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sábado, 10 de novembro de 2018

Municipalizar a água e o saneamento de Gramado - Será que Fedoca aceita este desafio?

Pacard

Para entender minha teimosia no tema, leia o post anterior,onde aponto (o que todos sabem) alguns problemas e desafios gerados pelo despreparo da CORSAN em gerir a água potável de Gramado, por razões que explico lá. Vamos adiante então. Lanço aqui um desafio para que Fedoca, Prefeito de Gramado, que tem muito poder e influência e que pode sim, manifestar-se acerca da solução definitiva da questão hídrica de Gramado. Vejamos alternativas:

Penso que o contrato de fornecimento de água para o Município de Gramado não seja tão indevassável que não seja encontrada alguma cláusula que demonstre com limpidez que a CORSAN descumpre sua parte ao permitir contumazes fechamento das torneiras, por não ter capacidade de suprir a cidade com seu produto, que é água potável. Ora, não é preciso entender de Direito, para saber que o descumprimento de uma cláusula de um contrato, dá direito ao encerramento deste contrato e sem direito à indenizações, haja vista que o descumprimento por uma das partes dá à outra este direito, e mais, poderá ela, a parte rescindente, ser indenizada por danos à saúde pública. Mas deixemos por isso mesmo e vamos seguir adiante, sem caça às bruxas. 

A urgência de um plano estratégico para abastecimento hídrico e manutenção do saneamento, além da despoluição dos arroios de Gramado, parece-me ser o grande desafio que poderá mudar o histórico da gangorra de Prefeitos que passam o chapéu aos governos estaduais e junto deles, à fornecedora de água potável,portanto estrategicamente sensível e poderosa, e que faça este Prefeito, se coragem tiver, e que municipalize a água, e mais que isso, elabore projetos que modernizem o abastecimento, tornando Gramado não apenas na mais bela cidade o Brasil, como aquela onde se bebe, na torneira, a mais saborosa água do mundo. Acho que esta pressão fará bem a Fedoca, como aos Vereadores, que tem poderes limitados junto á CORSAN,mas ilimitados recursos de pressão junto à Comunidade.

O desafio vai também aos líderes empresariais, comunitários, e sobretudo aos militantes de todos os Partidos que pleitearão a cadeira de Fedoca em 2020. 

Quem aceita este desafio? Eu já aceitei e estou colocando meu nome e meu teclado a serviço deste projeto.

CORSAN e a Água que Gramado não tem

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Sabe aquelas pessoas que nunca fizeram nada que os distanciassem da mediocridade na vida,e um dia se infiltram numa pequena cidade do interior, tentando domesticarem os nativos? Gramado está cheio desse tipo de gente. É só procurar. Pois não é meu caso, porque até de "fake" já fui chamado. Até hoje há quem acredite que eu nem exista, que seja um personagem oculto de um político local, manipulado e manipulando os políticos, para mobilizar ou influenciar a opinião pública com opiniões que levem as pessoas a pensarem nesta ou naquela direção. Nada mais estúpido que isso, pois, em primeiro lugar, sim, eu existo, sou gramadense de alma, história e coração, e mantenho vínculos fortíssimos com pessoas notáveis desta cidade, e quando digo notáveis,não estou falando da importância social ou poder político ou econômico,mas de caráter, de discernimento,e sobretudo de lealdade aos amigos. Não moro mais em Gramado, por contingência da vida, que nos conduz a lugares que a geografia teima em distanciar de um lugar a a outro,mas nem por isso sou menos gramadense que minha avó, que nasceu, viveu 85 anos na cidade, para repousar os dez anos seguintes em outro lugar, até seu repouso temporário  da vida, na espera da ressurreição. Da mesma forma, que pessoas que chegaram há certo tempo, e estabeleceram ali suas raízes e sentimentos, e são tão gramadenses quanto qualquer outro que viva dentro ou fora dos limites do município. Dito isso, falemos da água que não tem.

