Seo Bracatinga nem sempre foi largado num asilo pra esperar a morte chegar. Não senhor. Bracatinga já foi importante, fez coisas importantes, e teve ao seu lado, pessoas importantes. Assim foi, sim senhor.
Foi um filantropo muito conhecido, e patrono das artes e literatura. Teve dinheiro, fama e poder, e uma esposa, a quem foi fiel enquanto ela deixou. Mas sabe como é, todo homem precisa ter uma fraqueza e a fraqueza de Bracatinga era..."jogar truco ca cumpanherada!" Embora prometesse à Casturina que havia largado o vício, de fato não havia, e mal era virava as costas, e ao longe se ouvia:
- "Truco!"
- "Te retruco!"
- "Mão de onze!"
- Mão de ferro!
- "Guascaa!"
- "Ah, la frescaaa!"
E voltava assobiando, com a mão no bolso da bombacha, contando os pila que amealhou.
- Adonde tu tava, Carniça?
- Fui ali, bombeá umas linha de jundiá.
- Mas o rio fica do outro lado, mintiroso!
- Pra tu vê o trabaio que dá caminhá nesses brejo pra trazê um peixinho pra fritura. E tu, já fez a polenta?
- Fiz de manhã, caduco! Agora é metade da tarde!
- Recebi uma carta.
- Carta de quem?
- Consulado da Espanha!
- Que que querem?
- Me fazer uma homenagem por serviços que prestei durante a revolução de 35.
- O que tu fez em 35?
- Nasci. Isso é um préstimo inestimável à coroa espanhola.
- Tu é loco!
Tá aqui a carta. Pode oiá com teus zóio, encrenca!
De fato, era mesmo uma carta do consulado geral da Espanha, mencionando uma homenagem, por serviços prestados, ao entregar uma carta, cujo teor, decidiu uma questão importante no país. Bracatinga is passando na rua, e viu que o carteiro deixara cair a tal carta. Juntou e correu atrás dele, mas não o alcançou. Como viu que era destinada ao consulado da Espanha, que ficava perto, passou lá e entregou a um sujeito magricelo que estava entrando no prédio. Era o Cônsul. Fez um gesto de reverência em gratidão, perguntou o nome, e entrou. Isso foi tudo.
Chegou o dia da entrega da comenda, e um belo jantar foi servido. Bracatinga se fartou de Paella. Repetiu várias vezes. Saiu de pança lustrosa. Chegado o momento, foi chamado ao púlpito e recebeu a comenda, uma bela medalha suportada por uma faixa com as cores da Espanha. Bem bagual mesmo, pensou Bracatinga. Isso feito, chegou o momento de descontração, e foi servida uma sangria - uma bebida à base de vinho e frutas. Bem docinho. Bom demais. E sendo o convidado de honra, Bracatinga desatou a beber o quanto podia. Bebeu muito. Depois veio conhaque, vinho, enfim, festa é festa.
Já com o pé redondo, e a cabeça girando, Bracatinga chegou a uma mesinha, onde estava exposta a bela comenda. Olhou aquilo, chegou bem perto, examinou bem, ainda que borracho, e comentou:
- Que negócio tão lindaço. De quem é esse pinduricáio?
- É sua, Señor Bracatinga! O señor recibyó la Comenda de la cuerte de España! LO más alto honor de la Casa de Los Bourbon Y Aragón!
- E quando é que eu fiz encomenda de corte pra uma espanhola? Me tira disso! Eu não vou pagar por uma coisa que não encomendei.
Teria sido apenas arroubo de um borracho, mas quem respondeu isso foi o próprio cônsul, vermelho de raiva... Só se ouviu, ao longe, um:
- Conõ! Qué me caga la madre!
- Seu Bracatinga! Acorde! O senhor está tendo um pesadelo...
- Vai à merda, enfermeiro! Adonde tá minha comenda? Tava aqui na minha mão agorinha mesmo..deixei cair no café..
- O senhor estava comendo bolachinha com café, Seo Bracatinga. Quer mais uma?
A tarde estava fria, e embora enrolado em um cobertor, Bracatinga foi recolhido ao seu quartinho triste e sombrio.
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