Dona Maria Fiorese era velhinha já, quando a conheci. Também conheci seu João, por pouco tempo. Mas dona Maria foi nossa vizinha por alguns bons pares de anos. Comprávamos couve, limões, e tempero verde dela. Ia na horta, com uma faquinha de ponta redonda, e com suas mãos pequeninas, enrijecidas pela artrite, e cuidadosamente escolhia e cortava os legumes, pelos quais pagávamos alguma coisa entre o barato e o quase de graça. Até o momento em que escrevo esse texto, a casa ainda permanece lá. Caidinha, despencando, mas está lá, testemunhando que atrás dela havia uma hortinha, ao lado, junto à rua, um limoeiro, e na frente uma cerquinha puída.
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sexta-feira, 10 de dezembro de 2021
A Casa de João e Maria Fiorese - As casas com tramelas, penicos, e capungas, na GRAMADO de priscas eras
Dona Maria Fiorese era velhinha já, quando a conheci. Também conheci seu João, por pouco tempo. Mas dona Maria foi nossa vizinha por alguns bons pares de anos. Comprávamos couve, limões, e tempero verde dela. Ia na horta, com uma faquinha de ponta redonda, e com suas mãos pequeninas, enrijecidas pela artrite, e cuidadosamente escolhia e cortava os legumes, pelos quais pagávamos alguma coisa entre o barato e o quase de graça. Até o momento em que escrevo esse texto, a casa ainda permanece lá. Caidinha, despencando, mas está lá, testemunhando que atrás dela havia uma hortinha, ao lado, junto à rua, um limoeiro, e na frente uma cerquinha puída.
De Wanda Ducszynka a Débora Irion - A Cerâmica de Gramado em priscas eras
Na parte de cima do Casarão dos Castilhos (veja matéria a respeito aqui), funcionava um atelier de cerâmica artesanal, com peças pintadas à mão pela artista plástica Dudi Ribeiro. Dudi acompanhou o estilo predominante nesse tempo, na cerâmica que foi levado à Gramado pela ceramista polonesa, judia, Wanda Duckszynka (Não sei se está correta a grafia do nome), egressa de um campo de concentração em seu país, que foi liberta (Wanda levava no braço, uma tatuagem de seu número de prisioneira), graças à sua profissão, Engenheira Agrônoma, porque os nazistas estavam recrutando agrônomos para algum projeto agrícola.
Levada à Gramado pela amiga Elisabeth Rosenfeld, Wanda abriu um atelier, onde trabalhou por menos de uma década, e depois vendeu o ponto de vendas e a marca.
Dos auxiliares de Wanda, alguns deram continuidade ao seu estilo e trabalho, que se proliferou pela cidade, e seu estilo também. Gramado, em cada tempo, teve seu auge em algum tipo de economia criativa. Ainda falaremos disso. Foi a economia criativa quem deslanchou e fez crescer Gramado, e foi o ímpeto empreendedor e ambicioso quem fez, a partir de certo tempo, perder a pureza da fonte, onde bebiam os pioneiros. Isso é ruim? Não! É o progresso, e quem não convive com seu tempo, joga o futuro no passado e o passado no futuro, passando pela vida sem vivê-la no melhor que ela tem, no tempo em que se apresenta.
Gramado não se tornou melhor e nem pior. Gramado evoluiu, se transformou. Não se pode culpar as novas gerações pelo desaparecimento de velhos costumes, porque não faria nenhum sentido isso. O que é importante é resgatar o melhor de cada tempo, para servir de esteio aos tempos que chegam. A arte tem esse papel e função. Lembrar que temos uma alma, que pode ser saudosa ou esperançosa.
No entanto, falar em Arteiro, sem mostrar o belíssimo trabalho das artesãs Dudi Ribeiro, e Wanda, seria incompleto, embora eu não tenha encontrado imagens da cerâmica original de Wanda Ducszynka, encontrei obras de seus sucessores, ainda em atividade, e aqui seguem algumas imagens de seus belíssimos trabalhos.
Outros ceramistas tiveram seu lugar de destaque nessa arte, em Gramado: Ricardo Dinnebier (Diniba); Marlene Peccin, e também, um grupo de uruguaios, que imigraram durante a ditadura em seu país, e quando chegaram à Gramado, eram ceramistas. Seu estilo era diferente. Trabalhavam pequenas peças em terracota, delicados pássaros, e outros animais, eram sua marca, de fácil identificação.
Eu procurei por imagens destas cerâmicas que mencionei, dos uruguaios, mas nada encontrei. As peças abaixo, são bastante parecidas.
