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sábado, 1 de fevereiro de 2025

Endomerges













Image: AI

 

Endomerges acordava todos os dias pontualmente às quatro da manhã. Nada incomum, muitos fazem isso. A vida corrida de quem trabalha muito e ganha pouco exige que se levante às quatro e vá dormir à meia-noite e tanto. Conheço muitos que vivem assim. Endomerges também vivia. Mas havia algo peculiar nele: acordava nesse horário apenas para tomar um chá de maracujá… para dormir.

Não, ele não sofria de insônia. Pelo contrário, tinha sono profundo e precisava de um despertador para acordar. Assim que despertava, preparava o chá e voltava a dormir.

Mas Endomerges não parava por aí. Religioso, fazia jejum semanalmente. E, ao fim de um dia inteiro sem comer nem beber, tomava um estimulante de apetite. Então, comia. Se empanturrava. E, logo depois, tomava outro remédio — para perder a fome. Tomava junto das refeições, para não “bater” no estômago vazio.

Já mencionei que Endomerges era religioso? Pois era. Acreditava que deveria acreditar. E nisso, cria piamente. Era devoto até. O problema era que não sabia exatamente em quê acreditava. Então, convencia-se de que deveria crer para, quem sabe um dia, acreditar melhor. Não era apenas um crente, era quase um fanático. Defendia com unhas e dentes (postiços) a devoção ao crente desconhecido.

Tornou-se dizimista e começou a arrecadar fundos para construir uma catedral da crença absoluta. Mas era uma seita secreta. Ninguém poderia saber. Por isso, apenas ele contribuía com ofertas generosas… e as guardava embaixo do colchão.

Discursava em silêncio, movendo apenas os lábios, em um lugar discreto e escuro, para não ser traído por leitores de lábios. Sempre tapava a boca com a mão ao falar. Mas havia algo que o frustrava: como não falava em voz alta, nunca conseguia escutar o próprio discurso. Saía das reuniões consigo mesmo sem entender nada. Ainda assim, mantinha a esperança de que, na próxima vez, seria ouvido. E também ouviria.

Endomerges não era infeliz. Pelo contrário, era alegre, extrovertido e simpático. Mas silencioso. Evitava manifestar emoções para não expor sua intimidade. Nem mesmo olhava no espelho, com medo de se reconhecer e, assim, trair a si mesmo. Afinal, nunca se sabe com quem estamos compartilhando nossos segredos.

Endomerges, no entanto, não guardava segredos. Doara todos aos pobres. Ou melhor, a um único pobre: ele mesmo. Mas isso ninguém sabia.

Afinal, Endomerges era único.

Ou não?


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