AD SENSE

sábado, 19 de outubro de 2019

Pra não dizer que não falei de flores





De modo algum irei falar de política, de movimento de resistência contra o regime militar no Brasil, embalado pela canção de Geraldo Vandré, com o título dado a este ensaio. Devidamente explicado, passo a falar de flores então.

Dar flores é um comportamento próprio dos Seres Humanos, mas também entre os animais há certos hábitos de oferecer mimos às fêmeas, como forma de demonstração de disponibilidade ao acasalamento.  Os bowerbird, ou “pássaro pavilhão” masculino, são arquitetos incríveis, mas reservam suas habilidades para apenas uma finalidade – encontrar uma companheira. Eles constroem esses ninhos elaborados e deslumbrantes para impressionar as fêmeas – talvez eles pudessem ensinar aos homens, uma coisa ou duas sobre decoração, diz um artigo no blog "Tudo Curioso". Nestes enfeites, tantos, há também flores. Há espécies de peixes que fazem o mesmo, constroem ninhos elaborados com design sofisticado, linhas precisas, geometria perfeita, para que sejam escolhidos como os progenitores dos filhotes das fêmeas, pois sua capacidade de construírem e lidarem com esta matemática inata, demonstra que seus filhotes possuirão uma genética selecionada. 



Assim como os animais que presenteiam com cores e flores seus parceiros, também as flores se oferecem, por meio do perfume e cores, aos insetos e também pássaros e morcegos, que em troca destas dádivas, são por eles, polinizados. É uma moeda de troca. É por instinto e por interesse.

O Ser humano é o único que, não só presenteia com flores, por interesse, amor, paixão, reconhecimento, como o faze também por dor, gratidão, ou saudade.  São as pessoas quem produzem flores para venderem sentimentos, e embora eu não deixe de reconhecer a preciosidade de uma arranjo de flores numa floricultura, são as flores do campo e das matas, ou ainda dos jardins antigos, das vovozinhas, quem mais fazem aflorar minhas lembranças de tempos felizes, ou até mesmo melancólicos.

O costume de ofertar flores, é mais afeto ao mundo feminino, e mesmo os homens que oferecem flores, o fazem à mulheres: Mãe, namorada, esposa, amante, amigas, e em ocasiões significativas, na maioria.  Jamais vi um homem levar flores a outro homem (hetero), senão em velório, e mesmo assim, opta por comprar uma coroa com flores artificias, onde gravam em uma fita dizeres mecânicos de :Saudade eterna, Repouse em Paz, Homenagem da família tal.


Não sei dizer em outras culturas, mas na nossa cultura ocidental, um homem oferecer flores a outro, o carimba como homossexual. Nem mesmo um pai oferece flores ao filho, e tampouco vice-versa. Flor "é coisa de mulher", sentencia-se.

Pois eu ganhei flores, por duas vezes na minha vida. E confesso que foi uma sensação indescritível. Ganhei flores de duas mulheres, e não, nenhuma das duas mulheres estavam interessadas em mim, tenho absoluta certeza disso. O que me dá esta certeza é o motivo e circunstância em que recebi tais flores, e não era um raminho de dente-de-leão apanhado á beira da estrada. Não senhor! Eram frondosos buquês, que necessitavam abraços, exuberantes, perfumados. O primeiro recebi de uma Arquiteta, em reconhecimento ao trabalho que fiz, e fico feliz em crer que, ao respeito com que tratei os profissionais envolvidos neste trabalho. Foi a Arquiteta Melissa leite, em Lages, SC, por ocasião do lançamento de uma coleção que criei, e do Show Room de uma empresa que ajudei a montar.

A segunda ocasião, foi ao término de um Seminário de Economia criativa, Motivacional, que realizei, na cidade de São Martinho, SC, onde ao final das palestras, no segundo dia, fui homenageado com flores, inesquecíveis, de valor inestimável, oferecido pela Primeira - Dama do Município,  Turismóloga Ângela Back, e em nome da Comunidade inteira, o fez. D-s sabe o quanto aquilo significou para mim. Não as flores: o gesto, materializado em flores.

Então, agora posso dizer que falei de flores. As flores que não constroem muros, mas as que edificam e solidificam amizades. E foi muito bom. Agora é só esperar pelo velório, que talvez ganhe mais algumas, embora as prefira em vida. O perfume é bem melhor.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Trotes memoráveis em lugar incerto - II O Documentário da Rainha



Corria o ano tal, onde tal sujeito era o Prefeito, e também havia o Vice Tal, que como o título diz, era o Vice Prefeito do Fulano de Tal. Isso aconteceu em tal lugar, que era, digamos, o clube social do pequeno burgo, e era no clube social, que os melhores e mais suntuosos bailes aconteciam. Era lá que a sociedade V.I.P comparecia, para mostrar o automóvel tinindo de novo, ou as matronas, para exibirem seus suntuosos trajes de gala, enquanto os abobalhados maridos, servindo o braço como apoio, olhavam e sorriam o tempo todo, abanando a mão e curvando levemente a cabeça, como se quisessem dizer, entre os dentes cerrados, como fazem os ventríloquos: "Esta é minha mocréia, e este foi o vestido que ela mandou vir da capital, com meu cartão de crédito. Ai que ódio!"

Era a festa de escolha da rainha, de uma festividade local, e lá estavam reunidos todos os convidados da finesse local, e ora, onde há boca livre, o escriba que vos tecla, entendia necessário se fazer presente. E assim foi! Dez horas da noite, lá estava o galalau, enfeitado como "pixixê de china", cheiroso como mão de barbeiro, subindo as escadas que levavam ao local dos arregabofes, eis senão quando, o longo braço do porteiro ficou estendido à altura de seu pescoço, do galalau.