Água será, segundo futurólogos (que nada tem a ver com profetas), cientistas que analisam as condições do mundo, suas movimentações, e de acordo com o soprar dos ventos da história, projetam possibilidades de mudanças no comportamento humano e ambiental, e com base então nestas possibilidades, dizem eles, que o motivo da esperada, mas indesejada terceira guerra mundial, será pela posse da água. Isso mesmo. A água, somada à energia e alimentos, serão os três pilares que darão grande poder à quem os dominem, e uma mostra disso é o assim chamado, "Aquífero Guarani", uma gigantesca reserva de água potável submersa,portanto de intensa pureza, que abrange uma área de 1.2 milhões de Km2, e está situada em quatro países, sendo a maior parte submersa em território brasileiro. Mas, não, Gramado não está sobre o Aquífero Guarani. No entanto, possui reserva ainda inexplorada de água potável suficiente para abastecer a si mesma, e ainda que parte dela esteja a céu aberto, como no caso do Lago dos Pinheiros, um esgoto mal calculado desde o seu projeto original, Gramado tem condições e mais que isso, tem necessidade de pensar com urgência na água que o povo e os filhos e netos do povo irão beber. Gramado pensa no brilho dos espetáculos do Natal Luz, pensa na pavimentação das ruas que levam às colônias, pensa na mobilidade urbana, investe milhões (que somam-se ao longo dos anos, em bilhões de Reais, porque tem a Prefeitura, uma receita de causar inveja a muita cidade de médio porte, em eventos, arquitetura, paisagismo, urbanismo, meio ambiente, tudo o que possa ser calculado por um Corretor de Imóveis, mas deixa a sua verdadeira fortuna nas mãos de uma autarquia comandada por políticos de ocasião (aqueles que não conseguem se elegerem mas mesmo assim ganham de presente por quatro anos, seus cargos bem pagos), e à técnicos que tem todo o Estado para tomarem conta, e Gramado não passa de um alfinetinho nos mapas surrados pendurados em paredes antigas, onde de novo só tem as cadeiras giratórias,e a plaquinha com o  nome em cima da mesa.

Gramado deixa construir prédios gigantescos, hotéis, restaurantes, bares, parques temáticos, tudo que gera receita, empregos, riqueza social, e bem administra isso  tudo, mas deixa que uma autarquia pobre de um Estado falido, determine quem vai ter e que não vai ter água, quando e em que quantidade, e se a lei não mudou, se você optar  por não usar a água oferecida pela estatal, mas abrir uma cacimba, ainda assim terá que pagar a taxa, e terá que obter licença desta estatal para perfurar seu poço artesiano ou não, ou seja, paga por ter cachorro e paga por não ter cachorro, paga por usar a água e paga por não usar a água que eles oferecem.

O que mais me preocupa nesta questão é que, desde que eu participo da vida política de Gramado (ainda que indiretamente), eu tenho visto brigas homéricas entre a estatal, utilizada como mecanismo punitivo para desafetos políticos, e que os personagens, ainda que temporariamente beneficiados, se deixam encantar pelas cantilenas de sereia que o poder oferece, e usam (ou são usados) pelos dirigentes da autarquia como peças de um tabuleiro, onde uma benesse de uma adutora, meia dúzia de metros de canos em uma viela carente, ou qualquer outro tipo de afago desse tipo, faz mudar o  cenário de uma eleição.isso vem acontecendo ano após ano, e entra governo, sai governo, parece que tem um livro de estratégias que ensina a dominar este ou aquele lugar por meio do pinga-pinga de uma torneira. Será que Gramado,por ser Gramado merece mais atenção que outros municípios? Não! E nem menos também. Mas água na torneira não se trata de merecimento, aquele biscoito que se dá a um animalzinho por sua obediência. Será então que a CORSAN não tem como ampliar seu atendimento e está no gargalo, igual ao restante do Estado? Não sei. Não tenho acesso à sua contabilidade nem seu planejamento estratégico, e desconheço seus dirigentes (embora sejam mudados, mas a estrutura permanecerá, assim como suas deficiências também), mas conheço as notícias contínuas e continuadas de que Gramado sofre pelas torneiras secas. E vai sofrer muito mais se não forem tomadas urgentes medidas para mudar esta amarga e árida perspectiva.

