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quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Gramado tem muitas histórias - Velha "Fróca"

Vieille femme au fourneau)- Edouard Vuillard (1868 - 1940)


Éramos muito pobres, quase paupérrimos. Eu tinha cerca de três ou quatro anos de idade, e vivíamos em uma pequenina casa de madeira sem pintura, sem vidraças nas janelas, e com tramelas na porta. Éramos cinco. Minha avó, minha mãe eu, e dois tios. 

Minha avó trabalhava lavando pratos em um restaurante, do antigo Hotel Balneário, que à época, era chamado de "Tênis Clube", por ter sido a primeira sede do clube atual. Havia apenas duas piscinas em Gramado, ambas de água corrente. Ali estava uma delas, a maior. A outra estava em uma propriedade particular. Um restaurante que servia comida austríaca e alemã, servia aos hóspedes  vindos de várias partes do mundo, para serem atendidos pelo Doutor Nelz, com seus banhos de lodo e cuidados com hidroterapia.
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O parque pertencente à família era formado por dezenas de caminhos e trilhas, pequenas pontes, grutas e adornos com elementos da floresta, que faziam aflorar a imaginação dos visitantes, embrenhados por estes caminhos a ouvir o canto dos pássaros e das cigarras, ornado pelo burburinho dos pequenos córregos que faziam bailar suas águas morro abaixo, abastecendo, desta forma, a piscina de água assustadoramente gelada e pura na velha piscina ao pé do morro, em frente ao restaurante do hotel, à época chamado de "Motel", sem nenhuma conotação pejorativa que o nome lembra as hospedarias temporárias para o refúgio do prazer extraconjugal, como significa hoje.

Ali então trabalhava minha avó. Ganhava uns minguados Cruzeiros (moeda da época), e o que sobrava nas panelas, levava para reforçar a mesa de todos nós.

Minha mãe, muito jovem, estudava e dava aulas, no outro extremo da cidade, na chamada "Curva da Farinha". Isso equivale a uma distância de seis ou sete quilômetros. As aulas eram pela manhã, e ela precisava levantar muito cedo, para caminhar até à Estação Rodoviária, a cerca de dois quilômetros,e chegar antes do início da aula, durante a manhã toda.

Pense em fazer isso no alto do inverno de Gramado. A estrada era de chão na maior parte do caminho. Chuva gelada e barro eram a companhia, temperados pelo vento minuano que açoitava as mãos e fazia virar  guarda chuva. Assim eram os dias.

Certa manhã, a professorinha chegou encharcada, enregelada, com os pés ensopados, para dar aula. Tremia e engolia o choro. Mal conseguia segurar a caneta para fazer a chamada dos alunos, batendo queixo de frio. Foi quando entrou pela porta uma vizinha da escola, a "Véia Fróca". Cumprimentou os alunos e tomou a professorinha pela mão, levando-a até sua casa. Lá acomodou a moça ao lado de um fogão onde crepitavam chamas confortantes e fê-la beber uma xícara de leite quente e comer uma refeição. Batata doce assada. Secou as roupas, e quando estava refeita do frio, voltou e deu sua aula o resto da manhã. Antes de sair, "Véia Fróca" ainda recomendou: "Minha filha! Minha porta estará sempre aberta para você!" E assim foi.

Mas esta história não termina aqui. Jovem professora, com cerca de dezoito ou dezenove anos de idade, tímida, ingênua, foi convocada para ir à Secretaria de Educação para receber uma reprimenda, sob a casca de "aconselhamento".

- Professora! Tomamos conhecimento que a senhora foi vista entrando na casa daquela senhora. Talvez a senhorita não saiba, mas esta senhora não tem boa reputação entre as boas famílias da comunidade. Correm conversas de que ela leve uma vida indigna de uma pessoa "cristã". De vida fácil, entende?

- Não! - Respondeu a professora. Não entendo o que dizem. Não sei nada sobre a vida de tal senhora que me descrevem. Mas se a pessoa a quem se referem é a "Véia Fróca", estão falando da pessoa que me acolheu encharcada, congelada, com a boca travada pelo frio, os pés ensopados, e me acolheu com leite quente, uma batata assada e carinho. Estamos falando da única pessoa, entre tantas outras "boas cristãs" na redondeza, que olhou para fora da janela e não pensou na possibilidade de proteger a minha reputação em privar-me de sua companhia,mas acolheu-me do modo que a Bíblia manda, e que eu pude entender na prática o que isso significa. A propósito, o que os senhores queriam me dizer mesmo?

- Nada, Professora! Seu trabalho está elogiável. Siga em frente.

Nunca mais ouvi falar da "Véia Froca". Nem mesmo a conheci pessoalmente. Mas acredito no Mundo Vindouro. E acredito que irei vê-la, se eu lá estiver.



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