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domingo, 30 de janeiro de 2022

A morte do Teiú e o marasmo da vida

O lagarto Teiú é muito comum pelas matas, e até pelas áreas arborizadas das cidades. Aqui mesmo, onde moro, tem uma pequena reserva de mato, e nela há um lindo bioma, com animais silvestres e aves, como: Cotia, Saguís, Araquãs, saracuras, Gralhas, Pica-paus, Gaviões, e como diz o título desse ensaio, um volumoso Lagarto Teiú. Isso tudo eu posso ver da minha janela, ou do alpendre de meu apartamento. Se descer um pouco, e andar cerca de trezentos metros, ao sul, estarei na borda do maior mangue urbano do mundo, o Mangue do Itacorubi, onde somos privilegiados pela existência de um Jardim Botânico, e passeios, caminhos, passarelas, pontilhões, dentro do próprio mangue, para deleite dos naturalistas e biólogos, e ali encontraremos todo tipo de espécies selvagens que possam habitar um berçário marinho, como Jacarés-Açus, garças, cegonhas, caranguejos, peixes que desovam e nascem ali, e até mesmo, de vez em quando, como hoje, e outro dia dessa semana, temos o espetáculo bélico de helicópteros à caça de fugitivos de uma penitenciária distante a cerca de dois quilômetros daqui, cujos detentos, vez por outra, entendem que embrenhar-se no mangue, a enfrentar serpentes e jacarés, lama até à cintura, seja menos nocivo do que apinharem-se entre outros perigosos apenados, no cárcere estadual.

Mas fiz essa abertura para falar apenas do Lagarto Teiú, um bem apessoado réptil, com um sorriso enigmático e andar vagaroso, lambendo o tempo à procura de comida. São animais dóceis, não do tipo de pegar com a mão, que não se deve fazer com nenhum tipo de animal selvagem, mas de proximidade com os humanos. Quando morava em Gramado, eram frequentes as visitas de algum Teiú em frente à porta da casa, porque sabia que as crianças se divertiam vendo-os correr atrás de umas bagas de uva com agilidade desengonçada, fazendo a cauda balançar de um lado a outro, no movimento dos quadris gorduchos, e ao alcançar as bagas, comiam de maneira pouco elegante, e divertida. É por estas razões, que acho os Teiús muito divertidos. Lembro até de um Teiú que vi, correndo de pé sobre a água, como se caminhasse sobre uma campina, algo quase sobrenatural. Estes são os Teiús. É assim que os vejo: ágeis, versáteis, bem resolvidos e corajosos. Quase todos.

Pois aqui acontece a grande interrogação de meus passeios por terrenos pouco dantes caminhados, onde e quando encontrei em um barranco de uma rua nova, os resquícios de uma tubulação antiga de água, que descia da antiga propriedade do extinto Parque Knorr, uma outrora paradisíaca estação de prazer e beleza que hoje não passa de uma caricata loja de horrores travestida de parque infantil, sem nenhuma poesia nem encantamento, cujo portão jamais terá a marca de meus rastros, como tantas vezes teve, nos suaves e turbulentos anos de minha juventude, e foi nos limites desse saudoso terreno, que vi o tal cano cortado a uma altura de um metro do chão da estrada nova, e na boca desse cano vi uma cena que até hoje traz-me reflexões profundas sobre nossas indecisões diante dos obstáculos da vida: Vi um Teiú delgadinho, filhote, com cerca de um palmo de comprimento, e outro de cauda, com a cabeça voltada para baixo, em direção ao chão de um metro de altura... morto!

Deduzi com clareza que o animalzinho tivesse entrado por outra ponta do cano, um bueiro, andado até o lugar onde havia sido cortado, e, inseguro de pular dali à altura, que na sua matemática de lagarto fosse quase um himalaia, mortal e traiçoeira. Não era. Era apenas um metro, e o chão lá embaixo, era terra macia, que bastava um pulinho e ele sairia correndo a procurar bagas de uva ou pequenas larvas para comer, porque o que havia atrás de si era ainda mato, praticamente um supermercado para os lagartos Teiús.

Tem tempos na vida em que somos como aquele Teiú. Entramos em túneis escuros, e o que parecia luz no fim, era uma saída que exigia uma corajosa tomada de decisão: Pular para viver. O Teiú não pulou, e nem voltou atrás. Morreu de inanição. Morreu por falta de esperança. Morreu porque não sabia calcular as probabilidades de sucesso. Morreu porque estava só. Não havia perigo algum do lado de baixo. O perigo estava no medo de tomar atitude. Ele não tomou. E eu o vi ali, morto, imagino que havia poucas horas, porque não ousou a liberdade.







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