Demerval não era cego. Demerval não era louco. Demerval sabia exatamente o que acontecia na sua vida, a começar pela casa onde morava. Ou melhor, a casa da sogra.
Nos tempos bicudos em que vivia, com o salário de professor de geografia em uma escolinha pública, Demerval sabia que era um abençoado por ter onde morar sem pagar aluguel, condomínio ou IPTU. Por isso, nunca reclamava. Tinha uma rotina rígida: chegava sempre no mesmo horário, saía na mesma hora e comia as mesmas coisas. Sempre. Todo dia. Exceto aos domingos, quando a sogra preparava salada de maionese, carne de panela e spaghetti. Afinal, ele morava na casa dela.
Mas sua sogra não era ruim. Pelo contrário, era uma mulher excepcional. Diferente do conceito pré-definido que se costuma ter de todas as sogras. Ainda jovem, esbelta, bem cuidada, fina e delicada. Suas mãos continuavam macias, a pele firme e o sorriso encantador. Um sorriso que não era qualquer sorriso. Sorria com o olhar, sorria ao andar, sorria no silêncio. E Demerval percebia isso. O que o fazia sorrir também, com um orgulho discreto.
E assim os dias de Demerval se passavam. Embora vivesse na casa da sogra, a doçura dela o fazia feliz. Sim, Demerval era feliz. Mesmo depois de ter sido deixado pela esposa há mais de cinco anos. O que lhe restara era o verdadeiro amor de sua vida: a sogra.
Ela tinha sido sua professora no primário. Sempre linda e meiga. Um encanto. Aos oito anos, Demerval ousou pedi-la em casamento. Ela respondeu com um esperançoso "talvez, um dia". E ele acreditou.
O tempo passou. Ela se casou... com outro. Um homem mais velho, rico, dono de um carro. Demerval, na época, só tinha uma bicicletinha aro 24. Não havia como competir. Mas ele esperou. O tempo, afinal, era o senhor da razão. Choveria na sua horta.
Os anos seguiram seu curso. Demerval nunca se casou. Sua professora teve uma filha. Uma menina linda, loira, de olhos azuis, que cresceu e se tornou uma mulher deslumbrante. Atrevida, levada, cheia de vida. Tudo saía conforme o planejado por Demerval.
Ele era um homem maduro, cheiroso, educado e já conhecido desde a infância pela professora. Nada mais perfeito. Com o tempo, depois de muitas flores, presentinhos e gestos gentis, casou-se com a filha da sua professora.
Um gentleman. Um impagável cavalheiro. Cavalheiro demais. Cercava a esposa de flores, mas ela queria mais. No âmago da sua juventude, ansiava por emoção. Ele dava presentes — para a esposa e para a sogra. Convidava a esposa para jantares românticos à luz de velas: ele, ela... e a sogra.
A sogra adorava. Aquele menino de ouro não a enganara. Doce e cavalheiresco, como sempre fora desde a primeira série. O genro perfeito.
Mas não era o marido que sua filha sonhara. Não que ele falhasse em suas obrigações. Pelo contrário, era pontual, servil, gentil e delicado. Até que um dia, a esposa não aguentou mais e foi-se embora. Queria mais. Queria aventura. Queria um homem normal.
Puxa vida. Por que ele não podia ser só um pouquinho como os outros? Deixar a cueca jogada no corredor, as meias na mesa de jantar, arrotar, roncar, dizer palavrões. Por que ele não errava pelo menos uma vez para que ela tivesse o prazer de jogar tudo na cara dele?
Mas não. Demerval era metódico. Matemático. Amoroso. E nem queixar-se à mãe podia, porque diria o quê? E para quem? Então, foi embora. Ferida na sua dignidade, deixou apenas uma carta de despedida... em branco.
E Demerval ficou só. Com a sogra.
Não, ele nunca mais ousou pedi-la em casamento. Ela já havia dito seu "talvez". E esse "talvez" era a certeza de que Demerval precisava para ser feliz. Mesmo que ao lado da sogra.
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