- De onde vens, perguntou, solene!
- Venho de um seio! - Respondeu o tararaca.
- E onde vais?
- A um coração!
- De quem és filho?
- Do acaso!
- Como te chamas?
- Paixão!
- Saiu-se bem, mas cadê o convite, malandrinho?
- E malandro precisa de convite?
- Aqui, sem convite, não entra!
- Que seja! Voltarei!

Saindo dali, o escriba voou lépido a largos passos à casa de um amigo, que possuía uma filmadora "Super 8". Tomou-a por empréstimo, e mais rápido que o pensamento, estava de volta ao refestelo.

-Tu de volta? Sorriu o porteiro.
- Sim, tenho que filmar o evento para um documentário, o qual enviarei à uma organização na Bahia!
 Sorrindo, quase aos frouxos, o porteiro o deixou entrar.

O lugar estava repleto de gente elegante, gente distinta, gente importante, políticos, autoridades, belas senhoras, senhoras,jovens exuberantes e perfumadas, e eu. Com uma filmadora Super 8, novinha.

- Boa noite, senhoras e senhores, gentis senhoritas! Estou aqui na missão de enviar um documentário à uma instituição na Bahia. Permitam que filme vossas magnificências?
- Naturalmente, caríssimo amigo (virei amigo, assim, de repente)! mas antes, aproveite o "Côck Téilll" (acentuando o L em coquetel).
Não me fiz de rogado. Bracei uma imenso prato descartável, e abasteci-me de guloseimas. Fartei-me até arrebentar a cincha. Forrei meu bandulho (sim, o galalau era eu). E disse:
- Bem! (Burrp), Senhoras e senhores! (Burrp..arrôt) hehe...desculpem...coca cola..! Vim aqui pra trabalhar, então tenho que trabalhar, Compromisso é compromisso! Só que temos um probleminha técnico ( nessa altura eu já era praticamente um Fellini, entendia tudo de iluminação,dramaturgia, cenografia, e após olhar significativo, sentenciei:
- Teremos que descer ao Hall de entrada, onde existem espelhos. Lá a iluminação é PER-FEI-TA! (e estalei a boca, como fazem os profissionais satisfeitos).

Descemos ao Hall, aquele pixurú de gente, Prefeito, Primeira Dama, Vice Prefeito, Segunda dama, autoridades civis, militares e eclesiásticas, Rainha, Princesas, blá, blá e blá. Entupiu o hall. E eu comecei a função.
- Prefeito com a rainha!
- Rainha com a Segunda Dama!
- Rainha com princesas!
E assim, sucessivamente, filmei á todos, por cerca de meia hora, a quarenta minutos, sem parar.
Agradeci e fui embora.

O tempo  longe passou. Por esta nova ocasião, a moça que havia sido escolhida como rainha, foi comigo e outros amigos, subtrair ameixas, em uma frondosa ameixeira que havia lá pelos fundos de um terreno pouco habitado. Ao voltarmos, ela disse assim:
- Paulinho! Tu te lembras daquele filme que fizestes, de nós?
- Mas claro que lembro!
- Posso vê-lo?
- Não!
- Por que não?
- Não havia filme na câmera. Além disso, o Super 8 tinha fita para três minutos, e eu filmei mais de meia hora. Ainda bem que as pilhas eram novas!










quarta-feira, 16 de outubro de 2019

O professor de Ballet



Aprontar trote é mais comum que a posição de defecar, e não há quem não tenha alguns memoráveis para contar, o que alias, faz até bem pra engrossar o couro, tomar um trotezinho aqui e outro ali. Eu, pelo menos, prezo por este modo de pensar, só pra não pensar em cada trote que tomei. Por misericórdia, como eu fui tonto nessa vida, gente do céu! Tá, eu também passei alguns, e vou contar aqui uns dois, com o mesmo mote: O "Professor de Ballet"!.

Vou omitir os personagens, mas os fatos são aproximadamente verdadeiros.

Trote número 1

Eu alugava uma sala em um prédio de salas comerciais, no centro de Gramado,tinha meu escritório. No mesmo prédio, haviam outros escritórios, sendo um de engenharia e decoração, e outro era um consultório médico, cujo titular era (e continua sendo) um grande amigo. Todos eram meus amigos, diga-se pelo bem da verdade. Volta e meia, nos visitávamos, para jogar conversa fora, tomar cafezinho, chimarrão, ou contar lorotas das boas.

Certa ocasião, passei no consultório do amigo médico, e vi que havia uma atendente nova, começando naquele dia. Estiquei o pescoço porta adentro, cumprimentei, e perguntei se o "Dr Fulano" estava.
- Gentilmente disse que não, e perguntou se era urgente. Respondi que urgente não era, mas que ele havia marcado comigo para que, dentro da próxima meia hora, nos encontrássemos no Tênis Clube, próximo dali, pois ele teria aula de Ballet comigo e outras pessoas. A moça achou aquilo muito estranho e perguntou quem eu era. Respondi que era o professor de Ballet do doutor, e que passei para lembrar que ele não poderia faltar à aula, porque iríamos experimentar nos alunos os novos collants e sapatilhas que eu trouxera de Porto Alegre, e que contava com o doutor em aula.