Se você conhece alguém remanescente destas famílias, por favor, passe meu contato, que eu complementarei esta matéria. (48) 999 61 1546 (whatsapp apenas).
Também trabalhou em Gramado, durante certo tempo, um ceramista pernambucano, chamado Daniel (não recordo o sobrenome), que fazia figuras em barro queimado, da arte do "Mestre Vitalino", célebre artista popular nordestino.
Imagem: Internet (Arte do Mestre Beto Pezão, SE)
Eu não poderia concluir esta matéria, sem mencionar, e finalizar com o belíssimo trabalho desenvolvido na atualidade, pela Artista Plástica, de fama internacional, Débora Irion.
Débora é natural de Santa Maria, RS, mas vive em Gramado desde a década de 1980.
domingo, 5 de dezembro de 2021
Sobre o amor e a consolação - Pétalas
Na dor devemos consolar, e confortar. No ódio, devemos perdoar.
Não, nunca é fácil, nunca foi, mas tanto a dor quanto o ódio, são barreiras que travam a vida em sua plenitude, que rompem o fio de prata entre a vida e a eternidade, que enterra a esperança, e que conduz ao esquecimento.
Confortar não é a cura, mas a companhia, o abraço, as mãos estendidas e o caminhar junto, enquanto a cura não vem, enquanto a jornada não se encerra.
Perdoar, não é aprovar o mal feito, mas jogar água fria no calor da ira, para que se fechem as comportar do destempero. Perdoar é seguir em frente sem o cadáver da ira nas costas. É libertar-se do que nos ata ao que nos ofende. Perdoar não é concordar, mas não dar lugar ao lenitivo, a fim de que este aplaque a dor do embate, e abrir as janelas do tempo, para que entre e nos acompanhe em suas asas.
Não perdoamos o mal feito, mas o que deixou-se enredar pelo desejo de fazer o mal, e por fim, o executou. Perdoamos a condição humana, de humanos atos, para que façamos perceber o contraste entre o divino que cria e a criatura que destrói. Não fomos lançados ao mundo, vindos do nada, mas fomos moldados pelas mãos, e soprados pela boca do que É, acima de tudo. Somos a imagem e semelhança, do Tudo, e assim, Tudo em nós que somos nada, torna-nos em tudo habilitados para sermos plenos, ainda que aparentemente insignificantes.
"Ama ao teu próximo" não é uma opção. É uma condição. É uma orientação positiva, sem ser impositiva. É uma necessidade do outro que deve ser considerada como alternativa de viver saudável, não no sentido físico, mas mental e espiritual.
Em hebraico, "Ahavá", se traduz por: doar-se, independente de afeto envolvido. Amar não é bem querer, mas quer o bem. Amor não é a sobremesa. Às vezes, pode ser a casca dura da noz a ser rompida. Porém, romper a casca é porque outro necessita do conteúdo. Já quando a casca de rompe de dentro para fora, acontece a germinação, e a vida se renova.
Amar é deixar-se brotar para que seja quebrada a casca, e a árvore cresça.
Amar não é escolha. É oportunidade.
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sexta-feira, 3 de dezembro de 2021
O homem que vendia solidão
quinta-feira, 2 de dezembro de 2021
Tio Março e Tiní - Marcílio e Irani Cardoso, visitados por GRAMADO de priscas eras
Marcílio Andrade Cardoso, e Irani Casagrande Cardoso, chamados carinhosamente de “Tio Março, e Tiní”, eram pessoas ímpares.
Vou contar um pouco do que conheço de sua história, mas especialmente, da parte em que nos ligamos à essa narrativa. Marcílio era contado entre quatorze filhos de Manoel Ignácio Cardoso e Maria Emilia de Andrade. Trabalhava com madeiras, especialmente pinheiro Araucária. Junto com seus irmãos, Horácio, e Ademar, era comerciante. Sobre os demais irmãos, falarei em outra oportunidade. Agora quero discorrer sobre nossa história de família entrelaçada com Tio Março e Tiní. Falarei mais deles, do que da casa, pois a casa fala por si mesma. Um chalé de madeira, de tábuas horizontais, que acomodou muito da minha história pessoal. Esse tipo de chalé, já comentei em outras descrições, era bastante comum em Gramado, pela mão de obra e estilo dos carpinteiros, e pela disponibilidade dos materiais empregados, resumidos à telhas francesas, tijolos maciços, e madeira de pinheiro. Algumas eram caiadas, as mais humildes, com tábuas verticais, espaçadas, para dilatação, cujas frestas eram fechadas por tiras finas de madeira, denominadas de “Mata juntas”. Eram assim. Já as casas de famílias um pouco mais abastadas, eram de madeiras mais nobre, conhecida como de “Primeira, Segunda, Terceira”, isto é, classificação contada a partir da base da árvore, em direção aos galhos, e do cerne (miolo) em direção à casca (Alburno), mais clara, pois o cerne, avermelhado, era rico em resinas, e mais suscetível à rachaduras, apenar da durabilidade ser muito maior. Assim, mesclavam-se as funções das madeiras em uma casa, por exemplo, usando o cerne como parte estrutural (caibros, tirantes), e as paredes com material mais limpo, sem nós ou manchas vermelhas da resina.
