Hospital de Caridade Santa Teresinha
Onde tudo começa, pode ser também onde tudo termina. Um hospital é onde as dores e as alegrias se
fundem com a empatia pelo sofrimento, e o conforto pela generosidade podem acontecer. Eis o primeiro
hospital de Gramado: Hospital de Caridade Santa Teresinha.
Foi na década de 1920, que um empresário chamado Valentim Puhl, cujos registros se perderam em algum almoxarifado do tempo. É isso o que sei do início, mas do que veio depois, ah sim, isso eu vou contar.
Durante certo tempo, só havia este hospital no Quinto Distrito de Taquara, inicialmente chamada de Taquara do Mundo Novo, reduzindo para Mundo Novo, e depois, Gramado.
Um médico, alemão, chamado Dr. Ricardo Stürmhoeffel, que atuou em Gramado nas primeiras décadas do século vinte (saliento que não tenho compromisso com datas, mas com pessoas e suas casas, nesse livro), acredito que por sua influência, um sujeito chamado Valentim Puhl, do qual desconheço qualquer outra referência, senão pelas memórias de minha avó, maria Elisa Dias Cardoso, construiu o Hospital SantaTeresinha, que mais tarde, por conveniência fiscal, tornou-se uma associação filantrópica, e passou a ser denominado: Hospital de “ Caridade Santa Teresinha”.
A história contada por minha avó, não sei se é fiel aos falou ou não, mas como dizia ela própria: “Vou te
vender pelo preço que comprei!”, isto é, “serei fiel ao que conheço, do jeito que me foi contado.
Reza a lenda que o médico chefe era o Dr Karl Nelz, e que Dr Erico Albrecht era ainda residente de medicina, trabalhando como assistente de Nelz. Em um daqueles dias que as coisas não andam muito bem, por algum desentendimento, Nelz demitiu Erico, e continuou sozinho no hospital.
Passado certo tempo, e já formado, Erico casou com a filha de um importante empresário de Porto Alegre.
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Durante o período de graduação em Medicina, foi trabalhar como médico residente no pequenino hospital de Gramado, sob o comando do Dr Carlos Nelz. Por essas coisas da vida, houve, ao que contavam minha avó, um desentendimento entre eles, e Erico foi dispensado.
Pouco tempo depois, já formado, e casado, Erico recebe um presente pelo sogro, que mudaria sua vida e a vida de muitos: O Hospital Santa Teresinha, do quinto distrito de Taquara, a perfumada Gramado. E como é natural do Ser Humando, em suas desavenças, dessa vez, o demitido foi o Dr Nelz. Erico passa a clinicar e realizar cirurgias em seu novo hospital, enquanto Nelz atende em sua casa, até que a comunidade constrói, para que ele também trabalhe, o Hospital São Miguel, este, ligado à uma ordem religiosa.
Este empresário era fabricante de fogões, e muito abastado, e o presente de casamento ao casal, foi o hospital de Gramado. Assumindo, então, a direção do estabelecimento, Erico tem sua revanche, e demite Nelz, que passa a trabalhar, e atender seus pacientes, na sua casa. Por esse motivo, então, um grupo, da comunidade local, ligado à igreja católica, adquires um terreno, e constrói outro hospital, para ficar aos cuidados de Nelz. Nasce aí uma rivalidade que dualiza a comunidade até o fim dos anos 70, onde, ou você era atendido por Erico, ou era atendido pelos Nelz. Esta rivalidade, segundo lembro, estendia-se também no viés político. O certo era que, tanto os Nelz, quanto os Albrecht (Erico, e seu filho Theodoro Alexandre, Cardiologista), eram médicos de capacidade única, cujos pacientes jamais questionaram sua habilidade e empenho no serviço da medicina. Esta rivalidade beneficiou Gramado, e hoje, o local onde estava o Hospital Santa Teresinha, deu lugar a um condomínio residencial e comercial, porque a vida tem pressa e a civilização precisa de espaço.
Não quero aqui entrar nos detalhes, porque, como saliento, não sou historiador, e o objetivo desta obra é mostrar as casas e algum pitoresco de seus contemporâneos, nada além disso. Mas é isso que eu sei, porque me foi contado por quem sabia antes, e mais do que eu.