Devem urgentemente serem convocadas as forças ativas e proativas de Gramado, a começar pelo Prefeito, pelos Vereadores, pelo Sindicato dos Hotéis e Restaurantes, pelos demais órgãos que são atingidos pelo problema, para repensarem estrategicamente o abastecimento de água de Gramado para os próximos 50 anos. E quando falo de abastecimento, falo de tratamento sanitário também. Tarefa que a CORSAN empurra com a barriga desde que o problema começou, lá nos anos 70. Claro,poderiam alegar que o crescimento sem planejamento da cidade os encurralou no mau cheiro dos arroios, só que esquecem de dizer que teriam prerrogativas de negar licenças para que tais obras fossem feitas. Então, sim, Gramado não pode depender mais da CORSAN para sacia a sede e lavar a roupa de seu povo.  Não podem as autoridades e o empresariado lavarem as mãos para o problema, antes que se torne irreparável. A hora é essa. Gramado tem que contratar urgentemente um ou mais especialistas em planejamento estratégico, não apenas para urbanismo e mobilidade, mas para manutenção da própria existência, para sua autossuficiência em água potável, acessível à todos.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

O Belo,o Feio, e o Poder (Ensaio sobre a caneta e as escolhas)



Conhecido meu costumava dizer que gostava de andar com feios, para sentir-se lindo. Também dizia que eu era um cara legal, e que sentia-se honrado em ter-me como parceiro de farras. Prefiro pensar que tenha sido o meu carisma que me agalardoasse com sua amizade, e não os atributos estabelecidos por ele para escolha de seus pares nas aventuras doidas pelos bailes da juventude.

Os tempos são outros, mas sempre ao lado de um medíocre, há uma corriola de gente ainda mais medíocre, e apenas os sábios sentem-se seguros entre outros sábios. Não é incomum que o poder chame para si quem seja adestrável, e não quem tenha ideias, e que as saiba executar. Não é incomum que a mediocridade abarrote palácios, e que a sabedoria se esgueire pelas sombras para proteger-se das pedras dos que estejam no poder e não suportariam a ideia de ceder espaço a quem seja melhor.

Quando eu trabalhava com Design, eu viajava pelo Brasil, visitando fábricas e elaborando coleções para atualização de seus mostruários de produtos. Tinha uma regra que me acompanhava sempre: "Qum me coloca na empresa é o CEO, ou Presidente, mas quem me tira de lá é a Tia do cafezinho, se eu pisar na bola". Isso era verdadeiro, pois no setor moveleiro, é sempre o dono da empresa, o comandante maior, que chama para si a atribuição de contratar um profissional, mas faz isso e sai de perto, lá no meio da produção, com todos olhando de canto e com sangue no olho para ver cair o intruso, que chegou para mudar suas rotinas, e criar coisas que eles talvez não sejam capazes de produzir, tornando-os dispensáveis, e então, facilmente enfiam um grampo ao contrário numa máquina, e esta irá emperrar já na primeira peça da nova coleção. Fim! Contrato desfeito, se o profissional não tiver jogo de cintura para administrar a sabotagem, e sair ileso do contrato.

O medo do novo, o medo de não saber administrar o contraditório, faz gerar a tirania, ainda que velada pela hierarquia, e não raro percebe-se uma penumbra viva das luzes que se apagam, porque a necessidade do ganho é maior que a capacidade de ser melhor. É muito comum que haja nas corporações um limite de crescimento, necessário, certamente, mas quando se trata de limites, trabalhamos com os dois lados do pêndulo, onde um que pode mais excede o peso da mão sobre o que pode menos, e assim, castra a iluminação das ideias, que seriam mais que ideias, se administradas em lugar de serem castradas. Isso que é o gestor incapaz de ter ao seu lado mentes brilhantes, porque vê-se ele próprio emasculado diante dos demais, e sua natural reação será a de fazer silenciar o invasor de ideias.

A caneta tem o poder de fazer um Ministro, um Secretário, um Chefe de seção, mas nenhum poder tem sobre uma mente iluminada, a não ser de apagar seu brilho pelo constrangimento, pela coação, pela ameaça, ou ainda pior, pelo cumprimento destas ameaças.

Minha utopia não é viver em um mundo onde os dias sejam ensolarados com uma brisa constante, ou as noites enluaradas, com o frescor dos perfumes do campo, mas um lugar e em um tempo onde a luz seja usada para mostrar o brilho de seu entorno, e a escuridão seja para aquietar corações, apenas aquietar corações. Minha utopia se estende ao poder público, mas também a cada pessoa que tem diante de si outra pessoa que pense diferente e seja capaz de expressar-se sem medo de que a ambição desmedida do outro o faça calar a alma definitivamente.