Apertando os lábios para evitar uma risada, saí dali e fui para a sala no fim do corredor, do escritório de engenharia. Lá trabalhava uma mocinha, que tinha um irmão de tamanho avantajado, e contei à ela a situação, e pedi que não me denunciasse. Ela então tomou a iniciativa de chamar o irmão,e juntos foram até à sala do doutor, e se apresentando, perguntaram se ela já havia localizado o doutor, porque o professor de Ballet deles estava na cidade, e eles não poderiam faltar. E eu voltei pra minha sala. Poucos minutos depois recebo uma ligação do doutor, perguntando se eu era o autor do trote. Depois de rir um bom bocado, ele disse que ela havia ligado para todos os lugares por onde ele passava e deixava o recado para que ele entrasse em contato com o tal professor de Ballet.

Trote número 1.1

Mesma situação aconteceu, num dia, em que fui, acompanhado de um vendedor de minha equipe, a uma fábrica de móveis, e o vendedor era bastante alto também. Lá nos deparamos com uma secretária nova, e pense no formigamento que me deu em ver uma secretária nova perguntando quem queria falar com sue chefe.

- Sou o professor de Ballet do fulano (o dono da fábrica, que era um sujeito bem encorpado, grande mesmo, e sues irmãos não eram muito menores, Maiores até, eu acho). Vim entregar o collant  que ele encomendou, e também a tiara com cristais e pérolas porque ele faria o papel do Cisne Negro, na peça Lago dos Cisnes.

A moça desatou a rir, e aí me "enfureci".

-"Por que você está rindo? Como você é preconceituosa. Só porque o sujeito é um armário de grande, acha que ele não tem direito de ser delicado? Por favor, assim que ele chegar, peça para contatar urgente comigo. Ele tem meu número! Este rapaz que está aqui comigo, parece um armário também, mas ele faz o cisne negro, que agora é seu chefe quem irá tomar o lugar dele"

Disse isso e saímos, segurando os frouxos de riso.

Depois do meio dia, fui ao centro da cidade, e lá encontrei os três irmãos, e mais alguns amigos, à porta do banco, e contei a história.

Malandros, de igual ou ainda piores que eu, o empresário chegou na fábrica, logo mais tarde, e ao chegar logo perguntou para a secretária:

- Meu professor de Ballet esteve aqui me procurando hoje?


Depois disso, toda vez que eu ia lá, ela nunca me oferecia cafezinho. Rancorosa!







quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Gramado em Pensamentos - Para que servem os pobres?



Se eu pudesse definir, dentro do campo espiritual, quem são os pobres, diria que os pobres são o termômetro que define a humanidade divina que há em nós. Sei, no entanto que esta não é, de longe a melhor definição da pobreza, pelos padrões clássicos de interpretação da menos valia do Ser Humano em comparação com outro Ser Humano. Isso por si já determina que pobreza se encaixa no relativismo entre o que tem mais e o que tem menos, sendo que o que tem mais, terá sempre mais em relação ao que tem menos, e vice versa, e assim, começa minha primeira definição da pobreza: um mal necessário à interpretação de riqueza de quem tem mais, em relação ao que tem menos. Eis aqui a primeira importância da pobreza: regular o padrão de quantificação e estabelecimento gráfico sobre o quanto tem a mais o rico, e nunca o contrário. O rico então mede sua fortuna em proporção ao pobre. Eis a primeira necessidade e definição da importância da pobreza: Padronizar a riqueza. 


Um bom exemplo de que é o objeto de menos valor quem define o objeto de mais valor: a unidade monetária. Nenhuma moeda começa seu padrão por, digamos, $ 675,57. É impossível quantificar a riqueza ou a pobreza, se o parâmetro da moeda não for a unidade, "1". Este é o padrão então da fortuna do rico, porque parte da linha da pobreza para estabelecer a riqueza. Este é também, por excelência, O Número que Define D-s (Deus). D-s é UM (Echad). Outro modelo é a montanha, que para ser medida, precisa da planície, e até mesmo a profundidade de um vale, é medida com relação de seu rebaixamento ao nível do mar, o que é o ponto de equilíbrio entre a riqueza e a pobreza, e aqui chamaremos a depressão, como extrema miséria, suscetível à sofrer os reveses de uma possível inundação ou desmoronamento de parte da montanha. Este equilíbrio é o que propõem as ideologias socialista, onde, de um lado buscam elevar os padrões dos que estejam na extrema miséria, e para isso, rebaixam os que estejam na montanha, igualando à todos a um único nível. Não cabe aqui discutir as razões de um e de outro, o que talvez eu venha a fazer em outro momento. Aqui vou restringir-me  ao título desta análise: Gramado e seus caminhos - para que servem os pobres?


Se buscarmos nas Sagradas Escrituras informações acerca do que O Todo-Poderoso diz sobre os pobres, a uma simples leitura superficial, poderíamos encontrar uma dicotomia de duas teologias: Uma que eleva espiritualmente os pobre às camadas privilegiadas de bênçãos e benefícios (pleonasmo) espirituais, e de outro, encontraremos os grandes personagens extremamente prolíferos nas riquezas a quem chamamos de mundanas: ouro, prata, joias, rebanhos, trabalhadores (a quem a tradução arcaica insiste em chamar de escravos). Estas as definições de quem seriam, um e outro, ricos e pobres. Há, no entanto, a interpretação que inverte estes conceitos, a partir da leitura cristã, que favorece o conforto pela pobreza, construindo desta forma o clássico cristianismo medieval e até mesmo contemporâneo, que inverte os valores morais de um e de outro, colocando o pobre como preferencial, no reino de D-s, e o rico, como escroque e opressor do pobre, motivando o fiel à preferir a pobreza, com pão seco e paz, do que a abundância de carne, com contenda (Prov. 17:1). Ainda nesta inspiração, relatando sobre a pobreza, há na frase de Jesus, proferida no Sermão das Bem-Aventuranças (felicidade), o termo: "Pobres de Espírito", onde quase unanimemente erram sua interpretação, levando à falsa compreensão que "Pobres de Espírito" sejam pessoas ruins, enquanto é exatamente o contrário, significando" Pessoas dóceis, cordatas, de bom trato. Vê-se aqui então que ainda mais uma vez, a pobreza, isto é, a falta de soberba, é tratada como um aspecto positivo do caráter do Ser Humano.


