Todos os nomes dos personagens, exceto menções de personagens históricos, são fictícios*
Professor Esteban Saavedra chegava sistematicamente às sete horas e quarenta e dois minutos na escola, onde lecionava história aos alunos do último ano do Ensino Médio. Dirigia-se à sala dos professores, largava sua mochila com seu notebook, e servia-se de café, recém passado, por Dona Maria Virgínia, que sincronizava o preparo da iguaria, ao som dos seus passos pelo corredor, até à pequena salinha, de onde era atraído pelo aroma que se espalhava por todo o andar da escola.
À primeira xícara servida, ao velho professor, fazia companhia um pote de biscoitos, que passava de mão em mão pelos demais professores que iam chegando ao lugar, para refestelarem-se com café, biscoitos, e umas boas risadas de um e outro professor, que relatava o comportamento deste ou daquele aluno, tecendo conjuras sobre o comportamento, ou dramas familiares revelados ali, como se fosse um grupo de apoio, onde catarses eram despejadas nos poucos e bem aproveitados minutos antes do confronto diário com a turba enfurecida trancafiada entre quatro paredes e vinte e poucas carteiras enfileiradas, onde seus desafios os aguardavam impacientemente.
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Sete horas e cinquenta e cinco minutos, toca o sinal de aviso para que todos os alunos entrem em suas respectivas salas, fato que poderia ocorrer com harmonia e silêncio, pois são apenas vinte e poucos saudáveis estudantes dirigindo-se para mais uma manhã de instrução e conhecimento. Poderia ser ordeira e silenciosa. Poderia.
Faltando um minuto para as oito horas, Esteban abre a porta, e ao ver o estardalhaço que fazem seus alunos, fica parado à porta, com uma mão segurando a mochila, e a outra segurando a maçaneta da porta, e olhando com firmeza, mas sem ira ou qualquer aparência de raiva, para a turba, que aos poucos, percebia que não seria recomendável que mantivessem a resiliência da desordem, mas se aquietava, até que, ao som da segunda cigarra que tocava novamente, Esteban entra e com delicadeza fecha a porta, cumprimentando, a seguir, seus alunos, com um generoso sorriso ao rosto.
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- O Universo tem suas regras, eis a razão pela qual nos mantemos íntegros, apesar da imensa quantidade de meteoros, e raios cósmicos nos bombardeando o tempo inteiro, mas eis que entre essa caótica configuração que se faz parecer com organização mnemônica, embora tudo parece, ao olhar mais acurado, como randômica, ocasional, como é o tempo, e assim é nossa classe: Se parece com um mundo no caos, mas é cosmogônica, ordeira, e civilizada, e de fácil organização, enquanto houverem regras e estas regras forem seguidas, o que acaba de acontecer.
A classe não piscava, e só respirava, para manter a vida pulsando nos corpos estáteis, apenas tentando assimilar o conjunto de palavras diferentes e difíceis, que nem estavam ligadas (é o que achavam) à sua disciplina de História. Mas discutir com um erudito era tempo perdido, e ainda poderiam ter do que rir à hora do intervalo, imitando os trejeitos pomposos do velho professor Esteban.
Esteban era um advogado, que dividia seu tempo entre os tribunais, e a cátedra, e lutava para decidir qual das atividades dominava mais sua paixão. Era como um homem que amava duas mulheres, e não se decidia por nenhuma, antes traía as duas, e traía a si mesmo por essa indecisão. Mas era assim que era. Paixão e dedicação aos réus, paixão e dedicação aos alunos. Ambos precisavam de sua lucidez permanente, pois um único deslize seu poderia deixar que condenassem um inocente, ou tiraria dos bancos de uma universidade, um aluno descuidado com a matéria.
A aula era de história das religiões. E Esteban era ateu. Não era ateu proselitista, pois acreditava no livre arbítrio e no direito de crer em não crer e não crer em crença alguma, exceto a crença da não existência de D-s (Deus). Mas era ateu convicto, e para tornar-se ateu praticante, com ética em suas crenças da não existência de Um Criador, precisava acima de tudo de honestidade consigo mesmo, e deveria entender por que não cria, mas também porque criam em D-s, e por que tinham religiões tão diferentes, e ao mesmo tempo tão iguais, os seus alunos e os demais professores.
