O homem que brigou com D-us - Opus 3 (Terceira parte)
Hava apressava-se em deixar tudo arrumado para o almoço com os Klein, que prometeram chegar às onze horas, pois estava programado que o almoço fosse servido ao meio dia e meia.
Os Klein sugeriram que o almoço não fosse marcado para o Shabat, e sim para o primeiro dia da semana, segundo seu costume, pois, mais que não comer certos alimentos, a guarda do Shabat envolvia mais coisas e ritos, que poderiam constranger, uns e outros, pelo desconhecimento destes costumes.
Pontualmente, às onze horas, Benjamin Klein, e seus pais, batem à porta, e são recebidos com entusiasmo pelos anfitriões.
Não pode dizer-se que tenha sido uma recepção comum, pois, devidamente instruídos sobre os costumes, apenas os homens apertaram as mãos, entre si, o que foi repetido pelas mulheres, porém, homens e mulheres não se tocaram, também devido aos costumes ortodoxos dos Klein.
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É próprio da hospitalidade judaica, levar algo em uma visita, seja isso em um momento de luto, ou de cordialidade social. O mimo trazido por Dvora Klein e seu esposo, Itzak, foi uma bela e saborosa Chalá, um pão trançado, que é repartido em pedaços quebrados à mão, e repartidos, em muitas cerimônias e celebrações religiosas. O anfitrião, abençoa o pão, com uma prece especial, e depois arranca pequenos pedaços, espalhando sobre o fragmento, uma pitada de sal, com os dedos, e o entrega ao convidado, ou anfitrião. Com este gesto, está dizendo: "Você é bem-vindo à minha casa, ou entre minha comunidade".
- Este é então o moço que impressionou meu marido! - Disse Hava, com um sorriso, olhando para Benjamin. Sejam bem-vindos então! Esta porta aqui é para o Lavabo, se desejarem utilizá-lo, e o almoço estará pronto para ser servido, em poucos minutos.
- Oh, não é preciso ter pressa, senhora Hava! Estamos bem! Creio que os rapazes gostariam de ter um momento de privacidade para se conhecerem melhor, e eu ficarei muito feliz em auxiliá-la na finalização da refeição, se me permitir.
As duas mulheres foram à cozinha, enquanto os homens, assentaram-se na varanda para apreciarem o frescor da manhã, em que o sol, preguiçoso, descortinou a névoa da aurora, que aos poucos foram dissipadas por uma brisa vinda do oeste, fazendo balançar as folhas das ameixeiras, e encurvar com suavidade os lírios do jardim.
Assentaram-se, e tão logo o fizeram, Hava serviu-lhes uma jarra de limonada, deixando-os novamente a sós.
- Benjamin impressionou-me, sr.Itzak. Ele tem um modo convincente de elaborar um debate. Não tem respostas prontas, antes, leva-nos a refletir sobre nossas próprias perguntas. Eu gosto disso. Gosto muito!-Disse Esteban.
Itzak e Benjamin riram, e bebericavam seu refresco, enquanto apreciavam o jardim dos saavedra. Esteban puxou a conversa:
- Fiquei bastante impressionado pela retórica de benjamim, conforme falei.
- Na nossa cultura, temos um ditado - respondeu Itzak: Na sua cultura, vocês perguntam ao menino se ele aprendeu algo de bom na escola hoje. mas na nossa cultura, a mãe judia pergunta ao seu filho:
- "Meu filho! você fez uma boa pergunta hoje?"
Muito bom! - Interviu Esteban. É um bom método. Então posso perguntar algumas coisas também, para ser um "bom aluno"?
- Naturalmente que sim! - Respondeu Itzak. Imagino que você vá perguntar sobre nossa religião e nossos costumes, estou certo?
- Está certo, é o que vou perguntar! - Disse Esteban.
- Isso é bom, mas pensei que também pudéssemos falar sobre História, Astronomia, um pouco de política, futebol, quem sabe? nós gostamos dessas coisas também.
- Mesmo política, Sr. Itzak? Achei que política e religião não combinassem...
- Mas quem disse uma coisa dessas, Sr. professor Esteban? Nós adoramos falar de política. Nesse momento, mesmo, estamos discutindo sobre as eleições em Israel, e somos sionistas, participamos ativamente do movimento de apoio à terra de nossos pais, e aqui mesmo, no Brasil, acompanhamos e discutimos bastante sobre política também.
- Interessante! Eu achei que religiosos não tivessem muita simpatia pela política..
- As pessoas conhecem pouco sobre nossa cultura, e eu admito que temos certa responsabilidade nisso, porque procuramos manter-nos mais reservados de certas paixões, mas nossa religião não nos proíbe de sermos cidadãos e exercermos nossos direitos e obrigações, e de emprestarmos nossa gratidão para com as terras que nos acolheram nos tempos difíceis. Muito pelo contrário: não existe distinção de um judeu no Shabat, ou em outro dia qualquer da semana. A única diferença é externa, porque não fazemos no dia santo aquilo que comumente fazemos durante a semana.
- Penso que o mesmo deva aplicar-se a qualquer prosélito de qualquer denominação ou filosofia, onde não é o ambiente, nem a oportunidade quem define suas crenças, mas o que você faz com o que aprendeu com elas. Isso se chama "ética", retorquiu Esteban.
