros, Leopoldo Rosenfeldt, juntou-se aos poucos hotéis, que tinham restaurantes, no vilarejo, e aliou-se ao uso do trem, que já passava por Gramado, e motivou os porto alegrenses abastados a investirem suas férias de verão, com suas famílias. Também, por recomendação médica, muitos veranistas passavam vários meses em seus chalés, ao que, em sequência, formou hábito de veraneio, cada vez mais frequente da "Cidade Jardim das Hortênsias". Este foi o primeiro estágio.

O segundo estágio, veio com Elisabeth Rosenfeld (não era parente de Leopoldo, que era Rosenfeldt), judia, fugitiva da guerra, e instalou um pequeno atelier de cerâmica, pintura, e madeira, que evoluiu para tapeçaria, e deste hobby de uma artista plástica, nasceu o mote que deu à Gramado a fama de cidade artesã, criativa, empreendedora.

Rótulos de Bebidas Balzaretti - Gosto de nossa infância

O terceiro estágio de Gramado, veio com a proliferação de eventos, seguido de gastronomia, hotelaria, chocolates, e por fim, dos parques temáticos. Tudo isso promoveu continuamente a cidade, a tal ponto em que nada menos que o "perfeito" é permitido e aceitável aos novos padrões. Gramado tornou-se a cidade dos sonhos de todos os empreendedores, antes pequenos, hoje de corporações, e qualquer investimento neste complexo, começa a rodada falando em dezenas de milhões de Reais ou Dólares. Gramado estabeleceu o cacife para as apostas, em valores de cinco zeros, ou mais. Em Gramado, tudo é superlativo, tudo é qualificado como excelente, tudo é exigido como o melhor.

Foi neste ambiente, que fiz um passei minucioso por algumas semanas, recentemente, e ainda que levasse à tiracolo meu portfolio com muitas páginas, e meu Currículo, também volumoso, senti-me completamente despreparado, inepto, para servir aos novos padrões que Gramado exige, considerando que eu qualificava minhas aptidões como um expert em uma Gramado que encerrou seus dias no tempo em que vim morar em outro lugar. Isso comprova que de certo modo, meu saudosismo emperrava Gramado (estou brincando, não tenho tal poder). O fato é que o mundo gira, e o planeta não é formado de uma rocha sólida e única, mas é uma bolsa efervescente, contida por placas tectônicas, que tem movimentação e determinação próprias em seus deslocamentos, e cada uma destas placas, dá personalidade aos que nela se apoiam. É evidente que eu disse uma metáfora, mas de certo modo é mesmo assim: Cada lugar recebe novas pessoas, que modificam o modo de ser, agir, e pensar, e constroem, ao seu modo, o lugar onde investem seu trabalho, dinheiro, e sonhos, e edificam suas próprias histórias de vida.

Chego à esta conclusão ao compreender que a Gramado da qual eu lembro, escrevo, e desenho minhas histórias, torna-se agora uma Gramado de fábulas e lendas, talvez crendices, e um passado desnecessário, uma vez que o passado de um povo, de uma família, de uma terra, só importam àqueles que brotaram de tais raízes, que cultivaram tais costumes, e que cultuaram certas tradições e crenças.

Gramado prescinde de tais recordações, e a Gramado que encontrei, não é mais a minha Gramado das lembranças que carrego, e quando descrevo tais recordações, soam como fábulas aos que olham para aquele ponto da rua que menciono, e em lugar da casa de madeira, pintada cor de alumínio, com janelas marrons, deu lugar à suntuosa loja de artigos de luxo, ou um elegante restaurante, ou hotel, ou outro atrativo comercial qualquer. Certo. É o tempo desta geração e destes empreendedores. Apenas uma coisa será diferente, para os que vierem, anos mais tarde: Não haverá mais poesia a recitar, nem perfumes por lembrar, nem o sotaque local das pessoas, a imitar, porque não vejo mais rostos, e sim chips, espalhados pelas ruas. Não se para para cumprimentar o transeunte, e falar sobre o clima, ou a dor nas costas da noite anterior, pois as redes sociais já comunicaram isso, junto com o estudo científico que apontou soluções, bulas de medicamentos, e o escore de visualizações daquela comunicação de dor nas costas da noite anterior.

Gramado é um perfeito exemplo do que o sucesso pode oferecer: Vazio de alma! Vazio de lembranças! Vazio de vidas. Milhares de pessoas se esbarram, e não se tocam. Se olham, mas não se veem. Falam, mas não se comunicam. Gramado deixou de ser um conjunto de lugares lindos para desfrutar, mas um composto mecânico de produtos para "selfies" (até uma loja com esse apelo eu encontrei). Gramado é a cidade mais linda do Brasil. Mas sufocantemente triste, vazia de almas, e plena de vazios existenciais.

Caminhando pelas ruas e avenidas por onde passava diariamente no trecho de minha casa até o centro, não encontro mais nenhuma casa de habitação. Vejo apenas lojas imponentes, calçamentos luxuosos, e até as flores competem com a suntuosidade da arquitetura. Gramado é uma pobre cidade rica, ricamente semeada de pobreza espiritual.

Procurei as pessoas em Gramado, e encontrei pessoas se procurando, diminutas entre as portas de vidro e as paredes brilhantes. Procurei almas, e não encontrei nem corpos. Eu sou Gramado, e nos espelhos vi a Gramado que fui, em busca da Gramado que não serei jamais. E muito amor gera muito sofrimento, assim, o amor que sinto pela Gramado da qual eu lembro, transformou-se em vazio, ao encontrar a Gramado que somente será lembrada pelos arqueólogos, jamais pelos historiadores. 

Procurei uma Gramado de gente e encontrei uma Gramado de pedra, empilhada por gente, cujos nomes nunca saberei dizer. A Igreja de Pedra, foi construída por Aquilino Libardi. Então, quem sabe dizer o nome dos construtores de todas as demais edificações? Durante muitos anos, eu fui o designer que serviu às marcenarias e fábricas de Gramado, mas pergunte à algum dos remanescentes, se sabe quem criou este ou aquele móvel, que já foi fabricado por eles? 

Pergunte à qualquer pessoa, de idade inferior à 40 anos, se sabe quem foi a última rainha da Festa das Hortênsias. Pergunte se sabe como eram os carros alegóricos enfeitados de hortênsias. Pergunte se sabem onde ficava o Grupo Escolar Santos Dumont na década de 1960. Pergunte se sabem que aquela ululante velhinha de 99 anos de idade, que recebeu a primeira vacina contra a COVID-19, foi diretora desta escola. Pergunte o nome dos cinemas anteriores de Gramado. Pergunte quem foram os primeiros médicos, os primeiros prefeitos, os primeiros professores, e obterão risos de estupefação e incredulidade pela "inutilidade da pergunta". Mas, pergunte de quantos milhões será o próximo empreendimento, quanto foi investido nos recentes parques e atrativos da região, ou quantos carros excessivamente caros são disponibilizados para aluguel de ostentação nas lojas especializadas da cidade, isso saberão dizer. E por fim, pergunte: Qual a sua denominação religiosa, e se a pessoa sabe explicar as razões teológicas pelas quais é praticante desta religião, que as palavras se contorcerão novamente no palato, e tropeçarão ao pronunciarem o próprio nome de família.

Para arrematar a tortura, pergunte o nome de seus bisavós, paternos e maternos. Apenas isso. Se souberem os nomes dos avós, estarão no lucro. Logo, logo, os nomes dos pais serão substituídos por emojis, até que um dia, o próprio nome, será um meme, ou avatar. Apenas isso. 