Estudara com fervor quase religioso a Torá, os Profetas, os Escritos, da Bíblia Hebraica, ou Antigo Testamento, mas também tinha várias pós graduações nos escritos judaicos do Novo Testamento, mas também conhecia Surata por Surata do Alcorão, o Livro Sagrado dos Muçulmanos, assim como sabia diferenciar entre o Bardo Thödol, do Budismo do Norte, ao Bukio Dendo Kyokai, do Budismo do Sul. Lia também e estudava os mantras com minuciosa curiosidade, do Hinduísmo e suas variadas ramificações, passando ainda pelo Livro dos Mortos do Egito, e para ser mais específico no interesse das aulas, a história do cristianismo, desde Jesus, chamado O Cristo, Messias, passando pelas perseguições romanas, primeiro aos judeus, depois aos cristãos, e depois destes aos judeus, até chegar ao presente, na confusão das religiões que matam e torturam em nome do D-s, ao qual chamam de amoroso. Isso o tornara ateu e fortalecia suas convicções, citando a Bíblia quando dizia, do Livro de Eclesiastes: "No muito saber, há enfado da carne", eram as palavras atribuídas ao Rei Salomão. O Rei com mil mulheres e que transformara seu palácio e o Templo Sagrado, em dois imensos puteiros, onde praticava sua justiça, aterrorizando mães que disputavam a posse de um filho, ameaçando fazer bifes do bebê vivo, e claro, funcionou, e nunca saberemos se ele passaria a lâmina no bebê, ou nas mães delinquentes. Enfim. Salomão não era um bom exemplo para Esteban, e relatos como esse sedimentavam sua fé no vazio Teológico.
A favor do professor Esteban, era que ensinava os preceitos e o entendimento científico do comportamento humano diante de cada religião, era sua honestidade no ensino, e se os cristãos creem que Jesus é D-s, então ee dizia: Segundo a crença cristã, de que Jesus seja D-s, então, vamos tratá-lO com tal reverência, como gostaríamos também de Tratar da crença judaica de que Moisés, Josué, e os grandes profetas da história de Israel realmente falavam face a face com seu D-s, então é assim que trataremos, pois minha crença é apenas minha, e vossa crença é apenas vossa, e o respeito é o que nos iguala como Humanidade, e nos difere dos animais irracionais, isto é, que agem pelo instinto, mas não pela razão.
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- Um cão jamais questionará porque é um cão, por que não é uma lagosta, ou um Iáque do Himalaia. Assim, eu não questiono por que Benjamim frequenta uma sinagoga, ou Abdul vai à mesquita, nem tampouco por que João Pedro reza aos domingos na missa, enquanto Sebastião recebe passes num terreiro de Orixás.
- É este livre arbítrio que aproxima as pessoas, sem que interfira nas crenças de cada uma delas, enquanto em seus ambientes próprios, e que haja um senso comum de convivência e respeito em ambientes que pertencem à todos, e que ponham em prática as boas práticas de seus ensinamentos religiosos, que devem externar o resultado daquilo que entendem por amor ao próximo, este, pregado por todas elas, e esta é a única parte das religiões que me comovem de certa forma.
- Professor Esteban! Levantou a mão um menino que assentava-se ao fundo da classe.
-O senhor já falou com D-s?
Esteban sorriu e ironizou a situação.
- Bem, ainda que eu falasse com Ele, acho que não seria convidado a tornar-me pastor, padre, xamã, ou rabino de seu rebanho - respondeu.
- Mas o senhor já falou com D-s?- Insistiu o menino.
- Não, filho. Nunca falei, E você falou com Ele? (Fez um sinal com o dedo indicador, apontando para cima, movendo-o pra cima e pra baixo, com sarcasmo).
- O senhor acredita que eu tenha falado com Ele, professor Esteban?
- Mas que menino! Responde uma pergunta com outra pergunta!-Riu disso.
- Você responde uma pergunta com outra pergunta, muito inteligente, filho. Você é judeu?
- Apenas os judeus respondem uma pergunta com outra pergunta, senhor professor Esteban?
- Você é o jovem Benjamim, é isso?
- O senhor sabia que meu pai também se chama Benjamim, e dois tios, por parte de minha mãe, também tem esse nome?
- Você não me respondeu a pergunta. Você já conversou com D-s, Benjamim?