Ao ser confrontado por Judas, o traidor, acerca do perfume valioso com o qual a mulher, aos prantos, lavara os pés de Jesus, e os secara com seus cabelos (algo que , para a cultura da época, simbolizava quase uma relação sexual), o Rabi assim definiu a situação: "Pois sempre tereis convosco os pobres, mas a mim nem sempre me tereis (Jo 12:8). Aqui começo a reflexão acerca do rico e do pobre convivendo harmoniosamente na mesma sociedade, dividindo, em muitos casos, a mesma rua, e frequentando os mesmos lugares, sem constrangimento de um e de outro. Aqui começo a falar sobre o tema que deu título a esta reflexão.


A própria Torá (Lei de Moisés) estabelece as relações de cordialidade e mútuo suporte entre as duas classes de pessoas. Determina como o pobre deve portar-se diante do rico, e como o rico deve proteger o pobre em sua adversidade, e um e outro, como são iguais perante um justo juiz. 


O judaísmo tem uma visão um pouco mais esclarecedora acerca deste relacionamento, e o talmude (Tradição Oral, Jurisprudência rabínica sobre a Torá), onde estabelece as leis de Maasser (Dízimo) e Tsedacá (Justiça Social, erroneamente traduzido por "esmola"), e determina inclusive que uma das doze tribos de Israel, a Tribo de Levi, não receberia herança, e sua herança seria "O Senhor", isto é, seriam encarregados do serviço religioso, e de cuidarem da parte espiritual do povo. Recebiam, os Levitas, a décima parte de tudo o que ganhavam as outras onze tribos, e a despeito de não possuirem terras, os levitas eram mais ricos, e ao mesmo tempo mais pobres que as demais tribos, para que soubessem que sua riqueza não estaria naquilo que era seu, mas dependiam da riqueza dos demais. Eram os pobres que ensinavam humildade aos ricos, e recebiam sua paga pelos seus ensinamentos, promovendo a devoção contínua a´Criador.


Em um anacronismo, interpretamos a necessidade da existência dos pobres, para que os ricos não esqueçam de seu dever com outro Ser Humano, e se necessário, que enterneçam o coração pelo sofrimento alheio, uma vez que a pobreza tem alguns capítulos capazes de fazer esmorecer a dura cerviz dos mais abastados, seja pelo sentimento puro de generosidade, seja pelo medo de vir a encontrar-se na mesma situação, ou alguém a quem estimam, e correm, então, a abrir os bolsos, alguns com mais, outros com reservada generosidade, e é assim que a sociedade se confronta com seu espelho, e o espelho do pobre, por nada possuir, é sua consciência e bom nome, pois é a única coisa que vai permanecer depois da morte. Já o rico, sabendo que nem na morte poderá ser melhor que o pobre, e sendo consciente, trará a lume sua generosidade em atender aos necessitados.


E Gramado, tem o que com isso? Gramado é uma cidade peculiar. Não é, em definitivo, uma cidade pobre e nem tem na pobreza o seu espetáculo dantesco, como o tem tantas outras cidades não muito distantes. No entanto há certa quantidade de pobres em Gramado, assim como há uma generosa porção de pobres no País, e aqui acendo uma polêmica, categorizando a pobreza com um bem necessário á humanidade, assim como também à Gramado, e vejamos a razão desta afirmação.


As casas não se constroem sozinhas, Os banheiros não são auto-limpantes. Ainda não chegou-se ao auto-atendimento perfeito, ainda que o café da manhã nos hotéis, necessita de quem os sirva. As janelas, de quem as lave. As ruas, de quem as limpe. Os estragos, de quem os conserte. As fábricas, dos que nelas produzem (ok, quase tudo já vem da China, e os pobres de lá são problema deles..e solução nossa, mas mesmo assim, seja na China, no Egito, ou na Coreia do Norte, há pobres a nosso serviço, independente da distância em que se encontrem de nós.


Faço eu, aqui, apologia à pobreza? De jeito nenhum! Faço apenas uma reflexão sobre o equilíbrio das coisas, porque o rico precisa do pobre da mesma forma que pobres dependem dos ricos. Ricos são objetivos, mas pobres são criativos. Isso explica porque eu sempre pendi para a criatividade, a quem o rico chama de loucura, mas é apenas uma forma de desdenhar aquilo de que não foi dotado, a inteligência criativa. Pobre que não é criativo, inventivo, morra na casca, não prospera, não sobrevive. Os alimentos mais saborosos, são provenientes da miséria. E depois de testados e aprovados, os pratos criativos das cozinheiras pobres, em casas ricas, tais pratos recebem nomes sofisticados, e tornam-se iguarias nos banquetes entre ricos. Rico não é criativo, e nem precisa ser. Não precisa criar. Basta ter relacionamento à distância segura do pobre criativo, e comprar-lhe o feito. Saem os dois felizes com a troca. Assim, pobre e ricos, convivem de maneira salutar no mesmo espaço social, no mesmo coletivo. 


