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domingo, 14 de julho de 2019

O Risca-faca da Rua do Pau-pega, e o Salão do Bate-Parma

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Os trejeitos povoeiros sempre foram um tema de interesse de minhas buscas para inspiração literária, e volta e meia, ouço algum destes, muitos dos quais me fazem embarcar em uma viagem ao passado, onde ouvi todo tipo de gíria (ou não), considerada vulgar, mas que ao cabo de tempos, consegui associar à linguagem matriz dos pioneiros de nossas terras. Somos ricos em vernáculo, e pobres em memória, não esta memória do que tomamos no desjejum, mas da memória que construiu nossa cultura. Não alimentamos estas memórias, antes buscamos desesperadamente aprender e assimilar novas gírias cibernéticas, para que não sejamos tomados por antiquados, amorfos, alienados desta nova civilização que está sendo formatada pelas mãos e não pela mente.

Mas o objetivo aqui não é criticar os novos tempos, e sim transitar pelos ditos que nos fazem rir, resgatados de priscas eras. Expressões entre prosas de varanda ao sabor do mate um de um caneco de café com mistura. Assim, começo pelo título deste ensaio, onde menciono o tal "Risca-faca da Rua do pau-pega", que ouvi recentemente aqui em Caldas da Imperatriz, acerca de um sujeito que recebe esta alcunha, e mora na rua supra mencionada, lugar que, presumo eu, deva ter histórias bastante pitorescas para recolher, e quando der coragem, vou procurar conhecer  tal rua, porque o "Risca-faca", segundo sei, já recolheu os pertences e foi repousar entre os justos, e os nomes ouvi justamente quando alguém contava a outrem, que o "Risca-faca" morreu.

Em Gramado, havia, lá nos tempos do Almanaque Kraemer, um pequenino salão de eventos dançantes, situado no porão de uma residência, a quem chamavam de "Salão Fumaça", ou "Salão do bate-Parma". Fumaça, porque à época, não era proibido fumar em lugares fechados, e "Bate-Parma", porque era costume no interior, que as moças ficassem de pé, recostadas à parede, e os cavalheiros, ao convidá-las para dançar, postavam-se à frente deles, e batiam palmas. Caso estivessem de duas, o afortunado deveria levar junto um companheiro, pois era indigno deixar uma senhorita de pé, sozinha. Bater palmas era um gesto elegante e um código social de boa educação. Pelo menos nestes bailes de interior. Eu mesmo, ainda  no despontar da puberdade, fui a bailes de interior, e seguindo o costume, postava-me à frente das mocinhas tímidas, e batia palmas. Funcionava. Conseguia o meu par para dançar. Pobres moças! Pisoteava-as todas. Mas ia-me embora feliz, gabola, e certo de que havia arrasado corações. Elas, com a certeza que tinham feito mais um de bobo. Enfim, saíamos todos felizes.

Não quero estar enganado, e se estiver, corrijam-me, que em canela (a pronúncia oficial de antanho era: "No Canela", assim como "No Gramado", etc), havia o tal "Salão-do-pau-do-meio", devido à uma rudimentar coluna que sustentava a parte superior da casa de madeira, também ambientando  festivas e galanteios, sabe-se lá de que modo. Eram, dizia-se, revistados, os cavalheiros, e caso não tivessem nenhuma arma de fogo, lhes era dado uma, para que "empareiassem" numa justa de bala. Falácia, mas muito bem descrevia o ambiente deveras hostil após certa hora, porque a cachaça encorajava alguns sujeitos a demonstrarem ali e naquela hora, o valor de um terciar de ferro, ou de um assovio de bala varando rente o chapéu do taura.

Eu mesmo, aos cinco ou seis anos de idade, em uma inocente festa de escola, num domingo ensolarado, vi um sujeito atravessar o salão, em direção a um bêbado, e enfiar-lhe uma carneadeira no bucho, deitando-o para a eternidade ali mesmo, na frente de todos. Aí encerrou a festa, e todos, em comitiva silenciosa, deixaram a escola e rumaram para suas casa. Eu junto. Só ficou lá, o morto, esperando que o Delegado o liberasse para o enterro. Mas isso não foi no Risca-faca e nem no Bate-Parma. Foi lá pelos lados da Linha São Paulo, interior do Canela. Tempos duras aqueles, como no Velho Oeste, sim senhor.

Levar um buléu, eu aposto que nove entre dez leitores, não saberão o que seja, embora já devam ter tomado muitos buléus na vida. Pois na linguagem mais povoeira, campeira, um buléu é um tombo, uma queda, um estabaco, e outros adjetivos próprios à época e ao lugar de onde acontece o tombo, mas eu gosto mesmo é de ouvir a palavra "Buléu", porque remonta minha infância, e a parentada que falava deste modo.

A casa mais falada, da qual desconheço uma viva alma que a tenha visitado, é a da senhora Joana, mãe de alguém, a quem também nunca conheci, mas ao que parece era uma pessoa muito cordata e de certo modo desleixada, porque qualquer ambiente desorganizado, ou sem o cumprimento das devidas regras de boa conduta, era imediatamente atribuído como similar à casa desta mãe, a tal Joana, e acho que até havia um certo clube de mães, porque muito ouvi dizer de um lugar quase escondido, porque nunca fui visitar, foi a tal casa da mãe do badanho. Ah, o Badanho, o cara que todo mundo sabia quem era a mãe e indicava a tal casa como destino de coisas às quais não saim dizer onde estavam. Pois se não sabiam onde estavam, certo é que deveriam estar num só lugar: a Casa da Mãe do Badanho. Pobre Badanho.

Mas badanho não era o único. Vivia lá pelas terras por onde andei, um sujeito de pouca estatura, que andava de cabeça baixa, boné enfiado sobre as sobrancelhas, muito bom companheiro de prosa chimarrão, contador de causos, e que falava meio que, como estivesse falando num canudo, esticando o bico, e com grave entonação, voz grossa mesmo, fazendo bico quando falava. Não sei o nome, e mesmo que soubesse, não diria, mas o apelido do varão era: "Fióudaputa". Pronunciava assim mesmo, pois era como ele pronunciava a expressão, a quem chamava à todos, daí retornar a si o apelido. E apelidos haviam muitos. Um deles é o "Mínti", um descendente germânico, que morava lá pelas redondezas de outro lugar por onde passei. Pois a mãe do "Mínti" era muito severa, braba mesmo, por assim dizer. Andava ligeiro, elétrica, de um lado a outro, cuidando das lidas do rancho, enquanto a piazada brincava do lado de fora. Mas lá pelas tantas, ela ouvia alguns gritos, próprios de onde tem gurizada jogando barrucha, e enfiando a cara na janela, berrava pro filho, com voz autoritária:

- "Mínti! Passa pra dentro!"
Minti, só levantava a cabeça e respondia:
- "Ah, Vai tomá no cu da senhora!"
Respeito é respeito. E o jogo seguia firme.




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