Assim era então a casa dos Cardoso. Mas vamos à história das pessoas de dentro desta casa, em especial.
Acervo de famíliaA chegada à Gramado de minha família
Gramado, nos anos 40 do século XX, era uma pequenina aldeia, um distrito isolado, de uma cidade maior, que era Taquara. Não vou me estender nisso, porque já existem muita literatura a respeito do fato, mas vou relacioná-los à minha família próxima, com os Cardoso.
Marcílio (Tio Março), era um proeminente líder político de Gramado, que particularmente tinha um profundo carisma, tanto ele, quanto ela, sua esposa, Tiní. Eram ricos, para os padrões de riqueza que eu podia compreender (rico pra mim, era quem tivesse um carro, uma Rural Willys, por exemplo), mas não ostentavam o patrimônio que possuíam. Terras, florestas de pinheiros, serraria, madeireira, indústria de móveis, e muitos, muitos amigos. Tinham também inimigos, mas sua casa costumava ficar com a porta destrancada. Sei disso, porque eu chegava e entrava a qualquer hora que chegasse lá.
Já contei de uma tragédia que se abateu sobre minha família, no final dos anos 50, onde meu pai, Valdomiro Borges dos reis, meteu-se numa querela com seu sogro, meu avô Assis Brasil Cardoso, e num lufa-lufa que sucedeu-se, após os xingamentos de apresentação, Valdomiro teve razão, pois nesse tipo de embate, tinha razão quem permanecesse vivo. Foi isso. Assim, minha avó, Maria Elisa, juntou as matalotagens que tinha, bem poucas, vendeu as terras, cerca de 50 hectares, a um indivíduo, que pagou a primeira das seis parcelas pelo negócio, e até esqueceu de pagar as restantes (conta que irá saldar no Dia do juízo), e desta forma, minha avó, com três filhos, a tiracolo, e um penduricalho dentro duma sacolinha de farinha de trigo, que é o escriba que vos narra essa serie, aparentemente absurda, porém, verídica.
Pois, em chegando à Gramado (pensem, na confortável situação, de voltar com a cola entre as pernas, após uns 20 anos, para a aldeia de onde saiu. Pois foi), ajeitados os mijados e tendo onde recostar o lombo ao final do dia, todos foram à luta. Eu também, mas fui discriminado porque não havia completado ainda dois anos de idade. Tive que esperar até os nove anos para começar a trabalhar fora de casa. Só aí pude engraxar sapatos (em casa, pois minha mãe me proibia de vagabundear pelas ruas. Assim, eu ia nas casas e recolhia os sapatos, engraxava e os devolvia, mediante um pagamento de resgate pela devolução. Foram tempos de fartura. Tinham uma bela carteira de fregueses: Um! Erich Rosenfeld), e pelar moranguinhos para Dona Elisabeth Rosenfeld. A cada dez moranguinhos pelados, eu poderia comer um. O negócio não prosperou, por culpa da confusão matemática que fazia, pois pelava e devolvia um, e comia dez.
Minha mãe, senhora dona Ester, conhecida por "Prefessora Istéla", como diz o título, tornou-se professora. Com o quinto ano primário. É aqui que começa a narrativa ligada aos outros Cardoso, Tio Março e Tiní. Ainda tinha Esaú, meu amado tio, levado ao repouso tragicamente aos vinte e quatro anos, mas ao chegarmos à Gramado, ganhou emprego na serraria do Tio Março, onde aprendeu a dirigir caminhão e "puxar" toras dos matos para a serraria. Samuel, com cerca de sete ou oito anos nesse tempo, foi à luta, trabalhar no lugar onde todos os meninos dessa idade em diante iam trabalhar, para não vagabundear pelas ruas: Nas fábricas de vime ou de doces. Vimes Dinnebier, Accorsi e Masotti. Doces Masotti (primos dos vimeiros).