O belo que precisa de um feio para sentir-se mais belo, não teria coragem de olhar-se no espelho, pois correria o risco de desejar sua própria companhia, ao descobrir-se mais feio do que realmente pensa que é.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Ninguém precisa de heróis. O que todos precisam é SEREM heróis!


Eu não preciso de heróis. Eu preciso é SER herói. Todos os dias. Preciso dar bons exemplos para os meus filhos, todos os três. Meus netos, todos os quatro. Ser generoso com os necessitados, paciente com os chatos, assíduo com meus compromissos, fiel aos meus princípios, e praticar inconscientemente, sem pensar em retorno, em todas as demais virtudes que deveriam ser naturais a todo Ser Humano. Isso é ser herói.
Não tenho heróis, porque heróis matam e heróis morrem. Não quero matar, e não preciso facilitar minha morte. Não preciso cultuar heroísmo nos outros, para não comprometer o meu próprio heroísmo em sobreviver e participar da sobrevivência de outrem. Então, meus heróis não pendem para a direita nem para a esquerda, nem tampouco ficam se esgueirando pelas metades de cada lado. Meus heróis são valores e não pessoas. Então, sendo assim, nem eu mesmo posso ser herói, mas posso aflorar heróis em minha conduta. É assim que penso demonstrar heroísmo aos que isso esperam de mim.

sábado, 1 de setembro de 2018

Apolônio Lacerda - Um entardecer no Bassorão, com Revirado de Cuscuz


Pous pensem naquele dia cinzento, domingo lá pelo meio da tarde, o bolicho fechado, não fazendo frio nem calor, e uma ameaça de chuva se avizinhando. Pense que as reses já estavam guardadas, a lenha empilhada, cavacos picados para acender o fogo, logo mais, ao chegar da noite, e a cachorrada já se enroscava debaixo do rancho, lambendo as sarnas e a pingola, não necessariamente nessa ordem, enquanto os gatos vadios já estavam aninhados sobre um pelego atrás do fogão, que, ainda que apagado, oferecia um confortável aconchego aos peludinhos do rancho.

A patroa viajara pra cidade, e Apolônio Lacerda, nesta tarde, solito, um taura que apreciava uma boa prosa e um mate com rapadura, olhava entediado para o horizonte, recostado na janela fechada por tampão de tábuas acinzentadas pelo tempo, procurando e esperando a sorte de ver alguma alma se achegando para dividir o mate. Em vão, Com o tempo enferruscado do jeito que estava, todas as almas do Cêrro do Bassorão, naquele momento faziam o mesmo. Nenhum indivíduo com são juízo teria disponibilidade para aventurar-se  pelas veredas da serra em véspera de temporal. Não mesmo. Asim, mascando um graveto, Apolônio aproveitava a solitude para espremer uns cravos do saco, côsa que devia ser feita com muita cautela. Mas até cravos tem limite, e logo o tédio avançava, e não teve outro jeito Apolônio, que não o de cuspir na cabela dum galo que passava no terreiro, e depois disso, escrafunchar no bolso em busca de um isqueiro de pederneira que levava sempre consigo.

Com três ou quatro batidas do toco de lima na pedra sílex, um faisquedo alumia o rancho, e logo um fogo bicharedo crepita nas grimpas do velho fogão de chapa. Apolônio alça mão na velha chaleira de ferro, e com uma caneca de porongo, enche a chaleira e leva ao fogo. Mexe no tição e ajeita as labaredas. Vai até à gamela no canto, passa a mão num naco de sabão, e num ato de coragem repentina, lava as mãos e as fuças, passa um pouco de água ensaboada nas melenas, e penteia os poucos cabelos brancos que ainda restam. O velho espelho emoldurado com dourado descascado serve de parceiro para uma prosa corriqueira, e olhando para si próprio, do outro lado do vidro, Apolônio faz uma murisqueta, e sorrindo, ri de si mesmo.

