O espancamento como instituição de segurança – Racismo, ou Psicopatia?
O tema em pauta da última semana, foi o caso de espancamento até à morte, de um homem, de origem africana, em uma loja, no Sul do País.
O primeiro passo foi de indignação, pela atitude covarde de dois homens, contratados para proteção do patrimônio da loja, ao anteciparem julgamento a uma suposta futura ameaça à integridade física de pessoas, e do patrimônio da loja.
A ação imediata, foi de reconhecimento do possível agressor, seguida de imobilização deste, e ato contínuo, o desferimento de uma interminável sequência de socos e pontapés, sufocamento, contorcionismo resultante do preparo marcial dos dois agentes, investidos de autoridade, e revestidos de supremacia corporal de força e agilidade.
As cenas mostram, breve tentativa de fuga do agredido, e eventuais movimentos de braço, em ação de defesa, sendo debelados pela superioridade numérica e da força empregada pelos agressores.
Em sequência, uma movimentação de comoção, que tomou conta das redes sociais, e da mídia formal, que qualificou o ato como “agressão racista”, e naturalmente, o bom senso comercial orientou aos responsáveis pela loja, e fez com que rompessem contrato com a empregadora dos agentes insubordinados e opulentos.
A sequência das informações, além de disseminarem o vídeo por todos os endereços virtuais (confesso que só assisti o vídeo completo, para escrever esse ensaio), foi proporcional à injúria causada, primeiro, pelo Ser Humano, que teve sua vida ceifada pela brutalidade investida à truculentos indivíduos, que foram alçados, numa fração de segundos, à condição de “policiais”, “delegados”, “juízes”, legislação excedente (uma vez que a legislação penal brasileira, não permite o uso da pena capital, exceto em caso de guerra, por traição ou deserção de fileiras militares), “algozes”, e finalmente, “cães incontinenti que não abrem as mandíbulas depois que atracam a carne da vítima, depois da dentada fatal. Eis a primeira fase do ensaio.
De outro lado, começo a ler e receber compartilhamentos da suposta “ficha policial” do agredido, assim como defesa prévia estimulada por advogados de porta de cadeia, que imediatamente traçam linhas de defesa sob a hipótese de que “talvez a vítima fosse cardíaca, e tenha ido a óbito por consequência de sua comorbidade, e não pela sequência de golpes e pancadas de marretas de carne e osso, e como já citado, chutes e estrangulamentos”.
A suposta ficha policial do agredido, de fato, é bastante extensa, culminando na acusação registrada, de “agressão familiar”, e outras façanhas desse tipo. Enfim, tratava-se de um indivíduo de elevada periculosidade à sociedade, como atestam os registros, e cabia, de alguma forma, que o efeito de seu destempero social fosse cessado, sob a vara da Lei, e da justiça.
Aqui começa a questão: Errou a vítima, em seus delitos anteriores, e certamente, calculou mal a abordagem à uma funcionária do estabelecimento, não considerando que haviam ali próximos dois agentes de segurança, capazes de freá-lo.
Erraram os agressores, que viram no agredido, a possibilidade de demonstrarem sua capacidade de bem proteger a casa, assim como fazem os cães treinados, que estrangulam os invasores da casa, e a seguir, correm para seus donos (donos, e não tutores, dane-se o politicamente correto), abanando o toco de rabo em busca de recompensa. Erraram ainda mais na dimensão da punição, posto ainda que sua tarefa não era punir e sim frear o mau intento, então, erraram por excederem às suas funções, ainda que pisando em terreno alcatifado de boas intenções.
Erraram os selecionadores de Recursos Humanos, ao contratarem indivíduos com acentuado grau de provável psicopatia (o psicopata não demonstra bons sentimentos diante dos apelos da vítima), para simplesmente preencherem as vagas da demanda de seus empregadores. Aplica-se à estes uma significativa parcela de responsabilidade pelo resultado da desastrosa ação.
Erraram, antes de tudo, os advogados que esgravataram nas páginas escondidas das Leis penais, subterfúgios para convencerem juízes a manter o indivíduo em liberdade, nem ao menos vigiada, o que em certas circunstâncias, pouco resolveriam.
Erraram os legisladores, que votaram e aprovaram emendas esdrúxulas casuísticas, que favorecem a impunidade.
Erraram os Presidentes da República, que chancelaram e deferiram tais aberrações jurídicas.
Erramos todos nós a atribuirmos como de natureza racial os golpes desferidos contra um homem negro, haja vista que este velho escriba, apesar de ter tez clara e traços caucasianos, já foi agredido com palavras, com rompantes e arrogância autoritária, por outros vigilantes de bancos (até trancado em porta rotatória já fui), ou constrangidos a deixarem documentos na posse destes em guaritas empresariais, ou ainda constrangidos em portarias de prédios residenciais, e aqui não se trata só dos vigilantes, mas dos próprios cidadãos, que se julgam superiores a outros, por estarem na condição de clientes , sob a máxima estúpida de que “o cliente sempre tem razão”, quando não tem, pois a razão está da ética, na elegância, na civilidade, nos bons costumes e modos, e no respeito ao outro, enquanto pessoa, independente da cora, etnia, ou situação social em que se encontre.
Assim, não vejo a agressão e morte do cidadão em questão, apenas como um crime racial, mas como um crime de falta de humanidade, e como todo crime é falta de humanidade, isto é, do lado bom que a humanidade nos oferece, vejo que o primeiro excesso foi em imaginar que pessoas mais fortes que as outras, em posse de armas, letais ou não, tenham o direito de agredirem, de punirem com socos e pontapés, estrangulamento, outra que esteja sob seu domínio, ainda que não imobilizada por completo, pois até para imobilização, existem meios, mecanismos e dispositivos de choque, de efeito paralisante, que atordoa, enfraquece, derruba, pelo tempo suficiente para que seja algemada e imobilizada por completo, até que as verdadeiras autoridades os recolham e encaminhem aos lugares que a Lei determina, e que a Justiça se faça acontecer.
Vejo precipitada a politização do fato. Vejo precipitados os extremismos de acusação ou defesa, diante de fatos midiáticos e sem o devido processo legal, que esclareça todos os fatos, de todas as maneiras, e a todos os envolvidos.
O "Cara estava agredindo sua companheira", disse um internauta. Sim, dizia sua extensa ficha de crimes, que estava. Mas isso não era do conhecimento dos seguranças, e ainda que fosse, não lhes era reservada a tarefa de punição, mesmo porque não existe tal forma de punição no código penal brasileiro. E ainda que existisse, não são seguranças de supermercado, os responsáveis pela aplicação de qualquer tipo de punição.
Até lá, fiquemos longe de confusão, onde quer que seja. Viveremos menos pior. Para nossa infelicidade, nos bastam as desgraças que não vemos.
Paulo Cardoso - Pensador