Vamos ao ponto. Ocorre que meu avô, Assis Brasil Cardoso, filho adotivo de Ermínio Gil, era muito bem relacionado no Quinto Distrito, e sua morte causou comoção nos seus amigos. E entre seus amigos, estavam Marcílio Andrade Cardoso, Orlando Koetz, e o então Prefeito, Arno Michaelsen. Foi quando o casal Cardoso, Tio março e Tiní, assumiram o suporte, e levaram a jovem Ester, com dezoito anos, primeiro, para sua casa, onde tornou-se cuidadora das crianças (Manuel Inácio, Alexandre, e Caetano Raphael). Não sei dizer qual foi primeiro, mas o certo é que ambos tiveram seus cuidados. Contou-me certa vez que todas as crianças eram muito bem educadinhas. Relata que os filhos de Orlando e Teresa Koetz, eram tão educados, que sabiam a hora de irem dormir, e eram corteses e gentis. Bem, eu os conheço todos, e acho que isso não mudou muito. É o que eu acho. Só não uso a expressão "educadinhos", porque não cairia bem à quem já é avô e avó. Fora isso, sim, fica bem o adjetivo "cortês".
Os planos dos Cardoso ricos para os Cardoso empobrecidos, ia além de trocar fraldas e limpar bundinhas sujas de pirralhos, e Marcilio levou Ester para uma visita ao Prefeito Michaelsen, e a apresentou desse modo:
- "Arno! essa menina é filha do Assis!"
- "Ah, é filha do Assis? Então temos que conseguir uma colocação para ela. Vai ser professora!"-respondeu Arno.
Assista aqui o causo da VÉIA FRÓCA
E foi assim que Ester foi lecionar na Escola Municipal da Curva da Farinha. (Leia dois relatos sobre o caso da "Véia Froca". Relato 1, Relato 2). Depois, por influência de Tio Março e Tiní, prestou concurso estadual, e foi aprovada, como Professora paga pelo Estado. Nesse tempo, o Governador era Leonel Brizola, e recém havia criado o projeto das suas famosas Brizoletas (Ainda falaremos a respeito disso, com imagens e tudo). Pouco tempo depois, Ester foi transferida para a Escola Getúlio Vargas no Bairro Piratini, nesse tempo, chamado popularmente de "baixada". E por fim, conseguiu uma vaga na escolinha em frente da casa onde morávamos, na Vila Moura (hoje centro).
A moçoila formou-se "Professora"E eu aproveitei a carona e fiz pose
Minha infância foi uma infância, dentro da leitura que eu fazia da vida, bastante feliz. mesmo. Eu não tinha noção da tragédia. Não tenho nenhuma lembrança de meu pai ou meu avô. Mas lembro com nitidez do jeito de andar do Tio Março e da Tiní. Lembro com nitidez da bondade dele, permitindo que eu passasse horas brincando na calculadora Facit, manual, do escritório da madeireira. Lembro do cheiro da madeira dos pinheiros Araucária sendo serrados, e da maciez da serragem onde pulávamos brincando e correndo. Lembro da voz grave e bondosa do Tio Março, e firme e doce da Tiní. Lembro dos passeios de Rural, e jamais poderia esquecer dos jogos da Copa de 1970,l que assisti na casa deles, e que fomos comemorar de Kombi, toda a piazada, gritando pela rua junto com outras dezenas de carros, com o mesmo propósito. Nós gritávamos, e Tio Março sorria, ria, sem parar. Do jeitão dele.
Pelo bem das boas lembranças, falarei sobre Osvaldina e Fúcio, um casal de pessoas gentis, que moravam em uma casinha, nos fundos de uma oficina que fabricava carrocerias de caminha, daquele tipo com laterais enfeitadas, que não se vê mais por aí.
Fúcio, cujo nome eu, e todas as pessoas a quem consultei, também não sabem como se chamava aquele italianão corpulento e generoso, de dócil trato, e simpático com as crianças. Fúcio era ferreiro, e trabalhava em sua ferraria, que ficava atrás da casa onde morava, com sua esposa Osvaldina. Também desconheço o sobrenome desta mulher que nos tratava com voz de “tia” e doçura de mãe. Osvaldina trabalhava nos cuidados da casa e da cozinha, em especial, dos Cardoso, e em suas horas vagas, era confeiteira, com fama de estar entre as melhores da época, em Gramado. Já comi algumas das tortas da Osvaldina, e bem, eu era criança, mas lembro bem de coisas que comi e não gostei, o que não foi o caso das guloseimas de Osvaldina.
Esta foi uma das casas onde coloquei o coração em cada traço, e com alegria, compartilho com todos neste espaço.
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