A chaleira chia, e Apolônio busca numa lata velha, a erva para o mate.Um toco de guampa serve de concha para abastecer a cuia com a erva amarga do rancho. Um tanto de água para cevar, um tanto de água para preencher a cuia, e aí entra a bomba de prata carcomida pelo tempo. Um gole, dois goles, e no terceiro gole, a expressão de satisfação. Acabou-se o tédio, acabou-se a solidão. O mate parceiro faz-lhe companhia, e juntos falam da vida.

Lá fora, o minuano geme, e uma saracura canta no banhado, anunciando chuva. O cusco responde erguendo a cabeça, mas logo volta a enroscar-se para escapar ao frio. As galinhas não ousam soltar um pio, mas até poderiam, porque do jeito que o tempo está, nenhuma raposa terá coragem de sair da toca. A fome pode esperar pro dia seguinte.

Apolônio vai até à janela, que está próxima ao fogão, agora quente, tomando seu mate, e olha pro lado de fora, no quintal, onde tem plantados uns pés de couve, umas verdurinhas, e umas ervas. Estica o pescoço virando de um lado a outro, e encontra os tempero que estava buscando. Toma mais dois goles de mate, e vai lá fora buscar os temperos. Volta, cantarolando, e começa a preparar o jantar. Uma frigideira pendurada na parede serve para o intento, e pouco a pouco, os ingredientes são jogados dentro dela.Um naco de charque bem picado,uns temperos, alho, salsinha, cebolinha verde, gordura, ovo, cebola, e o frito está pronto. Mais uns gols de mate, e com uma colher grande, coloca generosas porções de cuscuz que estava pronto, já aquentado, ali do lado, dentro daquela mistura de fritos, e mexe com delicadeza, movendo a colher pra lá e pra cá com maestria. E em pouco tempo, um revirado de cuscuz está pronto para a última refeição do dia. Ali do lado, um velho e amassado bule servirá para o preparo do chá de mate, feito com a mesma erva do chimarrão. Um tanto de tempo breve sobre a chapa  quente para dar uma tostatinha na erva, e a seguir, a velha chaleira preta divide sua água com a cambona, eum ferver espumante e perfumado anuncia o chá de mate que acompanhá a ceia do revirado de cuscuz.

O leite gordo da vaca "Manhosa", já fervido, deixa à mostra uma cobertura de uma camada grossa de nata, num ladinho do fogão, e Apolônio serve um caneco bem grande com aquele leite, pela metade do caneco, completado pelo chá de mate, e umas duas generosas colheres de açúcar amarelo, lá da venda do Barbosa. Um naco de pão guardado debaixo de um pano velho, sobre a mesa, é colocado à frente da frigideira de revirado de cuscuz, acompanhado por uma tigela de marmelada e outro naco de queijo gordo. Está servida a refeição.

Apolônio assenta-se à mesa, e reza um agradecimento pelas goloseimas. Pede proteção para a patroa que está fora, para as reses guardadas, as galinhas, o cusco e até o gato. Pede pela saúde de Carsulina, sua velha amiga, e por fim, lembra de si próprio no finalzinho da reza. A chuva desaba lá fora.O fogo crepita e cantarola no velho fogão. A mesa está servida, e Apolônio come descansado o seu quinhão de quitutes. É um homem rico. Não há de querer mais que isso nesta vida. É tudo que ele precisa para ser feliz. Depois disso, a noite, o catre, e o sono dos justos.


segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Deus vota? O que minha avó diria sobre isso



Vamos partir da premissa que meus leitores creem e tenham fé em Deus, pois não tenho a menor intenção de tentar provar a existência do Criador do Universo. Porém, seja você crente ou ateu, o escopo desta reflexão está mais ligado à ética do que à Teologia. Mas voltemos aos leitores crentes, especialmente aos leitores crentes na intervenção divina nas coisas do dia a dia, na ação dos pequeninos milagres, e sobretudo, na resposta de nossas orações, nos momentos de angústia, de aperto, de busca de soluções divinas, até mesmo naquelas soluções onde a intervenção do Eterno possa ser menos percebida.