Quem não sabe de onde vem, tanto faz para onde vai.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

As nossas pegadas

 



As nossas pegadas

Pacard

O que são caminhos, senão lugares ao longo de uma terra usados para unir pessoas de outros espaços? O que são as pegadas senão os passos repetidos gravados no chão que se torna mais firme a cada pisada que recebe? O que são ainda os caminhos senão trajetos usados por muitos anônimos, que transitam ali com seus pensamentos e seus objetivos, e que em tudo pensam durante o trajeto, exceto no próprio caminho? O que são caminhos então, senão o lugar onde nos tornamos vivos e móveis, porquanto não fomos criados com raízes e sim com pés e pernas para que nos levem onde nossa vontade ou necessidade ordenarem?

Somos como caminhos. As pegadas sobre nós são os passos que alguém deu sobre nossos próprios passos. Nos pisaram, porque nos encontraram em seus próprios caminhos e não souberam contornar, optando pelo trajeto mais econômico: passar por cima. Somos como pegadas de alguém sobre o barro, que nos tornam mais firmes cada vez mais e quanto mais nos pisarem, mais rijos estaremos para os passos que virão depois de nós. Somos como a terra que se compacta porque sobre ela levam os homens e animais as cargas, cujo dorso final são muitas vezes nossos ombros. Somos como os caminhos que saem de lugares e levam outros a outros lugares. Uns são largos e carregam fama. Outros são estreitos e levam o necessário. muitos são intrincados, como também somos intrincados. Outros são largos e vazios, e há ainda aqueles que se emaranham entre outros caminhos, pisam sobre outras pegadas, vão e voltam, e não chegam a lugar algum. Apenas pisam, enrijecem vidas, abrem sulcos de tantos caminhares, e cauem no vazio.

Somos pegadas de nossas pegadas. Passos de nossos passos e sendas de nossas sendas. Os estreitos e os amplos. uns levam à vida. Outros levam á morte. Uns caminham solenes. Outros caminham serenos. Uns espargem flores por onde passam, e ao voltarem, inspiram perfumes. outros semeiam espinhos, e deixam dores por onde passam. Mas todos somos caminhos. Passos e pegadas. Em linha reta ou emaranhandos, somos caminhos e caminhantes. Caminhamos sós ou nos permitimos caminhar juntos. A chegada nunca acontece antes do fim, mas sempre caminhamos rumo ao fim, embora nossa vontade seja de caminhar de volta ao começo. A isso chamamos “saudade”. Caminhos atrás de nós por onde não sabemos mais voltar.


terça-feira, 19 de janeiro de 2021

O preço e o valor da arte

COVID-19, Pacard, 2020

"Artista é tudo louco!", diz a crença popular. Arte é coisa de desocupado, e o preço duma obra de arte é caro, ainda que seja de graça. "Artista, tendo dinheiro pra cachaça, fica satisfeito!"

Parece deboche, mas é uma das realidades que se encontra no árduo caminho do campo as expressões por meio de manifestações artísticas, pelo qual atravessa diariamente o artista que não se ocupa de transformar suas habilidades em dinheiro, até porque quem faz essa parte são os marchantes, os negociantes, que em geral entendem de negócios com arte, mas são incapazes de manipular um pincel, um formão, cinzel, ou até mesmo um lápis. E nem precisam, pois monetizar o imaterial é uma arte tão arte quanto qualquer outra. Cada um na sua competência. Porém, infelizmente, nem todo artista tem a grata ventura de andar à tiracolo de um mercador de fantasias, e por vezes precisa fazer o trabalho sujo de ganhar cliente. Aí mora a encrenca da coisa, porque nem todo comprador de arte tem sensibilidade para ler as entrelinhas da obra, e avalia apenas o aspecto estético. Outros, veem apenas o intangível, e ao comprar uma peça, a expõe ao lado de peças de estilos opostos, levando o espectador a traçar desnecessários comparativos ao trabalho de artistas que nem sabiam, um, da existência do outro. Seria mais ou menos como expor, lado a lado, um talentoso jogador de futebol, e um filósofo. 

