Quem lê minhas poucas e mal traçadas linhas, as quais, com irreverente prazer deito mão à pena eletrônica para rabiscar, sabe de meu apreço pelos valores culturais, a saber, os valores que moldaram a minha própria história, a partir das histórias, causos e casos que ouvi, vi, e vivi, ao longo das gentis primaveras em que minha querida Gramado me acolheu. São muitas e boas, as que faço questão de lembrar, mesmo porque as ruins, eu dou descarga, junto com a massa fétida de seus autores. Eis portanto quem sou: um saudosista com olhar no futoro, mente no presente, e coração no passado. E é passando pelas lembranças que anacronizo os pensamentos, posto que sou do tempo em que nós, alunos, éramos responsáveis pela limpeza da sala de aula, no colégio Santos Dumont, nas priscas eras dos anos 60/70. Do tempo, logo posterior em que a Prefeitura de Gramado tinhas poucas secretarias, tipo: Fazenda, Planejamento, Obras (cujo secretário era chamado de "Capataz"; Turismo, com o espantoso plantel de três laboriosos servidores (Secretário, Aspone, e Recepcionista), e os três eram coringas, faziam tudo: Eventos (Festa das Hortênsias, Festival de Cinema, Fearte, os principais, mas também eventos culturais, destinados ao público gramadense, raiz, supimpa uma barbaridade: Espetáculos de Paixão Côrtes, Grupos floclóricos "Os Gaúchos", "Os Muuripás", peças teatrais (Maria Della Costa, Renato Pereira; Cantores: Jessé, grupos folcóricos internacionais, etc), tudo com os três garbosos trabalhadores da minha terra. Apenas os três...e a população de Gramado, e o apoio colaborativo de todas as demais secretarias. Era assim que funcionava. Nâo era necessário "canetaço do prefeito". Ah sim, quase ia esquecendo do mais importante: O amém do saudoso Odilon cardoso, a quem eu entregava em mãos uma carta, solicitando o uso do Cine Embaixador, para uma data previamente combinada que não fosse dia se exibição de filmes, a cuszo zero, zerinho, com apenas o compromisso de entregar a sala limpa. Nada mais!
A divulgação era pelas "redes sociais", que funcionava assim: O Décio Broilo (também saudoso), emprestava as cornetas e o amplificador à bateria, e o mandrião que vos tecla, pegava a "Brasília 75" da Prefeitura, e deitava cabelo por TODAS as ruas da cidade, da área urbana, prospectando, com uma mão no volante e outra no microfone, convidando o povaréu para o evento à noite, no cinema. TODOS lotavam! Todos! Quase todos eram gratuitos, por conta de um convênio da Prefeitura com o DAC-SEC (Departamento de Assuntos Culturais da Secretaria de Educação e Cultura do Estado). O DAC-SEC pagava os cachês e eventualmente, quando havia bilheteria, esta era destinada integralmente aos artistas. Muito justo.
Recordo que em 1977, eu presidia o Grêmio Estudantil (sim senhor, senhora ou senhorita, eu já fui estudante), e organiamos i II FET - Festival Estadual de Teatro Estudantil, que não era coisa pouca não, pois recebíamos cerca de 700 estudantes, que ganhavam comida, cama, e festa de graça. Só pagavam o ingresso à noite, com exceção dos que teriam apresentação naquele dia; E sabe quem hospedava esse povaréu todo? As famílias gramadenses. Íamos de casa em casa, solicitando pouso e café da manhã para essa catrefagem toda. E o que não conseguíamos, hospedávamos no colégio, peis era período de férias, e conseguíamos colchões emprestados. A comida era feita na cozinha do pavilhão católico, onde o Padre Isidoro Bruxel, o Pároco, eo Padre Manéa (legendário) cediam gratuitamente pavilhão e cozinha para que nossa equipe de voluntários preparasse o grude da rapaziada.
Em paralelo, acontecia a FEARTE (Relato apenas de um ano e eventos correlatos), onde eu trabalhava na coordenação (lembra, éramos três), e cabia ainda à mim, a execução, criação, crreção atrás de apoios, de eventos culturais paralelos, como: Acampamento Gaúcho, Missa Crioula, com Padre Paulo Aripe (um padre muito abagualado e cachaceiro que só, que rezava a missa pilchado, sobre uma carreta de bois, cujo cálice era uma cuia, e outros paramentos desse molde.
Sim, sim, assim era trabalhada a cultura em Gramado, onde buscávamos raízes locais para abrilhantarem os eventos muito, mas muito típicos. E isso tudo era apenas, repito, apenas, para a população gramadense. Não chamávamos turistas. Estes vinham por outros motivos (ok, a Fearte e Festival de Cinema eram pra eles também).
Só depois, bem depois, que começou a mesclar-se cultura local e turismo, que foi excelente para o enriquecimento da comunidade, como a Festa da Colônia, deliciosamente local, muito local. Feita por gramadenses, para gramadenses, onde os turistas iam para saber como era Gramado por dentro, Gramado de verdade, Gramado sem fantasia.
Hoje, faço esta pergunta para as autoridades culturais: Qual é a cultura de Gramado? Qual é o sotaque de Gramado? Por que a Rua Emílio Leobet se chama assim? Quem eram os cantadores dos Ternos de Reis do passado? Para que servia o alto-falante da Igreja de Pedra, que na época era chamada de Igreja de São Pedro? Quem eram os Abdalla, do casarão, e onde ficava este casarão? E o Café Cacique? O que representou este lugar para as gerações daqueles que deram nome e marca à Cidade Jardim das Hortênsias? E Hortênsia, se escreve com S ou com C? E qual foi o primeiro Café Colonial de Gramado/ (Não, não foi o Café Bela Vista, apesar da potência que se tornou). Saberiam as autoridades culturais de Gramado dizer quem eram Landa e Lino? Taquinho? Zé Maria? Pinguinho? Valdecir? Padre Manéa (olha ele de novo)? Saberia dizer onde era o Açougue dos Brentano? E a Padaria do Jorge? E quem foi Joãozinho Morais, Padeiro e craque do Gramadense? E por que a Vila Moura recebe este nome? Cantão, Baixada, "Vinida", sabe onde ficavam? E os grupos de folclore italiano, alemão, polonês, e açoriano, saberiam dizer quais eram nos anos 50? Saberiam falar das Sociedade Recreio Gramadense e do Clube Minuano, e sua rivalidade, seus carnavais? Saberiam as autoridades culturais de Gramado dizer quem foram estes personagens, e sua contribuição para o futebol de Gramado: Walter Bertolucci, José Francisco Perini, Arno Michaelsen, Waldemar Frederico Weber, e Horst Volk? E Os militares: José Major Nicoletti; Coronel Diniz, Capitão Caverna, e os Sargentos Ivã Barbosa e o Sargento Tainha? E o Artesanato Gramadense? Quem foi Elisabeth Rosenfeld? Quem foi que matou Odete Roitman? Quem foi o Padre José Scholl?
Sei que parece um questionário de quinta série, mas penso que quem cuida da manutenção cultural de Gramado, deveria, pelo menos conhecer o lugar onde ganha seu pão, né não?
Quem sou eu pra dar palpites? Afinal, sou apenas um forasteiro que às vezes cai de paraquedas na frente de um teclado e desenrola um carretel de memórias, que gostaria muito de vê-las contadas também por quem delas sabe e à elas presta respeito, afinal, paraquedismo é algo muito delicado. Dizem que é. E paraquedista por paraquedista, a concorrência tá forte, ô. Tempos solenes estes.
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