Eu tinha cerca de dezesseis anos de idade, e por convicção religiosa, de cunho pacifista, minha orientação era de não receber treinamento com armas, que ensinasse a matar, durante o serviço militar, e a única forma de evitar esse compromisso, sem deixar de servir à pátria, seria na condição de “enfermeiro”. Ora, naquele tempo, cair na água, e fazer “tchumbum”, era considerado um peixe, então saber aplicar uma injeção, e trocar um curativo, poderia ser perfeitamente um auxiliar de enfermagem, se tivesse recebido um cursinho breve para essa finalidade.
A organização religiosa á qual eu era filiado, mantinha hospitais famosos no Brasil, e um, no Rio de Janeiro, oferecia cursos de “Socorrista Padioleiro” que são aqueles soldados que passam pelas fileiras de feridos, juntando os vivos, e os carregando até à enfermaria de campanha, para que fossem tratados. Esse era o padrão aceitável de enfermeiro no serviço militar.
Decidido a fazer isso, procurei pelo Dr. Theodoro Alexandre Albrecht, Cardiologista, e filho do Dr Erico, que também atendia naquele hospital, e expliquei a situação. Ele ficou de falar com o pai dele, e me daria retorno na semana seguinte. Passados alguns dias, nos encontramos da piscina do Gramado tênis Clube, e ele confirmou que eu havia sido aceito, e deveria ir naquele mesmo dia, conversar com Dr Erico, em seu consultório. Em lá chegando, fui recebido amavelmente pelo velho doutor, que olhou pra mim e disse:
- “Quando você entra em férias no seu trabalho?” (Nesse tempo, eu era escultor no Artesanato Gramadense, e estava chegando o meu período de férias, mês de abril).
- “Segunda feira que vem, eu entro em férias, doutor!”
- Então quero você aqui na terça feira, com calça branca, camisa branca, cueca branca, meia branca, sapado branco, jaleco branco, unha cortada e “feita”, cabelo cortado, e banho tomado!”
Naquele mesmo dia, fui à loja e comprei tudo o que era preciso, e minha mãe costurou pra mim um jaleco do estilo Dr. Kildare, elegante, bem desenhando, e naquela terça-feira, cedo, eu apareci no hospital para trabalhar. Olhando pra mim com um sorriso de canto, perguntou:
- “Trouxe a mala com roupas?”
- “Não! Era pra trazer?:
- “Sim, onde você acha que vai ficar no próximo mês?”
E assim passou correndo aquele mês, onde aprendi de tudo o que um menino com dezesseis anos poderia aprender e fazer, em um mês, dentro de um hospital de interior, sob a supervisão de dois grandes médicos, e uma equipe de enfermagem chefiada pela enfermeira Inge Deppe, e sub-chefiada por Hilda Weber. Inge era formada em enfermagem, e Hilda era prática.
Desenho limpo dos hospitais
O Hospital
Construído com tijolos maciços, grandes, tinha os assoalhos dos três pisos de madeira, o que obrigava às pessoas a comedirem o andar, pois fazia um barulho insuportável para quem estava em convalescença, nos quartos espalhados pelo corredor.
Quando trabalhei lá, havia um avanço nos fundos, em direção ao norte, que era chamado de “Parte Nova”, mas falemos apenas da parte original, a que está retratada nas ilustrações.
Esta parte, era composta do térreo, que ficava abaixo do nível da rua em frente, e ao nível da rua lateral, que tinha um declive. Também tinha um sótão, com seis quartos, que ocupavam o sub-telhado, cujas janelas eram instaladas em “Gaiutas”. Cada gaiuta então, correspondia a um aposento. Foi no quarto de número nove, da gaiuta central, que meu avô, Assis Brasil Cardoso, expirou. Mas tem coisas boas aí tambe´m, pois foi nesse hospital que nasceu meu filho Michael. E assim foi lá quem nasceram penso que algumas milhares de crianças, muitos dos quais, estão lendo isso agora..