Gramado precisa de seus pobres. Na verdade, pobres são um bom negócio. às vezes se tornam objetos de negócios, de forma obscura, desumana, como os refugiados de países em colapso, cujos vizinhos não são muito melhores, mas que recebem verbas de outros países ricos para que estoquem os pobres confinados em acampamentos de refugiados, e fazem assim, um negócio bastante promissor. Isso acontece sempre e acontece muito. É um ótimo negócio para pequenas repúblicas que tem como vizinhas, ditaduras extremas, disputas tribais, acolherem em suas fronteis, milhares de refugiados, cobrando da ONU, e como supracitado já, de países europeus, para que mantenham estes seres de línguas e costumes estranhos, confinados nas jaulas em forma de barracas, cercadas de arame farpado, porque um pobre fora dali, são centenas de dólares por dia fora do tesouro nacional.


Gramado não tem refugiados, mas tem necessidades, Gramado tem ricos, remediados, e pobres, mas até onde chega ao meu conhecimento, não há miseráveis, paupérrimos, indigentes, mas até estes são necessários, úteis às causas sociais de ricos comprometidos em manter aquecida a chama da generosidade em si, e como assunto nas rodas sociais. O sofrimento alheio é um bom negócio, e se não rende dividendos em espécie, em cifrões, rende em ocupação para o vazio do tempo entre uma conferência de saldo e outra. Assim, Gramado, de pobre em pobre, gera riqueza, que não seria possível, sem os braços da pobreza que a edificam.


Gramado não tem pobres que justifiquem estado de calamidade, mas graças aos seus pobres, verbas Federais, e Estaduais, são alocadas para estruturas que acolham mais pobres. Gramado, e o resto do Brasil. Todos precisam de pobres nas suas receitas, pois muitos projetos apenas se justificam, graças a certeza de que mais pobres serão beneficiados. Tentem as autoridades (que contam com os pobres para serem eleitos) buscar verbas em Brasilia, e que no escopo de tais verbas, não sejam contemplados os menos favorecidos, para ver se ganham alguma coisa. Não ganham, Assim, pobres valem também dinheiro. Muito dinheiro. Digam as grandes marcas. Ricos não tomam Coca-Cola. Quem toma coca-cola é pobre. Em domingo. De litrão. Pobre não compra orgânico. Quem compra é rico e remediado, mas remediado é um pobre com dinheiro, nada mais. remediado é brega,tem mau gosto, e é medito a rico. Rico não anda de SUV. Quem anda de SUV é remediado e novo-rico que precisa ostentar que se não tem cultura, tem grana. E tem seus pobres para ostentar. Assim, pobre tem seu valor, e alguns tem preço. Bem baixo. e outros ainda, são medidos em custos. Mesmo assim, custos são convenções estatísticas, e pobres fazem parte destas convenções, pois quem determina se alguém é rico ou pobre, são os próprios pobres, que potencializam gráficos de tendências de mercado, de acordo com rendimentos e faixa etária, em avaliação de consumo e lançamento de produtos, Para pobres. E não há ricos escritores. Há escritores, que deixaram de ser pobres, pois quem faz análises entre pobres e ricos, é certamente um pobre.


No dia em que se acabarem os pobres, os primeiros que morrerão de inanição, serão os ricos. E neste paradigma, pobres e ricos devem e precisam coexistir, e este paradoxo de sua proximidade, valoriza um ao outro ainda mais, pois diante do rico o pobre é ainda mais pobre e o rico, fica mais rico ainda á medida em que se acotovela com o pobre. Voilá!






quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Velho, meu querido velho....



Envelhecer é um mistério. Um daqueles mistérios tão grandes, quanto o mistério de nascer, ou acordar. Nascer, porém, são compreensíveis, porque é onde se abrem as cortinas para o espetáculo da vida. Despertar, é onde há o medo e o mistério do dia que nos espera. Mas envelhecer não tem mais nada disso, não. Envelhecer é um conjunto de mistérios que se abraçam desesperadamente ao desconhecido para formularem suas esperanças e sublimarem seus medos.

Envelhecer é algo vergonhoso para a civilização moderna, ocidental ou oriental, isso já tanto faz, em nossos dias. Já não se envelhece mais como antigamente. Nosso envelhecer é visto de duas formas, e em tempos diferentes, de uma terceira forma. Na leitura antiga, a palavra "ancião" tinha certa reverência. Hoje, significa apenas "velho". E velho é descartável. Então ancião, é lixo.

Na cultura antiga, o idoso era visto com poderes espirituais notáveis, quase mágicos. Uma bênção proferida por um avô, era um decreto de prosperidade, de santidade. Um colóquio com o macróbio era sinal de sabedoria, de aprendizado, de reflexão. Hoje, o velho vale quanto pesa, ou melhor, quanto recebe de pensão. Um grande percentual de pessoas consegue suprir suas contas com a aposentadoria dos pais ou avós. E outra grande porção, administra os bens dos velhos, em parceria com o depósito de velhos, carinhosamente e gentilmente chamada de "Lar". Que lar, que nada. Lar é bem diferente disso. Lar é um lugar onde podem ser ouvidos gritos, choro, gargalhadas, queixas, elogios, gente insistindo na vez de ir ao banheiro, rezando, discutindo, aconselhando, negando conselhos. Isso é um lar. Então, até mesmo o significado de lar mudou. Mudou pra pior, é o que acho.

A beleza e a formosura da idade são guardadas nas gavetas do tempo. Antigas caixas de camisas ou sapatos, abarrotadas de fotografias. Excelente opção para sentir saudade, rir junto, ou emocionar-se, em tardes de chuva, visitando as lembranças dos instantâneos amarelados, e desbotados  pelo tempo. Beleza e formosura são raízes profundas, que dão vigor á árvore da existência, onde só o que se vê é o tronco, e no inverno, de muitas delas, a nudez do inverno, a casca grossa retorcida, as cicatrizes dos machados, e até de, talvez, uma marca antiga de um coração com duas iniciais dentro.