Daí, certo dia, saí a visitar empresários com a firme intenção de mostrar e vender uma das minhas obras, o que seria, para mim, uma fortuna, para eles, troco de charuto cubano, e dos baratos. Fui recebido por um destes robustos endinheirados (eu sei que era, porque eles fazem questão de demonstrar pelos cordões de ouro e relógios suíços), que olhou com certo desdém para meu trabalho, e saiu da sala por uns instantes, voltando com um rolo de telas (acrílico, penso eu), clássicas, nítidas reproduções feitas por alunos de escolas de arte, principiantes, e bem educados no uso das cores e traços, e perguntou-me:
- O que tu achas disso?
- Legal! - Foi só o que achei para responder.

Com um garbo à vista plena, exclamou:

- Isso sim, que é arte. Comprei na China. Paguei 500 dólares cada um!

Fingi que ia ao toilette, e saí à francesa. Vai que pega uma doença dessas...



Michelangelo

Antoni Tapies

Joan Miró

Guernica - Pablo Picasso


Conheça meus trabalhos






domingo, 17 de janeiro de 2021

Clusters turísticos e culturais - Vetores para turismo equilibrado



A cultura é o perfume que convoca os insetos à polinização das flores. Sob esse prisma, classificamos as flores, como o atrativo visual, sustentadas pelo caule, protegida pelas folhas, e suportada pelas raízes.
Jamais a raiz, o caule e as folhas de uma rosa, produzirão goiabas. Talvez, se um paciente jardineiro japonês determinar-se a faze-lo, não seria eu a duvidar que isso fosse capaz. Mas naturalmente não é assim que acontece. 
Por esta leitura, faço-me saber que Cultura e Turismo são partes do mesmo corpo cidadão, sendo que a cultura trata do comportamento das pessoas, e o turismo é a ação de trazer outras pessoas para que usufruam deste comportamento e ação. Simples assim.

Há dois tipos de ambiente para o desenvolvimento do turismo regional:
1 - Polo Âncora
2 - Região satélite
O polo âncora, geralmente, é pioneiro em determinada oferta, e com o passar dos anos, e o crescimento do âncora, a região do entorno passa a usufruir, de forma periférica, dos transeuntes, cujo destino é o âncora.
Há, no entanto, um conjunto de oportunidades visíveis, que viabilizam um crescimento paralelo, e em determinado tempo, a oportunidade de firmar esteios em propostas de sustentação regional, tanto das localidades satélites, quanto do próprio âncora, que a esse tempo, já multiplicou sua oferta hospedeira e gastronômica, e principalmente comercial, e que necessita de suporte estratégico da circunvizinhança, para fortalecer sua economia, sedimentar seus eventos, e magnificar seu marketing regional nacional, e internacional.

Ambas as diretrizes, possuem limitadores ao crescimento, se não houver um planejamento de crescimento e mutações graduais, onde sua ausência, testemunhará de possíveis gargalos existenciais e político, com o passar dos anos, e o somatório do crescimento econômico, demográfico, políticos, e comportamental destes localizadores geográficos.

Desequilíbrio ambiental, crescimento demográfico e urbano, demanda maior que oferta de fatores de subsistência energéticos, hídricos, de saneamento, de mobilidade urbana e rural, e de desequilíbrio humano, com consequentes mudanças de paradigmas sociais, familiares, educacionais, e jurídicos.

Todo crescimento é inevitável. Todo crescimento oferece dores, e toda dor busca diferentes recursos de lenitivo (alívio). As dores comportamentais, brotam no seio familiar, em parte, motivados pelo desequilíbrio da oferta generosa de enriquecimento econômico, com o inevitável desdém e descuido da plataforma familiar.