O Hospital foi construído em um tempo, e de um modo, que os problemas futuros foram deixados para o acaso resolver, e um destes graves problemas, era a drenagem. Como foi construído sobre uma bacia, de fundo rochoso, a água da chuva ficava empoçada debaixo do assoalho da cozinha e dos quartos das residentes. Muitas foram as vezes que ouvi o Dr Erico dizendo que daria um terreno a quem desse uma solução naquele banhado. Ninguém ganhou o terreno, e anos mais tarde o hospital foi vendido, e por fim, foi fechado, e o local foi transformado em um moderno condomínio.
A velha casa em estilo alemão, construída pelo Valentim Puhl, deu seu lugar à quem pudesse servir e resistir mais do que ele resistiu.
O velho “Hospital do Doutor Erico, será um lugar onde as lembranças de vida e morte se mesclam, e quem dele se recorda, tem uma história pra contar. Essa é apenas uma das minhas.
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Algumas pérolas do Hospital
A Noiva
Era voz corrente da equipe de enfermagem, que uma belíssima moça, vestida de noiva, costumava circular pelos corredores na parte de baixo, onde ficava a cozinha e os quartos das funcionárias, especialmente pela cozinha, e pela parte de trás, do lado de fora, onde ficava o necrotério.
Fui atendente de enfermagem por um ano, e em meus plantões noturnos, com frequência, trabalhava sozinho. Sabendo disso, pouco antes de se retirarem, elas se juntavam onde eu estava, e contavam lorotas escabrosas sobre a tal “noiva” passeadeira.
A bem da verdade, vi algumas pessoas passeando às escondidas, vez ou outra, mas parecia-me que a ideia de noivado nem passava na cabeça delas. Era só festa mesmo, confraternização, a dois.
Imagem de internet
Arcelino
Com raras exceções, quase sempre, a grande maioria da equipe de trabalho do Hospital, era feminina. Trabalhei lá duas vezes: Como atendente de enfermagem, e o administrador era Harry Wilson Fleck. E quando administrei o hospital, algumas anos mais tarde, com exceção do Arcelino, eu era o bendito entre as moçoilas. Arcelino cumpria as funções de responsável pelo jardim, e isso fazia com maestria, pois era um sacerdócio o seu zelo pela cerca viva de ciprestes, sempre bem aparada. Cuidava também de uma pequena horta de temperos, que atendia as necessidades da cozinha, e também ele, Arcelino, colhia os legumes que plantava. Também criava umas galinhas, mas apenas para coletar os ovos, pois Arcelino tinha um amor imenso pelos animaizinhos. Certa ocasião, apareceu com uma sabiá que tinha a asinha machucada, para que as enfermeiras tratassem do bichinho. Fazia coisas assim, mas tinha um gênio sinistro, quando era contrariado por alguma coisa. Não era sempre, era bondoso, gentil, cordato, e só perdia as estribeiras, quando mexessem com seus animaizinhos. Lembro que trabalhava conosco uma cozinheira, a Delfina, a quem chamávamos de Pina . Mão de anjo “ ” nas panelas, tanto que ela trabalhou comigo na primeira vez que estive lá, e depois saiu, mas quando voltei, na condição de administrador, fui buscá-la de onde estava, como cozinheira de um restaurante, convivi ela com dinheiro, oferecendo a metade do que ganhava naquele lugar, e ela aceitou correndo. Voltou a cozinhar pros doentes, e pra equipe do hospital. As coisas eram assim, no improviso, mas davam certo. Pois foi no dia em que Pina preparou o prato reforçado do Arcelino, e colocou nele dois rechonchudos pedaços de frango. Quando recebeu o prato, e viu o frango, olhou com desconfiança, mas não disse nada. E nem precisava, pois uma enfermeira muito debochada, que estava perto falou:
- Suas galinhas são deliciosas, Arcelino! Ai, pra que disse isso… Arcelino espatifou o prato na parede e queria matar a cozinheira, que se não fosse socorrida, o causo seria outro… No fim, deu tudo certo.
“Filho da puta! Filho da puta!”
