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segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Recordando as visitas nos tempos da infância (Se você se identificar, sim, estamos velhos)



Quando eu era menino, muito pobre, minha família praticava certas coisas, das quais sinto muita saudade, e que não vejo mais acontecer hoje. Não, não digam que é  porque todo velho tem saudade, não senhor, senhora ou senhorita. O segredo não é sentir saudade, mas sentir saudade das coisas certas. Por exemplo: Dormir na casa de um parente! Isso era um acontecimento. Tanto no nosso ranchinho se vidraça, com janelas de madeira, quanto nas casas das tias e tios,estar com a família era o que importava. Era um milagre da multiplicação, inexplicável. 

Uma pobreza que dava gosto, mas assim que chegasse um parente de longe, primeiro, não chegava de mãos vazias. Sempre trazia consigo algum mimo da lavoura ou mesmo do armazém. Embrulhados em panos de prato, pães perfumados ainda quentinhos, da casca crocante, um pote de geleia ou marmelada, caramelos para as crianças, ou até mesmo um quilo ou dois de bananas, que eram devoradas no tempo de um suspiro, coisas desse tipo

Para a dona da casa, um paninho de prato ou um lencinho bordado, ou uma bela moranga, ou um saco de milho verde, feijão ou aipim. Qualquer coisa da própria horta. Ou do pomar, como um saco de peras ou pêssegos, talvez umas uvas. Sim senhor, senhora ou senhorita! eram tempos felizes aqueles.

A mãe corria a matar uma galinha gorda para preparar um sopão, enquanto um café cheiroso espalhava perfume pela casa, e do armário milagrosamente saltavam coisas que o mistério da multiplicação não explicava.Por exemplo: De onde saiu aquele queijo: E os biscoitos enfeitados, que apareceram milagrosamente para dividir com os primos? Não sei. Só sei que comíamos com gosto tudo, e ainda sobrava espaço para subir nas árvores e colher frutas verdes para embotar os dentes.

Visitar ou ser visitado na infância era dormir no chão, cinco ou seis crianças, tagarelando e rindo, até  que algum adulto nos mandasse calar a boca e dormir. Mas dormir pra que? Dormir era tempo perdido, quando tínhamos visita em casa. E na manhã seguinte, ainda madrugada, acordar ouvindo os adultos tagarelando na cozinha, o café quentinho, os bolinhos fritos e o cuscuz fumegando para ser comigo com coalhada ou leite gordo. Não senhor, senhora ou senhorita! Não tem como esquecer coisas assim. Não tem como esquecer as longas horas de prosa onde as novidades eram o zap-zap de então. Um retratinho guardado dentro de um envelope bem cuidado que passava de mão e mão valia mais que mil páginas de facebook, e um livro velho com gravuras em preto e branco garantia entretenimento por muitas horas entre olhares curiosos sobre as ilustrações antigas.

Voltar no tempo para visitar as velhas malas guardadas em cima dos armários, amarradas com cordinhas, e que guardavam lembranças, são a chave da eternidade das lembranças que temos, especialmente quando dentro destas velhas malas ou caixas encontrávamos tesouros, como óculos antigos, traquitanas que nem sabíamos para que servia, caixas com fotografias cor sépia serrilhadas, e rostos enigmáticos de parentes falecidos e vaporizados na história, gente de quem nunca ouvíramos falar até aquele momento. 

Voltar naqueles dias pelas lembranças é lembrar da despedida, onde novo banquete era servido, a mesa farta, cucas, pães, doces, manteiga, leite quentinho, café coado, queijo serrano, e muitas recomendações de lembranças. E para esticar um pouquinho a boa companhia,  acompanhando as visitas com suas trouxas e embrulhos, porque também milagrosamente levavam o dobro daquilo que traziam, e lá na cancela do potreiro, limite da casa com a saudade, os últimos abraços e recomendações.

Eles se iam e nós voltávamos.  Ou quando éramos nós as visitas, nós íamos, e eles voltavam. Assim eram os dias nas gavetinhas de nossas lembranças. Nos visitávamos. Nos visitavam. Passávamos dias e dias felizes, armazenando alegria para a espera da próxima visita.Nossa ou deles.

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