Formosura não diz respeito à imutabilidade da pele, mas ao frescor da alma. Vencemos o desprezo pelas pregas dos anos pelo perfume da vontade. Somos por demais, comparativos, e estamos sempre a comparar o presente, que somos, ao passado, que nos deixou. Por esta razão, perdemos tempo em lutar contra a velhice, em lugar de abraçá-la como algo que de fato nos representa. Não estamos envelhecendo. Estamos apenas caminhando dentro do nosso tempo.  Somos a civilização do consumo, e para consumo deve haver produção, e para que haja produção, são necessários braços fortes e pernas ágeis. Antigamente os velhos previam as chuvas e a estiagem. Hoje, o metabuscador resolveu tudo. Desaprendemos a fazer perguntas, porque antes mesmo de as formularmos, o sistema já nos apresenta opções de perguntas que nem mesmo sabíamos que poderiam ser feitas. Hoje as perguntas são mais ágeis que nossa capacidade de assimilação do enunciado das coisas. Nem mesmo sabem, muitas pessoas, o que é um enunciado.

Outro dia mesmo, fiz uma brincadeira em uma rede social, propondo um desafio, onde eu responderia a qualquer tipo de pergunta formulada, sem nenhuma exceção. Em poucas horas, respondi a várias perguntas. O meu espanto não era que eu sabia tais respostas, mas que as pessoas não tinham lido o enunciado de meu desafio: eu "responderia a qualquer pergunta formulada, por mais difícil que fosse". O que não entenderam é que eu não disse que sabia as respostas. Mas que responderia, e até um "essa eu não sei", seria uma resposta. Perdemos o enunciado da vida. perdemos a necessidade de fazer perguntas do modo correto, e muito menos de respondê-las, pois uma máquina nos precede nas respostas. Antes, eram os velhos quem respondiam as perguntas. Todas as perguntas. Hoje há mais velhos e menos perguntas a fazer.  Então, não somos nós que envelhecemos, mas a sociedade nos torna obsoletos pela falta de uso. A sociedade de nossa civilização binária, está completamente confusa, perdida, desamparada.

Não são apenas os velhos, os esquecidos (e que também se esquecem), mas os pequeninos, aqueles que choram, fazem birra, sujam fraldas, sujam roupas, as crianças, se alguém não lembra o que são estes espécimes. O Ser Humano inverteu os valores  e supriu de forma mais econômica e prática seus valores. Trocou pele por pelo. Passou a chamar cães e gatos de filhos, e filhos, se tornaram alunos. As crianças vão para as creches e aulas integrais, para serem educadas, em lugarem de serem instruídas, enquanto os pais vão para o trabalho, manicure, passeio com o animalzinho para que faça cocô e xixi nos jardins alheios. Lógico que manicure, empresa e compromissos são necessários, e isso não os torna irresponsáveis.

Quando éramos crianças (nós, os velhos), nossas mães e avós levavam um lanchinho na bolsa, porque sabiam que em algum momento, a fome ia atacar valendo. A fome continuou, e hoje basta um cartão de débito ou crédito, e um tablet. Assim, envelhecemos na obsolescência da vida, e então chega o medo. Ninguém quer envelhecer (ninguém, exceto eu), porque a velhice pressupõe a lembrança da morte. Eu penso diferente disso. Minha velhice pressupõe o perfume da eternidade.

Na sociedade moderna, a ciência avançou na cura e prolongamento da vida, mas não deu conta de ocupar a mente de quem teve a vida esticada pelos anos, e assim, este vazio existencial das pessoas. Esta falta de vontade de largar tudo e cair pela vizinhança ajudando a carpir uns lotes. Temos alimentos mais saudáveis, apesar da gritaria contra os agrotóxicos e transgênicos. Vivemos esta geração, dos transgênicos e dos transgêneros, porque, pelo primeiro, ou se muda a genética dos alimentos, para que sejam de gosto ruim para as pragas, ou se come apenas orgânicos, caros, inacessíveis, e insuficientes, ou morremos de fome. Ou carcinomas, que atacam pessoas (na maioria) acima de meio século, e isso não era assim antes. Não. Não era mesmo. As pessoas morriam de diarreia, verminose, difteria ou varíola aos quarenta anos, se tivessem a sorte de escaparem das doenças da infância. Mesmo assim, naquele tempo parecia ser melhor. Não era. Apenas éramos crianças, jovens, e a vida é sempre melhor quando temos sonhos para o futuro.

Os velhos ultrapassaram correndo pelo futuro, e quando perceberam, sua felicidade voltou a permanecer no passado, na infância, como um sonho em engenharia reversa. Eu mesmo, me pego sonhando e pensando, como seria bom se aqueles sonhos já sonhados tivessem dado certo. Aí sonhamos sobre o que faríamos com os sonhos que deram certo. Sonhar olhando pra trás. Quem nunca?