Depois das dores familiares, começam as dores educacionais, com a crescente demanda de novas tecnologias para atender às variáveis pedagógicas, principalmente depois do processo pandêmico, que contribuiu significativamente para as mudanças aceleradas em todos os parâmetros da biosfera humana desta demanda.

As mudanças pedagógicas acentuam as diferenças estruturais da família anterior, e da família sobrevivente, não apenas à pandemia, mas ao conjunto de transformações, que determinaram, não apenas mudanças, mas também, novas variáveis, novos algoritmos, e novas estruturas de ação, reação, e pensamento.

Começamos a construir a nova sociedade, a nova ordem mundial, tão temida, tão preconizada pelos canais de conspiração, e que surge, voraz diante de nossa porta, cuja chave é digital.

Aqui entram os valores culturais e as opções do turismo como refúgio para estes paradigmas famintos. E nestes refúgios, é de fundamental importância a descentralização do turismo, considerando que todo excesso tende à má qualidade do que propõe.
Não quero com isso dizer que uma cidade que enriquece dia após dia, não ofereça qualidade, muito pelo contrário, a sofisticação à olhos vistos oferta o que há de melhor no mundo do lazer, em condições individuais. Eu explico:

Um excelente restaurante é um excelente restaurante, e quem dele servir-se, será tratado como uma majestade, enquanto dentro daquele excelente restaurante. Porém, quando em uma rua, com milhares de excelentes restaurantes, que se digladiam pelo acolhimento de um cliente, naturalmente, com grande oferta, há grande disputa, e tanto preço quanto condições tornam-se mais e mais favoráveis ao cliente. Porém, o conjunto de milhares e milhares de restaurantes, necessita atrair centenas de milhares de clientes, e que necessitam de milhares de hotéis e pousadas para se acomodarem, e ruas, e sinais de trânsito, e infraestrutura urbanística, fiscalização, estacionamento, pago ou de cortesia, segurança, porque onde há muito mel, virão também muitas abelhas, e algumas possuem ferroadas, enfim, o excesso e a concentração, apagam o plano inicial de repouso e contemplação, conhecimento da cultura local, pelo estresse da busca por vagas e mais vagas. 

Este é o cenário para formação dos clusters do turismo satélite, periférico, que usufruem do potencial do âncora, canalizando meios para que o mesmo cliente distribua sua carga de expectativa de lazer, com ofertas menos pomposas, porém mais adequadas à real necessidade do turista, de modo geral, que é repouso, alívio de estresse, e naturalmente, turismo de aventura e contemplação.

Enquanto o âncora multiplica suas ofertas gastronômicas, internacionalizando seus cardápios, os satélites oferecem gastronômicos cultural, pratos típicos locais, menos variados, mas originais e com sabor associado à paisagem e à arquitetura étnica local.

Há muitos anos atrás, minhas esposa e eu, fomos contratados por uma rede de hotéis, em uma pequenina cidade servida por mananciais hidrotermais, e nossa tarefa foi estabelecer um setor de eventos.
Por não conhecermos a região, organizamos um trabalho de reconhecimento dos municípios vizinhos, e seu provável comportamento diante de uma demanda regional, que não estava em seu planejamento local. O trabalho foi bem sucedido, e hoje, aquele município é um polo regional de referência turística, e de lá partem grupos diários para pontos turísticos regionais, que tiverem seu crescimento proporcionado por este compartilhamento.

Regionalizar clusters no turismo e na cultura é uma forma de manter o crescimento, compartilhando oportunidades, e permitindo ao visitante uma maior permanência em sua rede hoteleira.

O tempo do individualismo teve seu limite antes da pandemia. Agora é pensar e fazer diferente. Fazer mais, gastando menos, e obtendo o melhor.





O que é Cultura no Município?

  O que é Cultura no Município? Paulo Cardoso (Escritor, Designe, Ex-Conselheiro Nacional de Cultura - Ministério da Cultura)* Ano novo, nov...