- Quem fez esta pergunta não fui eu, professor Esteban?
Esteban deu uma sonora gargalhada e deu início ao plano de aula:
- Página sessenta e dois. Leia, Samira, em voz alta.
- Moisés subiu o Monte à procura de umas ovelhas que havia subido o Monte, e ao aproximar-se de um lado da montanha, viu um fogo aproximadamente de sua altura, envolvendo uma planta seca, uma Sarça, mas apesar de emanar um grande calor, a planta permanecia intacta, e não queimava. Assustado e curioso, Moisés aproximou-se., e do meio do fogo, ouviu uma voz que dizia:
- Moisés! Tira as tuas sandálias, pois o chão que pisas é Terra Santa.
- Muito bem, Samira! Pode assentar-se.
- Benjamim! Você realmente acredita que Moisés estava, de fato, conversando com D-s?
- Talvez sim, professor, porque Moisés ainda não conhecia o D-s Criador do Universo, mas conhecia muitas histórias dos deuses do Egito. Moisés foi treinado, e qualquer manifestação estranha, poderia ser algum deus conversando com ele, pois no Egito, Moisés vira muitas coisas estranhas acontecendo, quando era um aprendiz de sacerdote e príncipe do Egito.
Perceba, professor Esteban, que Moisés nem chegou a perguntar quem era aquele espírito, até que O Próprio D-s se apresentou, e nem se apresentou também como O Criador do Universo, mas começou o relacionamento de mansinho, apresentando-Se como Alguém íntimo com a família de Moisés (D-s de Abraão, Isaac e Jacó). Assim, foi O Próprio D-s quem abriu caminho para aquela conversa, e é como Ele faz sempre, eu imagino.
Esteban cerrou os lábios, abaixou a cabeça e a balançava em movimento vertical, segurando o queixo, e olhando em direção à janela, enquanto escutava o rapaz. Em seguida objetou:
- Então você se contradiz, pois afirmou que Moisés conhecia segredos da manipulação, da mágica, do ilusionismo, das ervas alucinógenas, e outros recursos que alteravam o estado de consciência da pessoa. A própria altitude, o ar rarefeito, não poderia ter levado Moisés a ter aquela visão, e de ter imaginado estar conversando com sua divindade?
- Onde há contradição, professor Esteban? Em primeiro lugar, em nenhum momento D-s disse que estava ali. Ele apenas fez Moisés saber com quem falava, e uma visão, fosse ela física ou não (não vou chamar de real, porque realidade virtual é também uma realidade)era a epifania necessária para indicar o sagrado da situação.
Em segundo lugar, aquela, que o senhor diz ser a possibilidade de uma alucinação fanática, foi seguida de uma sequência de fatos com milhões de testemunhas, e registrada passo a passo como diferente da forma usual, e assim denominada de milagres.
D-s poderia ter se comunicado em sonhos, como fez com Abraão, com Jacó, com José, mas também falava face a face, como com Moisés e outros profetas, mas optou por aquela situação, onde o abiente não esteja cercado de imagens, ou portas douradas, nem pompa e cerimônia. A única cerimônia exigida foi lembra que dentro da casa, não se entra de sandálias, costume que mamãe Rivka nos impõe até hoje, pois a casa é um lugar santo, kadosh, separado do mundo, e os pés que pisam lugares santos tornam-se santificados também. Esrta era a intenção de D-s ao exigir que Moises caminhasse descalço na Sua Presenta, ois era um lugar de Santidade. A presença de D-s em qualquer lugar, traz santidade àquele lugar.
Esteban ouvia tudo calado, assimilando os fatos, e preparando a próxima pergunta, mas lembrou que Benjamin estava monopolizando sua aula, e os demais alunos poderiam se deixar influenciar pelo pequeno teólogo de bermudas, e uns fios de barba dispersos pelo queixo.
- Muito bem, Benjamim! Tome nota disso que você falou em uma redação e deixe na minha mesa até o fim da aula. Quanto aos demais, façam também uma redação, com base no que Benjamim falou aqui nessa aula, e deem suas opiniões a respeito do que foi dito e perguntado. Vocês tem o resto da manhã para debaterem entre sim, em duplas, e apresentarem suas redações, que as lerei em casa, e valerão dois pontos na nota do mês.
.......Segue no próximo ensaio
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