Nunca fui de levantar bandeira, nem comprar briga por desmonte de patrimônio histórico. Eu me devo essa lacuna de caráter. Mas é assim que foi. Ainda hoje, apesar da paixão que tenho por esgravatar o passado no meio das cinzas das memórias, não tenho tarimba pra herói, e não passa pela minha cabeça a ideia de me acorrentar em árvores centenárias, ou em colunas de antigas construções, para salvar a Natureza ou o patrimônio. Sim, tenho muitos defeitos de caráter, e covardia e comodidades são alguns pelos quais terei que responder, um dia. Mas até lá, resigno-me a contar histórias, e desenhar aquilo que vejo das casas e coisas do passado. É a minha cota de redenção.
Conto isso, porque em uma rara ocasião em que eu ousei dirigir-me a uma autoridade municipal, à época, em que foi derrubada a Estação Ferroviária de Gramado, ofereci, educadamente, minha indignação pelo fato, ao que fui rechaçado com deboche e ironia pelo então Secretário, cujo cargo e nome, por razões óbvias, declinarei, pois não farei deste ambiente nostálgico, um espaço de difamação, ainda que verdadeira, pois quero lembrar das pessoas por suas boas ações e não por seus medíocres espasmos de pequenez. Mas ratifico: Fui reclamar sim, ao saber que o local, que até então, servia como base da Brigada Militar, comandada pelos saudosos Sargentos Frederico Guilherme Zorzan, e Ivã da Rosa Barbosa, que comandaram esta corporação em Gramado e relevantes serviços prestaram à comunidade. Isso então, aconteceu, tendo como cenário, o prédio varrido pelos tratores, que cedeu lugar à atual Estação Rodoviária.
A linha do trem em Gramado já foi amplamente relatada pela historiadora Marília D.F., em suas obras, e por isso, desnecessário repetir dados e datas, o que é natural aos historiadores, o que eu não sou. Sou contador de causos. Então é pra isso que sou pago (não estou falando de dinheiro), e é o que conta em meus espaços. Então, vou contar alguns causos onde estive presente, sobre os quais sou responsável pela veracidade.
Eu tinha uns oito ou nove anos, mais ou menos, e como já relatei em outros causos, era o parceirinho da peripatética Maria Elisa, de cujos périplos fui seu fiel escudeiro e par. Nesta feita, decidimos visitar uns parentes, o Tio João, que morava no sítio, lá nos três Pinheiros, a uma distância de 8,5km, mais ou menos, em uma jornada de duas horas à pé. Era puxado, pois descíamos e subíamos muitos morros, e claro, minha vó conhecia bons atalhos, que encurtavam um pouco o caminho. Um destes atalhos, nos fazia passar por uma "garganta" escavada na terra, para rebaixar o trajeto e por ali fazer passar a linha do trem, que subia de Taquara, em direção à Canela, passando por Gramado, antes pela Estação da Várzea Grande (que os antigos chamavam de "Baje Grande"), passando pela Estação central , e dali rumo à Canela.
No momento em que caminhávamos por uns destas "gargantas", muito estreita, com apenas cerca de um metro livre entre o trilho e o barranco, cortado em forma de talude, numa diagonal de 60 graus, onde cresciam umas guanxumas (ervas daninhas), muito resistentes e de raízes fortes, ouvimos muito próximo, o barulho do trem, que chegava acelerado, e não havia tempo para correr dali, pois a passagem eram longa. Foi nesse momento que minha vó teve que revelar seu segredo, e despertar em mim, o meu: Éramos dotados de poderes especiais, que se confundem entre macaco, perereca, aranha, ou outro bicho qualquer, pode, o leitor, escolher à vontade, contanto que não nos atrapalhe no pulo de sobrevivência, onde permanecemos agarrados com pés e mãos às Guanxumas, no interminável tempo em que o trem passava a poucos centímetros de nossas costas, fazendo-nos sentir o vento e as chispas que nos espetavam assustadoramente. Talvez tenha se passado um tempo entre três minutos e uma eternidade, uma média entre os dois, algo assim. O trem já ia longe, e continuávamos travados naquele barranco, e só descemos dali quando nossas mãos já tremiam e as guanxumas estavam completamente estranguladas. O medo nos proporciona forças desconhecidas e incalculáveis.
