A Carteira de Bandido
Torresmo era bandido. Não era
qualquer bandido. Era bandido concursado. Bandido federal. Tinha
carteira de bandido válida em 32 países. Mafioso. De Palermo. Por isso
era chamado de palerma. Talve fosse. nunca se sabe. pouco se sabe dos
mafiosos. Foi morar no Cêrro do Bassorão por uns tempos para sair de
circulação. Levou pouca coisa consigo. Apenas a roupa, um chapéu e sua
carteira de bandido.
Valia muito
uma carteira de bandido válida em 32 países. Era um salvo conduto em
certos lugares. Na capital federal, uns figurões enlouqueceram quando
viram uma destas. Ofereceram muito a ele. Dinheiro grosso. Mas nada o
tentava. Era uma carteira conseguida na raça. Por mérito. Só uma vez
balançou com uma oferta. Um Monza 83, mas motor 84 retificado.
Parachoque original. Era demais. Mas ele resistiu e caiu fora. Teve
medo de ser roubado e saiu de lá. Era um lugar cheio de gente mal
intencionada. Não. Ele era bandido, mas tinha principios. Não se
misturava com esse tipo de gente. perigosa demais. Até mesmo pra
bandido. Com carteirinha da bandido. Válida em 32 países.
Chegou
no cêrro à noitinha e ficou na hospedaria atrás do bolicho do Tuiuco.
Não deu seu nome verdadeiro. Nem sabia mesmo. E se soubese, nem a pau
contava. Era bandido confiável. Tinha carteira de bandido. Válida em 32
países. Carimbada em 76. Pagou adiantado. Seis meses. Em dinheiro. E se
instalou ali. Fez amizades com o populacho. Em pouco tempo era do
populacho.
Conheceu o Frei Uomo
numa noite de carteado. Não jogava truco. Teve que aprender. Aprendeu.
Se tornou campeão de truco e amigo do Frei.
Um dia apareceu no confessionário e desabafou com o padre:
-
Sou pecador, padre. Me perdoe senão te arrebento. Chamo meus bandidos e
mando passar fogo na tua batina contigo dentro. Eu pequei. E estou
arrependido.
O frei matutou e perguntou:
- Conte o que fez, meu filho!
Torresmo deu um pulo e sacou a arma. Arregalou o olho e sentenciou:
- Não vim aqui me gabar, padre. Vim me humilhar. Não conto nem tapado de mutuca!
O padre arregalou o olho e perguntou:
-E foram muitas vezes?
- Isso também não conto. Nem a pau!
- Alguém mais sabe?
-Ninguém.
O padre insistiu:
-Se não me contar, não tenho como saber.
-Pois
bem. Vou contar! Tenho uma tara. Gosto de ir visitar as percantas e dou
a elas duzentos contos, enquanto a tabela delas é de apenas cinquenta
contos. E despois eu desato a xingar.
- E xinga muito?
- Não. Só até que me devolvam os duzentos. Aí mostro minha carteira de bandido válida em 32 países.
O padre arregalou os olhos e bebericou uns goles para segurar o riso.
Dito
isso, Torresmo se deu conta que confessara um segredo capital. Pegou a
mala e sumiu mundo a fora. Levou consigo apenas seu chapéu e sua
carteira de bandido. Válida em 32 países. Inclusive em Brasília.
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