Eu gosto de envelhecer, e também gosto de pensar na eternidade, coisa que de certo modo, para ser atingida, temos que passar naquela portinha apertadinha, onde a obesidade do desânimo nos impede de atravessar. Mas temos que chegar lá, então não tenho medo de morrer, pois todos os meus medos acontecem apenas durante o tempo em que eu estiver vivo: sofrimento, dor, angústia, fome, etc. Estes medos são reais, mas o descanso solene, esse não. Mesmo porque, estou envelhecendo rápido demais. Não é opinião minha, mas dos espelhos que debocham de mim quando os enfrento. Morremos sempre que deixamos de sonhar, mesmo que seja pelos nossos sonhos que não chegaram a acontecer. Há quem morra em vida e passa anos nessa condição. Há quem viva esperando a morte chegar, com a boca escancarada sem nenhum dente mais. E há quem faça empréstimo da vida que corre em turbilhão, pela gritaria dos netos e palavreado chulo dos jovens, ou pelo prazer em delongas ao olhar o verde da mata, ou estasiar-se diante de um broto que rasga a casca dura da árvore, atento a cada detalhe, como se fosse o último de tantos que perdemos, porque o tempo não nos deu tempo, e avida nos tomou da vida, enquanto perdidos em nossas reminiscências, envelhecemos, a não poder mais.






domingo, 28 de julho de 2019

Romeu Dutra, Roberto Sperb, Rui Corso, A Freira que me odiava, e outros causos

***
....Foto: Arquivo pessoal


João Romeu Dutra, ou Romeu Dutra, foi o primeiro Secretário de Turismo de Gramado, efetivamente com esse título, porque antes disso havia o COMTUR - Conselho Municipal de Turismo, e se não estou enganado, seu último titular foi o antigo membro do Consulado Britânico, Mr. George Edward Fox, ou Mr Fox, pelos amigos, e "Tio George", pelos escoteiros. Já comentei isso aqui, e pouco sei da biografia dele, então limito-me a falar do que conheço sobre meus personagens.

Romeu Dutra era professor de matemática no Ginásio Estadual de Gramado, ou Ginásio Estadual Noturno, o GEN, quando duas novas turmas foram criadas para o turno matutino e para isso, também o temível "Exame de Admissão", já comentado também. E assim, já doidinho por desafios, lá estava eu, com nove anos de idade, disposto a assentar-me junto aos grandes nas carteiras (à época, chamadas de classes mesmo), para enfrentar o Ginásio, período que ia após o quinto ano do primário. O Ginásio era de quatro anos, e depois disso, o "Científico". Romeu então, era inspetor de uma turma, onde eu estava, durante a prova.

Como e não havia feito o quinto ano primário, senão durante três meses de madrugadas estudando com minha mãe, professora, evidente que tinha coisas que eu apanhava muito. Ninguém pode pular uma etapa da vida, e eu pulei muitas. Entrei na escola primária aos seis anos, quando a lei exigia que fosse aos sete. Mas eu era alfabetizado desde os três anos, ora bolas! Então pular etapas era minha especialidade. Só que não

Estando eu tomando uma surra da raiz quadrada, durante a prova, Romeu passava várias vezes por mim, e dizia, baixinho: A resposta ali é tal...eu olhava pra ele com cara de: "Mas quem esse metido pensa que é para me dizer a resposta? Aposto que quer ferrar comigo, me passando resposta errada. E ainda insistia: Tu não vai escrever? Eu só olhava, com aquele "não te conheço", carimbado na testa. E mesmo assim, acho que foi ele quem corrigiu as provas, e me fez passar. Mas isso é uma suposição, uma remota hipótese, pois prefiro acreditar que meu conhecimento em matemática aproximar-me-ia de Einstein, ou de um ancestral distante meu, por parte de pai, Don Adam Ries, o grande matemático, o que foi definitivamente desmascarado quando entrei no ginásio, e aquela freira ignorante, minha professora desta disciplina, jamais compreendeu a dimensão das respostas e de meus cálculos, que excediam, transbordavam sua capacidade de perceber a sutileza de um 9 em lugar de um 7 e um 4, por exemplo. E assim, me ferrei na primeira série, na segunda série...

Tinha ainda aquele professor que,  segundo reza a lenda, atirava bolinhas de ranho no ouvido de quem dormia nas suas aulas. Mas este não chegou a ser meu professor. felizmente.

Já o Robertão, Professor de Ciências, Roberto Sperb, pegou implicância com minha pessoa, mas nunca prejudicou-me nas notas por isso. E nem precisava, pois as macaquices, herdadas de minha avó, trilhavam meu próprio caminho quase diário pela porta da rua, pra onde eu era mandado.
- Cardoso!
-Presente!
-Não tou te chamando. Vai pra rua!
- Mas eu nem fiz nada (ainda), professor!
- É pra nem começar a fazer! Hoje tou com nojo da tua cara!
E eu ia, feliz, brincar lá fora. Às vezes, ele mandava alguém pra fazer-me companhia.

Rui Corso, era um professor, baixinho, meio gago, que vinha de Caxias do Sul, lecionar Geografia, em Gramado. Bonachão como ele só (todos eram, na realidade), quando me botava pra fora de sala, pedia desculpas.

Tinha ainda a professora que eu amava, pela doçura e bondade: Dona Elinor Sevante! Professora de inglês, finíissima, elegante, e bondosa Isso tudo na primeira séria, logo após o banho de conhecimento na prova do exame de admissão.

Mas, como nem tudo são louros e flores, os espinhos vem junto. Uma freira, belíssima, mas dura e fria como mármore, lecionava matemática. Não dava moleza. Não era má pessoa, mas tinha uma frieza matemática (combinou). Certa ocasião, lembro que o Papa Paulo VI, aboliu o hábito dos religiosos, tornou-o optativo. E assim, Irmã Fulana de Tal, que usava sempre um hábito cinza, fez uma enquete na sala, sobre a possibilidade de que largasse o hábito e passasse a usar roupas civis. Foi quase unânime, exceto UM aluno, cujo Cláudio Sartor deixarei de fora o nome, que votou pela permanência do hábito religioso. No dia seguinte, veio ela, belíssima...de minissaia! Dali em diante, minhas notas de matemática pioraram muito. Paciência, não se pode ver tudo ao mesmo tempo: Coxas brancas ou nota alta no boletim. Minha mãe não entendeu bem a queda das notas, que não eram boas, chegaram quase ao zero absoluto.  Ah, o desgramado Cláudio  continuou com sua coleção de notas altas no boletim. Acho que eu devia ter votado com ele, sei lá.