Orar é uma necessidade e uma oportunidade que temos de nos conectarmos com o Altíssimo, isso todos os que creem, creem assim. O que parecem outros não saber é como podem ser recebidas e atendidas algumas destas orações, destas petições. O caso aqui é o voto, mas ainda na continuidade do tema anterior, as disputas. Será que Deus vai atender nossas orações em toda e qualquer circunstância? Partindo do entendimento que Deus não É surdo ou insensível às nossas preocupações, quero analisar as circunstâncias onde orar pode tornar-se uma atitude inócua, irreverente, e até mesmo estranha ao entendimento de que O Criador possa parecer injusto.

Quando jovem, fui candidato ao cargo de presidente do grêmio estudantil, e como tal, dediquei-me à campanha, argumentando de sala em sala ou pelos corredores da escola, das razões porque deveriam votar em mim. Minha avó acompanhava meu entusiasmo, e sorria. Apenas sorria,mas não dizia nada. E minha avó foi uma mulher de oração. Orava duas vezes ao dia:antes do sol raiar pela manhã, e ao fim do crepúsculo, à noitinha, sem levar em conta que orava continuamente com louvor e ações de benemerência. Mas sobre dar um empurrãozinho em minha campanha pelo método dos joelhos dobrados, nada. Nenhuma palavra. E mesmo assim, venci a eleição, com larga margem de votos, e ao chegar à casa, eufórico,contei à ela do resultado. Ela deu mais um largo sorriso, de alívio, e disse: "Bem, meu filho, agora eu posso orar por você, para que sejas um bom líder!".

Guardei, por ter entendido imediatamente suas palavras. Minha avó ensinou-me a orar por sabedoria, saúde, dignidade, fé, temperança, alimento, abrigo, proteção, saúde, e principalmente por paz. Mas jamais orou pedindo que O Altíssimo desse um empurrão no goleiro para o lado oposto da rede, e nosso time, o Grêmio ou a Seleção Brasileira, fizesse aquele gol que gostaríamos de ver. Jamais vi ou ouvi minha avó orar pela vitória deste ou daquele candidato, ainda que tivesse alguma simpatia pelos mesmos.Orava sim, mas orava para que houvesse paz e equilíbrio durante a campanha. Orava para que todos os candidatos fossem inspirados e iluminados, para representar seus eleitores, fossem eles eleitos ou não. Minha avó jamais fez promessa para que este ou aquele vencesse isso ou aquilo, até porque ela sempre acreditou que com Deus não se negocia. Com Deus não há artimanhas, e muito menos serve O Eterno como "cabo eleitoral" de quem quer que seja, por mais bem intencionado que seja o candidato.

Assim, de chofre, até parece que sou descrente da intenção de minha avó em buscar proteção e apoio ao candidato que nutria sua simpatia. Não sou, e muito menos era minha avó, Maria Elisa. Sua lógica era sábia, porque ela orava pelo candidato em sua vida espiritual, e que sua eventual vitória ou derrota pudesse servir de crescimento espiritual, enquanto indivíduo, enquanto cidadão. Minha avó não era uma "Maria-vai-com-as-outras" em questões políticas.Não mesmo. Ela tinha opinião e sabia de quem gostava, ou de quem queria manter distância, porém, orava por todos, e deixava que Deus agisse de acordo com Sua vontade (a vontade de Deus), e não pela muito provável condição de erro a que são submetidos os eleitores de muitos, sendo ela própria uma destas eleitoras. Minha avó jamais pediu que Deus desse vitória, nem mesmo ao seu neto querido, no caso eu, mas que a eleição fosse conduzida com sabedoria e justiça.

Maria Elisa, minha velha e sábia avó, acreditava na volta de Jesus para muito breve, e acreditava que ela própria, ainda em vida, participaria deste momento tão solene, porém, em momento algum pediu para estar viva para esperar o acontecimento, mas confiava que O Eterno guardaria seu tesouro até que o momento tão desejado viesse a termo. Minha avó, Maria Elisa, resolveu tirar uma sonequinha aos noventa e cinco anos, e dorme desde então, há mais de uma década, esperando ainda, que Jesus volte. Entendeu sempre, que Deus deu ao Homem determinação, vontade própria, para fazer suas escolhas, e acreditava que o Homem havia sido criado à Sua imagem e semelhança, isto é, com livre arbítrio, assim também Deus Se permite a liberdade para escolher a quem colocar no poder,ou a hora em que O Messias virá, sem estar sujeito à pressões de quem nada entende do desconhecido.