Nunca ouvi o Dr Erico pronunciar um único palavrão. Era um homem elegante, polido, com um vernáculo prolixo, e dotado de muita altivez no trato com as pessoas. Até quando passava uma carraspana em alguém, era com polidez, com nobreza. Mesmo quando ria de alguma coisa, ele o fazia com muita polidez. Falava baixo, tinha voz grave, e uma perfeita dicção e jamais o vi dando gargalhas escandalosas. Jamais. E nem por isso, pedia seu bom humor, quase britânico, no modo de
expressá-lo. Então, ele não falava palavrão. Isto é, até o dia em que estava no ambulatório, tentando extrair um espinho de Sucará, uma árvore dura, cujo tronco é cercado de espinhos que chegam até quatro centímetros de comprimento, e que possuem fisgas, como um anzol, fazendo com que, uma vez
cravado na vítima, ele não deslize para fora, sem muito esforço e dor. Tanto é assim, que diziam que ele “caminha” na carne, ou seja, com o movimento muscular, o espinho avança, e por causa das fisgas, não consegue voltar sem intervenção. Assim, um espinho que entra no punho, pode, em pouco
tempo, estar cerca de cinco centímetros braço adentro, e só pode ser retirado por um método muito dolorido, de permitir que infecione o local, para que o ferimento abra e promova o expurgo do invasor, pois há ainda o agravante que o espinho mimetize, ou seja, assuma a cor do ambiente, tornando-se de
difícil localização. Pois foi na tentativa de extrair um espinho do punho de um paciente, que o doutor sai quase aos pulos, empunhando uma pinça, com um espinho na ponta, extraído, e berrando:
- “Filho da puta! Filho da puta!” Esse eu venci! E venceu mesmo. Foi aí que ele explicou o relato acima.
Aplaudimos e nos orgulhamos no nosso chefe cirurgião.
Imagem de internet
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Reencontro de irmãs
Os dias em um hospital são um tanto enfadonhos, tanto para os pacientes, quanto para seus acompanhantes, pois, embora sob efeito de medicamentos, em muitos casos, e por isso repousam, os acompanhantes ficam ao lado, contando ladrilhos, ou sentando e levantando, para acelerar as horas.
Não é incomum, que pacientes fossem passear pelos quartos, visitando outros pacientes, e confortando-os um pouco, também.
Numa destas tardes monótonas, uma senhora, que acompanhava o filho, recém operado, foi passear pelos quartos vizinhos, e travou amizade com outra senhora, acamada, e a prosa andou à lo largo, até que em dado momento, naquelas corriqueiras perguntas sobre origens de uma e de outras, deram por conta de que eram...irmãs, separadas por cerca de vinte anos.
Era comum, que as famílias pobres, do interior do município, com muitos filhos para sustentar, enviassem um ou mais filhos, para trabalhar como domésticas, ou em outras atividades, para os meninos, a partir de dez ou doze anos de idade. Foi o que aconteceu ali. E nunca mais souberam da filha. Não, até aquele momento.
Eu sei que foi assim, porque eu estava lá, e eu vi isso acontecer.
Um pouco de arte digital na história das nossas casas antigas
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Por ora, é isso.
Na próxima edição, irei contar uma história que estava escondida na lembrança de pessoas que não viviam em Gramado desde os anos 40. Você vai conhecer a história completa do Hospital santa Teresinha, antes dessa casa que é mostrada aqui.
Entrevistei a filha mais nova do casal que construiu este hospital, e pasme: Havia outro hospital antes desse. E tem imagens, belíssimas, confirmadas por testemunhas.
E aí, gostou dos causos?
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Em breve, estas histórias também, em vídeo e áudio.
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Um comentário:
Marlene Mews
Nos idos anos de 1960 ou 61, fiz neste hospital uma cirurgia de amígdalas peĺo dr. Érico. Foi algo assustador, pois era uma criança de uns 9 anos. A cirurgia com anestesia local e o instrumento usado parecia duas conchinhas que se fechavam e extraiam o órgão (que se chamava forceps). Foi algo apavorante , pois ao extrair a segunda amigdala a anestesia já havia passado. Mas graças a Deus sobrevivi, rsrs.
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