- De pleno acordo, meu caro professor. Ética é uma palavra de origem grega, que significa "cobertura, proteção". Vale dizer que quando você não depende do olhar dos outros para fazer o que é certo, isso serve de proteção, principalmente a você mesmo. Os nossos sábios dizem que D-s está dentro de nós, mas mais que isso, somos nós quem estamos "dentro" D'Ele, porque Ele está em todo lugar, mas podemos dizer que Ele vê tudo, mas que se D's está em nós, somos "seus olhos", e vemos tudo aquilo que diz respeito ao nosso entorno. Então, somos fiscais de nossas ações, não por medo da justiça divina, mas por consciência de nosso lugar e nosso compromisso com Ele, e nosso compromisso com Ele se completa quando servimos ao próximo, que é a outra extensão de D´s, ao nosso alcance.
- Você diz que D-s é fracionado, um pouquinho aqui, um pouquinho ali? Uma leitura simples de que você disse, dá essa impressão, não concorda comigo? - Atalhou Esteban.
- Bem, se você desejar encontrar respostas prontas, irá encontrar as respostas que quiser, até mesmo de fracionar D-s. Felizmente O Altíssimo não se apresenta da maneira que nós desejamos, mas do modo que possamos compreendê-lo. - Disse Itzak. Você deve saber qual é a expressão máxima do judaísmo: O Shemá!- "Shemá Israel! HaShem Eloheinu, HaShem Echad!" (Ouve, ó Israel! O senhor é nosso D-s. O Senhor É Único!).
Este brado, pode ser chamado assim, é repetido há muitos milênios por nosso povo, duas vezes ao dia, onde quer que esteja, como quer que esteja. Significa que diante de todas as adversidades e perigos, nosso povo irá crer e obedecer ao D-s Único.
- Bem! Esta é a história de um povo, do seu povo, mas talvez Benjamin não tenha lhe contado que eu sou ateu. Não sou do tipo proselitista ao ateísmo, nem pauto minha vida a desmerecer as crenças dos outros. Longe de mim fazer isso. Tenho muito respeito pelas pessoas e entendo sua necessidade de cultuarem o Desconhecido, ao que chamam de D-s, Jesus, Ogum, Alá, ou Buda! - Redarguiu Esteban.
Itzak sorriu e disse:
- Acho que temos aqui uma malha de opções, meu amigo, mas creio que nenhuma delas corresponda à D-s, do modo que nosso povo conhece. Isso não nos torna melhores, nem piores, mas procuramos separar essas exposições do Eterno - Bendito seja!
Vamos considerar que o Monoteísmo, que é baseado na visão hebraica da Divindade, fez brotar ramificações, começando pelo cristianismo, e a seguir, pelo islamismo, cujas interpretações tem alguma semelhança, mais entre judaísmo e islamismo, onde ambas defende a existência de Um Único D´s, e defendem com unhas e dentes, cada um ao seû modo, essa doutrina.
Já o cristianismo, até o século terceiro, foi apenas uma seita do judaísmo, que partiu do grupo liderado pelo judeu Yeshua, a quem os gregos descreveram como Jesus, e seu pequeno grupo de seguidores, denominado HaDerek - O Caminho. Nesse tempo, haviam mais outras seitas, ou grupos com seguidores, conhecidos como: Essênios, os misteriosos monges que viviam em comunidades exclusivamente masculinas, em cavernas, no deserto, e buscavam preservar o aspecto da santidade do serviço religioso. Outro grupo mencionado as escrituras judaicas que os cristãos chamam de "Novo testamento", ou alguns, em hebraico dizem: HaBessora - As boas novas, onde mostram o judeu Jesus na condição de "Messias" prometido de Israel, e é a base do cristianismo dos primeiros séculos. Outro grupo com seguidores, eram os Saduceus, mais exigentes nas questões legais da Torá, e os mais conhecidos, e até odiados, por quem não os conhece, os Fariseus.
Itzak dá uma sonora gargalhada:
- Não fazem ideia de que seu Messias, Jesus, foi um fariseu...
Benjamim o aparta:
- Pai! Melhor você explicar isso direito, pois o professor Esteban não é religioso, mas a Sra. Hava é cristã!
- Por favor, por favor - consertou Itzak, pegando Esteban pelo Braço. É importante que eu esclareça essa questão, até pra que entenda que nós não somos proselitistas, e nem é de nossa cultura sermos críticos com as demais.
Esteban dá uma gargalhada e bate no ombro de Itzak.
- Fique sossegado, meu caro! Sou um estudioso, e minha esposa também é. E estou curioso agora. Por que diz que Jesus era fariseu?
- Para entender isso, precisamos voltar alguns anos no passado, cerca de 30 a.e.c, que vocês chamam de a.C, quando haviam duas escolas rabínicas, de dois grandes mestres: Shamai e Hilel.
Nesse momento, Dvora e Hava aparecem à porta e anunciam o almoço já servido.
- Continuaremos depois, Sr. Itzak. E vou apertar vocês, pois quero ouvir Benjamin sobre umas questões.
continua.....
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