Minha avó me ensinou a entender que orar pela vitória do meu clube, ou de meu candidato, ou ainda por ganhar na loteria, pode tornar-se até mesmo uma blasfêmia, considerando que quando entram em campo, os dois clubes oram com a mesma fé. Quando entram no front, também oram pela vitória, os combatentes dos dois lados. Quando se encontram nas urnas, oram pela vitória os eleitores e os candidatos de todos os lados. A disputa então começa nas igrejas e termina no foguetório nos ouvidos dos cachorros dos vencidos, porque antes, cordeiros e cordatos, imploram pela misericórdia de Deus para seu pleito, mas uma vez vencedores, tripudiam sobre os despojos dos vencidos.

Eu vou continuar orando para que Deus dê serenidade aos eleitores, dignidade aos candidatos, e paz à nação. E penso muito na oportunidade de apresentar minha avó à vocês, no dia da ressurreição. Não posso mais orar por ela, pois seus dias expiraram, e ela já se encontra inscrita em um dos livros do Céu, e de lá não tenho como mudar, mas posso orar para que cada um que me lê e reflete em minhas palavras, tenha a oportunidade de abraçar Maria Elisa, mas isso não depende de mim, senão o pedido contínuo de inspiração divina aos governantes depois de eleitos, e de minha colaboração com as autoridades, uma vez que são elas ali colocadas por Deus. Mesmo que ninguém tenha orado por elas. De minha parte,vou orar para que tenhamos serenidade para discernir o podre do contaminado, e que nosso voto seja capaz de escolher aquele que dará aos nossos filhos e netos a possibilidade de também continuarem votando e orando. Parece pouco, mas é muito para quem crê.

domingo, 12 de agosto de 2018

O Bom ou O Melhor - A Anatomia do Bullying


O Bom e o Melhor - A Anatomia do Bulying

Paulo Cardoso* (Palestrante)

Desde menino, talvez pela minha origem pobre e desprovido de pai, mirradinho, fracote, e sem nenhum tipo de talento comum, de natureza  atlética, ou intelectual, aprendi às duras penas, a suportar fracassos continuados, e deles recolher restos de esperança, somados com pequenos atos de generosidade alheia, e desta amálgama de sobrevivência, a construir meus castelos, onde eu era rei, o rei de mim mesmo, e talvez de um reino onde os súditos não tinham nomes. Uns, apareciam em meus sonhos de menino, com rostos de amigos, a quem, em minha generosidade, os havia transformado em nobres. Outros, os meus inimigos, os malvados da vila, eram para meu reino, os vilões, com quem eu batia espada, e sempre os derrotava. Eram trancafiados nas masmorras, e impiedosamente eram submetidos a humilhações, como carregar meus livros, amarrar meus sapatos, ou dividirem suas saborosas merendas com outros súditos, também humilhados como eu era, nos momentos de lucidez, quando não era rei de lugar algum.

Por não ter conhecido meu pai, e na condição de "homem", ainda que com sete ou oito anos de idade, eu não poderia sobrecarregar minha mãe e minha avó com meus pequenos problemas de menino. Desta forma, eu tinha que transformar-me em pai de mim mesmo, para defender a honra da família, isto é,salvar meu couro das surras que tomava dos malvados que moravam perto de mim.

Aprendi também que para pertencer a algum grupo, e caso não tenha sido você mesmo, o mentor, fundador, autor, e presidente deste grupo, você não é nada, ou menos que nada,  mas ainda assim, você tem uma chance de participar daquele grupo, contanto que seja público e notório que você cumpra todas as regras de ingresso e permanência lá dentro da fraternidade do mal. Mas você é forte, e como uma pessoa vencedora e decidida, regras lá fora não interessam mais para que você possa subir no conceito dos malvados. Pescoços de amigos, familiares, e quem quer que seja que cruze seu caminho, tornam-se escadas, degraus, tapetes e alcatifas. Agora você tem a oportunidade de não só entrar no novo grupo, como também vê a chance de crescer ali dentro, de ser importante, de ser chamado pelo nome, e um dia, quem sabe, ser você mesmo o supremos comandante daquele grupo. Você vê a oportunidade de sobrepujar seus medos e seus adversários, e passar da condição de dominado a dominador, porque você está decidido a tornar-se o melhor, o mais ágil, o mais inteligente, o campeão. É aqui que pega a coisa então. Tornar-se campeão.