A Brigada Militar de Gramado era composta de um pequeno Batalhão, talvez uns dez ou doze policiais, contando o comandante, que era um Cabo ou um Sargento. No tempo do Sargento Zorzan, uma figura simpaticíssima, que não se contentava em dar ordens aos policiais, e cuidar das multas de trânsito, que eram raras, e ladrões de galinhas, haviam poucos, e conhecidos. Crimes eram raros (isso mesmo, os crimes se resumiam a briga de vizinhos, e um e outro furto de pequenos pertences, arruaças de bailes, ou brigas de botecos no fim do dia, quando a cachaça já dominava os beberrões menos responsáveis).
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Zorzan criou um grupo de crianças, pré-adolescentes, como uma espécie de "Escoteiros", ainda que já havia um grupo escoteiro local. Mas era diferente. Eram chamados de "Pedro e Paulo Mirins". Trajavam uniformes idênticos aos policiais adultos, com exceção de capacete, cacetete, e, óbvio, uso de armas. Mas para aumentar o espanto dos leitores galardoados com tenra juventude, saibam que em determinado tempo, ingressei no grupo da "Invernada Artística do CTG ", como aprendiz de dançarino, e o patrão, nos disse que iríamos usar uma pilcha, e "se daria um jeito de arrumar um revórvinho 22 pra cartucheira". Felizmente, por ser descoordenado, não permaneci, pois não dançava nada. Mas isso é outro causo. Assim, os Pedro e Paulo Mirins tinham um apito igualzinho ao apito dos policiais adultos, com aquela correntinha trançada, preso ao ombro, lenço de gala, e "Bibico", aquele chapeuzinho em forma de canoa, de cor verde-abacate, ou a cor oficial da farda da Brigada. Até o cinto era igual, com fivelão emblemado tinha. Também os coturnos, eram iguais aos adultos. Enfim, eram mini policiais, e tinham obrigações sociais e comunitárias. Meninos e meninas eram tratados como iguais. As atividades variavam desde ensinamentos de legislação de trânsito, a acampamentos, culinária campeira, e participação em eventos cívicos municipais. A formatura do "pelotão" teve churrasco no CTG, e uma caneta com o nome gravado, ofertada pelo Paraninfo, Fritz Volk, um dos diretores da Ortopé., com direito a discursos e juramento, onde o formando, ajeitando a fralda que apertava, prometia "defender a honra da pátria com sacrifício da própria vida". Não lembro de todos os que fizeram parte deste grupo, e peço aos leitores que enviem mais informações, se as tiverem. Os PPMs eram: Álvaro Masotti, Alexandre Masotti (que começou seu namoro com sua esposa Aidê, nesse tempo), Neiva Fattori, Renato Fattori, Paulo Cardoso (euzinho), Eka Ramm, e,,, bem, era um grupo de umas vinte crianças.
Bem, contei isso, porque a sede também era lá na Brigada Militar, ou como queiram, Estação ferroviária de Gramado.
Internet
Arquivo Histórico Municipal
Jornal Integração. Clique na imagem para ver a matéria completa
Mas sejamos coerentes com os fatos: Acho que o patrimônio histórico deve ser preservado, de um modo ou de outro. Penso que se o progresso precisa ocupar o espaço do que foi antigo, que deixe registros, o máximo deles, para que as gerações que virão possam espelhar-se nos rastros daqueles que construíram os primeiros alicerces do presento, e os esteios do futuro. E como eu não tenho braços longos para abraçar-me às casas, tenho dedos experientes e tecnologia ao alcance para reproduzir aquilo que ficou no passado. É por isso que escrevo. É por isso que desenho. É a parte que me cabe fazer. A do leitor, é ler, e se estiver de acordo, pode dar suporte à este trabalho, seja enviando histórias, imagens, adquirindo meus livros e quadros, ou anunciando nos espaços destinados ao suporte do projeto. GRAMADO de priscas eras.