Desintoxicando a Alma - Os chás da "Tia Ilizia"





****

https://youtu.be/zJ5TpbCzd3Q


 Minha avó, Maria Elisa, tinha chá pra tudo. Chá de picão para os rins. Chá de "Erva de Bicho" para diurético. Chá de "Tanchagem (Tansagem)" como antinflamatório da garganta. Óleo de Capivara (que só ouvi falar, mas nunca a vi tomar), como fortificante, e para curar tuberculose. Ela insistia demais em tomar esse chá, nem faço ideia do porquê, pois tinha uma saúde de ferro, e nem resfriado pegava. Chá de flor de sabugueiro com avenca para a bronquite. Chá de "Paripariparova", chá de "Catinga de mulata", para fumentar um tornozelo virado, numa bacia com água quente e sal. Chá de cidró e "Massanilha" para sossegar o coração. Chá de folha de ameixeira européia (Néspera) como acompanhante de uma fatia de Pão-de-Ló com as visitas. Era muito chá. Chá de losna para problemas digestivos. Óleo de rícino para constipação, e tinha ainda o famoso Bálsamo Alemão, misturado em açúcar, mas sem beber água por uma hora, para prevenir todos os males de quem nunca se tinha ouvido falar.
Para tudo ela tinha um chá, uma receita, uma pomadinha, um emplastro de sabão com açúcar para furúnculos, tudo. Tudo tinha remédio. Tudo mesmo. Até para as dores da alma. Esta era a sua especialidade. Era conhecida nos quatro continentes, considerando que os quatro continentes ficassem a um raio de poucos quilômetros de sua casa. E nem só os chás, mas também os segredos para estancar a dor pela ferroada de um marimbondo, por exemplo. Certo dia, cheguei  em casa, aos prantos, porque o marimbondo havia ferroado meu bracinho fino. Imediatamente ela tomou uma bacia e me fez mijar dentro. Daí, com a mão mesmo, sem perder tempo, fazia conchinha com a mão, e esfregava meu mijinho no bracinho dolorido. Não sei quanto tempo levou, mas sei que hoje não dói mais, e nem lembro em qual braço foi.

Mas Maria Elisa, vulgo, "Tia Ilizia", sabia muito mais do que preparar chás ou curar ferroadas com mijo da própria vítima. Sabia ela, com sabedoria de gente velha, amaciar a dureza da alma das pessoas, e suavizar as dores do coração. Sabia porque entendia do assunto. Transferia sua própria dor para a panela onde fritava bolinhos, ou um feijão mexido, um "Tio Bento Ruivo" (farofa de ovo com farinha de mandioca), e na caneca onde preparava um chá de mate, feito com a erva do chimarrão, ao costume serrano de preparar. E desdas panelas, levava, em prato e caneca, ao paciente, que choramingava suas mágoas no canto da velha mesa de pinheiro. Enquanto comia e bebia, ela ia fazendo perguntas, e fazia com que a pessoa falasse tudo o que lhe vinha à lembrança, exceto o motivo da dor. Desta, maria Elisa tinha a perspicácia de pular a página, para as boas lembranças e bênçãos que receberam, no passado, os que choravam no presente, com medo do futuro.

- "O futuro, deixa que chegue sozinho, porque D-s (Deus) proverá!" - Dizia ela. A mistura do cozido com chá de mate, eram os chás que aliviavam a carga do desgosto de quem a procurava. Por vezes, nem procurá-la, era necessário, porque ela tinha uma percepção quase sobrenatural. Ela sabia ler expressões, e cheirava, com faro apurado, quando alguém guardava um soluço, por vergonha ou timidez.

- "Isso vai passar, meu filho! Deixe nas mãos de D-s!" - Ela repetia.
O "paciente" esquecia a tristeza, pelas risadas que ela arrancava, com suas palhaçadas e macaquices, e fazia isso, para que, sem perceber, fossem transferidas para ela, as nossas dores, pois ao final do dia, lá estava ela, soltando as tranças, de joelhos, citando caso por caso do que ouvira, e pedindo intervenção divina no caso. Suas orações eram intermináveis, pois cada vez a lista de pessoas aumentava mais a e mais. A gente passava perto do quarto, e ria de seu balbuciar quase audível: "Pscht, pscht, pscht, pscht...". E dê-lhe oração atrás de oração. Até que as duas tranças estivessem desfeitas, e entrava o pente em ação, e esfregada por esfregada, os longos cabelos brancos se transformavam num véu, caindo na altura da cintura, pois nunca foram cortados, e mais alguns instantes, a velha cama de tábuas, com colchão de palha, e só mais tarde, de espuma, abraçava-a por uma noite inteira do sono dos justos. O chá de cobertas servia para aplacar as suas próprias tristezas, e fortalecer seu espírito para o dia seguinte, que começava muito cedo, com mais uma rodada de "Pscht, pscht, pscht, pscht,,,".

PS* Ainda sobre chás, recordo que uma de nossas visitantes era a Senhora Amélia Kraemer, dona do laboratório com o mesmo nome, em Porto Alegre.
Dona Amélia, levava sempre junto duas coisas: Seu inseparável crochê, e uma sacola de frutas, e ao voltar, a sacola voltava junto cheia de cascas das frutas, que as enviava para o seu laboratório. Nada era desperdiçado.

Como posso confortar alguém que perdeu tudo numa catástrofe da Natureza?

É muito fácil confortar alguém, principalmente estando nós mesmos já confortados, seguros, e ilesos, então, sim, fica muito fácil orar, envi...