Somos doutrinados, desde muito pequenos, a conquistarmos nossos prazeres através de disputas. Precisamos, diante da sociedade, da família, dos amigos, e principalmente dos desafetos, provar nossa superioridade, em tudo. Todos os caminhos que nos esperam, não nos querem como segundos colocados. Querem sempre o primeiro, o maior, o melhor, o mais forte, o mais hábil, o mais belo, e até mesmo o mais calado. Mas sempre será o mais. Sempre seremos aquele "mais" desejado, porque também nós temos em nosso íntimo particular que ser o maior, o melhor, é algo natural. Foi neste modelo que o Naturalista Fritz Kahn, seguido por Darwin, decidiu demonstrar que na Natureza, o mais forte é o que vai sobreviver, e assim Darwin desconstruiu o modelo criacionista,onde todos tem o mesmo privilégio, para estabelecer neste lugar, aquele que seja capaz de pisar melhor, de esmagar com mais força, de chegar na frente, e de demonstrar que compaixão e piedade, humildade, serenidade, são apenas demonstrações de fraqueza dos incapazes.

Meus filhos jamais receberam de mim qualquer motivação para disputas inúteis. Jamais motivei qualquer um deles a tornar-se desportista, atleta, ou perseguir títulos que enaltecem apenas o ego, e ainda que a prática de esportes seja saudável para a mente, para a cooperação, para a saúde, e para o companheirismo, sou levado a pensar que ações solidárias em reconstruir uma casa derrubada pela chuva em áreas desfavorecidas, ou transportar alimentos para um asilo, brinquedos para um orfanato, abrigos para os moradores de rua, sejam oportunidades ímpares de aproximação de pessoas com interesses comuns. Sempre entendi que subir o morro para levar comida às viúvas e os desamparados, seja um exercício tão eficaz ou até melhor, do que passar noventa minutos correndo atrás de uma bola, embora eu saiba que o prazer não será o mesmo, tenho que admitir. Subir o morro é muito melhor.

Vejo com tristeza que nem mesmo as igrejas escapam desta tragédia humana chamada "disputa". Não escapam os seus pastores ou seus missionários, da perspectiva de "levarem mais almas à Jesus", conquistarem mais adeptos para suas igrejas, alcançarem mais ofertas para as obras sociais, ou buscarem o patamar mais alto na escala de humildade. Quanto paradoxo!Vejo com decepção pela oportunidade que perdem na formação do bom caráter nos pequeninos, os professores que promovem jogos, ainda que educativos; com os educadores que promovem disputas e oferecem premiações e pontos, favores, benefícios, àqueles que tirarem as melhores notas, aos que se destacarem nas tarefas, ainda que muitos se esforcem, mas não logram êxito, uma vez que cada pessoa tem percepção e capacidade cognitiva diferente. Uns são hábeis em aritmética, enquanto outros desempenham satisfatoriamente as artes. Vejo assim, com preocupação, a transformação das pessoas em "boas" nisso, "boas" naquilo, enquanto que todos querem apenas aprender, entender, e depois fazer aquilo que foram contratadas por seu conhecimento.

Ser bom, é desejável. Ser ainda melhor, é alcançável por todos, mas ser "o bom", ou "o melhor", é uma façanha que exige mais que esforço, e em muitos casos, dobra e quebra em pedaços a própria ética durante a formação do caráter. Esta é a anatomia do Bulying: Ultrapassar o outro, mesmo que dentro das regras. Eu passo essa. Não preciso ser o melhor, nem melhor que ninguém. Preciso apenas ser melhor do que eu mesmo fui ontem, e amanhã, do que sou hoje. O que passar disso, não vem de Deus.

O Shabat: Um Tempo de Encontro com Deus, na Perspectiva de Heschel e Jesus

  Ilustração: Seaart AI   O Shabat: Um Tempo de Encontro com Deus, na Perspectiva de Heschel e Jesus Paulo Cardoso* 1. ...