Pois às vezes, cavouco na lembrança, um causo de priscas eras, mas verdadeiro, sempre verdadeiro, apesar do pitoresco que o embala, e não é dessa vez que serei falto com a verdade, ao relatar-lhes, tal como aconteceu, o causo do porco de vento, onde fui protagonista conivente para com o feito. Eis o relato.
Corria o ano da graça de N. S. J.C., de 1984, se não há de faltar-me a memória, onde, em situação tal, de "fritar bustica para comer bolinho", bicudos aqueles tempos, dividia eu, uma sala de trabalho, com dois outros comparsas, um engenheiro, e outro afeito à nobre arte da arquitetura, e eu, este humilde escriba, que desenhava desenhos para suprir os legumes da sopinha de meus pequeninos rebentos à casa.
Eram tempos bicudos, já o disse, enfarruscados mesmo, porém, não envidarei esforços para louvar tais situações e tempos, porquanto avivam nossa imaginação, uns para coisas boas e outros, para feitos nem tão louváveis quanto os bons modos o exigem.
Eis que, no dito ambiente, havia certa movimentação em um bailado de entra-e-sai de indivíduos que ali compareciam com o real intento de fazer negócios, ou de encomendar nossas habilidades em antever suas edificações sobre papéis, repletos de linhas e números, ao que denominávamos: "projetos".
Então, segundo o preâmbulo anunciado, contarei o fato.
Corria o dia, e o arquiteto, encomendou-me minha especialidade, que era o desenvolvimento de épuras, vulgarmente conhecido como: “Perspectiva”, uma apresentação gráfica de um plano, onde distingue-se com certa habilidade visual, a terceira dimensão dos elementos, hoje tão facilmente encontrada em aplicativos nestas máquinas que seriam queimadas durante os tempos sombrios, como se obras de bruxaria ou coisa ainda mais malévola, intitulada de “computador”. Porém, por excelente misericórdia divina, eram minhas habilidosas mãos, conectadas à um lápis, e uma delicada pena de aço, suprida à tinta indelével proveniente do Oriente, denominada de: “Nanquim”, quem preenchiam os vazios do papel, e devolvíamos em forma de retrato de uma casa, ou um ambiente de interior.
Pois, na negociação pela justa paga de meus serviços, acertado foi deste modo:
Tanto em espécie (dinheiro), mais um porco, pelo restante!
Ora! Mas como é que um judeu convicto poderia comer um porco, se minha religião abomina tal iguaria. e se não fosse comê-lo, por que matá-lo, mas se não fizesse dele toicinho e banha, como conservá-lo, uma vez que minha senhora, bastante conservadora quanto a certas práticas, não permitiria que eu levasse o animalzinho para tê-lo como companheirinho de leitura, ou brincadeiras com os miúdos, a quem sempre tive orgulho de chamar de filhos? Não! Certamente o porco não iria para meu lar. Porém, pelos termos do negócio, o porco já era meu.
O cálculo do porco era avaliado pelo seu peso, ou provável peso, no momento do negócio. O detalhe, porém, é que eu não vi o tal porco, uma vez que negociávamos como em uma bolsa de valores: na confiança do vendedor. Calculamos meu leitãozinho então com cerca de uns vinte quilos mais ou menos.
Passados alguns dias, fechei negocio com outro arquiteto, e passei o leitão nos cobres, naturalmente, reservando uma parte em dinheiro, pelo meu trabalho, e também adicionando um pequeno ágio de uns três quilos ao porco. Saiu da sala, então, um feliz proprietário de um leitão. Mas como disse, o leitão estava em um sitio, lá em Três Coroas, aos cuidados de um sócio de quem me vendeu o porco.
Como sempre gosto de dar atenção ao pós-venda, tomei conhecimento que o arquiteto vendeu o porco, com um certo ágio, a outro prestador de serviços, e nessa altura, creio que o porco teria já uns 35 quilos. Muito bom para um banquete em família, contanto que não seja judeus, adventistas, ou muçulmanos. Mas não eram, para tristeza do porco, que segundo a menininha que contava historinhas dos três porquinhos, logo, logo, viraria "carrrne".
Mas deixe estar, que não termina aqui o causo, pois o tal empreiteiro, devia ao primeiro arquiteto, o que havia me vendido o suíno. E fechado negócio, e como justo fosse, vendeu o porco, pela quantia aproximada de quarenta quilos.
Eis que, deixando passar mais uns poucos meses, e chegando o Natal, meu amigo, arquiteto, que nesse tempo não tinha um automóvel, mas movimentava-se muito bem com veículo ciclomotor, ou comumente chamado de “Moto”, convidou o segundo personagem desse relato, o outro arquiteto (era estudante de arquitetura na verdade, mas deixemo-lo como arquiteto, que soa melhor à sua pessoa). e juntos foram à Três Coroas, resgatar o porco.
Fico imaginando na cena, onde contar-se ía três numa moto: O Piloto, o carona, e entre eles, a simpática silhueta do tal porco. Com 40 quilos.
Lá chegando, foram informados que o dono do sítio havia vendido o lugar, e fora morar em outro lugar.
- Mas certamente deixou-nos um porco, a ser resgatado, pois não?
- Não senhor. Somos vizinhos dele desde que chegou aqui, e nunca criou porco algum nesse lugar.
Tenho que dizer que aquele foi um triste Natal naquela família. Na esperança de comerem um porco, nem peru havia. Nem um frango. Um tico-tico que fosse. Só rabanadas de pão dormido.
Gostou do causo? Pois no livro abaixo (clique para comprar), tem 99 causos desse tipo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário