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terça-feira, 19 de janeiro de 2021

O preço e o valor da arte

COVID-19, Pacard, 2020

"Artista é tudo louco!", diz a crença popular. Arte é coisa de desocupado, e o preço duma obra de arte é caro, ainda que seja de graça. "Artista, tendo dinheiro pra cachaça, fica satisfeito!"

Parece deboche, mas é uma das realidades que se encontra no árduo caminho do campo as expressões por meio de manifestações artísticas, pelo qual atravessa diariamente o artista que não se ocupa de transformar suas habilidades em dinheiro, até porque quem faz essa parte são os marchantes, os negociantes, que em geral entendem de negócios com arte, mas são incapazes de manipular um pincel, um formão, cinzel, ou até mesmo um lápis. E nem precisam, pois monetizar o imaterial é uma arte tão arte quanto qualquer outra. Cada um na sua competência. Porém, infelizmente, nem todo artista tem a grata ventura de andar à tiracolo de um mercador de fantasias, e por vezes precisa fazer o trabalho sujo de ganhar cliente. Aí mora a encrenca da coisa, porque nem todo comprador de arte tem sensibilidade para ler as entrelinhas da obra, e avalia apenas o aspecto estético. Outros, veem apenas o intangível, e ao comprar uma peça, a expõe ao lado de peças de estilos opostos, levando o espectador a traçar desnecessários comparativos ao trabalho de artistas que nem sabiam, um, da existência do outro. Seria mais ou menos como expor, lado a lado, um talentoso jogador de futebol, e um filósofo. 

Daí, certo dia, saí a visitar empresários com a firme intenção de mostrar e vender uma das minhas obras, o que seria, para mim, uma fortuna, para eles, troco de charuto cubano, e dos baratos. Fui recebido por um destes robustos endinheirados (eu sei que era, porque eles fazem questão de demonstrar pelos cordões de ouro e relógios suíços), que olhou com certo desdém para meu trabalho, e saiu da sala por uns instantes, voltando com um rolo de telas (acrílico, penso eu), clássicas, nítidas reproduções feitas por alunos de escolas de arte, principiantes, e bem educados no uso das cores e traços, e perguntou-me:
- O que tu achas disso?
- Legal! - Foi só o que achei para responder.

Com um garbo à vista plena, exclamou:

- Isso sim, que é arte. Comprei na China. Paguei 500 dólares cada um!

Fingi que ia ao toilette, e saí à francesa. Vai que pega uma doença dessas...



Michelangelo

Antoni Tapies

Joan Miró

Guernica - Pablo Picasso


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